Lembranças
de natal.
Apenas uma
árvore em uma noite de Natal.
Era uma
visão incrível. Apareceu assim do nada. Fez-se presente para sempre em minha
vida. Dizem por aí que só os escoteiros têm o privilegio de ver e ouvir coisas,
de entender o som do vento, o som das árvores, do regato que corre para o mar.
Dizem que a natureza se faz presente aonde sempre vão e eu seguia o vento
conforme meu Velho Chefe me ensinou um dia. “Escoteiro, siga o vento, ele sabe
onde você deve chegar”. Meu Velho Chefe era um sábio. Mas na curva da trilha da
felicidade eu a vi, imponente, linda, como se fosse uma deusa a olhar seus
domínios naquela tarde gostosa de um setembro qualquer. Não sei por que eu
modifiquei meu caminho para chegar ao Lago Dourado onde iria acampar. A mão de
Deus dizem, sempre está presente a nos guiar. Deixei a trilha do Marquês e me
apeguei a esta nova trilha. Já tinha bons seis quilômetros de jornada. Agora
estava em um vale florido entre duas montanhas verdejantes. Sentia o suor no
rosto e precisava de um descanso.
O sol me
incentivava a parar. Os olhos vermelhos e o meu chapelão de três bicos mesmo
ajudando a vedar o sol que estava em minha frente eu a avistei. Grande demais
para o lugar onde nasceu. Quem sabe era a rainha de tudo? Quem sabe era ela
quem mandava ali em seus domínios? – Porque não parar uns minutos para
descansar na sombra desta imensa árvore que reinava sozinha naquele vale feliz?
Que doce é o paraíso quando sem esperar o encontramos. Que visão maravilhosa, e
ao lado eu avistei um pequeno riacho de águas cristalinas que descia a serra
naquele vale feliz. Parei, tirei minha botina, meu meião, coloquei meus pés
naquelas águas mágicas que pareciam possuir um delicioso néctar para refrescar.
Só então me virei para ela, a Deusa do Vale e tremi de êxtase ao ver que era
uma cerejeira em flor. Maravilhosa, linda, folhas rosa destoando do verde ao
seu redor. Sentei em sua sombra, encostei-me de leve ao tronco devagar pensando
que não podia machucá-la.
Fechei os
olhos docemente. Não queria, mas a sombra da cerejeira em flor me pedia para
serrar os olhos, era como se sua voz suave me ordenasse um descanso. Minha
mente percorreu toda a história da minha vida, naqueles segundos e minutos que
ali permaneci. Vi-me menino de azul correndo pelas campinas com a chamada de
Lobo, Lobo, Lobo. Olhei novamente e lá estava eu vendo o Balu colocar minha
segunda estrela no meu Boné. Lembranças maravilhosas. Salto um espaço de tempo
e lá estava eu de novo a ver meu corpo firme e ereto a receber minha primeira
classe. Tempos que se foram e não voltam mais. Lembranças gostosas da vida que
marcam para sempre nossa memória. Senti algumas flores caindo sobre mim e ao
meu redor. A Cerejeira me presenteava com sua formosura as lembranças tão
lindas de uma vida que parecia uma eternidade. Tudo estava calmo, delicioso,
pássaros chilreavam trazendo aos meus ouvidos o belo som da natureza. O vento
soprava como brisa para refrescar ali naquela sombra perfeita, pés levantados,
respiração voltando ao normal. Era hora de partir.
Como
partir? Minha mente entorpecida naquele instante renegou a ideia. Eu estava vivendo
sonhos coloridos em baixo da Cerejeira em flor e me imaginava seguir novamente na
trilha quente daquela tarde gostosa de um setembro qualquer. Perder aquele
oásis dos deuses? Daquele paraíso cheio de flores a cair sobre a relva e sobre
mim? A sensação de ficar era insistente, calma, silenciosa e gostosa. – “A flor
de cerejeira cai da árvore na primeira brisa mais forte e não podemos dizer que
ela nunca viveu. Uma flor de cerejeira dura um dia, um dia”... Mas ela não é
menos bonita por isto. Quem disse isto? Não lembrava. Eu não queria partir, eu
tinha encontrado o meu paraíso. Continuei a rebuscar meus pensamentos. – Será
que o tempo é relativo? Que se a flor da cerejeira, por exemplo, dura apenas
semanas e mesmo que durasse mil anos ainda seria efêmera? Oh Deus! Eu não
queria partir. Porque não pensar que esta flor tão bela como era não merecia
durar eternamente? Se o eterno dura com tanta intensidade porque ela não teria
este direito? Eu dormia. Não queria acordar. A cerejeira me protegia da noite
escura e sem luar. Ainda bem que o clarão das estrelas no céu me faziam voar
nas asas da minha imaginação.
Acordei cedo. Um sono lindo e reparador, mas eu precisava partir. Um
foguinho, o café na brasa, um papinho com Jesus e lá fui eu sozinho naquela
trilha que nunca vi e nem sei se um dia iria voltar. Parei na subida da
montanha, olhei para trás, meus olhos se encheram de lagrimas ao avistar a
Cerejeira que foi minha barraca naquela noite linda de Natal. Olhei para o céu
e fiz um pedido: - Deus, amigo dos Escoteiros, faça com que esta Cerejeira dure
para sempre! O sol agora tinha um frescor de primavera. Uma luz azul me
indicava o caminho naquelas montanhas distantes. O novo dia já havia chegado
sem fazer alarde. Por quê? Porque Jesus nasceu em Belém. O orvalho ainda
resplandecia nas folhas dos arvoredos que me acompanhavam. Já não havia mais
brisa, mas um perfume delicioso do verde das matas, do chão que eu pisava.
Minha trilha era um acalanto por saber que nosso mestre tinha nascido e vindo
trazer a luz para a humanidade.
Agora aa
trilha me levava a caminhos distantes. Ao meu lado meu riacho querido me
acompanhava e cantava canções de ninar. A cerejeira me deu seu último adeus
quando virei à montanha que se aproximava do céu. Em marcha de estrada eu
sorria. Meu cantil com águas doces e cristalinas me fazia pensar como era bela
a natureza em flor. A Cerejeira ficou em minha mente por toda a vida. Ela me
deu o sentido de viver e me fez ver a milhares de quilômetros de distância, o
lugar onde Jesus nasceu. Agora o mundo ia mudar. Agora só as palavras de amor
iriam prevalecer. A Cerejeira em flor iluminou o meu caminho e iria iluminar o
caminho do mundo. E Jesus fez acontecer. Aqueles que acreditaram nas palavras
do senhor tinham em seu coração uma Cerejeira em flor!
- Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que
morra, viverá; e quem vive e crê em mim nunca morrerá. “Jesus Cristo”.
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