No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras

No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras
A aventura está apenas começando

domingo, 31 de março de 2013

O destino de Lomanto Zarilson Mendes.



A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos.

Conversa ao pé do fogo.
O destino de Lomanto Zarilson Mendes.

              Desci da barcaça em Pedra Azul no porto da esperança e o vi na beira do Rio Amarelo. A principio tive dúvidas, mas depois a certeza era única. Era sim, tinha agora certeza absoluta. Ali estava o meu amigo Lomanto Zarilson Mendes. O homem mais procurado do mundo! Mudou muito nestes últimos vinte anos. Mais curtido e com aquele chapéu de palha e sua barba branca ninguém diria que era ele. Enchia a caçamba de uma carroça com as famosas areias brancas do Rio Amarelo. – Ei Lomanto! Gritei. Ele me olhou, pensou e depois viu que era eu – Chefe Osvaldo! Que prazer! Fui até lá. Abraçamos-nos. Quanto tempo eim amigo? – É Chefe, faz tempo. – Mas olhe meu amigo Lomanto, não estou entendendo você aqui neste serviço braçal? – Quer tomar um café comigo? Ele disse. Com a carroça cheia e um descanso, então posso explicar. Lá fomos nós até a Praça de Pedra Azul em um barzinho onde ele tinha amigos e fomos muito bem atendidos.

               Sentamos em uma mesinha embaixo de um Jacarandá enorme, lindo de morrer. Uma sombra para ninguém botar defeito naquele dia ensolarado com calor acima dos trinta graus. Olhamos um para o outro. Ele sorria. Um sorriso de alguém que encontrou a felicidade. Mas ele também não era feliz antes? – Minha mente voltou em segundos ao passado em Figueira do Rio Mimoso. Cidade onde nasci e cresci. Lomanto, quem não conheceu Lomanto? A cidade inteira sabia dos seus passos. Aos quatro anos diziam que tinha lido todos os livros da biblioteca. Uma mente privilegiada. No maternal as professoras não sabiam o que fazer com uma inteligência de um adulto doutor. Aos seis o colocaram no Grupo Escolar na oitava série. Não deu certo. Ele estava acima disto. O doutor Pilatos emprestou a ele seus livros de medicina. Era comum vê-los discutindo temas médicos na praça da cidade. O mesmo aconteceu com o Doutor Leimon um grande advogado e o Engenheiro Lamartine.

                 Seus pais nos procuraram no Grupo Escoteiro. Ninguém sabia o que fazer, mas recusar nunca. Os chefes de alcateia quebravam a cuca para moderar seus conhecimentos assim como quando passou para a tropa com oito anos. Errado? Não conheciam Lomanto para dizer isto. Se aos nove o vissem em um acampamento ficariam embasbacados. Lomanto era um mestre em tudo. Suas pioneiras tinham o acabamento dos melhores marceneiros do mundo. Fogões fechados e a vácuo, fornos de barro, escadas giratórias, amarras impossíveis de fazer assim como costuras de arremate que ele inventou com cipós. Aos onze insistiu em ir para os seniores. Com menos de seis meses tudo perdeu a graça para ele. Fez uma grande pesquisa sobre o escotismo. Estudou tudo que era publicado pela direção nacional. Aos quinze foi ao seu primeiro Congresso Nacional. Deixou todos embasbacados. Todos o procuravam para tirar dúvidas. Sabia de cor todas as publicações escoteiras no Brasil e no mundo. Sugeriram fazer dele aos quinze anos o novo Diretor Nacional de Formação de Adultos.

                     Foi uma discussão e tanto quando deram a ele aos dezesseis anos o certificado de DCIM. Foi convidado para palestras no mundo inteiro. No Grupo Escoteiro Manto Sagrado onde eu era o Chefe passei o cargo para ele. Foi bom, eu viajava muito. Convidado para cargos políticos recusou todos. Na cidade romarias de cientistas de todo o mundo era comum. Lomanto nunca cobrou nada de ninguém. Conseguiu um emprego nos Correios e lá recebia seus minguados salários. Jornais, revistas, TVs estavam sempre lá em busca de noticias. Lomanto ficou famoso. A WOSM ou OMME insistiram para ele ser o seu Diretor Geral. Não aceitou. Fazia palestras em vários países a convite e com passagens pagas. Foi agraciado com medalhas de diversas organizações escoteiras mundiais. Mas não ficava só nisto. Laboratórios farmacêuticos, grandes empresas de engenharia, outras de advocacia os procuravam sempre para pedir sugestões ou tirar dúvidas.

                      Todos nós que ficamos amigos dele estávamos preocupados. Isto não podia continuar. Seus cabelos aos dezoito anos estava quase todo branco. Seus olhos vermelhos pareciam não dormir nas últimas semanas. Um dia um helicóptero desceu sem nenhum aviso em Figueira do Rio Mimoso. Era a da Policia Federal. O levaram para Brasília. Ministros queriam falar com ele. Os presidentes do Congresso Nacional o intimaram para uma homenagem. O presidente do Banco Central exigiu sua presença. Queria opinião se subia ou baixava os juros. O Presidente da República o homenageou no Palácio da Alvorada. O novo Papa mandou um recado para ele ir a Roma. O pentágono ficou cismado. Nações do mundo inteiro mandavam espiões. Figueira do Rio Mimoso começou a ficar insuportável. Surgiram centenas de hotéis pousadas e campings. Restaurantes internacionais, livrarias e até uma TV se instalou ali. Um dia Lomanto sumiu. Ninguém conseguiu achá-lo. A policia federal e a Interpol fizeram tudo para encontrá-lo. Seus pais riam quando perguntavam. - Ele agora resolveu ir morar em um templo budista no Tibet. Quer ser um monge e descansar.

                       Aos poucos foram esquecendo-se de Lomanto. A cidade tomou enorme prejuízo com a estrutura hoteleira e outros que se formaram por causa dele. Quinze anos depois acharam que ele tinha morrido. – Pois é Chefe Osvaldo, dizia ele – Achei melhor assim e olhe hoje sou feliz. Conheci Noêmia, minha companheira com quem tivemos três filhos. Ela coitada nem ler sabe. Mas eu a amo demais. Não a trocaria por nada neste mundo. Fingi para ela ser um iletrado. Precisa ver como ela tenta me explicar às noticias que ouvimos no radio. Mudei de nome. Aqui sou conhecido como Arlindo Ladiscap. Ela nunca poderia saber o que eu era. Não esqueci nada e minha mente é a mesma. Aprendi a não pensar mais nisto. Aqui comprei esta carroça e faço carretos o que me dá o sustento que preciso. Levantei e me despedi de Lomanto. O trem da Central do Brasil que me levaria a Santos Dumont partiria dali à uma hora. Se não fosse só no outro dia.

                       Lomanto me pediu que não contasse a ninguém. Segredo de escoteiros. Dei minha palavra escoteira. Ele me conhecia e sabia que podia acreditar. Fui embora pensando o que é a vida. As escolhas que fizemos. Cada um sabe onde o sapato aperta. Lomanto poderia ter tido uma vida de rei. Seria mesmo um vida de rei? Entender suas escolhas só se estivéssemos em seu lugar. Escolheu ser um carroceiro, profissão digna, mas humilde. A maior inteligência de todos os tempos estava ali, apagada em um lar de quatro pessoas. Uma mulher e três filhos. Um lar de privilegiados. Mas quem disse que eu escolho a minha felicidade? Nunca. Você, só você sabe o que fazer para ser feliz. Que Lomanto com seu destino alcance o que quer. Que ele seja feliz para sempre!

Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Lendas escoteiras. A Árvore dos esquecidos.



Lendas escoteiras.
A Árvore dos esquecidos.

                          Ela sempre esteve ali, na curva do Gavião Vermelho bem próximo as corredeiras do riacho Alegre onde sempre íamos acampar. Era uma linda árvore, pena que não a identifiquei. Eu esquecia dela sempre, pois muitas vezes só valorizamos os que estão ao nosso lado e esquecemos dos outros que um dia fizeram tudo por nós. De vez em quando ela me vinha à mente. Não me pergunte seu nome. Não sei. Sabia que era frondosa, pois em sua volta sempre havia uma enorme sombra e nós escoteiros ali nos deliciávamos com o frescor que ele produzia para aqueles que se deliciavam como nós. Da cidade até a Porteira do Rancho Estrela Verde era mais de seis quilômetros. Interessante, nunca fiquei sabendo o nome do dono do rancho.

                         A porteira era sempre esperada na jornada ou nas caminhadas. Grande, enorme, parecia nova e o vai e vem sensacional. Passávamos para o outro lado com a carrocinha e lá a deixávamos. Todos voltavam e se encarapitavam na porteira. Um de nós a levava até o barranco e soltava. Ela saia a toda velocidade passava pelos dois troncos centrais, ia ao outro lado, voltava e ficava assim quatro ou cinco vezes em um delicioso movimento de vai e vem. Nunca apareceu ninguém para nos chamar a atenção. Quando o sol ia a pino era hora de partir. Na volta sairíamos mais cedo para nos divertir na Porteira do Racho Estrela Verde. A partida era sempre triste, todos olhavam para ela com saudades.

                       Era hora da subida. Deus do céu! Era o pior da jornada. Quando da primeira curva já avistávamos a Arvore dos Esquecidos. Porque este nome? Quem batizou? Ninguém sabia. Meia hora depois lá estávamos. Ainda bem. O suor escorrendo no pescoço e na testa. Agora era hora de tirar uma soneca e aproveitar a brisa gostosa que a Árvore dos Esquecidos fazia questão de nos presentear. Era a única naquela subida. Claro havia alguns arbustos, mas ela era sensacional. Meia hora de cochilo. Acordamos com o barulho dos trovões. Olhamos para o céu e vimos nuvens negras bem no rumo do nosso destino. Pé na taboa e Deus que nos ajude. Nem despedimos da Árvore dos Esquecidos. Deveríamos, mas que ia adivinhar?

                       Não foi difícil montar o acampamento debaixo do temporal. Estávamos acostumados. O local era ótimo. Centenas de coqueiros anões. As folhas serviam como toldo e até a noite duas barracas montadas, mesa, toldo, bancos e quase terminado o fogão suspenso. Alguns já rachavam lenha, pois sabíamos que no meio estavam secas. A sopa esquentou o estomago e o corpo. Melhor não fazer fogueira. Tínhamos pouca lenha rachada e seca. Fomos dormir naquele primeiro dia mais cedo. Foram três dias acampados, sempre com uma chuva miúda. Algum programa não deu para fazer. No domingo levantamos acampamento às duas da tarde. Sem dificuldade. Três e meia à bandeira descia do mastro. Uma oração e lá fomos nós estrada acima.

                      A subida da volta não era tão íngreme. Ao dar a volta no morro, vimos ao longe a Arvore dos Esquecidos. Árvore? Não existia nenhuma árvore. O que houve? Ficamos preocupados. Mais meia hora e chegamos. Uma cena dantesca. A Árvore jazia a seis metros de onde deveria estar caída. Um raio a cortou no tronco bem próximo ao chão. Ela ainda estava verde, as folhas balançavam, mas estava agonizante. Não havia retorno. Não podíamos fazer nada. Ficamos em volta dela. Muitos choravam. E agora? Como tirar aquela soneca gostosa da subida até a curva do Gavião Vermelho? Ficamos ali por muito tempo. Em silencio. Prestando a nossa homenagem a uma Arvore que agora sabíamos que era dos esquecidos. Todos nós um dia iríamos nos esquecer de sua beleza, de sua sombra do seu orvalho.

                      A tarde chegou, hora de partir. O ultimo adeus. O sol inclemente do outro dia iria fazer com que ela desse seu último suspiro. As folhas iam secar os troncos também. Agora nós sabíamos que algum mateiro a passar por ali, iria se servir de troncos e galhos para fogo. Triste destino. Partimos em silêncio. Na Porteira do Rancho da Estrela Verde não nos divertimos como fazíamos sempre. Passamos direto. Não havia ânimo. Estávamos cabisbaixos, tristes, perdemos uma amiga que nem sequer nos lembrávamos sempre. Mas ela eu sei que ficou marcada para sempre no coração de todos.

                  Nunca mais voltamos lá. Nunca mais acampamos no Rancho da Estrela Verde. Nunca mais vimos à porteira da felicidade. Seria difícil muito difícil suportar a subida até a curva do Gavião Vermelho. Onde sempre avistamos com alegria e agora não mais existia, aquela que ficou na lembrança para sempre. A Árvore dos Esquecidos. 

terça-feira, 26 de março de 2013

Histórias de Fogo de Conselho. A Morada do Fantasma.



Histórias de Fogo de Conselho.
A Morada do Fantasma.

Os monitores escolheram um local próximo a uma pequena mata, onde existia uma casa abandonada e todos concordaram. Ficava a uns 400 metros do acampamento. A Patrulha de serviço não perdeu tempo. Logo que chegaram ela preparou o fogo dentro dos padrões técnicos para evitar incêndios e tinha que ser ascendida com no máximo dois palitos de fósforos. Se não conseguissem, outra patrulha assumiria o que dificilmente acontecia.

 Não havia um “Animador de Fogo de Conselho”. Este iria surgir naturalmente no desenrolar da noite. Qualquer programa escrito estava fora de cogitação. Não iriam se prender a um roteiro, pois ali, naquela noite e em todas às outras a participação era completa. Sabiam o que queriam e iriam fazer conforme a Tradição de Tropa. Se havia uma coisa que detestavam, era o tal Lampião do Conselho. Dava até vontade de rir do tal Lampião. Diziam que um bom mateiro ascende o fogo em qualquer tempo e em qualquer lugar! Eu acreditava, pois o adestramento da tropa sempre foi um dos melhores.  Enquanto isto os demais não se afastavam muito, pois a escuridão da noite e o lugar davam calafrios. (não havia luar)

Todos foram chamados e se assentaram a bel prazer, enquanto um Escoteiro ascendia o fogo. Nesta hora, ficaram de pé, e como tradição antiga  invocaram os Espíritos dos Ventos e a viva voz, cantaram a Canção do Fogo de Conselho. Cantavam com gosto. Às chamas já se esticavam aos céus quando terminaram. Ouviram alguém bater palmas. Não eram eles. Se havia alguém escondido para amedrontar não seria com aquela Tropa. Um dos chefes deu uma busca em volta da casa e dentro dela. Nada.

Continuaram. Logo uma Patrulha imitava outra quando da enchente (no primeiro dia uma forte chuva encheu as barracas de lama). Surgiram palmas escoteiras inventadas na hora. Uma parada para conversa, um chocolate quente, uma mordida num biscoito. Conversas paralelas. Alguém alimenta o fogo, um dedilha o violão e outro começa a cantar. Alguns acompanham dois se encaminham para o centro da arena e começam a representar um Chefe e um Monitor. Risadas, palmas.

Pedem um jogo, um Monitor se oferece para fazer um novo, aprendido em outra atividade. Um grito. Não muito alto. A tropa se cala. É brincadeira de alguém. Eles aceitam a participação do “Fantasma”. Vai quebrar a cara pensam. Não foi a primeira vez. Ouvem outras em outros acampamentos. Agora não seriam surpreendidos. Continuam às canções, improvisações, batem papos, jogos e até um pequeno Adestramento de primeiros socorros. Não faltou o Contador de Histórias, e nessa o monitor mais antigo  se destacava.  Era assim o fogo da Tropa.

Às brasas começaram a aparecer. A lenha foi terminando e todos demonstravam sono. Uma boca abre aqui, outra ali. A noite avançou sem ninguém perceber. Um Chefe convida a todos para encerrarem com a Cadeia da Fraternidade. Começam a cantar e param. Todos olham para dentro da casa e vêem uma luz azul brilhante. Ficam estáticos. Alguns vão até lá e dentro da casa não há luz! - Já existem tremedeiras. Sem falar voltam para o acampamento. Ninguém quer ir à frente nem ficar atrás. Dormiram encostados uns nos outros mesmo com a chefia alegrando e encorajando todos. 

No dia seguinte, após o desarme do campo, na cerimônia da Bandeira, um morador das proximidades estava presente assistindo de longe. Um Chefe o convidou para participar na ferradura. Ele veio sem jeito e ali permaneceu até o final. Uma rodinha se formou em redor dele, e ficaram sabendo a historia da “Morada do Fantasma”:

- A casa foi construída pôr um jovem, - dizia -  filho de um “meeiro” (usa a terra de uma fazenda para plantar, e paga parte da colheita ao dono) quando se casou. Com menos de quatro meses, ele matou a mulher porque achou que esta o traia. Não era verdade. Foi preso e condenado há vários anos de prisão. Ninguém sabe onde está e quando vai sair da cadeia. O que todos sabem é que o espírito ou “fantasma” da mulher não abandonou a casa e até hoje e a mantém limpa e arrumada, mesmo sem móveis sem nada. Um padre já benzeu a casa, mas ela não sai de lá.

domingo, 24 de março de 2013

Pigmor, o castor manco do lago Grande Urso.



Só existe uma coisa importante em nossas vidas: viver a nossa lenda pessoal,
a missão que nos foi destinada. Mas sempre terminamos nos sobrecarregando
de ocupações inúteis, que acabam por destruir nossos sonhos (Maktub).

Lendas escoteiras.
Pigmor, o castor manco do lago Grande Urso.

“Terra do belo Olmeiro, lar do castor,
Lá onde o alce airoso, é Senhor,
Em um lago azul rochoso, eu voltarei de novo”!

                Era uma linda tarde de outono, mas Lisabel estava cansada. Afinal não era para menos. Quinze lobinhos ali soltos naquele sitio e só ela como responsável daria dor de cabeça em qualquer um. Lorraine e Javier na última hora disseram que só poderiam chegar no sábado à noite. Desmarcar o Acantonamento era impossível. Tudo tinha sido preparado. E lá foi Lisabel a enfrentar o desafio. Chegaram e logo arrancharam no Sitio Mimoso. Quinze lobos? Meu Deus, agora pareciam cem! Lisabel gritava chamando e logo eles corriam para todo lado. Conseguiu uma árvore próxima a casa e lá arvorou a Bandeira Nacional. Tinha no programa um estoque de jogos, brincadeiras, canções tudo que uma boa atividade deste porte requer. Mas não estava sendo fácil. Não mesmo. Ainda bem que dona Mercês mãe do Gustavo foi para a cozinha. Ela dava mais trabalho que seu filho. Queria ficar junto dele para protegê-lo, enfim uma mãe super-protetora.

              Após o almoço Lisabel reuniu os lobos e foram até próximo a um pequeno lago, e ao pé de um lindo Cajueiro, sentaram. Os lobinhos inquietos. Alguma coisa fazia ondas sobre as águas do lago. Lisabel não acreditou. Era um castor que logo mergulhou. Isto mesmo. Só se o proprietário do sitio o tivesse levado. Não havia no Brasil. Ela começou a cantar com eles uma canção. “A promessa de Mowgly”. Fizeram um jogo de faz de conta. Viu que a tarde se aproximava. Ainda bem. Logo seus assistentes chegariam e ela poderia descansar. Uma forte dor de cabeça. Os lobos sentaram em sua volta. Ia começar a contar uma história. Não lembrava. Assustou-se ao olhar novamente para o lago, parecia emergir de dentro das águas um velho com um chapéu e uma indumentária típica dos grandes caçadores de peles do passado. Um verdadeiro Mountain Men, ou melhor, um homem da montanha! Sorria, deu um olá simpático, chamou a atenção dos lobos. Eram seis meninas e nove meninos.

               - Sabem! Disse ele. Faz tempo que não vejo um Cub Scout. Quantas saudades! – O que é um CubScout logo perguntou uma lobinha. – Meninos lobinhos como vocês. – Lisabel ficou impressionada e assustada com ele. Uma figura imponente. Um cajado lindo. – Posso? Ele perguntou a Lisabel se poderia sentar com eles ali. – Claro que sim ela respondeu. – Por acaso viram um castorzinho deslizando há poucos instantes sobre o lago? Não? Vocês já ouviram falar de Pigmor, o castor manco do lago Grande Urso? – Também não? - Não Senhor responderam todos. - Querem conhecer sua história? Palmas e gritos. A lobada gostava de uma boa historia. – Bem vou contar, mas é uma historia triste, muito triste. Faz tempo, muito tempo quando conheci o John, ou melhor, o John Colter. Um pioneiro e um dos primeiros caçadores de pele a ser chamado de “homem da montanha”. Ficamos amigos em St. Louis uma cidade americana, lá pelos idos de 1807. Com ele fizemos uma serie de expedições até o rio Missouri para caçar castores e tirar suas peles.

               Os lobinhos assustaram-se. – Calma, foi em um passado muito distante. Nós vivíamos disto. Chegamos até a montar uma empresa de nome Rocky Mountan Fur só para vender as peles que conseguíamos caçar. - Mas vamos ao que interessa. Eu e o velho John rodamos meio mundo. Das Montanhas Rochosas até os grandes lagos de Michigan, Huron, Erie e Ontário. Diziam que eu e o John só caçávamos peles dos castores, mas não era verdade. Amávamos explorar o Velho Oeste americano. Nunca esqueci quando conheci Pigmor, o castor manco. Para ser sincero eu e o meu amigo chegamos às margens do Lago Grande Urso numa tarde de novembro. Eu nunca tinha ido ali e nem ele. O frio intenso, pois nevava a mais de seis dias. Montamos uma pequena cabana e quando ascendi o fogo vi um castozinho chegando e mancando. Assustei, pois sabia que eram ariscos e não se aproximavam. Sabia que ele e seus companheiros formavam uma colônia deviam ter um dique no fundo do lago. Nunca andavam sozinhos. Nós sabíamos que enquanto não passasse a nevasca nunca poderíamos caçá-los.

              - Olhei para o John e disse rindo: Não parece o Pigmor aquele velho caçador de ouro que morreu em Blue River Valley? Coitado. Achou que a riqueza fácil seria dele ali na região das Montanhas Rochosas. Morreu abraçado a um grande urso que encontrou na caverna do Mandor. Belas lembranças da famosa corrida do ouro em Breckenridge. Mas voltemos a historia. Vi que vocês querem saber tudo! Pigmor chegou até próximo ao fogo. Achamos ele diferente. Logo batizamos com o nome do meu amigo já falecido. Eu e o John ficamos calados. Não valia a pena dar um tiro ou mesmo matá-lo com um facão. Era raquítico, pequeno e descarnado. Seus olhos pareciam vermelhos e sentia que chorava por dentro. Ficou ali horas aproveitando o calor do fogo. Foi quando levamos o maior susto. Pigmor de cabeça baixa, deitado bem próximo à fogueira soluçou várias vezes. Começou a contar uma historia estranha. Isto mesmo, Pigmor estava falando. Como não sei. Castor falante? Nunca ouvi falar.

              Lisabel não estava acreditando no que via. Um velho curtido, uma capa estranha, botas de pele de urso, um lenço azul amarrado ao pescoço e um boné de peles de castores, de cócoras no meio do circulo, contava aquela história de uma maneira tão linda que até ela mesmo estava sendo encantada pelas palavras daquele velho caçador de peles. Notou que em nenhum momento os lobinhos tiravam os olhos dele. Sua dor de cabeça e seu cansaço havia desaparecido. – O Velho caçador continuou – Isto mesmo. Pigmor contava uma história muito triste, que aconteceu uma semana antes. Ainda não estava nevando e ele e seus irmãos da Colônia tinham terminado o dique onde iriam passar o inverno e aconteceu uma matança. Dois homens chegaram atirando. Pigmor correu para uns arbustos, mas levou um tiro na perna direita. Seu pai e sua mãe morreram na hora. Viu que somente Nakim, Molevo, Pariá e Jasmiel tinham se salvado pulando nas águas geladas do lago. Os dois homens jogaram uma banana de dinamite e quase destruíram o dique. Os quatro castores escondidos lá ficaram presos.

                  - Pigmor levantou a cabeça e me olhou dentro dos meus olhos. Depois olhou para John e continuou – Mergulhei até lá, estavam presos em uma toca sem poder sair. Tentei tudo. Jasmiel a Castora que seria minha esposa estava quase morta. Não sabia o que fazer. Melhor morrer com eles. Subi a tona e vi vocês. Acreditei que iam atirar em mim. Podem atirar. Eles irão morrer e eu quero morrer com eles. Iremos nos encontrar nas Grandes Tocas do Navarra onde se encontram os nossos ancestrais. – Pigmor se calou. Só ouvia soluços. Olhem não sei o que deu em meu amigo John. Não sabia que ele um dia poderia gostar de bichos, animais, ou seja, lá o que for. Mas mesmo naquela nevasca, escuro feito breu, o frio de rachar ele tirou a roupa e mergulhou nas águas profundas do lago. Passaram-se segundos e minutos. Nada do John vir à tona. “Diabos” pensei, será que ele morreu? A água estava um gelo! – Eis que os primeiros castores apareceram e logo em seguida o John com um castor no colo que julguei ser Jasmiel, a namorada de Pigmor.

                       Todos eles correram para a beira do fogo. Olhe eu juro pelas barbas do Coyote mais arisco de Yellowstone, pelas corcundas de um Bufallo das pradarias próximas a Little Bighorn em Montana que é verdade. Ficaram dois dias conosco. Pigmor e os seus irmãos mergulhavam de vez em quando para consertar sua toca no dique do lago. Uma semana depois Pigmor deu adeus. Hora de partir. Mergulharam na água do lago Grande Urso e sumiram. Nunca mais voltei lá. Disse ao John que minha vida de caçador peles e de castores tinha se encerrado ali. Ele nada disse. Juntamos nossas tralhas e partimos. Sabíamos que no então Território do Dakota seria feita uma grande corrida do ouro. Em Montana, Arizona, Nevada e Colorado só se falava nisso. Milhares de garimpeiros acorreram. Acampamentos e cidades mineiras surgiam da noite para o dia. Fomos para Black HIlls e ficamos ricos. Um dia John se desentendeu com um fora da lei. Morreu em um duelo em Virginia City. Eu resolvi fazer uma cabana nas montanhas e passar lá o resto de minha vida. Tropecei em um lago ao sul de Sonora. Vi um castor manco. Seria Pigmor? O levei comigo. Estamos juntos até hoje.

                           Ninguém falava nada. Lisabel viu que o velho caçador se levantou, deu um leve sorriso e disse adeus. Foi em direção ao lago. Andando sobre as águas todos notaram cinco castores nadando ao seu lado. Em segundos despareceram no fundo daquele pequeno lago do Sitio Mimoso. Um barulho de carro. Deviam ser Lorraine e Javier chegando. Eles adoravam os lobos. Um grito: - Lobo, lobo, lobo? E os lobinhos como a acreditar que outra linda história estava programada para eles, correram em direção ao Balu e a Bagheera. Lisabel ficou ali. Olhando para as águas do lago, que agora já noitinha uma bruma cinza se espalhava por sobre as águas. – Eu sonhei? Pensou Lisabel. Se sonhei os lobos também sonharam. Mas não é bom sonhar? Com terras altas, montanhas geladas, picos altos e longínquos, grandes lagos, é bom sonhar sonhos como este. Gostaria de ter conhecido Pigmor o castor manco do lago Grande Urso. mas...

“Tenho saudades daqui, destas campinas...
Ao norte eu voltarei, para as colinas,
Em um lago azul rochoso eu voltarei de novo”!


Como na lenda da Águia, que arranca suas penas e bico pra renascer como uma Fênix das cinzas, eu gostaria de perder a memória, me desfazer dos paradigmas, das inseguranças e medos, me perder em mim mesmo e começar do zero! Já que não é possível voltar no tempo, que Deus me de a dádiva do esquecimento.

quinta-feira, 21 de março de 2013

O assombroso Fantasma da sede do Grupo Escoteiro Tapajós. (baseado em um fato real)



Histórias escoteiras.
O assombroso Fantasma da sede do Grupo Escoteiro Tapajós.
(baseado em um fato real)

           Esta historia aconteceu há muito tempo. Lá pelos idos de 1961. Recém-admitido como funcionário da Usiminas conheci mais dois amigos que eram escoteiros em sua cidade de Origem. Carlos e Odair. O primeiro foi Escoteiro da Pátria em Juiz de Fora do Grupo Escoteiro Aimorés do meu grande amigo e falecido Chefe Darcy Malta. O segundo Escoteiro em Muriaé. Tornamo-nos amigos inseparáveis. O escotismo fazia falta. Porque não organizar um grupo? – Surgiu de surpresa. Um amigo de nome Raimundo morava em Senador Melo Viana, na época um distrito de Coronel Fabriciano e acho que ainda é até hoje nos convidou para almoçar em sua casa. Para surpresa o Pároco da Matriz também estava presente. Durante o almoço surgiu à ideia de montar um grupo ali. O Pároco se dispôs a ver as necessidades e providenciar.

             Seis meses depois o Grupo Escoteiro ia de vento em popa. Infelizmente um contratempo aconteceu. O Chefe Odair veio a óbito. Morávamos todos em uma casinha espécie de republica. Uma epopeia levar o falecido em sua cidade. Mas esta é outra historia. Perdemos alem de um grande amigo um excelente corneteiro. Ainda bem que o Grupo Escoteiro cresceu. Tínhamos mais de doze escotistas atuantes e a maiorias já DCBs.  Nossa sede era atrás do cemitério do distrito. Eram três barracões enormes, cujas janelas de fundo davam para toda a área do cemitério. Os três barrocões eram divididos entre as sessões. Um para os lobinhos, um para a tropa e outro para a diretoria e almoxarifado.

             Uma semana após o passamento do Odair o Zé Pontes da diretoria me procurou para avisar que reclamaram com ele da algazarra tremenda que faziam a noite e sempre após a meia noite na sede escoteira. Tocam corneta, bumbos, tambores e taróis Pensei comigo. Só quatro de nós tinham as chaves. Quem seria? – Melhor ir lá para ver. Ir sozinho? Sei que era um homem, durão, Chefe Escoteiro, mas nunca me dei bem com fantasma. Ir lá à meia noite, atravessar uma lateral do cemitério, abrir a porta e entrar e esperar até meia noite para ver a banda tocar estava fora de cogitação. – Carlos vamos nós dois. – Nem pensar, Chame o Zé Pontes, o Nonô ou então o Pároco. Ninguém quis ir. Cada um deu uma desculpa.

            A banda uma ou duas vezes por semana continuava tocando. Escoteiros e lobinhos evitando entrar na sede mesmo durante o dia. A “coisa” estava tomando proporções que poderia prejudicar mesmo a frequência dos meninos. Tinha que ir lá e desmascarar o tal fantasma. Quinta feira, armado de uma boa lanterna esperei dar onze e meia e lá fui. Confesso que tremia um pouco. Ao passar pelo cemitério criei na minha imaginação centenas de fantasmas a me observarem. Onze e cinquenta lá estava eu na porta do almoxarifado. Um silêncio de morte. Juntei todas as minhas formas e entrei. Um “besta” que sou fechei a porta comigo dentro. Porque fiz isto? Não sei. Sentei em uma cadeira em volta de uma escrivania. O silencio era total. Já estava respirando melhor. Acho que não tinha nada. O povo inventa!

               Levantei, acendi a lanterna e passeei com o facho de luz por toda a sala. Maldita sala! Uma corneta estava suspensa no ar. Outra tocou a toda no meu ouvido. Um berro da corneta e um meu. Larguei a lanterna e corri para a porta. Um custo para abrir. Bombo, tambor e corneta tocavam no meu ouvido. Gritava e berrava como um louco. A porta abriu. Sai correndo em desabalada carreira. As calças toda molhada. Senti algum mais que não vou dizer aqui. Fui direto ao Pároco. Ele dormia. O acordei. – O Senhor vai comigo – Chefe Osvaldo é impressão sua. – Vamos lá, não é o homem de Deus? – Lá fomos eu e ele. Vi que ele sorria, queria mostrar uma força que não tinha. Entramos, silencio. Ele me olhou – Tá vendo? Não tem nada. Uma corneta berrou alto no seu ouvido. – Ele gritou – Louvado meu Senhor Jesus Cristo. Me socorre.  Nem me olhou sumiu na porta na minha frente.

                No dia seguinte ele e mais diversos coroinhas e todas as Filhas de Maria, sem contar os Vicentinos lá estavam na sede para exorcizar ou sei lá o que ele fazia. Rezaram, cantaram e foram embora. Acho que deu certo. Os barulhos sumiram. Joguei a calça que usei naquele dia fora. Não dava nem para lavar. Até hoje não sei se foi o espírito do Odair. Ele nunca me disse nada. Uma semana depois fui pegar um guarda chuva em cima do guarda roupa na república que morávamos. Chovia a cântaros. Trovejava. Relâmpagos no céu. Carlos trabalhando de zero hora. (turnos alternados). Estava sozinho em casa. Subi em uma cadeira. Meu Deus! A dentadura do Odair aberta como se estivesse rindo para mim! (ele tinha dentadura). Cai da cadeira estatelado no chão. De novo correndo até o bar do Zaqueu. Melhor ficar ali até as madrugadas tomando umas e outra. Voltar para a casa? Vai ser difícil.

Final: - Um ano depois a convite montamos uma Tropa Escoteira na Paróquia de Coronel Fabriciano a convite do padre local. Hoje Bispo. Don Lara. Grade Chefe! – Sai da Usiminas, passei anos sem voltar lá. Hoje o Tapajós existe em Coronel Fabriciano. Um grande grupo. Orgulho da cidade.
Afinal são histórias. Acreditem se quiserem. Ainda guardo lembranças do Carlos do Odair e de tantos outros. Valeu uma época. Valeu uma vida!

domingo, 17 de março de 2013

Gloria feita de sangue. A última Luta de Manuelito.




Atenção! Se você tem coração fraco, não leia esta história. Pode se emocionar demais.

As mais lindas histórias escoteiras.
Gloria feita de sangue. A última Luta de Manuelito.

                      Não dá para esquecer, foi no último verão de sessenta e um. As chuvas de Santo Inácio que todos esperavam não aconteceram como o previsto e ali, a beira da Lagoa do Lagarto, o fogo de conselho já havia terminado. A escoteirada já se recolhera. Aqui e ali a fogueira ainda se esforçava para mandar aos céus uma ou outra fagulha brilhante. Todos já haviam se recolhido e eu resolvi ficar. Panchito me fazia companhia. Bom amigo. Conhecemos-nos em Aguascalientes no sul do México em cinquenta e oito. Ele já morava no Brasil há vinte anos, mas seus pais residiam nesta cidade e ele a cada cinco anos voltava para fazer uma visita. O motivo porque estava em Aguascalientes fica para outra história. Deitamos a beira da lagoa sobre uma lona leve e admirávamos o vai e vem dos cometas e satélites que giravam em torno da terra a grandes velocidades. Já sentia o orvalho da madrugada se aproximando quando vi que Panchito chorava baixinho. – O que foi? Perguntei. Olhe Chefe, sempre quando me lembro de Manuelito meu coração bate forte.

                      Deixei que ele se acalmasse e foi assim que ele me contou toda a história de Manuelito. – Era um jovem de seus doze anos. Magro, raquítico, tamanho normal para sua idade. Cabelos loiros, olhos negros fundos, nariz afilado estava na tropa havia oito meses. Falava pouco e ficamos amigos. Assim como ele eu também era da Corvo. O Gentil era o Monitor. Ótima pessoa. Tudo começou quando Gentil comentou que na Corte de Honra foi discutido a data do próximo Grande Desafio. Nos últimos três anos sempre foram realizados. Nunca fiquei sabendo como tudo começou. Toda a tropa só comentava a vinda de mais três tropas de cidades vizinhas. Ia ser um espetáculo a parte as disputas naquele ano. Seriam realizadas no Estádio do Azulão Futebol clube, pois no ano anterior houve grande aglomeração de pessoas no campinho de pelada em frente à sede prejudicando em parte a visão de todos. – Não estava entendendo, mas deixei que Panchito continuasse sua narrativa. – Chefe, precisava ver o olhar de Manuelito quando disse que o primeiro lugar ganharia uma Faca Suíça e um Cantil do Exército. Nunca o vi sorrir daquele jeito. – Fiquei com pena. Manuelito não tinha a mínima condição de chegar as finais.

                  - Sabe Chefe quando conto esta história para alguém, dão risadas. – Uma simples briga de galo? – Mas isto se faz em todas as tropas a século! Mas Chefe, conosco era diferente. Havia uma técnica própria. Cheguei a ver em um ano dois contendores ficarem uma hora e meia lutando. Vi tantas lutas que eu mesmo desisti, pois nunca cheguei além do nono lugar. Manuelito não. Perguntou-me a data, como ia ser a seleção e se todos podiam se inscrever. – Disse a ele tudo que perguntou e mais alem, disse também que ele nunca tinha lutado. Pediu-me que mostrasse como se luta. Ficamos uma hora lutando. Ele mal se matinha em pé. Caia sempre. Desistir? Jamais. Manuelito sonhava com a Faca Suíça. Só falava nela. Queria ter uma e sabia que nunca poderia comprar. Uma semana antes da seleção, que seria feita com todas as patrulhas por duplas Manuelito disse que estava preparado.

                     - Chefe, Manuelito estudou tudo. Desenhou. Treinou horas e horas em sua casa a ficar parado ou pulando em um só pé. Suas mãos as costas pareciam aço. Não se soltavam. Sabia fazer com perfeição uma Asa Direita ou esquerda (cotovelos em forma de V). O Joelho do Papagaio aprendeu rápido. Mas era magro, respirava com dificuldade e mesmo assim se mostrou um valente. O primeiro, segundo e terceiro lugar já tinham dono. Neco, Lastimer e Juventino eram os melhores. O quarto lugar foi disputado com galhardia. Manuelito a muito custo conseguiu o quarto lugar. O Chefe Wantuil não acreditava no que via. Ele ficou preocupado. O corpo de Manuelito não foi feito para aquele tipo de luta. Tentou falar com seus pais que sempre arredios não iam à sede. Desistiu e deixou que Manuelito participasse. Arrependeu-se muito depois. O grande dia chegou. Centenas de pessoas já estavam alojadas nas arquibancadas. Poderia jurar que ali no inicio do Grande Desafio tinha mais de três mil pessoas. Os parentes e vizinhos das outras três cidades compareceram em peso.

                       Chico Nonato o comissário distrital abriu a competição. Chamou um a um os dezesseis finalistas gritando alto seus nomes e conquistas escoteiras. Quatro por tropa. Formaram em linha. Todos parrudos, fortões e Manuelito se destacava pela sua magreza. Nas arquibancadas gritavam – Tira o magrelo! Tira o minhoca! Ele de cabeça baixa não se incomodava. Sonhava com a Faca Suíça. Ele sabia que não poderia ficar lutando por muito tempo. Sabia o que tinha internamente e se ele brotasse em seu estomago iria ser levado à boca e aí não ia ser fácil. Seria desqualificado na hora. Isto não poderia acontecer! – Não foi difícil para Manuelito chegar as quartas de finais. Aprendeu e treinou dias e dias a rodopiar com seu Joelho do Papagaio e deixava que os outros pulassem sobre ele. A Joelhada era fatal. Ninguém acreditava no que via. Ficaram quatro competidores finais. Ele ia lutar com um dos campeões do passado. Matusalém era famoso. Quando ele olhou para Manuelito sorriu. – Este está no papo. - Não quer desistir? Perguntou. Uma hora de luta. Sempre Manuelito se esquivando. Manuelito o sentiu no estomago. Deus! Deus meu! Não deixe que suba! Ajude-me. Eu preciso desta Faca Suíça! E meu sonho meu Deus!

                       Ganhou para espanto de todos. Sentiu que suas pernas e suas entranhas não aguentariam a final. Botelho Papa Léguas era o finalista da Tropa de Jaguatiruna. As apostas perdiam a graça. Ninguém apostava em Manuelito. Eram trinta por um e à medida que ele vencia caia. Agora estava em dez por um. Um silêncio enorme e a luta de morte começou. Ambos se estudando. Botelho Papas Léguas não subestimou Manuelito. Se ele chegou até ali é porque era bom. Viu uma brecha, viu os olhos de Manuelito piscando e se fechando. Deu oito saldo longos e pegou Manuelito de jeito com a asa direita. Manuelito conseguiu se esquivar, mas a esquerda roçou com força seu olho direito. Uma dor incrível! Manuelito quase perdeu o equilíbrio. Não iria aguentar outra. O sangue agora estava enchendo sua boca. A hemorragia que seu pai sempre falava estava chegando. Sabia que uma ou duas veias tinham partido. Se não parasse iria morrer.

                        Não podia, não podia parar! Meu Deus me ajude! Dê-me mais uns minutos, daria minha vida para ter esta Faca Escoteira!  Botelho Papa Léguas não sentiu piedade. Ele também queria ser o campeão do torneio. Nunca tinha ganhado. Entrara para o escotismo pelo premio e claro pela fama. Afinal perder para aquele escoteirinho de nada? Raquítico, pequeno, e agora chorando? Sim Manuelito tinha os olhos cheios d’água. A asa esquerda o pegou de jeito entre os olhos. O sangue quente na boca. Firmou os lábios. Tentou engolir. Não deu. Não iria soltar o sangue na grama verde. Seria desqualificado! Pulou uma duas vezes. Fez um sinal para Botelho Papa Léguas como a dizer – Venha moleza! Botelho Papa Léguas não se fez de rogado. Pulando com uma rapidez incrível preparo sua asa direita para liquidar logo esta contenda. Infelizmente ele sabia que Manuelito ia se estatelar no chão. Mas não podia ter pena nem dó e nem piedade. Como dizia sua Avó, jogo é jogado e lambari é pescado.

                        Manuelito viu num relance o que Botelho Papa Léguas ia fazer. Sabia que não podia desviar muito. Se pulasse o sangue ia jorrar de sua boca. Ele sentia mais e mais a pressão do sangue subindo goela acima. Uma dor incrível no cérebro, o corpo tremendo. Esperou. Faca Suíça! Não vou perder você. Deus vai me dar forças! Manuelito esperou até que Botelho Papa Léguas se virasse e novamente usasse a lateral esquerda para lhe bater a toda no seu ombro com a Asa Direita. Quando sentiu o hálito quente da respiração de Botelho Papa Léguas, Manuelito abaixou e levantou de uma vez. Pegou Botelho Papa Léguas desprevenido. Ninguém esperava que ele usasse este truque. Velho conhecido de todos. O vai e vem do corpo subindo e descendo. Botelho Papa Léguas perdeu o equilíbrio. Nas arquibancadas um murmúrio alto. Todos ficaram em pé. Não acreditavam no que viam. Todos só viram Botelho Papa Léguas se esparramar pelo chão. Os apostadores não acreditavam na cena estática que se apresentava. Eram dez por um. Impossível diziam.

                  Manuelito se equilibrou ainda na perna direita por alguns segundos. Suas mãos se soltaram e foram forçadas no ventre como a querer interromper o sangue que agora saia aos borbotões dos seus lábios. Não dava para segurar mais. Rodopiou em si mesmo e caiu esparramado no chão gemendo alto e querendo sorrir. Afinal ele ganhou a luta. A Faca Suíça era sua! O sangue vermelho se misturou ao verde da grama. Um colorido sem graça. Vários chefes acorreram. Viram Manuelito com enorme hemorragia interna. Desmaiado. A morte parecia que ia chegar. Um carro apareceu no campo. Ele foi transportado para o hospital da cidade. Uma semana depois souberam que ainda estava na UTI. Perdera muito sangue. Precisava ir para a Capital. Seus pais choravam, mas não condenaram o filho. Se ele morrer foi porque sabia que seu sonho seria maior que a morte!

                   Seis meses depois em uma tarde de agosto bolorenta, um sol preguiçoso no céu Manuelito apareceu na sede em uma cadeira de rodas uniformizado. A tropa parou espantada. Ele sorria, um sorriso tênue como se o sol ali como ele estivesse esperando para levá-lo. Seu pai estava junto. Disse que ele insistiu em vir. Queria receber a Faca Suíça dos seus sonhos. O Chefe Wantuil foi até sua casa e voltou com ela. Todo o grupo se formou. Honra ao mérito ao escoteirinho herói. Como bons escoteiros todos prestaram continência em posição de sentido a Manuelito. Pediu que eu entregasse a ele a faca e colocasse no seu cinto do lado direito. Uma honra para mim Chefe! Um Anrê foi dado. Uma explosão de alegria em todos os presentes. Um exemplo para ser lembrado por toda a vida.

                  Manuelito ainda viveu mais um ano. Morreu com treze anos. Só então ficamos sabendo que ele era tuberculoso. Sua família também. Uma época em que a medicina não tinha cura nestes casos.  Seu pai sabia, mas como tantos outros escondiam, pois ele tinha exemplos de pessoas portadoras de tuberculose que foram defenestrados pela sociedade. Eram párias abandonados à própria sorte.  Uma semana antes de morrer, Manuelito me pediu que quando fosse para o Campo Santo, que a Faca Suíça estivesse no cinto, pois queria estar uniformizado. Chefe, meu Deus! Quanta tristeza. Milhares de gente ali em volta da sua ultima morada chorando. Eu Chefe, era o que mais chorava. Não sabia como enfrentar tudo daí para frente. Ate hoje ainda vou lá visitá-lo. Falo com ele sempre. Sei que ele não está ali, mas isto alivia minha dor e me conforta.

                 Panchito se levantou. Chorava copiosamente. Desculpe Chefe. Desculpe. Melhor é ir para minha barraca. E lá foi ele me deixando ali a beira daquela lagoa cinzenta, ao lado de uma fogueira apagada, só cinzas e um orvalho caindo e molhando minhas faces. Vi que as minhas lágrimas também se misturavam ao doce orvalho do amanhecer. Uma bruma cinzenta pairava sobre a lagoa. Pensei em ir dormir e ir para minha barraca. Não fui. Sentei a moda índia e fiquei ali até o amanhecer de olhar fixo no horizonte, acima da Lagoa do Lagarto. Não houve sol aquele dia. Uma chuva leve e intermitente começou a cair. Um peixinho pulou sobre as águas cinzentas da lagoa. Minha mente voltava ao passado. Manuelito, um sonho realizado. Uma morte honrosa. Um menino que foi homem para aceitar o seu maior desafio. Uma luta sem gloria. Ou melhor, Gloria feita de Sangue! 

sexta-feira, 1 de março de 2013

“Pelas barbas do Profeta”. Adônis conseguiu sua Insígnia de Madeira.



Lendas escoteiras.
“Pelas barbas do Profeta”. Adônis conseguiu sua Insígnia de Madeira.

                     Ninguém acreditava que ele um dia seria mais um Insígnia de Madeira. Claro, todos sabiam que era um Chefe Escoteiro esforçado. Presente. Seus 25 anos lhe davam um aspecto juvenil. Quem não soubesse diria ser ele um Sênior ou Pioneiro. Foi sim Escoteiro quando jovem. Ficou menos de três anos. Não voltou mais. Um dia viu uma Patrulha em um shopping. Não gostou do que viu. Parecia não ter espírito Escoteiro. Não deviam estar preparados para esta atividade. Os interpelou. Não o levaram a sério. Foi para casa pensando. Criticar não adianta. Porque não voltar a participar? – Voltou. Cheio de gás. Foi bem aceito no grupo. Um ano como Assistente. Não perdeu tempo. Engoliu livros, fez todos os cursos que podia fazer. Era o orgulho do seu assessor pessoal.

                     Com dois anos na tropa assumiu a chefia. Não porque quisesse, mas o titular desistiu. Achou que não seu tempo estava sendo usado muito no escotismo e sua família estava sendo prejudicada. Adônis deu tudo de si. Os jovens o amavam e ele amava os jovens. Aprendeu a ser amigo. Aprendeu a ser um irmão mais "Velho". Aprendeu a respeitar. Sem ninguém saber começou a responder o questionário. Na parte prática já tinha feito o avançado. Seu “caderno” foi devolvido. O leitor colocou várias ponderações. Estudou tudo e enviou de novo. Mais uma vez devolvido. Espere mais um ano. Você é novo. Só está no escotismo há três anos. Não concordou. Enviou um oficio – Qual a idade para ser um Insígnia de Madeira? O leitor ficou sem jeito. 

                     Um dia, um sábado apareceu um chefe. Desconhecido. Olá! – disse. Entabulou conversa. Cutucou. Olhou seu programa, conversou com alguns meninos. Não disse para que veio, deveria ter dito. Adônis acreditava que entre escoteiros não existe segredos. A lealdade acima de tudo. O Chefe se foi. Dois meses depois o Comissário Distrital e um Assistente Regional apareceram na sede. Após o cerimonial ele foi chamado à frente. Entregaram-lhe a Insígnia. Ele tremeu. Ficou vermelho. O lenço de Giwell agora adornava seu pescoço. Os demais chefes do grupo o saudaram. Não estavam acreditando que ele conseguiu. A maioria tinha seis sete ou mais anos de escotismo.

                     Adônis não dormiu naquela noite. Pensava – O que muda em mim com este lenço? Sei que muitos me olharão com respeito, mas não sou o mesmo quando não o tinha? Meus conhecimentos não eram o mesmo? Agora irão me convidar para muita coisa no escotismo. Deverão achar que agora sou tutor e não mais tutorado. Só um lenço mudou tudo? Já posso dar curso? Serei aconselhador? Serei chefão? Que lenço é este que só me trás duvidas e não certezas? – Adônis dormiu. Sonhou muito. Teve até pesadelos. Leves, mas alguém lhe tomava o lenço no sonho. Acordou suado. Meu Deus! O que é isto?

                     Passou a ir para as reuniões sem o lenço. Deixou em casa também seu colar de contas. Pretendia fazer um enorme quadro com seu certificado. Desistiu. Cobraram dele sua Insígnia. Ele abaixou a cabeça e não disse nada. Durante meses tentava ser o mesmo. Difícil. O que um lenço não faz. Em minutos após você receber passa para outra dimensão. A dimensão dos que tudo sabem. Mas não era o caso dele. O que ele sabia aprendeu antes. O Distrital mandou lhe chamar. – Soube que não tem usado seu lenço? – Por quê? – Não sei respondeu. – Explique melhor – Ele não sabia o que falar. Queria dizer que era mais feliz antes de ter este lenço. Ria mais, achava que era irmão de todos. Agora tudo mudou. Os chefes o olham com outros olhos. Não gostava nada disto.

                     Um fim de semana prolongado resolveu reler o livro O Guia do Chefe Escoteiro de Baden-Powell. Já tinha lido. Ficou o dia inteiro com ele lendo. No sábado seguinte chegou à sede com o lenço e colar. Nunca mais o tirou. Viu que muitos chefes IM em seus grupos usavam o colar com o lenço do grupo. Não fez assim. Amava o Grupo Escoteiro. Todos sabiam disto. Não era usando um lenço do grupo que seu amor iria aumentar. Nunca aceitou nenhum cargo. Nunca aceitou ser considero melhor. Era apenas um Chefe, um Chefe amigo, simples, fraterno, um Chefe como tinha pensado BP no passado. Um Chefe portador e orgulhoso do escotismo com seu lenço da Insígnia de Madeira!