No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras

No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras
A aventura está apenas começando

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Como é gostoso sorrir.


Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Como é gostoso sorrir.

           Eu sempre tive uma queda por Machado de Assis. Ele sempre foi prodigo em comentar sobre uma vastidão de temas e soube transportá-los para uma realidade que nos toca fundo. Hoje resolvi falar sobre como é gostoso sorrir. Abro meus escritos com o que ele escreveu – “Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho, há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas”! Adorável isto. Mas não é bom sorrir? E ver os outros sorrirem então? Lembro que a muitos e muitos anos estava dirigindo um curso Escoteiro e na equipe havia um padre sério que vivia de cara fechada. Todos tinham medo dele e não deixava saudades em suas palestras. – Padre eu falei, porque não sorri para os alunos Escoteiros? – E ele – Uai! Disseram-me que é assim que se procede em Gilwell Park. Ele tinha uma sessão quinze minutos depois. Entrou sério e sisudo. Uma época que os alunos levantavam-se na entrada do formador. Sentaram e ele de cara feia olhava todo mundo. Seus olhinhos miúdos corriam os bancos postados na orla daquela floresta. Todos calados pensando: Que diabo quer este padre? E ele olhando a cara de um por um começou a rir. Seu riso aumentou. Os alunos chefes não entendiam nada. Mas sua risada era contagiante. Logo em seguida um começou a rir e foi seguido por todos os participantes do curso. Ficaram lá rindo por muito tempo. O padre nunca mais foi esquecido e no inicio de outros cursos sempre me perguntavam – O Padre X está na equipe?

         Já me disseram muitas vezes que o salário de um Chefe está no sorriso de suas crianças. É mesmo. Existe algum mais lindo que um sorriso? E se for de criança melhor. Chegar ao seu grupo, ver a alegria estampada, ver o Diretor técnico vindo lhe cumprimentar e sorrir, os demais chefes sorrindo e olhando para você dizendo - Sempre Alerta meu Chefe, alegre em ver você de novo! Tem salário que paga tudo isto? Não tem. Aí você se enche de orgulho e diz em sua consciência, valeu ser voluntário. Ajudando o próximo estou ajudando a mim mesmo. Eu tive a oportunidade de ver belos sorrisos. Já notaram quando saem para uma atividade ou acantonamento? Todos chegando sorrindo e as mães preocupadas? Elas sem saber destoam do conjunto. Mas eles estão sorrindo de orelha a orelha. Muitos dormem nos ônibus e quando lá chegam é aquela alegria. E o Fogo de Conselho? Você já teve a alegria de ficar observando os rostinhos infantis e juvenis a brilharem quando as chamas altas querem tocar no céu? Prestou atenção neles? É Indescritível. Uma hora ou duas horas e eles pregados ali, sentados na grama, olhando sempre para o fogo crepitando e se aparece alguém para um esquete ou um jogral meu Deus! Os sorrisos dobram.

         Não sei por que alguns chefes são sisudos. Cara feia. São até bonitos, mas com seu estilo de chefão é de matar. Quando formam as crianças eles se portam como se fossem os Capitães da Guerra. Dão uma olhada de ponta a ponta e param em alguém que não está como ele deseja. Isto se não gritar pedido que fique firme. Acredito que ele ainda não pegou que o escotismo tem de ter alegria em tudo. Não existe hora nenhuma para ficar sério. Pode até ser uma atividade séria, uma cerimonia séria, um jogo sério (jogo?) não importa. Importa é a maneira de se apresentar e conduzir tudo isto. Amigos sorrir faz parte do bem viver. Já me disseram que sorrir sempre é um ótimo remédio. Os entendidos dizem que isto foi uma grande descoberta científica. Dizem que vale a pena dar uma boa gargalhada. Isto mesmo, ele contagia a quem está por perto e nos momentos difíceis lembrar coisas boas e tentar sorrir mesmo que por pouco tempo ajuda. Muitos comentam que nos piores momentos um sorriso torna as coisas que eram difíceis ficarem fáceis. Uma pesquisa revela o porquê rir é o melhor remédio, segundo os pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra todos estes benefícios só existem quando se trata de um riso de felicidade e de euforia. O riso social, por vergonha, embaraço ou por educação, não tem o mesmo efeito.

             O escotismo é uma fonte inigualável de alegria e satisfação pessoal. Sabendo sorrir e valorizar seus amigos é meio caminho andado. Uma época eu fui sisudo. Muito. Chegava e todos ficavam calados. Mas a Escola da Vida me mudou. Hoje sorrio muito e poucos acham que estou sorrindo. De vez em quando fico no espelho treinando, mas não é fácil. Gosto de lembrar Baden-Powell sempre. Dizia que sempre foi feliz e gostava de fazer as pessoas felizes. Afinal não foi ele quem colocou lá na Lei Escoteira o Oitavo Artigo? – O Escoteiro é alegre e sorri nas dificuldades. Veja o que disse o poeta Dinamor: - Quem quiser vencer na vida deve fazer como os sábios: mesmo com a alma partida, ter um sorriso nos lábios. Quer viver mais tempo? Quer se curar rapidamente? Quer fazer do seu Grupo Escoteiro uma família feliz? Coloque um sorriso nos lábios, mas espere um sorriso autêntico, alegre e espontâneo, pois se não for assim todos saberão que você não está sendo verdadeiro.


            Antes de terminar me lembrei de um fato interessante. Estava eu e a Celia (se passou há uns dez anos) em um restaurante (simples não aqueles cinco estrelas) e ouvi uma gargalhada gostosa. Daquelas que a gente tenta dar e não consegue. Ao meu lado um casal novo dizia – Que falta de educação. O maitre devia colocá-la para fora. Virei-me e vi quem estava sorrindo. Nada mais nada menos que Dolores. Uma antiga Chefe de lobinhos hoje com seus oitenta e sete. Levantei-me e fui até a mesa do casal – Meus amigos superem se possível esse inconveniente, aquela senhora tem oitenta sete anos. Olhe bem ela vai viver mais vinte tranquilamente. Sabem por quê? Porque ela gosta de sorrir, ela enfrenta as dificuldades sorrindo. Completei com Martin Luther King – Pouca coisa é necessária para transformar inteiramente uma vida: amor no coração e sorriso nos lábios! 

sábado, 27 de setembro de 2014

A árvore da colina. “A paz esteja convosco!”


Lendas Escoteiras.
A árvore da colina.
“A paz esteja convosco!”

                - Eu só o vi uma única vez na vida. Na verdade aquele foi um dia especial, não me perguntem por quê. Notei sua figura surgindo na estrada do Alencar, a pé, com um cajado simples, mas com passadas belas sem se mostrar cansado. Ele não me disse quem era e nem eu perguntei. Quando se aproximou de mim senti um brilho em sua figura e inexplicavelmente ele se transformou. Juro que ao longe estava com uma bata branca e ali na minha frente estava agora com um lindo uniforme Escoteiro. Como ele podia fazer aquilo? Era mágico? Se fosse o truque era perfeito. Não usava o chapéu e eu sei que aquela áurea brilhante o chapéu tiraria toda sua pose badeniana. Quem seria? Ele sorria para mim, um sorriso gostoso, dentes alvos olhos negros, cabelos castanhos compridos.

                  Parei ali para descansar um pouco da minha jornada e fazer um café. Precisava. A Árvore da Colina já era minha velha conhecida. Pequena, mas com uma folhagem que em todo seu redor fazia uma sombra invejável. Não havia nascente, não havia rios e nem tampouco regatos por perto. Somente a árvore para nos dar o descanso devido. Pensava em chegar ao acampamento da patrulha ao entardecer. Uma obrigação com meu pai me obrigou a ir depois deles. O destino não era longe. Após a curva do Falcão já se podia avistar a mata pequena, a cascata e o bambuzal. Tirei a mochila, pendurei meu chapéu em um galho e duas achas facilitarem o Tropeiro que iria fazer. Na mochila tinha café e pó. Meu canecão militar serviria para esquentar a água.

                  Levantei e disse bem vindo! Ele sorria. Não era bonito, mas tinha alguma coisa especial que encantava a todos em seu redor. Em vez de sapatos usava uma sandália. Calado se assentou a sombra junto ao tronco. Fechou os olhos e parecia rezar. Passei o café e  ofereci a ele. Olhou meu cantil, estava cheio pela metade. Passei para suas mãos e ele bebeu devagar, parecia sorver o líquido com carinho de quem tem sede. Tomou o café me olhando nos olhos. Minha caneca de esmalte parecia brilhar em suas mãos. Fechou os olhos e dormiu por alguns segundos. Acordou sorrindo e levantou. Colocou a mão em minha cabeça e disse – “Que a paz esteja convosco”. Partiu sorrindo acenando com a mão e ao longe vi que estava de novo com a bata branca e seu cajado.

                   Fiquei só naquela sombra da Árvore da Colina meditando. Quem seria? De onde veio e para onde iria? O sol já ia se por na Montanha do Cavalo. Era hora de partir. Ainda havia mais duas horas de jornada. Conhecia o caminho. Limpei o fogo, joguei uma pitada de água do meu cantil nas brasas, mochila nas costas e parti. Não olhei para trás. A Árvore da Colina tinha o dom de não deixar ninguém partir. A noite chegou mansa e calma. Meu caminho estranhamente era claro, uma estrela no céu jorrava raios brilhantes na estrada. Nunca tinha visto nada igual. Do alto da Colina avistei a curva do Falcão. Estava perto. Meus pensamentos giravam entre chegar e lembrar-se daquela figura tão simples, com um sorriso inesquecível e com uma áurea brilhante que me encantou para sempre.

                     Nunca soube quem era. Não perguntei. Acho que ele sabia que um dia eu iria lembrar-se dele e saber que ele veio do céu. Porque eu não sei. Eu era apenas um Escoteiro a ir para seu acampamento. Meu café ele tomou sorrindo sinal que não era ruim. Nunca contei esta história para ninguém. Eu sabia que a partir deste dia o meu mundo se transformou pra sempre. Sabia que agora a paz morava em mim. A harmonia e o amor reinavam. A paz de um sorriso predominava. Agora eu sabia que naquele dia, naquela Árvore da Colina, Jesus me deixou entrar em seu coração!  


E que a paz esteja sempre convosco! 

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

João Papudo que morava nas florestas verdes do Brasil.


Lendas escoteiras.
(Um repeteco gostoso de reler)
João Papudo que morava nas florestas verdes do Brasil.

            O aviso estava dado. Chefe João Soldado (era sargento, mas o apelido pegou) autorizou. Batista nosso intendente logo nos disse que não nos preocupássemos. O material estaria pronto em vinte e quatro horas. Platão o cozinheiro iria entregar a lista de mantimentos para cada um dia seguinte bem cedo. Tudo era dividido. Pedrinho o Monitor sorriu de orgulho da patrulha. Todos sabiam como e quando deviam fazer. – Sairemos na quinta pela manhã. Vamos aproveitar bem o feriado. A reunião de patrulha acontecia na casa do Mino Pastel o sub. monitor. Seriam quatro dias bem aproveitados. Destino? As Florestas Verdes do Brasil. Que nome eim? Mas foi Ditinho quem a batizou assim. Estivemos lá duas vezes. Na primeira vez ao chegarmos ao cume do morro do João Papudo ficamos abismados. A floresta era verde, um verde musgo lindo, no seu seio muitos Ipês das flores amarelas. – Ditinho, para ser o Brasil falta o branco e o azul, eu disse. Ele riu. Vado Escoteiro O céu meu amigo e as nuvens em sua volta.

         Ninguém nunca esqueceu João Papudo. Ele tinha no pescoço um papo enorme. Hoje chamam de Bócio que é devido ao aumento da glândula tireoide. Fácil de operar nos dias de hoje, mas naquela época não. Ficou nosso amigo pelo simples fato de o cumprimentarmos, tomar café com ele e comer sua “brevidade” uma das melhores que já comi. Ninguém gostava dele. Logo ele uma alma de Deus. Só por causa do papo no pescoço todos tinham medo e asco. Um absurdo. Na primeira vez que chegamos lá para acampar assustamos. Ele estava na porta com uma foice enorme. Ninguém se mexeu. – Um café? Ele disse. - Porque não? Respondeu Pedrinho. Daí para a amizade foi um pulo. Ele queria conhecer o grupo e a escoteirada. –Apareça amigo, será bem recebido. Nunca foi. Quando ele precisava fazer compras ou vender suas plantações só ia à cidade à noite, e enrolava no pescoço um cachecol para ninguém ver sua deformidade.

           Foi Motosserra, isto é o Lorenzo o escriba da patrulha quem deu a ideia de uma vez por mês fazermos uma campanha do quilo e levar para ele. Na primeira vez chorou e disse não. Ele não merecia. Não falamos nada. Deixamos lá e voltamos. Pedrinho colocou em votação qual o melhor local para acamparmos naquele feriado prolongado. Foi descartada a Lagoa da Lua Branca, a montanha do Gavião, o vale do Esplendor e as campinas da flor vermelha. Eram ótimos locais, mas as Florestas verdes do Brasil ganhavam de longe de todas e iriamos saudar nosso amigo João Papudo. Dito e feito, seis da manhã café no papinho, pé no caminho. Sete e meia a bordo das nossas máquinas voadoras chegamos. Na porta ninguém. Estranhamos. João Papudo sempre estava lá nesta hora. A porta estava aberta e chamamos. Nada. Entramos, pois ficamos preocupados. João Papudo estava gemendo e suando na sua cama de palha. Seu corpo tremia. No chão vimos muita água e sujeira, sinal que ele estava ali a mais de dois dias.

          O que fazer? Sabíamos que nosso acampamento nas Florestas Verdes do Brasil foi para o brejo. João Papudo tinha prioridades. Nunca iriamos deixá-lo ali a mingua e sem ninguém. Tinhamos que levá-lo urgente para o Hospital Santa Inês, o único da cidade. Mais de quinze quilômetros. Patrulha boa não se aperta. Luiz Nantes o Porta Corrente, nosso Sinaleiro e socorrista deu a solução. Mãos a obra. Duas horas e estava pronto. Fizemos uma maca com o toldo da cozinha, cada ponta amarramos em uma bicicleta. Usamos quatro e pé na taboa. Antes das onze estávamos na porta do hospital. Não o deixaram entrar. Ninguém se arriscou a ir ver o que se tratava. Pedrinho correu a chamar o Chefe João Soldado. Estava na sede do batalhão e veio correndo. Ameaçou, xingou fez tudo e eles nem deram bola. Foi até a casa do Juiz Ponderado e nada. Chamou o Delegado Praxedes e nada. Uma enfermeira Dona Adelaide nos chamou e deu uns comprimidos. Quem sabe ajuda? Com nosso cantil fizemos João Papudo tomar.

          Os Escoteiros e seniores do grupo estavam chegando. Uma aglomeração se fez. – Vamos levá-lo para a porta da prefeitura. Se o prefeito não tomar providências ele vai ver com quem estão se metendo, disse o Sênior Jovialto, nove anos no grupo. Um mestre na ação no grupo. Aliás, tínhamos poucos amadores. O prefeito chamou a policia. Chefe João Soldado era policia. Nem deu bola. A patrulha Touro correu a sede e trouxe um enorme toldo da chefia. Armado com rapidez no jardim da prefeitura. Uma cama foi improvisada. João Papudo era tratado pelos Escoteiros na porta da prefeitura. Doutor Melão o prefeito foi lá reclamar. Pé de Pato um lobinho segunda estrela pegou na mão dele. – Doutor prefeito, venha ver como ele está. Afinal o senhor não tem coração? Ele deu meia volta e sumiu nas salas da prefeitura.  O povo aglomerava na praça em frente. Doutor Noel um medico antigo na cidade veio ver João Papudo. – Malditos disse – Um simples bócio faz dele um homem marcado? – Venham comigo a minha clinica.

               A história termina aqui. Doutor Noel tratou dele e conseguiu uma internação para operar na Santa Casa da Capital. Dois meses depois eu estava recebendo o meu Correia de Mateiro. Orgulhoso, já tinha o cordão dourado e o vermelho e branco. Esperando a Primeira Classe. Poucos conseguiam. Tinham de ralar para conseguir. Todo mundo olhou para o portão. Eis que ali estava João Papudo em carne e osso. Agora não tinha mais o papo. Orgulhoso levantava a cabeça como a mostrar – Nunca mais! Doutor Noel, vocês e Deus me deram a alegria de viver. João Bonito (mudamos o apelido dele) entrou na ferradura, foi saudado com uma enorme palma escoteira. Não teve jeito, chorou igual menino. Fez questão de dar um abraço em cada um. Abraço gostoso, sincero, amigo.

             Seis meses depois João Bonito fez a promessa. Nunca vi ninguém chorar assim. Vá lá, uma promessa é uma promessa. Nossa tropa ganhou um novo assistente. João Bonito era um novo homem. Trabalhava durante o dia na prefeitura (o prefeito com vergonha e não querendo perder as eleições o admitiu como auxiliar geral) e a noite estudava. Três anos depois terminou o curso Técnico em Contabilidade. João Papudo perdeu o papo, mas ganhou uma cidade. Hoje e feliz cortejando Dona Mocinha uma alegre e linda jovem do Bairro Tatu Bola. Ficou um Chefe Escoteiro todo pomposo. As Florestas Verdes do Brasil tiveram nossas presenças por muitos anos. A casa onde João Bonito morava foi jogada ao chão para uma nova estrada até Muzambinho. Histórias que se foram histórias de Escoteiros. E quantas mais por este Brasil imenso?

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

As fabulosas aventuras de Tonico Caçarola.


Lendas Escoteiras.
As fabulosas aventuras de Tonico Caçarola.

                  Dizem que histórias são histórias nada mais que histórias. Mas tem umas que a gente acredita, pois se foi um Escoteiro quem contou merece credito. Melhore ainda se a gente estava lá presente e não tem como duvidar. Muitos amigos quando conto a história de Tonico Caçarola dão sorrisos e devem pensar: - Este cara sabe contar uma mentira. Mas eu juro pela dente enorme do Pasqualino Monitor da Leão que ainda está vivo que foi verdade. Quero que um raio caia sobre a cabeça de Satanás se não for verdade. Só posso dizer que os patrulheiros da Patrulha Corvo riam atoa com Tonico Caçarola. Afinal acampar é bom demais e comer bem melhor ainda. E eles comiam manjares dos deuses. Tonico Caçarola para mim foi um dos maiores cozinheiros Escoteiros de todos os tempos. No campo a turma ficava olhando de longe, pois ele não admitia que ninguém chegasse proximo ao fogão para ver o que ele estava fazendo. E quando ele tocava o sino (o danado tinha um) ninguém queria ficar para trás era uma corrida só. E olhe, se você batia o garfo no prato estava condenado. Ia para o fim da fila e só recebia metade da sua parte.

                 Moreno alto para os seus catorze anos, ele penteava o cabelo no estilo de Elvis Presley. Sem uniforme a gola da camisa era jogada para cima. Andava como se fosse passarinho, dando pulinhos. O moço era jeitoso mesmo. Metido a bonito, falava compassado, tinha uma voz grossa e sabia como utilizá-la para impressionar. Quem o via pela primeira vez na cozinha de um acampamento ficava embasbacado. Usava um chapéu branco enorme de cozinheiro, e mesmo grande nunca caia de sua cabeça. Uma jaqueta branca tão alva que nunca ninguém a viu suja. Não se sabe onde viu, mas um lenço de seda amarrado ao pescoço dava um ar diferente. Infelizmente não podia usar a calça azul dos cozinheiros, pois era obrigado a usar a calça do uniforme e sabia que isto não era roupa para cozinheiros. Quem não conhecia poderia dizer que era um “mascarado” aquele que só quer aparecer. O fogão de campo era de tirar o chapéu. Fazia questão de separar as bocas e no fim do fogão sempre havia uma pequena chaminé. Ninguém nunca viu a fumaça em seus olhos e ele estava sempre sério no preparo de suas guloseimas.

                  Diziam que a moçada de saia da cidade andava atrás dele como se fossem abelhas a procura do mel. Mas nem tudo que reluz é ouro dizem por aí. Tonico Caçarola sofria do intestino e ele se maldizia por ter aquela infelicidade. Se alguém chegasse para ele e dissesse: - E a barriga Tonico, como vai? - Era a conta. Ele saia correndo a procurava de um banheiro e se não encontrasse seus puns eram ouvidos longe e o cheiro? Impossível de ficar próximo. Uma vez quando o Cinema Palácios passava em sessão de gala os 10 Mandamentos alguém gritou alto: - E a Barriga Tonico, como vai? Foi à conta e ele teve um ataque. Ninguém ficou para ver o final do filme. Para desinfetar o cinema foi preciso trabalhar uma semana. Mas Tonico era demais. Fazia um forno de barro no campo que todos invejavam. Na festa do aniversário da tropa fez questão de fazer um Leitão a Pururuca e a fila que se formou era enorme. E olhe, acompanhada por três travessas de feijão tropeiro e muitos queriam saber o segredo do torresmo tão bem preparado.

                  A Patrulha Corvo era uma privilegiada. Todos queriam ser da patrulha, mas quem saia? Ninguém. – Foi em um sábado chuvoso que o Chefe Dentinho comentou que a tropa na semana seguinte ia receber seis meninas, pois foi autorizado a participação feminina. A tropa ficou em polvorosa. Tonico Caçarola ficou um dia passando seu uniforme. Um brinco. Os vincos espetaculares. O lenço parecia uma gravata de tão bem passado e tão bem colocado. E o chapéu? Deus do céu, ninguém conseguiu manter as abas retas como ele. A fivela do cinto parecia ouro e tão brilhante que doía os olhos ao olhar. – Sábado, dia da apresentação. O Chefe vendo que Tonico Caçarola estava muito bem uniformizado, o convidou para receber as meninas em nome de todos os Escoteiros. Um sorriso de ponta a ponta.

                    Bandeira, hino Nacional, as meninas curiosas com tudo. Hora de dar as boas vindas. Tonico Caçarola se dirigiu a todas que estavam formadas em linha. Fazendo uma pose de John Wayne, celebre ator de faroeste de Hollywood, levantou a mão esquerda, mostrou como se entrelaçava e esquerdamente cumprimentou uma a uma. Até hoje ninguém sabe quem foi, mas alguém gritou! – “E a barriga Tonico, como vai”? – Olhe todos já sabiam o que ia acontecer e não ficou um na ferradura. Tonico Caçarola corria desembestado procurando uma privada e dando puns para todo o lado. As meninas ficaram amarelas com o mau cheiro e saíram correndo da sede. O Chefe queria matar quem gritou. Sei que por muitos anos nenhuma menina quis ser Escoteira naquela tropa. Mas o danado de Tonico Caçarola com suas guloseimas faziam todos esquecerem  suas prontas investidas no ar respirável.

                     Sei que muitos anos depois eu e a Celia resolvemos jantar no Makano, um restaurante famoso em São Paulo e eis que para nossa surpresa o Maitre era nada mais nada menos que Tonico Caçarola. Bem agora ele pomposamente se intitulava Anthony Bassolet o chef. Quando o vi acenei e ele me reconheceu. Veio sorrindo com a pose é claro de grande chef. Seu estilo de andar e falar nunca foi abandonado. Levantei e apresentei a Célia a ele. A desgraça aconteceu. Meu Deus! Porque fui dizer aquilo? Foi sem querer ou foi maldade pura? Desgraçadamente depois do abraço eu perguntei: – “E a barriga Tonico, como vai” – Incrível! Era como se um fedor dos infernos caísse do céu no restaurante. Os puns de Tonico ribombavam como se fossem trovões nas noites de acampamentos. As Socialites, os novos ricos os políticos famosos que naquele dia jantavam corriam como se fossem leopardos em busca da caça. Eu mesmo peguei na mão da Célia e vendo a desgraça que tinha cometido saí correndo feito uma lebre e olhe nunca mais voltei no Makano. Sei que tudo foi apagado da imprensa. Afinal os donos eram sobejamente conhecidos da sociedade local e internacional. Ninguém nunca disse nada, mas sei e posso jurar que Tonico Caçarola foi para a Espanha. É maitre de um famoso restaurante em Valença. Só peço a Deus que nunca e em tempo algum vá aparecer alguém e perguntar em alto e bom som:


- E a barriga Tonico, como vai? 

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

E Galiostro finalmente dormiu na barraca dos seus sonhos.


Lendas Escoteiras.
E Galiostro finalmente dormiu na barraca dos seus sonhos.

          - Não sei Eva, ele está assim há vários dias. – Você perguntou? Perguntei mas ele me olhou sorriu e não disse nada. Nívia a mãe de Galiostro não disse mais nada. Ela até que pensou que ele estava a sonhar com o acampamento. Desde que pedira para ser um Escoteiro que ele mudou da água para o vinho. Parecia viver em outro mundo e esquecia-se de pisar no chão que o criou. Eva sua Avó estava preocupada. Nunca o viu assim e quem o conhecesse sabia como ele era. Espevitado, lépido, gostava de gritar, de cantar e diferente de todos os meninos quando levantava, chegava à janela e chamava em alto e bom som os pardais que já tinham partido em busca de alimentos. – Ela sabia que ele tinha as melhores notas, e sempre fora de uma educação que espantava toda a família. Nunca disse a ninguém porque pediu para ser um Escoteiro. Passou a sorrir mais, andava com uma cordinha pequena nos bolsos e vivia fazendo nós. Ela um dia o escutou na varanda falando baixinho: - Escota, balso pelo seio, Arnês, Pescador, aselha, direito, Laís de guia, fiel e fiel duplo. Que seria tudo isto?

            Agora ele ia para um acampamento. Ela viu que ele não tinha mais olhos para ela. Sabia que ele levantava e dormia pensando no acampamento. Quando arrumou seu quarto naquele dia viu um pequeno livreto. Folheou e sorriu. Estava escrito com desenhos - Como fazer uma pioneiria, o que são fossas de líquido e detrito. A barraca suspensa. A mesa de campo, o toldo e finalmente uma barraca armada. Ela toda marcada por Galiostro. Ele escreveu em baixo: - Custou, mas vou dormir na barraca dos meus sonhos! Que escotismo era este? – pensou. Já tinha ouvido falar deles, mas tudo era diferente, havia uma lei. Lei? Sim, uma lei que eles obedeciam. – Prometo pela minha honra! – Bonito isto falou para si mesmo Eva. Quando jovem soube que havia Escoteiras, mas nunca tinha sido. -  Sabe Nívia não sei como você o autorizou a ir com eles. Ele só tem onze anos! E se uma cobra o morder? – Eva estava preocupada, mas ao olhar para Galiostro viu que nada neste mundo iria fazê-lo mudar de ideia.

                    Galiostro tinha os olhos negros, grandes como seu pai, deixou o cabelo crescer até os ombros e mesmo seus amigos o chamando de “maricas” não ligou. Os cabelos loiros davam a ele uma conotação diferente. Tinha um porte de atleta e gostava quando olhavam para ele admirados. Quando foi apresentado à patrulha ninguém perguntou, ninguém se preocupou e só Nonato o sub foi quem lhe deu a mão e lhe deu as boas vindas. Ele sabia como os meninos eram. Mesmo sendo companheiros e Escoteiros havia um longo caminho para se enturmar. Foi então que Lobato comentou do acampamento. Ele aguçou a mente prestando atenção. Quando comentou que iriam dormir três em cada barraca ficou meditando. Foi para casa pensando. Três em uma barraca? Como seria? Ele ainda não conhecia a barraca da patrulha. Eram duas uma azul e uma amarela. Não eram grandes e não dava para ficar em pé.

                     Foi uma semana longa. Galiostro só pensava como seria dormir em uma barraca. Nunca tinha pensando nisto e agora ela não saia de seu pensamento. Soube que a maioria não tinha saco de dormir e improvisavam com folhas e capim seco colocados em dois sacos costurados fazendo um colchão. Ele teria que arrumar dois sacos para isto. Afinal ele iria dormir em uma barraca. Será que não iria ter medo? – Galiostro! Ele ouviu a voz de Dona Neném a professora dele. Piscou os olhos e pediu desculpa. – Você não prestou atenção em nada na aula de hoje! – Era verdade. Ele não tirava a barraca de sua mente. E se chovesse? Não iria entrar água? E se fizesse frio? Um cobertor a manta de seu avô resolveria? E se ventasse? E se a barraca fosse perdida em um vendaval?

                      Uma semana antes preparou sua mochila. Seu Tio Malta lhe dera. Uma mochila francesa ele disse. Achou pequena. Tio malta disse para ele – Galiostro, leve o necessário, nem mais nem menos! O que seria o mais e o que seria o menos? Viu a lista que o Monitor lhe dera. Cabia tudo. Só isto? Ficou pensando. – À noite seu pai chegou com um embrulho. – É para você! Galiostro sorriu. Gostava de um presente. Dentro de uma caixa um cantil com capa verde. Um cantil! Nunca pensou que teria um. Cinco da manhã. Galiostro estava sentado na cama. Sua mochila preparada. Seu cantil cheio com água. Vestiu seu uniforme devagar. Peça por peça. Olhava no espelho, mas seu pensamento era só a barraca. Deus meu! Eu vou dormir em uma barraca? Ele pensava e nada afastava ela do seu pensamento. Sete horas, sua mãe bateu na porta – Está na hora filho. Estava mesmo. Tomou café e calmamente beijou sua mãe e suas avó. Seu pai já havia ido trabalhar. Partiu a pé sorrindo. A sede era perto. Abriu o portão e sentiu uma lufada de vento no rosto. Era hora de partir para o acampamento.

                     Iriam de ônibus urbano até a estação. Lá pegariam o trem para Jambreiro e mais quatro quilômetros chegariam a Fazenda Trindade. Tudo foi dividido e Galiostro não reclamou quando ficou responsável por um facão que amarrou na mochila e o lampião vermelho a querosene. Onze e meia chegaram. Galiostro não cantou na jornada. Olhava o céu azul de brigadeiro. Bom isto pensou. Assim vou dormir mais tranquilo na barraca. O campo não demorou a ficar pronto. Ele havia aprendido na jornada do domingo que fizeram. Uma mesa com toldo, bancos toscos, um fogão de barro esquisito e a barraca. Ele fez questão de armar com Zé Antonio. Olhou por dentro. Pequena. Eram três a dormir ali. Ele aguardava a noite. Era a noite esperada. Comeu um lanche e na janta adorou a sopa do Vandeco o cozinheiro. Seus olhos não saiam da barraca mesmo no lusco fusco da noite. Olhou para cima. Estrelas mil brilhavam formando uma estrada de luzes no céu.

                       Nem prestou atenção ao Jogo do Fantasma. Nem medo teve do fantasma que apareceu no alto da montanha. Seu pensamento era um só. A Barraca! Fizeram um pequeno fogo em frente à barraca, ele se sentiu bem com o calor. Sua mochila estava na porta. Combinaram de preparar tudo na hora de dormir. Ele cantou o Cuco e a Canção da Lua. Gostava de cantar, mas não prestou atenção. Estava esperando a ordem do Monitor para prepararem as barracas. Jamiel Lourenço e ele prepararam o interior da Barraca. Chegou a hora finalmente. Deitaram. Ele no meio. A mochila serviu de travesseiro. Ele olhava a lona da barraca. Ouvia os grilos cantantes na noite do seu primeiro acampamento. Finalmente ele estava na barraca, mas não dormiu. Um trovão, um relâmpago. Galiostro sorriu. Precisava da chuva. Nos seus sonhos ela estaria lá na sua primeira noite de acampamento.


                         Os primeiros pingos, o som pedante da cascata na barraca. Um vento cortante querendo entrar pela porta. A barraca balançava, mas estava firme. Galiostro com as mãos entre a nuca sorria. Agora sim, ele era um acampador. A barraca para ele não teria mais segredos. Seus olhos se fecharam e ele se viu transportado em sonhos nunca antes imaginados. Finalmente Galiostro dormiu em uma barraca. 

sábado, 20 de setembro de 2014

O mistério da morte do Delegado Juvêncio.


Lendas Escoteiras.
O mistério da morte do Delegado Juvêncio.

           Hubert foi chamado a Secretaria de Segurança Pública na capital. Não foi muito satisfeito, pois tinha um acampamento programado com sua Tropa Escoteira. Seria o primeiro com a participação de oito jovens de sexo feminino. A tropa sempre teve três patrulhas. Decisão de Corte de Honra. Agora viria a quarta, mas as jovens seriam diluídas nas demais patrulhas. Quatro meses se passaram quando foram abertas as vagas. Ele não queria ficar só na tropa como chefe. Tentou sua filha Luciana que fora bandeirante, mas ela não quis. Maria Elizabeth mãe do Escoteiro Tadeu aceitou. Não entendia nada, mas tinha uma grande vontade em aprender. Hubert trabalhou por muitos anos como investigador no 25º Distrito. Era considerado um dos melhores, mas idade chegou e achou melhor se aposentar. Não estava Velho, pois tinha apenas 54 anos e nem iria parar. Um escritório de investigações particulares lhe daria o que fazer no dia a dia. Pelo menos agora ele tinha tempo para se dedicar a formação de jovens através do escotismo, o que ele sempre desejou.

          Doutor Morales o recebeu como sempre. Um abraço forte e um aperto de mão mais forte ainda. Com a mão esquerda é claro. Ambos cresceram na Patrulha Touro e até os seniores viviam juntos como dois irmãos. Da mesma idade ele e o Doutor Morales ambos escolheram o mesmo caminho profissionalmente. Hubert poderia ter ido mais longe, mas não era bom politico ao contrário de Morales. Ambos eram bem considerados na policia investigativa e Hubert era famoso pelos casos escabrosos e misteriosos que resolveu. Sempre que um nebuloso aparecia e Morales era pressionado pelo governador ele apelava a Hubert e este sempre se saia bem. Hubert lembrava que quando seniores quase foram mortos por quadrilheiros que faziam contrabando de droga. Em uma excursão a Praia do Sul eles viram os barcos descarregando e a noite roubaram um deles para levar até Capitania. Seria uma apreensão enorme, mas a bandidada pegou-os na boca da botija quando davam as primeiras remadas. Foram amarrados e conseguiram se livrar das cordas. Duas horas depois a policia cercava o contrabandistas.

         Não ficaram como heróis. O Delegado gritou com os dois o perigo que correram. – Vocês poderiam estar mortos uma hora desta – ele disse. O Conselho da Tropa Sênior se deliciou. Afinal eles eram metidos a serem os melhores. Mas não ficou só nesta aventura, muitas outras aconteceram. Daí para a Academia de Policia foi um pulo. Ambos nunca abandonaram o escotismo. Sempre iam quando podiam ao grupo amigo mais proximo. Infelizmente não dava para assumir uma chefia e isto era o sonho de Hubert. Agora achando que estava em paz lá ia ele de novo atender ao pedido de um amigo e irmão Escoteiro. Ele sabia que não havia como fugir. Essa é a divisória que nos separa do mistério das coisas que chamamos vida. Não vamos entrar em detalhes de tudo que o Morales lhe confiou. Partiu no mesmo dia. Um carro da Segurança Pública com motorista o levou até a cidade de Ouro Fino. Chegaram à noitinha de terça feira. Na delegacia não tinha ninguém. Disseram que fechava as cinco, agora só no outro dia.

             Hubert não queria perder tempo. Procurou o barbeiro no centro da cidade, pois sabia que lá teria as informações que precisava. O barbeiro é o homem sempre bem informado. As fofocas e as verdades tinham ali o seu casulo predileto. Soube de pouca coisa. O Delegado Juvêncio fora enforcado dentro da delegacia. Ninguém viu e ninguém sabia o porquê. Quando ia saindo da barbearia viu dois Escoteiros seniores de uniforme indo para a sede. Lembrou-se de si mesmo e do Morales. Claro que os parou e se apresentou como Escoteiro. Eles riram e o convidaram para a reunião dos seniores que seria feita naquela noite. Turma alegre e de bem com a vida. Sempre sorrindo. Não eram muitos. Naquela noite eram oito, mas quatro tinham faltado. Devia ser por causa do trabalho. Era muito comum. Eles se deliciaram com as historias de Hubert, mais ainda quando souberam que ele era um detetive aposentado.

                 - O que o trouxe aqui Chefe? Perguntou Heraldo um sênior sempre sorridente e que parecia querer saber de tudo. – Hubert abriu o jogo. Não queria ter vindo, mas seu amigo praticamente exigiu sua vinda. Contou suas aventuras como sênior, o que fizeram e por ambos se dedicaram a ser policiais. Os seniores prestavam a máxima atenção no que ele contava. – Quando ele explicou seu objetivo em descobrir o que ouve com o delegado Juvêncio, se ele se enforcou ou foi enforcado, cada um queria dizer o que pensava. Ficou lá na sede com eles até a meia noite. Heraldo e Zé Antonio disse que sabiam o que aconteceu. – Fácil Chefe. Se o senhor apertar Daninha ela conta tudo. – Quem é Daninha? – Chefe Daninha é mulher do Zé Eustáquio. Ele caladão sempre desconfiou da mulher. É forte que nem um touro. – Não estou entendo amigos, quer dizer que foi ele quem matou o Delegado? – Claro que sim Chefe, ela com medo de ser morta por ele disse que o delegado havia pressionado para ela ser dele.

                   - Mas como eles entraram na delegacia? Afinal a porta e as janelas estavam trancadas! – Chefe, ela não contou, mas era amante dele. Tinha uma copia da chave. Ela entrou sozinha e depois o Zé Eustáquio entrou atrás. Levou um pozinho para colocar na bebida do Delegado, ele desmaiou e aí foi fácil pendurar ele em uma viga e enforcá-lo. – E o bilhete que ele dizia que queria morrer? – Chefe! – Daninha era escrivã da policia. Tinha a assinatura do delegado e vários relatórios. Não foi difícil ela treinar a sua letra. – Bah! E como vocês sabem de tudo isto? – Ora, ora Chefe. Afinal somos seniores. O senhor não acha que nesta cidade nada acontece à gente não iria investigar? A gente tinha foto dos dois Chefe. Ninguém nos perguntou e nem a gente iria dizer nada. Afinal sabemos que o Zé Eustáquio era o principal distribuidor de drogas na região!


                 - Cacilda, pensou Hubert. Nem eu como sênior sabia tantas coisas. O resto foi simples. Seis policiais civis chegaram à cidade, prenderam Zé Eustáquio e Daninha que confessaram o crime. – E aí Chefe, perguntou Nivaldo o Monitor da Patrulha Monte Sião – E a cidade o que pensou de tudo? – Hubert sorriu, pois havia chegado a tempo foi acampar com seus seniores e agora na Conversa ao pé do fogo contava tudo o que viu e sentiu. – Pois é Nivaldo, só agradeci aos seniores de lá. Afinal não é nossa obrigação ficar sempre alerta? Se somos escoteiros temos que estar de olhos e ouvidos abertos! – Chefe isto é para lobinho!  - Melhor ainda Nivaldo, ainda bem que o lobinho aprendeu assim. E eles ficaram até altas horas da noite, conversando, contando causos, cantando e comendo gostosas bananas assadas na fogueira até que um lobo uivou na montanha, dizendo que era hora de dormir!

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

O sequestro da Lobinha Aninha Pata Tenra.


Lendas escoteiras.
O sequestro da Lobinha Aninha Pata Tenra.

                  Falar de Aninha era sempre motivo de diversão. Oito anos, um ano e meio na Alcatéia, com seu apelido de Pata Tenra era uma menina alegre espevitada, brincalhona e sempre animada. Em qualquer roda de lobinhos escoteiros ou chefes ela adorava conversar com todos, sempre com um sorriso nos lábios e como gostava de contar piadas. Seu repertório era formidável. Quase nunca repetia uma piada. Onde ela conseguia decorar tantas ninguém sabia. Diziam e sua mãe confirmava que ela mesma escrevia. Ficava em seu quarto até altas horas da noite escrevendo uma para o dia seguinte. Na escola uma rodinha formava em volta dela no recreio. Só para ouvir suas piadas e dar gargalhadas. No Grupo Escoteiro todos faziam o mesmo. Quando ela faltava às reuniões e todos sabiam que era por motivo de força maior o comentário era o mesmo – Aninha não veio? Uma falta grande ela fazia.

                  Sua matilha tinha verdadeira veneração por ela. Os amarelos sabiam que ela animava todas as atividades. Disse para todos que já tinha lido do começo ao fim o Livro da Jângal. Contava histórias da Alcatéia de Sheone e sempre com uma pitada divertida. Sua mãe e seu pai sempre a alertaram para ser mais comedida principalmente com estranhos. E um dia o pior aconteceu. Aninha Pata Tenra saiu cedo de casa naquele domingo dizendo aos pais que ia ao catecismo. A igreja era perto. Sempre deixaram. Saiu as nove e as doze não tinha voltado. Sua mãe ficou preocupada. Quando deu uma hora foi atrás de Aninha. Na igreja disseram que ela tinha saído às dez e meia. Onde ela teria ido? Da igreja foi à casa de uma das melhores amiga dela. Nada. Nanda disse que não tinha visto ela no domingo. De casa em casa e ninguém sabia noticias de Aninha Pata Tenra. A cidade era pequena. Todos conheciam Aninha.

                  O delegado colocou todos os soldados a vasculharem a cidade atrás dela. Centenas de habitantes percorriam aqui e ali e até fora da cidade a sua procura. À tarde chegando e o desespero tomava conta da mãe e de muitas amigas dela na Alcatéia. A noite chegou. Um choro geral. Onde foi parar Aninha? Nunca souberam de algum “tarado” na cidade e Aninha magrinha, sem nenhuma beleza que pudesse chamar atenção poderia ter sido sequestrada? Dinheiro? Sua família não tinha. Eram humildes e lutavam pela comida do dia a dia. Alguém disse que um automóvel azul cruzou a cidade naquela manhã. – Para onde foi? Perguntou o delegado. Para a fazenda do Chico Espinhaço. Lá foi o delegado com mais de trinta automóveis atrás o seguindo.

                   Na fazenda viram o carro azul. O delegado entrou na sede e chamou o Chico. Ele saiu à porta com um estranho. O delegado o inquiriu sobre Aninha. – Nunca ouvi falar ele disse. A turba que estava próxima correu e o pegou de jeito. Se o delegado não desse uns tiros para o ar eles o teriam linchado. Dois soldados o levaram para Passo Alto uma cidade próxima. Ele não poderia ficar em Rio da Prata. A cadeia não oferecia condições. Reviraram a fazenda do Chico Espinhaço. Ele ficou revoltado. Mais ainda porque gostava muito de Aninha. Afinal era diretor no Grupo Escoteiro e nunca tentaria fazer mal a ela.

                 Pela manhã ninguém tinha dormido. A procura não terminou e nem parou. A cidade em peso nas ruas. Uma revolta grande. Mandinho era Monitor dos Gaviões. Chamou a Patrulha para procurar. Um cachorro latia sem parar próximo ao Riacho do Lambari. Correram até lá e viram Aninha em cima de uma mangueira enorme. Ela chorava. Tiritava de frio. Ajudaram-na a descer. – O que ouve? Perguntou Mandinho. Ela chorando disse que foi pegar umas flores silvestres fora da cidade e deu de cara com uma onça pintada. Correu e subiu na árvore. A onça ficou quase a noite toda olhando para ela e deitada no tronco da árvore. Não dormiu. Quando o dia amanheceu viu que a onça tinha partido. Não sabia descer. Ficou com medo de cair e quando resolveu pular mesmo se machucando viu o cão latindo e vocês apareceram.


                 A cidade inteira vibrou quando viu Aninha viva. O padre rezava missa por ela e quando soube agradeceu a Deus. Seus pais choravam de alegria. No sábado na reunião do Grupo Escoteiro todos queriam ouvir a sua história. Aninha como sempre animada e esperta contava aumentando tudo. Já não era uma onça, mas duas com seis filhotinhos! Dizem que “quem conta um conto aumento um ponto”. Serviu de lição para Aninha e para todos os lobinhos e escoteiros. Nunca sair sozinho. Sempre em duplas ou mais gente, e dizer sempre aonde vão. Aninha aprendeu. Nunca mais andava sozinha. O sequestro ficou na memória da cidade. Seus habitantes contavam tanto que os viajantes acreditavam. E o Senhor que foi preso esqueceram-se dele. Ficou no xilindró por quatro meses. Coitado. Dizem que chorava a mais não poder. Brasil, oh meu Brasil brasileiro. Mas quem sabe serviu também de lição para o delegado? Risos!

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

O último toque de silêncio!


Lendas Escoteiras.
O último toque de silêncio!

           Tony Blanco chorava copiosamente a minha frente ali naquele bar em uma travessa da Avenida São João. Não me lembrava do nome da travessa, mas ficava próximo ao número 300. – O Senhor se lembra Chefe Osvaldo do Pintassilgo? – Claro que me lembrava. Ele e Tony Blanco eram amigos inseparáveis. – Pois é nunca tive um amigo fiel como ele. Amigo mesmo. De todas as horas. Éramos de Patrulha diferente da sua. Lembro que o Senhor era da patrulha Lobo e nós da Touro. Mas fizemos juntos muitos acampamentos. Lembra-se daquela jornada na Ilha do Cajuru? Foi demais não? – Eu lembrava. Minha mente passeava pelo passado. – Pois é Chefe Osvaldo, desculpe chamá-lo assim. Não sou mais Escoteiro. Eu hoje não sou nada. Um molambo largado na vida. Não tenho família, amigos, nada e nem ninguém que se preocupe por mim.

            A vida sempre a nos reservar surpresas. Um filho me pediu para ir até a Santa Efigênia comprar uns itens de computador para ele. Quando desci do ônibus na São João senti que ia passar mal. Corri até um bar em uma travessa da avenida e pedi um copo de água mineral. O remédio estava comigo. Ajuda mas não muito. Depois tinha que sentar e respirar por alguns minutos. Foi então que o vi. Nada mais nada menos que Tony Blanco. Maltrapilho, sujo, cara lisa, mantinha o mesmo corpo forte do passado quando puseram nele o apelido de Maciste. Mas era uma sombra do passado. A última vez que o vi foi em 1978, em um Seminário Escoteiro em Juiz de Fora. Nunca mais nos encontramos. – Pois é Chefe faz tempo não? Mas ele não sorria. Tony me conte o que aconteceu ao Pintassilgo?

            Morreu Chefe. Morreu. Uma morte horrorosa. Ficamos juntos até 1980. Morávamos juntos, mas sempre mantendo a fleuma de amigos somente. Ele nunca me deixou. O Senhor sabe disto. Por causa dele não casei com a Das Dores. Gostava dela, mas mesmo aconselhando a ele arrumar uma namorada ele ria e dizia – Não quero. Se arrumar vou casar. Se casar você deixa de ser meu amigo. Olhe Chefe muitos interpretaram mal esta amizade. Acho que não entendem que para ser amigos de verdade não precisamos de subterfúgios. Basta gostar. Gostar de maneira simples, sem desejos, sem aspirações que não seja estar junto de quem gosta. Das Dores riu de mim quando disse isso a ela. Interpretou mal. Vim para São Paulo. Pintassilgo veio também. Comecei a trabalhar em uma construtora como Mestre de Obras. Ele também. Alugamos uma pequena casa no Bairro Cajuru. Pequena mas dava para nós.

             - Tony, você ainda toca o Clarim? Perguntei. Lembra quando eu e você nos exibíamos na “banda” do Grupo Escoteiro mostrando nossas qualidades? E quando formos servir no exército? Ficaram em dúvida entre eu e você ser o corneteiro da unidade. Ele me olhou e mesmo com os olhos marejados de lágrimas deu um pequeno sorriso e disse – O joguei fora. Tinha de jogar – Porque meu amigo? – Pintassilgo um dia desapareceu. Tentei encontrá-lo por toda a cidade. Perdi o emprego por que não ia trabalhar. Passou-se dois meses. Que falta Chefe eu sentia dele Chefe. Nada ajudava. Não conseguia emprego fixo. Fui para as ruas. Morador de rua. Aqui e ali uns trocados. A vida ali é dura, mas hoje aprendi. Sei me virar.

               - Largou mesmo o escotismo? – Larguei. Cheguei a ajudar em um grupo próximo a minha casa. Mas senti dificuldade. Aqui se fazia tudo diferente. Gostava dos jovens, mas implicaram com Pintassilgo. Ele sempre junto. Falaram coisas que não gostei. Não entendiam o valor de uma amizade. – Olhe, eu fui a várias delegacias, lá zombavam de mim pelo que eu era. Fui a hospitais, Rodei em prontos socorros, fui ao IML e nada. Não dormia direito. Ainda tinha meu clarim guardado na caixa como quando comprei. Havia anos que não tocava. Um dia com minha carrocinha na descida da Avenida Angélica, avistei o Nonô, o Senhor deve lembrar-se dele. Era Monitor da Pica Pau e sumiu também com sua família. Eu não sabia quem era ele. Não tinha cabelos e seu nariz fino e comprido não dava para esquecer. – Ele me viu e me reconheceu. Convidou-me para tomar uma cerveja e até pagou para mim um almoço. Fazia dois dias que não comia.

                 - Você soube o que aconteceu ao Pintassilgo? Ele disse. – Não! Conte-me. Faz cinco anos que estou procurando. – Morreu torturado por traficantes na Favela da Caixa D’água. – Chorei na hora. – Por quê? Porque meu Deus? – o confundiram com o Maneco Tiro Certo. Eram quadrilhas rivais. Você não sabe, mas sou investigador da 17º Delegacia. Fui ver uma denuncia anônima. Cortaram sua cabeça, seus braços e pernas. Depois atearam fogo. – Ficamos em silêncio por muito tempo. Eu não sabia o que dizer. – Depois perguntei – E onde foi enterrado? Acho que no Cemitério de Vila Alpina. – E você meu amigo, ainda nesta vida de morador de rua? – Conversamos mais algumas horas e ele se foi. Deixou-me um cartão. – Se precisar telefone disse. Lembrei-me do Chefe Tonho que dizia – Um Escoteiro é sempre irmão. Nunca deixa um dos seus na mão.

                     - À tarde do dia seguinte fui até o cemitério de Vila Alpina. Tomei um banho no Albergue que fiquei hospedado. Coloquei meu uniforme Escoteiro. Estava guardado. Nunca me desfiz dele. Todos os mendigos de lá assustaram. Peguei um ônibus até Vila Alpina. A mocinha que me atendeu não tirava os olhos de mim. Disse-me onde ele estava enterrado. Joviel Peixoto. Eu sabia seu nome. Não havia sepultura. Um buraco. Mais nada. Pedi uma pá emprestada. Fiz uma tampa de terra. Tirei de outros túmulos um pouco de capim. Claro algumas flores também. Achei duas taboas. Fiz uma cruz. À mocinha me olhava de longe. Já estava escurecendo. Tirei da minha bolsa meu clarim. Meus olhos se encheram de lágrimas. A boca seca. Não conseguia tocar.

                    - Chefe Osvaldo, eu o vi em pé na sepultura. Sorria, não disse nada, estava de uniforme Escoteiro. Brilhava na escuridão. Me fez a saudação Escoteira. Desta vez toquei meu clarim com garra. E como toquei. O mais triste toque de silencio que toquei em minha vida. – Sabe Chefe Osvaldo, eu vi, eu vi mesmo muitos que ali morreram ficarem de pé em suas sepulturas calados. Eu vi relâmpagos no céu. Eu vi uma estrela brilhante em cima de nós.
             
                    - Enquanto ele me contava o acontecido eu me lembrei de um pequeno poema que tinha lido – “Os clarins tocam pelos heróis, que morrem pela ignorância humana. O Silêncio é das vozes que se calam diante das injustiças e barbárie que são cometidas contra quem não pode por si, se defenderem”.  Eu conhecia o toque. O toquei milhares de vezes. É um toque triste. Fiquei ali com Tony. Eu também chorava. O bar vazio. Dei a ele meu cartão. Escureceu. Não podia mais comprar o que meus filhos pediram. Despedi-me dele oferecendo ajuda. – Obrigado Chefe Osvaldo. Obrigado. Já tenho o suficiente para viver minha vida de morador de rua. É minha sina. Aqui estou vivendo e aqui morrerei. Saiu me dando um aperto de mão e um Sempre Alerta.


                   - Falar mais o que?

sábado, 13 de setembro de 2014

Os amores de Laureano, o Pioneiro do Rei.


Lendas Escoteiras.
Os amores de Laureano, o Pioneiro do Rei.

                  Laureano estava perdendo o estímulo para continuar no Clã Pioneiro. Os demais amigos ali eram entusiastas e as reuniões eram bem frequentadas. Laureano já tinha pensado em sair. Só um motivo o mantinha ainda no Clã. Rosália. Isto mesmo. Ele se apaixonou por Rosália. Uma paixão incrível, mas Rosália gostava de Almir. Laureano ia às reuniões e a via ao lado dele, muitas vezes de mãos dadas e olhares lânguidos, amorosos e todos sabiam que dia menos dia eles iriam se casar. Laureano devia saber que o caminho que escolheu não foi o certo. Tentou uma vez ficar sem participar por um mês. Quem sabe poderia esquecer-se dela? Impossível. Uma sede terrível abatia todos os dias seu pensamento. Sede de vê-la, olhar seu sorriso, sentir seus olhos nos seus. Amainar a dor terrível que jazia no fundo do seu coração. O pior de tudo era que Almir era um grande Pioneiro. A caminho de sua Insígnia de BP era um exemplo para todos. Sem ser mandão era um líder que sabia ser liderado. Em todos os programas que o Clã programava ele dava suas sugestões, mas aceitava de bom grado o que a maioria decidisse. Um concorrente no amor impossível de se derrotar.

                  Naquela sexta chegando à sede Escoteira viu o carro dela se aproximando. Quando parou notou dois jovens estranhos e sem perceber entraram no carro ordenando que seguisse em frente. Era um sequestro sem sombra de dúvida. Laureano ficou sem ação, pois foi tudo muito rápido. Nem mesmo os rostos dos bandidos ele viu direito. Gritou chamando os demais que já haviam chegado à sede. Um deles o Bertinho tinha um fusca e chamou Laureano para tentar encontrar o carro de Rosália. Gritou para os demais para avisar a policia. Bertinho era amigo de Laureano desde os tempos de tropa Escoteira. Aprontaram poucas e boas na Patrulha Touro. Virando uma esquina avistaram o carro de Rosália. Parado em frente um caixa vinte e quatro horas. Um sequestro relâmpago só podia ser. Bertinho parou o carro bem atrás dos bandidos. Um erro. Nunca devia ter feito isto. O certo era ir em frente e chamar a polícia. Mas Laureano não pensou duas vezes, correu até o carro de Rosália e tentou forçar a porta para retirá-la dali. Dois tiros. Um no peito e outro no pescoço. Laureano caiu. Jogaram Rosália pela porta.

                  Laureano ficou em coma quatro meses. Todo o dia lá estava Rosália ao seu lado. O Clã sempre que podia estava também presente. Quando acordou do coma o primeiro rosto que viu foi o de Rosália. Pensou que ela o amava e falando baixinho disse a ela tudo que sentia. Rosália já fazia uma ideia do amor de Laureano. Mas ela amava Almir. Teria que ser sincera. Explicou a Laureano tudo que sentia por ele. Nada mais que uma grande amizade. Laureano fechou os olhos. Preferia ter continuando naquele sono profundo, onde nada via a não ser uma nevoa ao seu redor. Lembrou-se da mulher de branco, do homem das barbas brancas que nada diziam e só sorriam. Quando abriu os olhos ela se fora. Sua mãe e seu pai estavam ali sorrindo para ele. A noite recebeu a visita de Almir. Que grande Pioneiro ele era. Foi franco. Explicou que amava Rosália. Na sua sinceridade o ódio de Laureano se transformava em amor. A escolha era de Rosália dizia, ou ele ou eu. Para ele não importava. Amava Rosália, mas devia saber perder. Não se ganha todas as batalhas.

                    Um ano depois Laureano já de alta pensava se devia voltar ou não ao Clã Pioneiro. Desde que saíra do hospital praticamente se escondeu de todos. Não respondia aos telefonemas, os recados, nada. Achou que estava esquecendo Rosália. Seu coração já não batia tanto. Uma tarde foi fazer uma inscrição para o vestibular. Já tinha feito pela internet agora era fazer o depósito. Ao sair do banco, deu de cara com ela. Foi uma surpresa. Como estava linda! Ela sempre foi à mulher mais bonita que tinha conhecido. Ela sorriu para ele. Caminhou até onde ele estava.  Ela deu para ele aquele sorriso encantador que fazia disparar seu coração. Cinco homens armados anunciaram o assalto. O vigilante reagiu. Uma troca de tiros. Ele pulou em cima de Rosália. Jogou-a ao chão. Fez de suas costas um escudo para ela. Desta vez não houve coma. Não houve volta. Laureano morreu ali com varias balas no corpo.


                     O cemitério da Saudade nunca viu tantos pioneiros e escoteiros juntos. Até de cidades distantes havia representantes. Nunca se viu tantos pioneiros cantando com emoção a Canção do Clã. Era como se Laureano fosse morar naquela montanha, bem perto do céu, onde existia uma lagoa azul. Nunca se viu tantos pioneiros chorando. A emoção tomou conta de todos. Não se sabe de onde, mas um clarim se ouviu. Alguém “acarapinhado” em uma arvore próxima tocava a canção e todos acompanhavam. Morreu Laureano. Ele estava marcado para morrer. Ele tinha de passar por isto. Na primeira vez escapou, mas na segunda seria impossível. Outras vidas ele teria, se encontraria de novo com Rosália. Também com Almir. Estava escrito nas estrelas. Os amores de Laureano, um rei sem paixão que não perdoava ninguém, a morte encomendada. São coisas do passado. Lá na última morada de Laureano, um casal, ela de branco ele com suas barbas brancas deram a mãos a ele e se foram. Uma nuvem os levou para o céu!     

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Lepitop, o Gato Escoteiro.


Lendas Escoteiras.
Lepitop, o Gato Escoteiro.
        
                Ninguém sabia sua origem e de onde ele tinha vindo. Nem tampouco onde morava. Há anos todas as reuniões lá estava o Lepitop. Quem lhe deu este nome também não tinham a menor ideia. A única certeza era que impreterivelmente quando o primeiro Escoteiro ou o primeiro lobinho chegasse à sede lá estava Lepitop. Interessante era que se algum Chefe fosse fazer algum serviço na sede e não houvesse Escoteiro presente, Lepitop não aparecia. Porque não gostava de adultos não sei explicar. Lepitop tinha um amor todo especial por Narinha da Matilha Rosa e Jarilson da Patrulha Raposa. Talvez porque eles descobriram que ele adorava arroz misturado com carne moída. Mas foi Narinha quem primeiro observou que ele só comia em prato de louça. Luxo?

              O Gato Lepitop tinha pelos longos com manchas brancas e incríveis olhos azuis. Um só. O outro era coberto por uma mancha branca. Muitos visitantes que iam ao grupo eram surpreendidos pelo Gato Lepitop. Sua fama percorreu toda cidade de Luar Azul. Quando a reunião começava com a chamada geral para o cerimonial de bandeira Lepitot também se formava sempre ao lado do responsável pela cerimonia. Agora ninguém ria, mas quando a bandeira subia farfalhando com o vento, ele ficava olhando e não tirava os olhos enquanto ela não alcançasse o topo. Depois corria para junto da Patrulha Raposa e durante o grito ele ficava no meio de todos, e claro, sempre no final ouviam seu “miau”. Por favor, não riam. É pura verdade. Eu vi com meus olhos que a terra a de comer.

             Lepitop não perdia nada. Da Patrulha corria para a Alcatéia para ver se conseguia alcançar o grande uivo. Quando a Akelá abaixava os braços ele ao seu lado abaixava também. Quando os lobinhos pulando e gritando o melhor, lá ia Lepitop pulando também. Sempre com seu “miau” no final. Em toda a reunião Lepitop corria de sessão em sessão. Quando a reunião terminava, Narinha e Jarilson corriam até a sede e lá colocavam sua comida. O arroz com carne moída. Lepitop ronronava, passava de leve o rabinho na perna de ambos e comia com gosto. Uma vez resolveram descobrir onde ele morava. Claro que perguntaram por toda a vizinha, mas ninguém soube informar. Narinha e Jarilson sempre se preocuparam com suas refeições aos sábados e durante a semana? Não acreditavam que ele aguentasse tanto tempo sem comer.

           O Gato Lepitop começou a ficar famoso. O Comissário do Distrito soube e foi lá visitar. O Diretor Regional também. Da UEB não veio ninguém. Quem sabe muito longe para viajar até Luar Azul.  Até o Redator Chefe do Jornal Capacete de Ouro foi lá no grupo entrevistar Lepitop. Disseram a ele que o gato falava. Risos. Um dia o pior aconteceu. O Gato Lepitop não apareceu na reunião. Os lobinhos e escoteiros sempre de olho no portão. As reuniões foram péssimas. Sem o Gato Lepitop tudo parecia ir por água abaixo. Esperaram a semana seguinte e nada. Só viam-se olhos marejados de lágrimas. Desde os lobinhos até os escoteiros e seniores. Claros os chefes e os pioneiros ao seu modo sentiam-se angustiados.

           Todo o Grupo Escoteiro fez um mutirão de buscas. As famílias dos escoteiros ajudavam. Toda a cidade foi vasculhada e a todos foi perguntado se conheciam o Gato Lepitop. Três semanas e nada. Impossível dar reunião. Ninguém queria fazer nada. Só choro e choro. Narinha coitada não parava de chorar. Nem na escola estava indo mais. Jarilson sempre com os olhos marejados de lágrimas. O Conselho de Chefes e a Diretoria do Grupo Escoteiro se reunirão muitas vezes em busca de uma solução. – A melhor seria dar férias a todos. Pelo menos um mês. Quem sabe poderiam voltar com novo ânimo? Foi um dia triste. A boca pequena todos sabiam o que ia acontecer.

          O Diretor Técnico tocou sua trombeta com o sinal de reunir. Antigamente era uma algazarra. Todos vinham correndo, sorrindo e era uma beleza ver os gritos de Patrulha e as apresentações. Fazia dó agora. Um silêncio mortal. Só olhos encharcados de lágrimas. Soluços em profusão. Um gato, apenas um gato para fazer tudo aquilo? Mas não era só um gato, era o Gato Lepitop. Aquele que era amado por todos. Meu Deus! Impossível! O Chefe começou a falar das férias e eis que aparece na porta do pátio nada mais nada menos que o Gato Lepitop. Ele na frente todo garboso, atrás dele uma linda gata amarela de pelos longos e mais atrás três gatinhos cinza e outros amarelos. Em fila indiana. Como se estivessem marchando! Um espetáculo que quem viu jamais iria esquecer.


         Lepitop tinha casado. Estava em lua de mel. Sua esposa Natibook tinha dado a luz três lindos gatinhos. Asustek, Epad e Android todos foram muito bem cuidados por Lepitop. Gritos de urras, milhões de sorrisos, canções, pulos saltitantes eram como se a luz tivesse voltado ao Grupo Escoteiro de Luar Azul. A notícia correu e toda a cidade foi até lá para ver. Foguetes foram lançados no ar. Abraços se deram aos montes. E assim, a paz voltou a reinar no Grupo Escoteiro de Luar Azul. Tudo por causa de um gatinho, um não agora eram quatro! E assim termina a história. Dizem que boi não é vaca e feijão não é arroz e então meus amigos, quem quiser que conte dois!