No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras

No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras
A aventura está apenas começando

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Os contos escoteiros que ninguem vai esquecer



Conversas ao pé do fogo. Onde se conta historias e lendas.

Você um dia sorriu a beira de um fogo, amigos em volta, noite escura, alguns cantam outros conversam entre si, o céu ofuscado de tanto brilho das estrelas. Você um dia sentiu na pele o vento úmido soprando de um lago, de um rio e sente a vibração de estar ali, junto a amigos que sabem que aquele dia irá marcar para sempre em seu coração. Quem sabe alguém contou uma historia? Uma lenda?  Foi Debora Botther que disse que a lenda é fantástica e porque sou lenda? - sou lenda porque as lendas são envoltas em Mistérios e Magias. são uma criação dos caminhos da mente, da vaga imaginação da liberação dos silêncios da alma... Sou Lenda porque as lendas correm livres junto ao vento, buscando as vozes da memória para que alcancem, as historias perdidas no tempo...

Este blog é dedicado as lindas passagens que cada um de nós tem do Movimento Escoteiro. Muitas lendas e contos não são tiradas da imaginação, elas são um retrato do que fomos e do que construímos. Cada história, cada lenda tem um pedacinho de nós. Quem sabe lá no nosso passado ou em nosso presente seria o lugar onde gostaríamos de estar... Nos braços da paz. Onde o agora é bem vindo, e o céu a gente mesmo faz. Faz renascer o sol, bonito até de mais, faz rescender o bem e o mal, o coração da razão, livre para viver em paz...

Seja bem vindo as lendas, seja bem vindo aos sonhos, desejamos muita paz amor e um escotismo maravilhoso no coração.    









    





Apenas um pensamento vago e sem rumo. Cada um escolhe seu próprio destino.


Apenas um pensamento vago e sem rumo.
Cada um escolhe seu próprio destino.

                Há dias que o frio e uma garoa fina caem em minha cidade. Hoje ela diminuiu. Não sei por que tenho passado alguns dias nostálgico. O frio não me faz bem. Nesta época aparecem as benesses que um dia escolhi antes embarcar neste trem que escolhi como destino. Nos dias anteriores passei boa parte do tempo enrolado em uma manta. O pulmão reclama. O corpo ressente. Tentava escrever, mas as dificuldades eram muitas. Comecei a fazer uma autoanálise. Para que? Para entender melhor as mudanças que o destino Escoteiro colocou a nossa frente. Acredito que muitos de vocês meus amigos não vão entender nunca minha posição. Para isto teriam que viver o que eu vivi. Dou à mão a palmatória. Não existe mais volta. O mundo moderno é agora dos jovens e benditos os adultos que fazem tudo por eles acreditando fazer o certo. Está aí um novo escotismo. Saudado e aplaudido por muitos. Tenho que encarar a realidade.

                   Nunca vou esquecer minhas raízes. Até o fim da vida aceitarei as mudanças, mas elas não farão parte da minha memória escoteira. Todos dizem que ela faz parte da evolução dos tempos. Em termos aceito. Mas eu sou um escoteiro sonhador. Um Escoteiro que tem espírito de aventura e a natureza no coração. Um Escoteiro que a Lei e a Promessa estão vivas até hoje na sua maneira de viver. Desculpem-me se estou sendo piegas. Não estou contradizendo aqueles que afirmam também viver assim. Eu acredito em vocês. É como as pegadas do passado que nós os velhos Escoteiros fizemos, e foram fincadas em uma trilha na curva do rio e sendo apagadas para que outras novas fossem colocadas em seu lugar. Seria a nova história substituindo a velha história.

                  Sempre fui um Escoteiro “torrão”. Nunca deixei de dar a minha opinião. Se tiver de dizer o que penso direi. Mas sei que meu pensamento irá desaparecer como o orvalho da madrugada. Como a gota d’água se diluindo na folha quando o sol da manhã chegar. Não tenho a preocupação de saber quantos são contrários a minha maneira de ser. São direitos de pensamento de palavra de ação. O Velho Escoteiro sem perceber é levado por corredeiras que chegam através de uma tempestade imprevisível, varrendo das margens tudo aquilo que for contrário da história que ficou presa no passado. A simplicidade de alguns em me dizer que devemos pensar nos jovens e trabalhar por eles é fantástico, mas não iram desancar as novas pegadas que serão coladas em substituição as que foram retiradas.

                  Enquanto puder e tiver forças continuarei escrevendo a moda antiga. Não vou parar nunca. Sei que o que penso daqui a alguns anos serão levados pelas ondas dos tempos. Enquanto puder manterei os meus escritos com sonhos românticos que um dia os Escoteiros de outrora possuíram. Os sonhos de aventuras que tentávamos transformar em realidade. Os grandes acampamentos de Tropa, as alcateias vibrantes com o espírito voltado para a mística que tão bem o livro da Jângal soube contar. Nos seniores aventureiros que respeitavam e diziam sim senhor, que sabiam ser cavalheiros. Que sempre tinham no olhar o brilho próprio dos Cavaleiros que outrora habitaram os sonhos do Rei Arthur na Távola Redonda.

              Foi sim uma linhagem que nós os antigos fazíamos questão de possuir. Era questão de honra. Uma saga para ser contada por toda a vida.  Estirpe de grandes Seniores, Escoteiros e Lobos, pois sei que nos seus sonhos nunca desistiram de achar o Santo Graal. Acampando e acantonando seja onde for, nos grandes vales e cânions, nas escarpas impossíveis a gente procurava os mais altos picos e não importava se era dia ou noite. Com sol ou chuva sempre estávamos lá investidos em Sir Lancelot, Sir Kay, Sir Galahad, Sir Gawain ou mesmo Sir Boors, o exilado e partíamos para novas terras, novos sonhos. Sabíamos que um dia iriamos o que sempre sonhávamos.


                  Para nós para nossos sonhos, o que o rei Arthur encontrou e disseram para ele desistir não valeu. Nunca valeu. Nunca desistimos. Como ele também retiramos a espada da pedra. Era questão de honra. “Qualquer um que extrair esta espada desta pedra, será o Rei da Inglaterra, por direito e por merecimento”! Escotismo de BP? Não sei. Acho que nunca mais. Nada mais a dizer.

sábado, 24 de setembro de 2016

Hoje é sábado e lá vou eu a escoteirar.


Hoje é sábado e lá vou eu a escoteirar.

Hoje tem, hoje tem! Hoje tem sim senhor!
Me esqueço do frio e esqueço o calor.
Hoje tem reunião, alegria de montão!
Vai o Lobinho, Escoteiro também,
Sênior e Pioneiro não esqueço ninguém.

Lá vou eu para a sede, a bandeira arvorar,
Lá está todo mundo, feliz a escoteirar.
Encontrarei minha matilha, e patrulhas sem fim.
Abraçarei todo mundo, até no jogo do Kim.
Ao meu Chefe falei, sempre alerta direi.

Hoje tem reunião, alegria de montão.
Se tem chuva ou vento, estarei sempre atento.
Se o sol brilha, e no céu cor de anil,

Honrarei o meu nome: - Escoteiro do Brasil! 

domingo, 18 de setembro de 2016

Uma volta ao passado...


Gentil.
Uma volta ao passado...

- Quem é você? – Eu chefe? Um simples antigo Escoteiro. Visitando. – O que quer ver? Levantei as sobrancelhas. Suas palavras mudaram o vento e meu rumo. Francamente não esperava tal rebeldia por uma simples visita. – Trinta anos, passei trinta anos sem voltar. Quantos ainda restavam do lugar que ficou na memória? A voz parecia brotar machucando como sempre durante todo este tempo. – Você não pode mudar e depois ir embora! Ele era mordaz. Eu pensei que sempre fui eu mesmo. – Não pode ser um destes chefes que ficam sentados falando o que pretendem fazer e nada fazem. - Ele tinha razão. Ele esperava que eu tivesse dito: - Eu vou fazer e pronto. Vou imaginar o futuro sobre o prisma de um valente Escoteiro! Voltei no tempo, quanto tempo, não fiz minha história e nem sequer pensei no rumo que escolhi. – Olhei para ele, não o reconheci. Não era da minha época. Será que não era bem vindo? Perguntava-me também porque voltei. Deixei minha memória passear no tempo. Tempo? Sim naquela época os adolescentes se achavam invencíveis. Sempre com aquele sorriso malicioso e idiota estampado no rosto sempre se achando o melhor.

- Não posso ficar e ver a nova geração? – Ele sorriu desconfiado. Quem sabe pensou que era um daqueles que quase destruiu um trabalho feito por valentes oriundo de uma saga que hoje não tem mais. – Ele me perguntou: Você é uma pessoa escoteira? – Nossa! Que termo mais abstrato. O que significaria ser uma pessoa? Será que existimos no presente sem saber o que seremos quando deixarmos de existir? Quais seriam as regras do jogo agora e será que eu teria condições de aprender a jogá-las? – Um lobo se aproximou. Dirigiu-se a ele me olhando pelo “rabo” de olho. – Akelá, faremos o melhor agora? – Me lembrei do Grande Uivo. Quantas vezes eu fiz? Quantas vezes fui eu convidado para representar a Alcatéia? – Já vou serei breve rápido rasteiro. – Mas que diabos significava rápido e rasteiro? Arroz instantâneo leva cinco minutos e pudim instantâneo uma hora. Duvido que a velocidade seja medida desta forma.

O circulo na Roca do Conselho estava em posição. Acho que um cisco levado pelo vento resolveu pousar em meu olho. Lágrimas se fizeram instantaneamente. Como cresci meu Deus. Perdi parte da minha vida ali naquele circulo, ou melhor, será que perdi ou ganhei? Ao longe a canção se fez ouvir. Avançam as patrulhas! Que saudades. Pensei em Noal e Zezé. Ainda estão vivos? A quem perguntar? Ao chefão dos lobos ou o Grande Chefe da Tropa escoteira que adentrava na sede? Eu queria ser uma pessoa dessas que tem uma vontade enorme de falar e contar as nuances do passado. Passei anos sem encontrar pessoas deste tipo. Ouve um tempo que acreditei que precisavam de mim como um cometa precisa da cauda! – Não nos conhecemos? Incrível volta no tempo. Era Noal sem tirar nem por. O Maestro dos Lobos se foi. Um abraço apertado um aperto de mão, uma saudação nos moldes militar. Cascos batidos de um calcanhar forte emplumado por um coturno que todos sempre sonharam ter.

- É você? Não acredito de volta as raízes? Confesso que comecei a chorar. As saudades eram demais. Eu sabia que não devemos perder a esperança, pois se acontecer seremos irremediavelmente feridos. A vida nos faz pensar que somos invencíveis o que realmente somos. Não nascemos, nem morremos. Como toda energia, nós simplesmente mudamos a forma de tamanho e manifestação. A Tropa surda ao passado olhava com atenção. E Zezé? – Morreu. Uma resposta fria e dita de forma direta. De longe o Chefe dos lobos espiava o encontro de dois Matusaléns que encarnou ali no pátio uma memorial que jazia há tempos na vastidão do passado. Olhei para ele e pensei que às vezes precisamos de alguém que nos ouça, que não nos julgue que não nos subestime, apenas nos ouça.

Fui embora despedindo de todos. Uma volta no tempo, uma lembrança perdida e reencontrada no presente. Saudades de tudo do que foi e do que ficou preso na memória do tempo. Eu sabia que tinha perdido uma coisa importante e que nunca consegui achá-la. Era como se eu tivesse perdido os óculos, fosse até uma óptica e descobrisse que todos os óculos do mundo tinham se acabado e que, agora, eu teria de viver sem eles. Foi bom retornar. Velhos sonhos, velhos amigos e pensei quantas palavras estavam ainda escritas nas árvores daquele pátio que nunca em tempo algum me saíram da lembrança.



quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Otávio.


Otávio.

                  - Não sabia como dizer uma frase ou apenas uma saudação para mostrar a falta que ele iria fazer. Eu sei que a morte nada mais é do que uma despedida inesperada que não temos o poder de contestar ou evitar. Em pé tirei meu chapéu e fiz um breve aceno com a cabeça. As lembranças bateram forte na minha mente e uma dor esquecida veio machucar meu coração. – Olhei para ele no seu ataúde e falei baixinho: - Você vai fazer muita falta... Seria verdade? Afinal fomos da mesma patrulha, tínhamos os mesmos sonhos, andamos por lugares nunca antes imaginados e o destino deixou na porta da esperança uma partida brusca de alguém que sempre morou no meu coração. Dava vontade de gritar de chorar e dizer que toda despedida é um encontro que ficou pra depois. Mas quando? Lembrar-se do seu sorriso, do seu canto, dos seus cabelos soltos ao vento na subida do monte Pantaneiro com seu grito de guerra de uma patrulha que não sabia o que era medo?

                - Ele sempre me disse que despedir-se não é dizer adeus, é apoiar e desejar sucesso para nova jornada que está apenas começando. – Meu irmão Escoteiro - Ele sussurrava na entrada da Gruta do Ouro como se fosse contar uma história: - Não fique triste com a despedida. Ela é necessária para que possamos nos encontrar mais uma vez. – Onde? Na eternidade? Os soluços não paravam. O Chefe passou o braço em meu ombro. – Monitor, na melancolia da despedida a esperança do reencontro nos dá força para suportar a saudade. – Não prestei atenção a ele. Precisava rezar, acreditar que tudo passa, pois até agora eu não sabia se a vida iria passar. – Deus! Se um dia eu estiver prestes a perder as esperanças como agora, me ajude a lembrar de que os teus planos são maiores que os meus sonhos e minhas amizades.  A cada despedida eu morro por dentro. A cada reencontro sinto que estou indo para o céu!

                - A hora chegou. Aquela meninada escoteira triste me ajudou a caminhar ao lado Dele até sua última morada. Eu sabia que não haveria volta. Eu sabia que tinha de aceitar, pois meu Chefe sempre disse que eu devia seguir firme na direção das minhas metas. - Escoteiro, saiba que o pensamento cria, o desejo atrai e a fé realiza. Acredite, amanhã será um dia melhor! – E ele? Onde estaria agora? Ali no campo santo a ver seus amigos com coração partido sem rumo e sem saber aonde ir? – Eu chorava copiosamente.  Não cantei a despedida. Nem fiz uma saudação. Eu estava morrendo por dentro. Senti alguém por a mão em meu ombro. Ela sorriu como a adivinhar que eu precisava ser consolado. Mas eu era o Escoteiro e ela uma novata. – Ela com um doce sorriso disse para mim que nunca é tarde para pegar uma velha história de amizade e escrever um novo final. – Que o azedume alheio não iria me impedir de espalhar doçuras por aí. Meu irmão Escoteiro tempestades não dura para sempre!


                  Ah! Quanto tempo ele se foi? Parece que foi ontem. Não tenho mais patrulha, agora sou um Escoteiro do mundo. Minha vida mudou e Otávio nunca saiu dela. Eu sabia que o destino une e separa. Mas nenhuma força é grande o suficiente para fazer esquecer pessoas que por algum motivo um dia nos fizeram felizes. Nas águas cristalinas do riacho onde estava parece que o vi no remanso sorrindo e dizendo: - Meu amigo, vou indo. Quando eu voltar, estarei de volta! 

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

“Deus”.


“Deus”.          

Existe uma história de simplicidade linda, que eu gostaria de contar. Uma lenda, um acalanto... Não sei se é verdade... E não me importo com isso. Não precisa ser...
Foi há muito tempo atrás depois de o mundo ser criado e da vida completá-lo. Num dia, numa tarde de céu azul e calor ameno. Um encontro entre Deus e um de seus incontáveis anjos. Acredita? Deus estava sentado, calado. Sob a sombra de um pé de jabuticaba.

Lentamente sem pecado, Deus erguia suas mãos então colhia uma ou outra fruta. Saboreava sua criação negra e adocicada. Fechava os olhos e pensava. Permitia-se um sorriso piedoso. Mantinha seu olhar complacente. Foi então que das nuvens um de seus muitos arcanjos desceu e veio em sua direção.

Já ouviu a voz de um anjo? É como o canto de mil baleias. É como o pranto de todas as crianças do mundo. É como o sussurro da brisa. Ele tinha asas lindas. Brancas, imaculadas. Ajoelhou-se aos pés de Deus e falou:

 — Senhor visitei sua criação como pediu. Fui a todos os cantos. Estive no sul, no norte. No leste e oeste. Vi e fiz parte de todas as coisas. Observei cada uma de suas crianças humanas. E por ter visto, vim até o Senhor... Para tentar entender. Por quê? Por que cada uma das pessoas sobre a terra tem apenas uma asa? Nós anjos temos duas. Podemos ir até o amor que o Senhor representa sempre que desejarmos. Podemos voar para a liberdade sempre que quisermos. Mas os humanos com sua única asa não podem voar. Não podem voar com apenas uma asa... Deus na brandura dos gestos, respondeu pacientemente ao seu anjo.

— Sim... Eu sei disso. Sei que fiz os humanos com apenas uma asa...
- Intrigado, com a consciência absoluta de seu Senhor o anjo queria entender e perguntou:
— Mas por que o Senhor deu aos homens apenas uma asa quando são necessárias duas asas para se poder voar... Para se poder ser livre? Conhecedor que era de todas as respostas, Deus não teve pressa para falar.
Comeu outra jabuticaba, obscura e suave.
Então, respondeu:

__ Eles podem voar sim meu anjo. Dei aos humanos apenas uma asa para que eles pudessem voar mais e melhor que Eu ou vocês, meus arcanjos... Para voar, meu amigo, você precisa de suas duas asas... Embora livre, sempre estará sozinho. Talvez da mesma maneira que Eu... Mas os humanos... Os humanos com sua única asa precisarão sempre dar as mãos para alguém a fim de terem suas duas asas. Cada um deles tem na verdade um par de asas... Uma outra asa em algum lugar do mundo que completa o par.

Assim eles aprenderão a se respeitarem, pois ao quebrar a única asa de outra pessoa, podem estar acabando com as suas próprias chances de voar. Assim meu anjo, eles aprenderão a amar verdadeiramente outra pessoa...

Aprenderão que somente se permitindo amar, eles poderão voar. Tocando a mão de outra pessoa em um abraço correto e afetuoso eles poderão encontrar a asa que lhes falta... E poderão finalmente voar. Somente através do amor irão chegar até onde estou... Assim como você meu anjo.

E eles nunca. . . Nunca "estarão sozinhos quando forem voar.”.
Deus silenciou em seu sorriso.


O anjo compreendeu o que não precisava ser dito.

domingo, 4 de setembro de 2016

Entre o céu e a terra morava Ruanito.


Vale a pena ler de novo.
Entre o céu e a terra morava Ruanito.

                  Um silêncio sepulcral na sala de aula. Se entrasse uma mosca pela janela seria como o barulho de um avião levantando voo. Dona Nena de olhos semi-serrados em sua mesa lia um livro comum. Os meninos e meninas calados fazendo uma redação. “Como evitar Escorpiões”. Ela tinha dado uma aula sobre o tema. De vez em quando passava os olhos pela sala. Uma austeridade que era reconhecida em toda cidade. Seus ex-alunos tremiam quando encontravam com ela. Um grito estridente assustou todo mundo – Escorpiões na sala. Corram! Uma correria e uma gritaria sem fim. Dona Nena também assustou. Viu que a sala esvaziou em segundos. Olhou de novo. Só Ruanito sentado, compenetrado fazendo a redação. Dona Nena o pegou pelas orelhas e o levou ao Diretor. Não era a primeira vez.

                 Aniversário da cidade. Na praça um enorme palanque. Várias festividades programadas. O Prefeito Paredes discursando. Ao seu lado Dona Eufrásia sua esposa. Muitas autoridades juntos. O povo em pé na praça. Alguém gritou alto! – Uma cobra! Uma cobra! É uma cascavel! Ela atravessava o palanque devagar rumo às escadas. Um reboliço. O delegado Marcondes esvaziou seu revolver na cobra. Pá, pá e pá! Ela não parou. Gente gritando, caindo, o palanque quebrando. Dona Eufrásia caiu sobre a multidão. Seu vestido novo subiu até as orelhas. O Povo viu tudo. Ela adorava azul com bolinhas amarelas. A multidão dá praça correndo pela Avenida Tiradentes. A praça vazia. Muitos de pernas e braços quebrados foram para o pronto socorro. Só o Zé Bedeu um bêbado ria sem parar e gritava: “Viva Ruanito, o único gente boa da cidade!”. Sentado no banco da Praça Ruanito olhava sério para tudo aquilo. Na sua mão a linha de pesca que usou para puxar a cobra morta.

              Todos sabiam que onde havia estripulias tinha a mão de Ruanito. Seu pai já fora intimado várias vezes na delegacia. Alfredão adorava o filho. Sua mulher fora internada na casa de repouso Santo Angelo há muitos anos. Diziam que ela era louca. Ele não achava. Ela só gostava de se divertir. A cidade não tinha ninguém capaz de ajudar seu filho. Naquela época falar em psiquiatras ou analistas seria um palavrão. Chefe Cleyde era assistente de Tropa. Sempre soube de Ruanito. Tinha pena dele. Um dia tentou com todos os chefes do grupo a aceitá-lo. Ninguém quis. Convenceu o Chefe Manollo a dar uma oportunidade ao menino. – Ele quer se um de nós? – Não sei disse – Se ele quiser vamos tentar por seis meses.  Ela foi a sua casa. O pai de Ruanito gostou da ideia. Ele não disse nem sim e nem não. Olhou indiferente para a Chefe Cleyde.

               Quando foi apresentado à tropa todos se assustaram. Já conheciam sua fama. Romerito era o Monitor mais antigo. Dá Patrulha Peixe Boi. Com quinze anos ainda não tinha ido para os seniores. A pedido do Chefe Manollo ficou até os dezesseis. Era considerado o guia da tropa.  Ficou responsável por Ruanito. Ele o pegou pela mão e o levou até um grande abacateiro que dava sombra no pátio onde se reuniam. – Está vendo aquela formiga? Ela está a “Escoteira” significa aquela que anda só. Você vai ficar aqui e observar quando ela encontrar uma folha e levar para sua morada. Marque o tempo e quantas vezes ela deixa cair à folha! Ruanito olhou para Romerito, olhou para a formiga e não disse nada. Sentou na grama de olho na formiga. A reunião terminou às seis e meia da tarde. Ruanito sentado. Romerito o viu quando ia saindo. Romerito foi embora. O deixou lá. Nem até logo disse. A sede vazia. Ruanito firme sentado no pé do abacateiro.

              Às duas da manhã alguém bateu na porta da casa de Romerito. Ele com sono levantou-se e ao abrir a porta viu Ruanito todo molhado. Chovia a mais de quatro horas. O mandou entrar. Foram para a cozinha onde preparou um café forte.  – “Foram nove horas, vinte e quatro minutos e trinta segundos”. A folha caiu vinte e três vezes e vinte e três vezes a formiga repetia fazendo tudo de novo. Sempre com uma nova tentativa. Pensei em ajudá-la. Mas será que serviria para ela aprender como deveria fazer? Quando ela conseguiu entrou em um buraquinho no tronco do abacateiro não apareceu mais. Romerito olhou para Ruanito. Não disse nada. Pegou dois guarda chuva e o levou até sua casa. Seu pai dormia sono solto.

             No sábado seguinte pela primeira vez Ruanito foi apresentado a Patrulha. Romerito perguntou: - Algum de vocês conseguiram seguir a formiga do abacateiro? Cada um olhou para o outro e não disseram nada. Uma prova muito difícil. Apertem a mão de Ruanito. Ele conseguiu! Os escoteiros olharam espantados. Três meses depois Ruanito fez a promessa. A tropa feliz. Muitos seniores e chefes preocupados. Chefe Cleyde acreditava na mudança. Chefe Manollo era outro que sorria. A cidade se assustou quando viu Ruanito de Uniforme andando garboso pela Avenida Tiradentes. O delegado tirou o boné da cabeça. O Prefeito veio à janela da prefeitura para vê-lo. Zé Bedeu na sua bebedeira dava risadas e gritava: - Viva Ruanito, o maior Escoteiro do Brasil!


           E assim termina a história. Aquela cidade passou a ser uma feliz morada da felicidade. Ela ficava bem ali, bem próxima entre a terra e o céu! 

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

A volta dos que não foram.


Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
A volta dos que não foram.

- Seu nome? – Osvaldo Excelência.
- Osvaldo de que? – Ferraz Excelência.
- Não me chame de excelência. Não sabe quem sou eu?
- Me disseram que era o Senhor São Pedro. Usei o termo excelência para dar uma conotação de respeito.
- Esqueça! – Excelência quem usa são seus políticos que antes de se pegarem no tapa ou nos palavrões se chamam uns aos outros de excelência!
- Seu nome não consta da minha lista. Ele disse com cara fechada.
- Senhor São Pedro quem sabe podem ter escrito Vado Escoteiro, sou muito conhecido lá na terra assim.

- Anjo Gabriel! – Venha cá. Era um anjo enorme, mas simpático.
- Pois não São Pedro!
- Vá até o Armazém 185.487 e veja se acha o arquivo, ou melhor, o Dossiê deste tal Vado Escoteiro. – Não demore, pois a fila está grande demais e amanhã vou viajar para o espaço sideral. Fui chamado pelo Mestre!
- Olhei para São Pedro assustado. Tinha oito dias que estava nesta fila e agora vem me dizer que não estou na lista? – Notei a um quilômetro de distância um vermelhão que parecia ser chamas altas pegando fogo. Seria lá o inferno?

- Licença São Pedro! – Posso lhe dar uma palavrinha?
– Diabos, era um tipo metido a besta daqueles que vestem a vestimenta e se acham os tais. Claro que deveria pertencer a Liderança Nacional Escoteira que mete o bico em todo lugar. Agora até no céu tem disto? - Fale Chefão! Disse São Pedro.

- Chefão? Aqui também?
- Senhor São Pedro, este reles chefinho lá na terra cria caso, fala mal dos Grandes Chefes da UEB, é metido a escrever histórias e faz artigos dizendo cobras e lagartos da nossa direção. Ainda bem que seu séquito seguidor é pequeno. Mas não dê colher de chá para ele aqui. Se eu fosse o Senhor, chamava logo o Chifrudo para levá-lo as prefundas dos infernos!

- Minha nossa! Onde amarrei minha égua? Até aqui estes tipos da Comissão de Ética tem voz e voto? Eu nunca tive essa regalia escoteira e agora me julgam como um insurreto maldito?
- Achei Senhor São Pedro. Era o Anjo Gabriel que chegou para me salvar...
- Me deixa ver! – São Pedro começou a ler. A fila a reclamar. Até aqui a fila não anda. Um senhor bem novo, mas com um cavanhaque branco fardado de azul e preto pediu para usar da palavra.

- Fale disse São Pedro e seja breve, tem uma fila de mais de 35.000 quilômetros e nem todos irão para o céu. Não tenho comida para todo mundo e as asas dos anjos privilegiados estão acabando. A Policia Escoteira Galáctica passou aqui e levou quase tudo!
- Pois não Senhor São Pedro. Acho que a triagem que fazem quando chegamos é falha. Vi dois anjos atendendo uma enorme fila que vinha da terra para o céu. Morreu? Bateu as botas? Então que seu destino já esteja traçado. Perder tempo sem uma boa internet dá nisso. Se este paspalho foi Escoteiro dê a ele uma oportunidade. Afinal dizem que fazem boas ações apesar de que quando vivo eu não vi nada do que eles fizeram de bom para a sociedade!

- Procurei meu bastão com ponteira de aço. Esse cara de bode merecia uma bastonada, mas não achei. Foi confiscado quando cheguei por aquela anja do cabelo vermelho. Por sinal linda de morrer! Ops! Mas eu já não estava morto?
- São Pedro apitou três vezes. Apito? Ele não tinha um chifre do Kudu? – Reunir quem? A chefaiada que toma conta do céu? Pensei eu. - Não era, chegaram 14 demoniozinhos bem escoteiramente vestimentados.
- Levem este sapo boi para o inferno. Veja com o Doutor Presidente Capeta um bom lugar para ele. Dizem que é indisciplinado, não tem registro na UEB e fica tirando onda de Chefão. Diga para que ele deixar que queime pelo menos cinco milhões de anos!

- Nem morto! Nem morto! Eu gritava. –
- Paspalho dizia a capetada, você está morto! Não volta mais na terra. - Mas me mandaram para a fila de São Pedro! Eu disse. Mereço uma chance! - Não deram bola. Arrastaram-me até a beira de um precipício. Lá em baixo um fogaréu enorme. Eu esperneava, gritava e pedia a ajuda de todos os santos.
- Um homem simpático, muito bem uniformizado, com um chapéu Escoteiro de fazer inveja fez um sinal para me largarem. - Falando em inglês disse: - Vou levá-lo comigo para o Grande acampamento! - E agora José? Pelas barbas de Maomé! Vou para o inferno ou para o Grande acampamento? Já pensou ficar bilhões de anos em volta de uma fogueira ouvindo historias Escoteiras e comendo banana assada?
- Pulei no espaço rumo às chamas vermelhas do inferno cantando o rataplã e depois a canção da despedida. Afinal não era mais que um até logo não era mais que um breve adeus!

- Marido! Marido! Acorda! Não aguento mais esta sua gritaria nos seus pesadelos. Afinal não tem nenhum sonho lindo para sonhar? – Eita mulher amada. Sempre me salvando destes meus pesadelos infernais. Ufa! Levantei e fui tomar um uisquezinho para melhorar minha mente. O Chivas Regal 18 anos com quatro azeitonas pretas fizeram efeito. Na minha varanda e comecei a cantar sob o aplauso dos vizinhos o rataplã. Afinal eu sabia que a maioria dos vizinhos eram surdos!

E durma-se com um barulho desses!