No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras

No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras
A aventura está apenas começando

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

A Árvore da Montanha. (Um tributo à canção símbolo dos escoteiros do Brasil)


Lendas escoteiras.
A Árvore da Montanha.
(Um tributo à canção símbolo dos escoteiros do Brasil)

¶ A árvore da montanha
Ole-li aio...

        Não se mede o tempo. O tempo não pode ser medido. O tempo eu o trago comigo presente nas minhas lembranças como se fosse ontem, tudo está ali na minha frente como se estivesse gravado em minha mente em um filme que nunca esquecerei. Tanto tempo se passou? Alguns dizem que sim, mas para mim cada história do meu passado se torna presente quando eu começo a lembrar. Foi em um acampamento na Chapada dos Lagos Negros. Naquela estradinha de terra a carretinha não tinha o barulho peculiar das rodas na engrenagem. Nas retas dois bastavam para empurrar e nas subidas todos colaboravam. Moleque o intendente sabia do seu ofício. Ganhou do Seu Toledo do Posto de Gasolina um galão de graxa. Das boas. Sei que ela durou anos. Todo mês Moleque lavava a carretinha e lubrificava. Fazia isto com um carinho enorme. A carretinha era como se fosse sua vida. Grande sujeito o Moleque.

¶ Esta árvore tinha um galho O que galho, belo galho.
Ai, ai, ai que amor de galho. E o galho da árvore...

        A jornada era para todos os sete patrulheiros uma diversão. O acampamento nós sabíamos que deixaria saudades. Duas coisas chamavam a nossa atenção quando acampávamos na Chapada dos Lagos Negros. Logo depois da Curva do Lobo Cinzento avistaríamos o Sitio do Seu Modesto. Gente boa, grande amigo. Gostava da gente como se fossemos seus filhos. Tinha dois e eles cresceram, mudaram para a capital e o deixaram sozinho. Dona Salete morrera há muitos anos e ele fazia de tudo não só para os filhos como para os amigos que lhe davam a gratidão de uma visita. Ele não estava na varanda, mas ela lá estava imponente, enorme mais de seis metros, há mais linda Porteira que tinha visto. Dava um ar clássico e acolhedor às paisagens do campo. Entre as duas sebes os mourões de madeira de lei se sobressaiam. Quem a fez era um artista. Ela era verde, uma verde oliva que se sobressaia na entrada do sitio. Corremos até ela, tiramos as mochilas e sem avisar ao Seu Modesto encarapitamos em cima dela no primeiro vão entre uma taboa e outra. Um de nós empurrava até o barranco, dava seu pulo certeiro e lá ia ela correndo ao vão do outro lado com aqueles sete Escoteiros sorrindo e com um cantar que nunca esquecemos.

¶ A arvore da montanha
Ole-li aio...

      O barulho que ela fazia era uma melodia doce e suave para nossa audição de Escoteiros mateiros. Na varanda Seu Modesto chegava e nos cumprimentava. Querem almoçar? – Grato Seu Modesto, temos de partir, queremos chegar até às duas da tarde! E despedindo dele e da porteira partíamos. Agora era o Morro da Saudade. Quase dois quilômetros de subida. Todos em volta da carretinha empurrando. Sabíamos que logo após a Curva da Nascente ela estaria lá, imponente, a desafiar a natureza com sua arrogância de uma altura e copa sem igual. A Castanheira se destacava sozinha naqueles pastos verdejantes. Única a desfilar pelas terras dos sonhos.  Ela com sua magnífica pose reinava sozinha. Era hora de encher os cantis na nascente e molhar o rosto, tirar os sapatos e sentir a água fria nos pés. Uma delicia incomparável! Depois um descanso embaixo dela, descanso que muitas vezes ficamos até o raiar do outro dia. A Castanheira nos fazia sonhar, uma Árvore na Montanha que chegava aos céus.

¶ Este galho tinha um broto Ó que broto, belo broto.
Ai, ai, ai que amor de broto. E o broto do galho E o galho da árvore.

          Nossas mochilas nossos travesseiros saudosos nos fazia sonhar ali embaixo daquele sombreiro maravilhoso. A Árvore da Montanha parecia sorrir. Desta vez não ficaríamos muito tempo. Hora de partir, podia chover ou escurecer e precisávamos chegar. Partimos. Sempre olhando para trás como a dizer a Castanheira que não era mais que um até logo, não era mais que um breve adeus. A volta já estava marcada. No topo da serra onde a Árvore da Montanha reinava avistamos a Chapada dos Lagos Negros. Dois lagos pequenos com um grande bosque em volta. Quantas vezes fomos ali? Nem lembro mais. Eu só lembrava da Montanha onde tinha uma Árvore.

¶ A arvore da montanha
Ole-li aio (bis)...

           Sonhos não morrem jamais, sonhos vividos são lembranças firmes na mente que dificilmente deixaremos fugir com alguma outra recordação que não queremos perder. Acampamentos? Foram tantos! Todos marcados no livro da vida. Os campos que nos receberam sorrindo, as selvas que se apaixonaram por nós, os vales que se deleitavam com nossas presenças. Uma noite, duas um punhado. Sem novidades no Front. Ali na Chapada dos Lagos Negros nos divertíamos em um acampamento gostoso, um vento sul com brisas frescas, sem chuvas, lagos a pedirem que banhássemos em suas águas cristalinas. Foi no penúltimo dia quando a noite chegou fizemos um fogo estrela no centro do campo de patrulha, Escoteiros sorrindo, uma conversa ao pé do fogo, canções indo e vindo e ao cantarmos a Árvore da Montanha veio à lembrança. Olhamos uns para os outros. Não havia o que discutir. Iriamos partir um dia antes.

¶Este broto tinha uma folha. E esta folha tinha um ninho.
E este ninho tinha um ovo.

            O acampamento estava supimpa, gostoso, mas não sei por que nos deu uma saudade enorme da Árvore da Montanha. Partimos à tardinha. Lá estava ela, pomposa, imponente como a nos dizer – Sabia que viriam! Montamos rancho ali, um jantar delicioso, um fogo quadrante sem fumaça para não machucar a Castanheira. A noite chegou. Não tinha problemas... Sete Escoteiros ali sob a Árvore iriam tê-la junto às estrelas cintilantes como sua barraca, dormir e sonhar com a vida escoteira. A Árvore da Montanha estava feliz. E ela junto aquelas sete almas nobres também dormiu. Era como se estivessem abraçados. Tornaram-se um só. Brancas nuvens no céu sorriram. A estrela Dalva apareceu como se fosse um anjo para olhar aqueles heróis e aquela Árvore centenária que abrigou para sempre todos os Escoteiros do Brasil. Da árvore do silêncio pende seu fruto, a paz.

¶ E este ovo tinha uma ave. E esta ave tinha uma pluma. E esta pluma tinha um índio.
¶ E este índio tinha um arco. E este arco tinha uma flecha. Esta flecha foi na árvore ó que árvore, bela árvore. ¶ Ai, ai, ai que amor de árvore.
E a árvore da montanha
Olé-li-aio (bis).



quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Carta de um Escoteiro 2° classe.


Carta de um Escoteiro 2° classe.
(Conto de autoria do "Chefe" Escoteiro Sergio Augusto Vanti)

Nada jamais continua. Tudo vai recomeçar! E sem nenhuma lembrança das outras vezes perdidas, atiro à rosa do sonho nas tuas mãos distraídas.

Querido papai

Andava eu pelas ruas como faço habitualmente buscando algum biscate que me permitisse beber um gole a mais... Tu sabes como sou. Deparei-me com a sede de meu velho grupo Escoteiro. A porta estava aberta, entrei tudo abandonado, cheirando a velho e mofo. Senti como um baque, um murro no peito a dor no coração. Vi-me menino em meio aos bons camaradas da patrulha, a formatura, os gritos de tropa, os jogos... Súbito alguém me chama pelo nome, me viro olho quem me chama. Surpreso, meio envergonhado vejo que é Mauro, meu antigo monitor.

      José és tu mesmo? Mas quantos anos, que fazes aqui? Um estrondoso silêncio é minha única resposta. Chega! É demais, viro as costas saio correndo o passado me afoga em meio a doces e dolorosas lembranças.

      Papai tu lembras quando eu era um menino, levaste a mim e meu irmão ao grupo escoteiro, pela primeira vez? Lembra que me contavas como sonharas em ser escoteiro e tua pobreza nada te permitia senão estudar e ajudar em casa? A tua alegria quando teus dois amados filhos te disseram “Sempre Alerta”? Eu me lembro de papai, isto eu não esqueci. Lembro-me da fé que tinhas no escotismo e dizias sorridente: - O velho BP sabia das coisas, “Os escoteiros podem guiar a nação”.

      Lembro-me do teu orgulho, não cabias em ti de felicidade no dia de nossa Promessa. Meu coração saindo pela boca, à seriedade de meu irmão, eu dizendo “Prometo por minha honra cumprir os deveres para com Deus, a minha Pátria e o próximo... Lembro, pai, naquele dia te vi chorar, quando me pusestes o chapelão. Só tinha te visto chorar uma vez, quando mamãe faleceu”.

      Corro para minha casa imunda, bato a porta, não consigo parar de chorar. Pai, a muito não cumpro minha promessa feita a Deus, a Pátria e a ti. Lembro-me do dia em que te falei: - Vou deixar a Tropa Sênior. Tu me perguntaste, por que meu filho? Até hoje não sei, pai. Do dia em que te disse: - Não vou estudar mais; Do dia em que saí de casa.

Voltei para te ver quando quase já não estavas aqui e partiste com tua mão entre as minhas, um sorriso no rosto cansado, dizendo, Sempre alerta, querido. Como pude como pude ser tão mau filho, tão pouco escoteiro? Tiro debaixo da cama uma velha mala com as poucas coisas que não vendi. Roupas, fotos amareladas, uma faca, lembrança da segunda classe, e meu uniforme cáqui, meu querido uniforme que eu desonrei os distintivos, o numeral.

      Lembras papai, com que felicidade nos entregou as custosas fardas, que no dia a dia de homem simples economizaste para mandar fazê-las?
Querias ver teus filhos, garbosos escoteiros. Estendida sobre a cama, encharcada de um pranto incontrolável, tento sentir as pontas de teus dedos no pano que muitas vezes tocaste, muitas vezes abraçaste com tanto carinho ao final de cada reunião.

      Pai, como errei tanto? Serei passível de perdão?

 Olho para o puído distintivo de Promessa sinto a dor abrasar meu coração. Devo estar ficando louco. Como uma adaga perfurando um corpo sedento de redenção... Sinto-te soprar em meu ouvido: Filho, sempre é tempo de cumprir nossa promessa!

Alucinado arrependido em doloroso despertar, entre soluços jogo-me de joelhos ao sujo piso, ergo a voz com o fervor de uma oração. Neste momento abençoado, eu renovo minha promessa, redimir-me hei de minhas faltas, deixarei esta maldita vida, cumprirei os meus deveres!

Por ti, meu amado pai, pelo escotismo, pelo Brasil!
 Palavra de escoteiro!
Sempre alerta, querido papai.
Teu sempre, José.


Chega uma época em que nos damos conta de que tudo o que fazemos se transformará em lembrança um dia. É a maturidade. Para alcançá-la, é preciso justamente já ter lembranças.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Os amores de Laureano, o Pioneiro do Rei.


Lendas Escoteiras.
Os amores de Laureano, o Pioneiro do Rei.

                  Laureano estava perdendo o estímulo para continuar no Clã Pioneiro. Os demais amigos ali eram entusiastas e as reuniões eram bem frequentadas. Laureano já tinha pensado em sair. Só um motivo o mantinha ainda no Clã. Rosália. Isto mesmo. Ele se apaixonou por Rosália. Uma paixão incrível, mas Rosália gostava de Almir. Laureano ia às reuniões e a via ao lado dele, muitas vezes de mãos dadas e olhares lânguidos, amorosos e todos sabiam que dia menos dia eles iriam se casar. Laureano devia saber que o caminho que escolheu não foi o certo. Tentou uma vez ficar sem participar por um mês. Quem sabe poderia esquecer-se dela? Impossível. Uma sede terrível abatia todos os dias seu pensamento. Sede de vê-la, olhar seu sorriso, sentir seus olhos nos seus. Amainar a dor terrível que jazia no fundo do seu coração. O pior de tudo era que Almir era um grande Pioneiro. A caminho de sua Insígnia de BP era um exemplo para todos. Sem ser mandão era um líder que sabia ser liderado. Em todos os programas que o Clã programava ele dava suas sugestões, mas aceitava de bom grado o que a maioria decidisse. Um concorrente no amor impossível de se derrotar.

                  Naquela sexta chegando à sede Escoteira viu o carro dela se aproximando. Quando parou notou dois jovens estranhos e sem perceber entraram no carro ordenando que seguisse em frente. Era um sequestro sem sombra de dúvida. Laureano ficou sem ação, pois foi tudo muito rápido. Nem mesmo os rostos dos bandidos ele viu direito. Gritou chamando os demais que já haviam chegado à sede. Um deles o Bertinho tinha um fusca e chamou Laureano para tentar encontrar o carro de Rosália. Gritou para os demais para avisar a policia. Bertinho era amigo de Laureano desde os tempos de tropa Escoteira. Aprontaram poucas e boas na Patrulha Touro. Virando uma esquina avistaram o carro de Rosália. Parado em frente um caixa vinte e quatro horas. Um sequestro relâmpago só podia ser. Bertinho parou o carro bem atrás dos bandidos. Um erro. Nunca devia ter feito isto. O certo era ir em frente e chamar a polícia. Mas Laureano não pensou duas vezes, correu até o carro de Rosália e tentou forçar a porta para retirá-la dali. Dois tiros. Um no peito e outro no pescoço. Laureano caiu. Jogaram Rosália pela porta.

                  Laureano ficou em coma quatro meses. Todo o dia lá estava Rosália ao seu lado. O Clã sempre que podia estava também presente. Quando acordou do coma o primeiro rosto que viu foi o de Rosália. Pensou que ela o amava e falando baixinho disse a ela tudo que sentia. Rosália já fazia uma ideia do amor de Laureano. Mas ela amava Almir. Teria que ser sincera. Explicou a Laureano tudo que sentia por ele. Nada mais que uma grande amizade. Laureano fechou os olhos. Preferia ter continuando naquele sono profundo, onde nada via a não ser uma nevoa ao seu redor. Lembrou-se da mulher de branco, do homem das barbas brancas que nada diziam e só sorriam. Quando abriu os olhos ela se fora. Sua mãe e seu pai estavam ali sorrindo para ele. A noite recebeu a visita de Almir. Que grande Pioneiro ele era. Foi franco. Explicou que amava Rosália. Na sua sinceridade o ódio de Laureano se transformava em amor. A escolha era de Rosália dizia, ou ele ou eu. Para ele não importava. Amava Rosália, mas devia saber perder. Não se ganha todas as batalhas.

                    Um ano depois Laureano já de alta pensava se devia voltar ou não ao Clã Pioneiro. Desde que saíra do hospital praticamente se escondeu de todos. Não respondia aos telefonemas, os recados, nada. Achou que estava esquecendo Rosália. Seu coração já não batia tanto. Uma tarde foi fazer uma inscrição para o vestibular. Já tinha feito pela internet agora era fazer o depósito. Ao sair do banco, deu de cara com ela. Foi uma surpresa. Como estava linda! Ela sempre foi à mulher mais bonita que tinha conhecido. Ela sorriu para ele. Caminhou até onde ele estava.  Ela deu para ele aquele sorriso encantador que fazia disparar seu coração. Cinco homens armados anunciaram o assalto. O vigilante reagiu. Uma troca de tiros. Ele pulou em cima de Rosália. Jogou-a ao chão. Fez de suas costas um escudo para ela. Desta vez não houve coma. Não houve volta. Laureano morreu ali com varias balas no corpo.

                     O cemitério da Saudade nunca viu tantos pioneiros e escoteiros juntos. Até de cidades distantes havia representantes. Nunca se viu tantos pioneiros cantando com emoção a Canção do Clã. Era como se Laureano fosse morar naquela montanha, bem perto do céu, onde existia uma lagoa azul. Nunca se viu tantos pioneiros chorando. A emoção tomou conta de todos. Não se sabe de onde, mas um clarim se ouviu. O toque do silêncio se espalhou pelos campos e montanhas onde um dia Laureano acampou. Alguém “acarapinhado” em uma arvore próxima começou a cantar a canção do adeus e todos acompanhavam. Morreu Laureano. Ele estava marcado para morrer. Ele tinha de passar por isto. Na primeira vez escapou, mas na segunda seria impossível. Outras vidas ele teria e se encontraria de novo com Rosália. Também com Almir. Estava escrito nas estrelas. Os amores de Laureano, um rei sem paixão que não perdoava ninguém, a morte encomendada. São coisas do passado. Lá na última morada de Laureano um casal, ela de branco ele com suas barbas brancas deram a mãos a ele e se foram. Uma nuvem os levou para o céu!     









domingo, 23 de fevereiro de 2014

Os heróis não tem idade.


Lendas escoteiras.
Os heróis não tem idade.

          Mariel não sabia mais o que fazer. Tentou de tudo e nunca foi sequer ouvida pelos seus pais. Mariel tinha um sonho, dizem que meninas de sete anos não sonham, mas não é verdade. Podia até ser um sonho novo que substituiu a boneca ModelMuse 2013. Seus pais diziam que era muito cara e ela estava crescendo muito depressa. – O que você quer de Papai Noel perguntou seu pai. Ela abaixou a cabeça e disse – Quero ser escoteira! Ela já sabia a resposta. Desde o dia que pediu para participar que seu pai foi contra. Sua mãe também. – Nem pensar, diziam. – Não vou deixar você ir para o mato, dormir na barraca, pode aparecer uma cobra ou um bicho qualquer. E se forem para longe? Não sabe que sumiu um Escoteiro no Pico do Roncador e até hoje ele não apareceu? – Agora eles perguntavam o que ela queria de natal pensando que mudou de ideia. Nunca há deixariam entrar naquela turma. Eles eram esquisitos, vestiam um uniforme e se achavam os tais. Ninguém sabia, mas o Pai de Mariel quando jovem queria ser um e não foi. Motivos? Ele nunca contou.

         Mariel em seu pequeno computador leu sobre tudo o que era os Escoteiros, o que eles faziam, leu as histórias dos acampamentos, aprendeu as provas e se ela entrasse hoje já sabia de tudo. Havia meses que ela insistia com seus pais e eles sempre negando. Chegaram ao ponto de dizer que se ela falasse mais no assunto eles a poriam de castigo. Sua mãe foi mais amiga, explicou para ela que ela era nova, eles não conheciam os responsáveis e se alguém a raptasse? Afinal eles moravam em um bairro nobre, seu pai era Presidente de uma Grande Empresa e ela seria presa fácil para sequestradores. Dizer para sua mãe que havia outras crianças iguais a ela não adiantava. Ela sempre dizia que os pais delas eram irresponsáveis.

        Uma tarde de sábado sua mãe foi com seu pai ao Mercado fazer compras. Dona Nana a cozinheira ficou responsável por ela. Mariel não perdeu tempo. Que seja o que Deus quiser pensou. Sei que é errado e estou desobedecendo meus pais, mas tenho que ir - pensou. Se pelo menos eu pudesse ver o que eles estavam fazendo já seria uma alegria para mim. Pé ante pé abriu a porta da Mansão e passou sorrateiramente pela portaria do Condomínio. Sabia que não era perto. Ficava a duas quadras do seu colégio. Foram mais de uma hora a pé. Ela não sabia pegar ônibus. Não foi fácil. Com seus sete anos ela era uma menina frágil. Seus pais não deixavam nem ela participar de atividades recreativas mais pesadas no colégio. Chegou ao Grupo Escoteiro bem na hora que estavam hasteando a bandeira. Ela ficou de longe olhando. Que belo espetáculo! Seus olhos se encheram de lagrimas. Era bonito demais. E os lobinhos e lobinhas correndo para formar? Que ordem, que disciplina. Ela já sabia que iriam fazer do Grande Uivo. Quem dera eu fosse uma delas. Sei tudo de cor! Disse.

         Esqueceu-se das horas. Quando viu estava escurecendo. Ficou olhando para eles até o final. Correu rua fora e quase foi atropelada. Chegou a sua casa já noite escura. Na porta carros de policia e de parentes. Entrou pelos fundos. – Quem foi papai? Ela perguntou. – Meu Deus! Você está aqui. A mãe e o pai correram para abraçá-la. Eles choravam de emoção. Pensavam que tinha sido raptada. Mariel sabia que o lobinho diz sempre a verdade e contou tudo para eles. Contou com lágrimas nos olhos. Sabia que o castigo viria. E veio mesmo. Mais de dois meses sem computador e sem TV. Mariel não se incomodou. Sim ficou chateada por ter feito tudo sem avisar, mas sabia que nunca eles deixariam ir. Todos os meses do castigo ela não parava de lembrar-se do que viu e sentiu. Ah! Se fosse verdade e eu fosse um deles sonhava.

          Paolo, Billy e Eddy Mário iam para a reunião dos seniores. Todos eles antigos no grupo. Foram lobinhos e agora estavam se preparando para conseguir o Escoteiro da Pátria. Eram amigos desde a Tropa Escoteira. Uma amizade que perdurou por anos. Pararam no farol na esquina da Rua dos Tamoios com a Avenida Campos Gerais. Esperaram o farol abrir. Era um local perigoso e já ouve muitas batidas. Da avenida viram quando um Audi em disparada não obedeceu ao sinal e avançou a toda velocidade. Da Rua dos Tamoios um Utilitário azul da Toyota em velocidade normal viu o farol aberto e entrou. A batida foi forte. Uma verdadeira explosão. O Audi ficou completamente destruído. O Toyota rodopiou sobre si mesmo e quando parou uma pequena explosão no motor. O fogo começou. Não havia o que discutir e nem pensar. Os três correram para o Toyota que pegava fogo. O Audi não estava em chamas. Paolo com se bastão quebrou o vidro da porta do motorista e tentou tirá-lo. Não conseguiu.

            Nada é impossível para escoteiros. Eles não deixariam o homem morrer. Alguém gritou da calçada que o Toyota ia explodir. Corram daí se querem viver! Gritaram. Billy pegou o bastão e foi para a outra porta. Quebrou o vidro e passou por ele, pois a porta estava emperrada. Cortou o cinto que estava preso com sua faca. Paolo e Eddy do outro lado arrastaram o homem para fora. O fogo aumentou. Billy sentiu seu uniforme pegando fogo. Pulou para fora do carro e se jogou ao chão rolando de um lado para outro. Conseguiu apagar, mas seu corpo teve diversas queimaduras. Graças a Deus ninguém morreu. O socorro chegou em seguida. O homem da Toyota estava desmaiado. No hospital Billy ficou internado por três semanas e saiu direto para a reunião de tropa. Sentia uma falta tremenda. Nunca faltou. Que chovesse canivete, mas ele estava lá na sua Patrulha Pico da Neblina.

          Quando Billy chegou uma salva de palmas e todos correram para abraça-lo e ele dizendo que não. As queimaduras não haviam sarado ainda. Aceitou aperto de mão, mas fez questão de dizer que ele e os amigos fizeram o que era certo. Todos eles a sua maneira agiram como Escoteiros. A formatura estava em andamento. Billy tomou seu lugar na patrulha. Notou que chegaram um homem, uma mulher e uma menina pequena e frágil. Eles tomaram lugar na bandeira. Após a cerimonia o homem pediu a palavra. Ele era a vitima do Toyota. Ele chorava. Quase não conseguia falar. Ainda não conseguia andar direito, pois sofrera uma fratura no braço e na perna. Foi até onde Billy, Paolo e Eddy estavam e lhes deu um grande abraço. – Nunca vou me esquecer de vocês! Ele disse chorando. Eu pensava que Escoteiros eram uma turma de arruaceiros, de jovens sem ter uma forma de vida e me enganei. Por anos neguei que minha filha fosse uma, pois ela sempre o desejou.


          Mariel mudou. Agora era um lobinha alegre e cheia de vida. Como era bom saber que seus pais também ajudavam o Grupo Escoteiro. Mariel no final do primeiro dia de reunião se ajoelhou quando os lobinhos e lobinhas faziam o Grande Uivo e mesmo sabendo que ela só iria participar depois da promessa, Mariel rezou. – Obrigado meu Deus! Consegui! Meu sonho se concretizou. – Todos olharam para ela espantados. Ela levantou, sorriu e gritou bem alto – “Melhor Possível”! Agora sou uma lobinha, e prometo a mim mesma que serei escoteira por toda a vida.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

O Caminho para o Sucesso.


Crônicas escoteiras.
O Caminho para o Sucesso.

           Lenin tinha oito anos. Um menino triste e como lobinho não sorria. Estava ali sempre nas reuniões de Alcateia porque sua mãe sempre o levava. Se dependesse dele não voltaria mais. Quando entrou pensou que era o que disseram para ele, mas se enganou. Não ia negar que fez vários amigos e que aprendeu algumas coisas. Quase nenhuma tinham significado para ele. Os chefes exigiam muito e sempre chamando a atenção. Ele preferiria sua professora. Ela pelo menos lhe dava os parabéns quando ele tirava uma nota mais alta. Sua matilha cinza parecia estar sempre cansada e desanimada. Ninguém corria ninguém se interessava. Diversas vezes falou com sua mãe que gostaria de sair. Não estava sentindo nada e nem gostando das reuniões. Sua mãe insistia. Disseram para ela que o escotismo era uma fonte de sabedoria, onde o menino aprende muitas coisas. Insistia para ele continuar. Obediente Lenin continuou.

             Corina ia para as reuniões sem nenhuma motivação. Porque deu sua palavra ao Chefe Jaildes antes de morrer, ainda continuava. Mas por quê? Afinal ela não gostava de seus lobinhos? Podia até ser. No entanto a cada dia mais e mais ela estava desanimada. Até que quando entrou pensou que seria diferente. Nos primeiros meses foi ótimo, mas o tempo foi passando e ela não encontrou o que queria como Chefe de lobos. Mas afinal de conta o que ela queria? O que pensava? Tinha inteira liberdade e nunca foi questionada na Alcateia. Acostumou a ver os minguados lobos e lobas presentes. Eram seis meninos e oito meninas. Dificilmente os 14 estavam presentes. Sempre tinha três ou quatro faltas.  Ela lembrava no passado quando a alcateia chegou a ter 26 meninos e meninas. Foram saindo um por um. Chegou a ter quatro assistentes, mas todos a deixaram na mão. Ninguém quer sacrificar. Só querem “moleza” ela pensava. Ela nunca olhou para dentro de si.

               Marco Polo estava desiludido. Dois anos de lobo e mais dois de Escoteiro pensava o que estava fazendo ali. Devia ter saído. E porque não saiu? Achava que foi porque sempre acreditou que tudo ia mudar. Um ou dois acampamentos por ano, o Chefe levava todo mundo e lá tinha lobos, Escoteiros e seniores. Seniores? Um dia pensou em ser um deles. Agora com treze anos dizia para si próprio que não ia chegar lá. Não via eles fazerem nada. Eram quatro dois rapazes e duas moças. De vez em quando davam um grito de guerra que ser sênior é bacana, que o sênior é o tal, que o senhor desconhece as dificuldades e por aí eles gritavam como se estivessem com sono ou quase dormindo. Chegou a comentar com Rildo da sua patrulha que ia desistir. Nunca falaria com o Chefe Benevides. Ele sabia que ia ouvir o que não queria. O chamaria de fracote e que ali na tropa era lugar para homens de coragem.

              Chefe Benevides era daquele tipo bonachão, sempre risonho. Era caixa de banco e nunca mandou em ninguém. Quando lhe convidaram para a chefia ele pensou que iria gostar. Até que não era ruim. Ver a turma esticada e correndo ao ouvir o apito lhe dava prazer. Mas ele gostava mais era de cursos. Lá todos da sua idade e ele podiam mostrar que era um grande Escoteiro. Adorava fazer amigos, discutia com qualquer um as vantagens do escotismo. Era bem quisto por muitos chefes que o conheceram. Mas sua tropa fazia pena. Insistia em ter quatro patrulhas mistas, mas até a Lobo que sempre a presença era boa estava agora diminuindo. Eram quatro meninos e oito meninas. Nunca a tropa cresceu e ele acostumou em ver patrulhas com dois ou três jovens. E dai? Ele gritava para todos. Aqui é lugar para quem tem fibra, afinal nem todos nasceram para ser Escoteiros. Quem faltar vai para a rua!

            Chefe Galdino tinha 63 anos. Mais de vinte e cinco de escotismo. Julgava-se o tal. Era o diretor Técnico. Mandava em tudo. Determinava o que fazer a cada um. Quando se aproximava um pai ou um interessado em ajudar ele ficava igual ao galo de briga. Bem vindo! Mas quero lealdade, meu grupo só tem amigos. Temos uma disciplina e não saímos dela por nada. Eu serei seu assessor pessoal e vou lhe ensinar tudo. Infelizmente o voluntário quando era encaminhado para uma das sessões desistia logo. Era só conversa atravessada e ele sentia que ali não era seu lugar. Na Alcateia a filha da Akelá fazia o que lhe desse na telha. Seu uniforme cheio de distintivos. Via que ela não gostava de dividir tarefas e nem pedir sugestões. Chefe Galdino sabia que ali era seu terreiro. Ele o galo mandava. O Distrital o admirava. Quando comparecia em reuniões do distrito e da região era festejado como um grande Chefe e dos mais antigos. Ganhou três medalhas. Se ele mereceu ninguém perguntou.

                Jofre sempre quis ser Escoteiro. Jofre não tinha família. Foi criado por uma amiga de sua mãe que sumiu no mundo. Jofre adorava Dona Lena. Estudou muito e se formou como Engenheiro de minas. Viajava muito e foi eleito para ser o Diretor/Presidente da empresa que trabalhava. Agora como executivo ele viajava pouco. Procurou o grupo Escoteiro perto de sua casa. Uma recepção fria, não era o que e esperava. Jofre era um homem instruído apesar dos seus vinte e seis anos. Conhecia bem sobre relações humanas e sentiu que naquele grupo isto não existia. Nem na área militar poderia ser visto o que viu. Jofre não desistiu. Chefe Galdino o olhou enviesado. Via ali um inimigo, mas não aceitar? Deixa-o comigo pensou. Como seu assessor pessoal eu o coloco no lugar ou ele sai daqui com o rabo entre as pernas! Sempre foi assim.

              Jofre não era homem de fugir. Desafios para ele eram como doce de leite que ele sempre comia com prazer. Comprou uma verdadeira biblioteca escoteira. Lia em suas horas vagas e mesmo não concordando com as normas do Regimento Interno ele fez dele seu amigo de cabeceira. Esperou pacientemente o dia da Assembleia de Grupo. Como não viu nenhum comunicado interpelou o Chefe Galdino. – Não fazemos sempre. Mas este ano é de eleição e vai ter. Jofre sabia que ele era o dono de tudo. Nas sessões os chefes também não abriam mão. Não davam valor aos assistentes. Não havia reuniões de Chefes de Grupo. A tropa definhava e a Alcateia também. Conversou com alguns pais insatisfeitos. Montou as claras uma diretoria. Um susto para o Chefe Galdino. Nas assembleias sempre comparecia um numero mínimo. Poucos pais compareciam. Naquela assembleia ele se assustou mesmo. Nunca viu tanta gente. A diretoria do Chefe Jofre foi eleita com folga de votos.

              Chefe Galdino chorava num canto. Chefe Jofre foi até ele e lhe deu a mão. – Preciso de você, você é importante no grupo. Um abraço sincero e Chefe Galdino de olho aberto aceitou continuar. O grupo cresceu. Em dois anos já estava com um efetivo de mais de oitenta membros. A chefia cresceu. A Akelá Corina não aceitou a nova liderança. Chefe Benevides não quis perder seu status. Lenin hoje é Escoteiro e vibra com sua patrulha e sua tropa. Marco Polo é sênior e adora dar o grito de guerra com eles. Tudo mudou da água para o vinho. Chefe Jofre era um democrata. Nada fazia sem consultar a todos. As reuniões de chefia passaram a ser toda primeira sexta feira do mês. A frequência do grupo aumentou. No ano anterior só seis jovens entre oitenta existentes saíram do grupo. O distrito a princípio ficou de olho. Afinal o distrital também era daqueles que não passavam o bastão a ninguém. O mesmo na Região.
       

Já dizia Zíbia Gasparetto que a vida nunca pune. Ela ensina do seu jeito. Sinaliza de diversas formas, tenta advertir as pessoas provocando situações nas quais ela pode perceber a verdade, mas para os resistentes, que se acomodam e não querer mudar, ela permite que colham os resultados de seus enganos para que aprendam o que já estão maduros para saber. A verdadeira família é aquela unida pelo espirito e não pelo sangue. Aquele grupo hoje se orgulha em ser uma grande família. Escotismo é assim, ser franco sem ser egoísta, mesmo a contragosto tentar o máximo aceitar as pessoas como são, mas orientando quanto ao melhor caminho. Fim.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

João Papudo que morava nas florestas verdes do Brasil.


Lendas escoteiras.
João Papudo que morava nas florestas verdes do Brasil.

            O aviso estava dado. Chefe João Soldado (era sargento, mas o apelido pegou) autorizou. Batista nosso intendente logo nos disse que não nos preocupássemos. O material estaria pronto em vinte e quatro horas. Platão o cozinheiro iria entregar a lista de mantimentos para cada um dia seguinte bem cedo. Tudo era dividido. Pedrinho o Monitor sorriu de orgulho da patrulha. Todos sabiam como e quando deviam fazer. – Sairemos na quinta pela manhã. Vamos aproveitar bem o feriado. A reunião de patrulha acontecia na casa do Mino Pastel o sub. monitor. Seriam quatro dias bem aproveitados. Destino? As Florestas Verdes do Brasil. Que nome eim? Mas foi Ditinho quem a batizou assim. Estivemos lá duas vezes. Na primeira vez ao chegarmos ao cume do morro do João Papudo ficamos abismados. A floresta era verde, um verde musgo lindo, no seu seio muitos Ipês das flores amarelas. – Ditinho, para ser o Brasil falta o branco e o azul, eu disse. Ele riu. Vado Escoteiro O céu meu amigo e as nuvens em sua volta.

         Ninguém nunca esqueceu João Papudo. Ele tinha no pescoço um papo enorme. Hoje chamam de Bócio que é devido ao aumento da glândula tireoide. Fácil de operar nos dias de hoje, mas naquela época não. Ficou nosso amigo pelo simples fato de o cumprimentarmos, tomar café com ele e comer sua “brevidade” uma das melhores que já comi. Ninguém gostava dele. Logo ele uma alma de Deus. Só por causa do papo no pescoço todos tinham medo e asco. Um absurdo. Na primeira vez que chegamos lá para acampar assustamos. Ele estava na porta com uma foice enorme. Ninguém se mexeu. – Um café? Ele disse. - Porque não? Respondeu Pedrinho. Daí para a amizade foi um pulo. Ele queria conhecer o grupo e a escoteirada. –Apareça amigo, será bem recebido. Nunca foi. Quando ele precisava fazer compras ou vender suas plantações só ia à cidade à noite, e enrolava no pescoço um cachecol para ninguém ver sua deformidade.

           Foi Motosserra, isto é o Lorenzo o escriba da patrulha quem deu a ideia de uma vez por mês fazermos uma campanha do quilo e levar para ele. Na primeira vez chorou e disse não. Ele não merecia. Não falamos nada. Deixamos lá e voltamos. Pedrinho colocou em votação qual o melhor local para acamparmos naquele feriado prolongado. Foi descartada a Lagoa da Lua Branca, a montanha do Gavião, o vale do Esplendor e as campinas da flor vermelha. Eram ótimos locais, mas as Florestas verdes do Brasil ganhava de longe de todas e iriamos saudar nosso amigo João Papudo. Dito e feito, seis da manhã café no papinho, pé no caminho. Sete e meia a bordo das nossas máquinas voadoras chegamos. Na porta ninguém. Estranhamos. João Papudo sempre estava lá nesta hora. A porta estava aberta e chamamos. Nada. Entramos, pois ficamos preocupados. João Papudo estava gemendo e suando na sua cama de palha. Seu corpo tremia. No chão vimos muita água e sujeira, sinal que ele estava ali a mais de dois dias.

          O que fazer? Sabíamos que nosso acampamento nas Florestas Verdes do Brasil foi para o brejo. João Papudo tinha prioridades. Nunca iriamos deixá-lo ali a mingua e sem ninguém. Tinhamos que levá-lo urgente para o Hospital Santa Inês, o único da cidade. Mais de quinze quilômetros. Patrulha boa não se aperta. Luiz Nantes o Porta Corrente, nosso Sinaleiro e socorrista deu a solução. Mãos a obra. Duas horas e estava pronto. Fizemos uma maca com o toldo da cozinha, cada ponta amarramos em uma bicicleta. Usamos quatro e pé na taboa. Antes das onze estávamos na porta do hospital. Não o deixaram entrar. Ninguém se arriscou a ir ver o que se tratava. Pedrinho correu a chamar o Chefe João Soldado. Estava na sede do batalhão e veio correndo. Ameaçou, xingou fez tudo e eles nem deram bola. Foi até a casa do Juiz Ponderado e nada. Chamou o Delegado Praxedes e nada. Uma enfermeira Dona Adelaide nos chamou e deu uns comprimidos. Quem sabe ajuda? Com nosso cantil fizemos João Papudo tomar.

          Os Escoteiros e seniores do grupo estavam chegando. Uma aglomeração se fez. – Vamos levá-lo para a porta da prefeitura. Se o prefeito não tomar providencias ele vai ver com quem estão se metendo, disse o Sênior Jovialto, nove anos no grupo. Um mestre na ação no grupo. Aliás, tínhamos poucos amadores. O prefeito chamou a policia. Chefe João Soldado era policia. Nem deu bola. A patrulha Touro correu a sede e trouxe um enorme toldo da chefia. Armado com rapidez no jardim da prefeitura. Uma cama foi improvisada. João Papudo era tratado pelos Escoteiros na porta da prefeitura. Doutor Melão o prefeito foi lá reclamar. Pé de Pato um lobinho segunda estrela pegou na mão dele. – Doutor prefeito, venha ver como ele está. Afinal o senhor não tem coração? Ele deu meia volta e sumiu nas salas da prefeitura.  O povo aglomerava na praça em frente. Doutor Noel um medico antigo na cidade veio ver João Papudo. – Malditos disse – Um simples bócio faz dele um homem marcado? – Venham comigo a minha clinica.

               A história termina aqui. Doutor Noel tratou dele e conseguiu uma internação para operar na Santa Casa da Capital. Dois meses depois eu estava recebendo meu Correia de Mateiro. Orgulhoso, já tinha o cordão dourado e o vermelho e branco. Esperando a Primeira Classe. Poucos conseguiam. Tinham de ralar para conseguir. Todo mundo olhou para o portão. Eis que ali estava João Papudo em carne e osso. Agora não tinha mais o papo. Orgulhoso levantava a cabeça como a mostrar – Nunca mais! Doutor Noel, vocês e Deus me deram a alegria de viver. João Bonito (mudamos o apelido dele) entrou na ferradura, foi saudado com uma enorme palma escoteira. Não teve jeito, chorou igual menino. Fez questão de dar um abraço em cada um. Abraço gostoso, sincero, amigo.


             Seis meses depois João Bonito fez a promessa. Nunca vi ninguém chorar assim. Vá lá, uma promessa é uma promessa. Nossa tropa ganhou um novo assistente. João Bonito era um novo homem. Trabalhava durante o dia na prefeitura (o prefeito com vergonha e não querendo perder as eleições o admitiu como auxiliar geral) e a noite estudava. Três anos depois terminou o curso Técnico em Contabilidade. João Papudo perdeu o papo, mas ganhou uma cidade. Hoje e feliz cortejando Dona Mocinha uma alegre e linda jovem do Bairro Tatu Bola. Ficou um Chefe Escoteiro todo pomposo. As Florestas Verdes do Brasil tiveram nossas presenças por muitos anos. A casa onde João Bonito morava foi jogada ao chão para uma nova estrada até Muzambinho. Histórias que se foram histórias de Escoteiros. E quantas mais por este Brasil imenso?

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Cascudo um Escoteiro sonhador.



Lendas escoteiras.
Cascudo um Escoteiro sonhador.

       O ônibus parou no ponto e desci. Meu tempo era curto, portanto não podia ficar olhando aqui e ali. Estava na Av. São João e mais dois quarteirões eu iria encontrar a Rua Santa Efigênia. Talvez pela pressa eu dei um esbarrão forte em um transeunte e ele olhou-me desaforado. Não queria briga e pedi desculpas. Ele que tinha caído no chão levantou e me encarou. Poxa, pensei! Não vim aqui para isto. O desconhecido deu um belo sorriso – Monitor! É você? – Olhei para ele. Não reconheci. Estava de terno, um sujeito forte, cabelos negros bem penteados. O danado até que era simpático. – Desculpe amigo, pelo jeito estivemos juntos no passado no escotismo. Ele deu belas risadas chamando a atenção de outros que passavam. – Olhe bem Monitor! Sou eu, Josiel de Arimatéia a que você e os outros da tropa chamavam de Cascudo! Caramba, como ele mudou, agora eu me lembrava de nosso glorioso passado. Ele se aproximou de mim bateu os calcanhares e gritou bem alto: – “Sempre Alerta Monitor”! Quem passava sorria.

       Nos abraços efusivamente – Vamos beber alguma coisa. Eu pago ele disse. Na esquina bem proximo a Avenida Ipiranga encontramos um barzinho aconchegante. Olhei para ele, se transformou em um homenzarrão bem mais alto que eu. Ele ria de satisfação – Monitor! Como foi bom encontrá-lo. Quanto tempo eim? – É meu amigo – falei. Muito tempo. Mais de quarenta anos. E você me fale de você – eu disse. Monitor eu ralei muito neste mundo. Você deve se lembrar do meu pai um pobretão. Coitado. Mas me formei e hoje sou Promotor de Justiça. – Nossa! Pensei. – Que bom eu disse. Mas desistiu do escotismo? Lembro que você era um entusiasta. – Olhe Monitor, acho que você sabe, é muito difícil entrar e participar de um Grupo Escoteiro como o nosso no passado. Enquanto estudava nem pensei em procurar um grupo depois quando me formei achei que podia ajudar. Ele riu e continuou – Mas eles não querem ninguém como eu. Preferem pessoas mais humildes que não discutem muito. – Pensei comigo como as coisas mudaram.

      - Mas Monitor não vamos falar sobre isto. Porque não se lembrar daqueles tempos? – Porque não pensei. – Olá posso me sentar com vocês? Olhei e vi um senhor de uns sessenta anos cabelos grisalhos, óculos de grau bem grossos e uma bengala – Não estranhem meu pedido ele disse. Também fui Escoteiro e sênior. Estive na luta pelas estradas da vida e só me dei conta que era hora de parar a cinco anos passados. Cansei. Estava solteiro, não tive ninguém ao meu lado. Tentei como você entrar em um grupo. Sempre amei o movimento Escoteiro, foi ele quem me deu a força para enfrentar tudo que enfrentei. – Ele já estava sentado. – Não parou por ai, outro sentado numa mesa próxima sorria. Deu-nos o sinal de Sempre Alerta. – Posso participar com vocês? Claro eu disse. Quatro antigos Escoteiros se encontrando por uma cisma do destino. Cada um querendo lembrar e contar histórias do seu passado. Todos dizendo que não se adaptaram ao escotismo de hoje. Tentaram mas viram que eram peixes fora d’água.

        Mas bons Escoteiros não ficam reclamando. Eles quando se encontram é para contar causos e causos. Lembrei-me de um Chefe que me enviou um convite -
Chefe! Aguardamos sua visita. No meu grupo o senhor vai poder contar muitas “historinhas”. Ri a valer. Contar “historinhas”! Sei que quando começamos a contar nosso passado era onze da manhã. Agora passava das seis da tarde. Cada um telefonou para sua cara metade explicando. Não guardei o nome de todos e eu pouco falei. Quantas histórias foram contadas. As noites das cobras, o vale seco, o Calcanhar de Aquiles onde todos tinham medo de ir, o Delegado que prendeu uma patrulha inteira, quinze escoteiros correndo de seis emas selvagens, e assim foi até o cair da noite. Pensei comigo que não era só eu o contador de histórias. Todos aqueles antigos Escoteiros também tinham a sua.

        Se quatro antigos Escoteiros em um pequeno bar tinham tantas coisas para contar quem diria se estivessem em uma floresta, numa clareira qualquer, uma noite sem lua e o céu estrelado eles contariam histórias a noite toda. Nos olhos de cada um eu via a chama da esperança, a vontade de voltar no passado, às saudades que machucam, mas que ajudam a viver. Ninguém comentou sobre suas dificuldades atuais, sua vida familiar ou profissional. Ali os quatro saudosos só lembraram-se do passado. Ah! Os poetas, sempre eles para nos dizerem tudo do passado, a dizer que saudade é amar um passado que ainda não passou, é recusar um presente que no machuca, é não ver o futuro que nos convida... Aguinaldo Silva escreveu isto. Melhor é ler Confúcio dizendo que a experiência é uma lanterna dependurada nas costas que apenas ilumina o caminho já percorrido. Quem sabe ao partir uma pequena lágrima rolou docemente nos rostos daqueles velhos Escoteiros.

       Cheguei e em casa quase meia noite. Pelo meu sorriso a Célia sentiu que eu estava feliz. Contei para ela o encontro com Josiel de Arimatéia, o Cascudo, um escoteiro da minha patrulha, contei do Geraldo Nonato que nunca vi e que devia ter sido um grande escoteiro e do Leandro Farias um Velho Escoteiro como eu. Ela me ouviu com um olhar gostoso e um sorriso carinhoso. Existem muitas felicidades que não vemos. A maior delas é estar ao lado de uma criatura maravilhosa que sempre me apoiou. Uma grande companheira, a mulher que amo. Não esperem muitas aventuras neste conto simples. Comecei do nada e termino com a história de um grande amor. Um não são dois. O primeiro minha linda esposa querida e o segundo meu escotismo maravilhoso. Ambos jamais esquecerei!

Eu amo tudo o que foi
Tudo o que já não é
A dor que já me não dói
A antiga e errônea fé
O ontem que a dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Você sabe o que tem do outro lado da montanha?


Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Você sabe o que tem do outro lado da montanha?

Ei você! Não pare na subida da montanha. Prossiga. Você está apenas no inicio. Não queres ver o outro lado? Será que lá não tem coisas lindas para ver? Você é livre, livre para decidir sua vida. Corra atrás dos seus sonhos dos seus desejos. Não fique preso ao seu horizonte de hoje. Deixe o vento levantar seus cabelos, deixe o aroma das flores perfumarem seu caminho. Do outro lado da montanha quem sabe seu espírito irá se libertar e não ficará preso nas adversidades da vida.

Olhe a frente, veja as estrelas no céu. Não podes contar quantas são, mas podes imaginar. Olhe! Veja e pense naquela estrela cadente! Para onde foi? Quem sabe depois da montanha você vai descobrir seu caminho para o sucesso? Vamos, aprume o corpo, mochilas às costas, solte sua bandeira e deixe a chuva cair na sua face, mas não pare. Continue. A vida é sua e é hora de tomar decisões. Quantas mais difíceis melhor. Se você for bom Escoteiro terá grandes ideias e elas vão refrescar sua jornada pela vida. Você é livre, caminhe com suas próprias pernas, veja o rumo, trace seu destino e vá... Lá depois da montanha quem sabe vais ver a beleza do universo vais sentir a brisa a lhe afagar o rosto, irás beber a água límpida da fonte que jorra. Ouvirá o canto do sabiá, e um arco íris colorido, e ele dizendo a você que ali mora a felicidade. Afinal meu amigo ou minha amiga, você é um bravo do escotismo. Tens o Rataplã na mente e BP no coração.


Avante! Do outro lado da montanha iremos ver um novo mundo, basta querer para conhecer!

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Nas asas da imaginação.




Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Nas asas da imaginação.

       Mamãe! Por favor, não chore! Eu disse que voltarei mamãe, eu não vou para a guerra, eu vou acampar e já volto. Irei aprender a ser homem Mamãe! A senhora ouviu o Chefe falar, que aqui é uma escola de honra! Aqui se aprende a sermos ético e verdadeiro, pois agora eu sou um escoteiro! Não foi ele quem disse que todos nós um dia iremos andar com nossas próprias pernas Mamãe? A senhora não quer me ver crescer e depois se alegrar em saber que sou um homem de caráter? Eu vou acampar minha Mãe. Eu vou pisar nas terras puras do meu país, vou sentir a natureza em meu coração. Deixe que leve seu espírito comigo, me dá um beijo e um abraço e enxugue estas lágrimas. Elas estão fora de lugar. Minha querida Mamãe reze por mim e por meus amigos. Peça a Deus que ele nos proteja, pois ele nunca deixou de proteger os Escoteiros. E quando voltar Mamãe eu estarei sujo por fora quem sabe apesar de que o Escoteiro está sempre limpo, mas se isto acontecer não se preocupe, estou aprendendo a ser homem.

        É Mamãe, agora sou um Escoteiro, e isto significa muito. Poderei olhar as águas do oceano de outra maneira. Vou entender porque as ondas do mar batem na praia, Irei entender as gaivotas que voam pelo céu azul. Irei aprender a beber na cuia onde fica a nascente, a pureza daquelas águas que nos dão a vida. E sabe Mamãe, vou dormir em uma barraca junto aos meus companheiros e me deliciar com os sons da floresta. Afinal Mamãe não diziam os poetas que sem sonhos, a vida é uma manhã sem orvalhos, um céu sem estrelas, um oceano sem ondas, uma vida sem aventura, uma existência sem sentido? Ah! Mamãe! Enxugue estas lágrimas, seu filho vai partir, mas vai voltar. São poucos dias e eu pensarei em você. Nunca vou esquecer a minha querida mãezinha. Você sabe que sempre estará em meu coração.

        Quero chegar à floresta e ver as aves que moram lá, quero ver os peixes que pulam na lagoa encantada, quero andar nas trilhas da imaginação e ver as pegadas dos animais. Como deve ser belo Mamãe poder sentir a brisa da madrugada, olhar o nascer do sol, o cantar da passarada vai ser um doce amanhecer. Mamãe deixe eu lhe dar um beijo, neste teu semblante preocupado, nesta tua tez franzida, nos seus olhos molhados e pedir para sorrir. Sorria mamãezinha querida, seu filho já vai crescer. Ele vai aprender a cozinhar. Pode Mamãe? Será que vou gostar? Ah! Mamãe eu acho que vai ser o máximo em minha vida. Vou poder sentir o aroma das flores, flores que aqui nesta cidade não vejo mais. Irei subir em uma montanha e avistar o mundo aos meus pés. Poderei gritar para as nuvens que agora sou uma delas. Quem sabe bem lá do alto irei ver o Gavião passar?

        Mamãezinha meu amor, te amo demais, mas preciso enfrentar a vida. Um dia eu vou crescer e preciso aprender as maneiras de viver como um homem respeitado. Quero aprender com a natureza o que aprendi com a senhora. Sabe Mamãe, me contaram tantas coisas que eu quero viver também o que os outros viveram. Quero fechar os olhos e ver o som de uma bica gelada, beber a água da fonte, sentir seu sabor, deixar a bica dos sonhos molhar meu rosto alegre. Pois é mamãe, pense no seu filho feliz, junto aos seus companheiros, eles são bons Escoteiros e brincam de aprender a crescer. Eu quero também contar estrelas, pois eu nunca contei. Vou descobrir onde fica a constelação de Aquarius, quem sabe verei a Gemine o Caranguejo, do Escorpião eu terei medo, nossa Mamãe são tantas. Mas já conheço o Cruzeiro do Sul no hemisfério celestial sul. São tantas coisas no céu que penso que ele é imenso demais Mamãe.

         E o tal fogo de conselho que eles falam muito? Acho que amarei demais. Ver o fogo esvoaçante, querendo andar pelo céu, as labaredas brilhante a fazerem escarcéu. E as palmas minha Mãe? Dizem que elas são lindas, e as esquetes nunca esquecidas as risadas coloridas, alguém a gritar! – Sou o próximo! Disseram-me que farei parte em uma. Vai ser a primeira vez. E os aplausos Mamãe eu sei que serão demais. Pois eu vou me preparar com alegria e quem sabe serei um ator por um dia? É Mamãe dizem que no final do fogo todos choram, mas é de alegria, eles dão as mãos entrelaçadas e cantam uma canção tão linda que tenho de decorar! - “Não é mais que um até logo, não é mais que um breve adeus”!  

        O último beijo de hoje Mamãe. O Chefe está chamando, a patrulha me esperando e tenho que partir. Irei acampar nos montes, nos altos dos horizontes para aprender ser alguém. Voltarei de novo a casa e serei um homem digno, a senhora pode acreditar. Sabe Mamãe uma estrofe de um poema que não esqueço? – “Mamãe, um dia fiz a promessa, a todos eu prometi, que seria homem honrado, e do escotismo uma apaixonado, subindo lá nas alturas, em busca de aventuras, que só podemos encontrar no meu escotismo amado”. Adeus Mamãe preciso partir, você que fica não chore com minha brusca partida, e se um amigo me procurar diga a ele onde estou. Que ele coloque a mochila aprume sua bandeira e cante uma bela canção, com um belo sorriso no rosto, e corra para me encontrar.

Adeus Mamãe, adeus não até logo, pois logo eu voltarei!

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Fuligem, o meu cinto Escoteiro brincalhão.


Lendas escoteiras.
Fuligem, o meu cinto Escoteiro brincalhão.

           Nem vem que não tem. – Não tem o que Fuligem? – ele me olhava com aquela cara de “besta” que eu conhecia há muitos e muito anos. – Pode tirar o cavalinho da chuva. Não vou para a reunião com você hoje nem que a vaca tussa! – O que é que eu fiz Fuligem? – O que fez? Só um paspalho escoteiro como você faz uma pergunta desta. Seja homem meu caro. Aceite que você é um idiota! – Fiquei a olhar o Fuligem. Nem sabia ao certo quando ele falava sério ou estava-me gosando. Pensei com meus botões o que tinha feito. Olhei bem para fuligem. Estava limpo. Na quarta usei metade da pasta Kolynos para fazer a melhor limpeza que tinha feito. O couro estava perfeito. O que ele queria agora? – Olhei para ele e o “pestilento” começou a rir. – Fuligem! São quase uma hora, você sabe que não gosto de chegar atrasado! Tá bem! Desta vez eu vou, mas na próxima se não engraxar o sapato não conte comigo. Só ando com Escoteiros que se orgulham do uniforme!

          Sempre foi assim. Desde que comprei o Fuligem na loja da capital pelo correio. Eu tinha um ano de promessa e custei a juntar o dinheiro para comprá-lo. Assim foi como meu chapéu de três bicos, com meu bastão de ponteira de aço, com meu cantil francês, com meu canivete suíço e com minha faca mundial. Meu uniforme e lenço mamãe fazia, mas o resto eu ralava para comprar. Engraxando sapatos, limpando quintais, ajudando seu Manezinho no Armazém fazendo entregas. Olhei para meu Vulcabrás e ele não estava sujo. Não o engraxei na semana, achei que não precisava. Fuligem não perdoava. Ele gostava de massacrar. Não esqueço o dia que fui para a sede, já nos meus treze anos e ao passar na vendinha do Seu Nestor para comprar balas de hortelãs um freguês dele olhou minhas pernas e disse – Lindas! Se você fosse uma moça a gente ia conversar! Fuligem virou bicho. Tire-me logo e dê uma surra neste filho da mãe! - Não Fuligem é o Vadico meu amigo de escola.

          E quando mamãe fez um uniforme novo? As passadeiras ficaram estreitas. Ele não conseguia passar. – Meu pai do céu! Ele dizia. Nesta casa só tem Jerico ou Asno? Tal mãe tal filho? Naquele dia fechei a cara para ele. Ele sabia que tinha ido longe demais. Abaixou cabeça como se estivesse envergonhado. Fui na caixa de sapato e retirei outro cinto Escoteiro que tinha de reserva. Não era tão bonito como Fuligem, mas ele precisava de uma lição. Quando coloquei o cinto ele gritou – Não, por favor! Perdoe-me, eu falei demais! – Desta vez nem liguei e fui para a sede escoteira. Fui triste mesmo sabendo que o Segunda Mão era um bom cinto. Calmo, educado e ponderado, pois tinha sido de um Escoteiro antigo que me presenteou. Acho que tinha mais de quarenta anos, falava pouco, não reclamava não chingava e nem me desafiava como Fuligem.

      Fuligem quando chegou da capital ficou todo prosa. Novo em folha, couro brilhante com flor de lis, metal com um brilho de dar inveja e Foi logo dizendo - É melhor saber antes que não gosto de Escoteiro babão! Ou você está bem uniformizado ou não está. Sou exigente, meião nos trinques, calça e camisa bem passada, o lenço bem dobrado e o anel até na gola. Chapéu meu amigo tem de estar com as abas largas. Se torto me esqueça! – No início não liguei para ele. São coisas de novatos ainda sem aquela fleuma de um bom mateiro. Eu já conhecia este tipo de prosa. Foi com meu chapéu, com meu lenço e meu bastão. Mas o tempo foi passando e fuligem aprontando. Era minha calça sem passar, meu lenço mal dobrado, meu chapéu torto, Fuligem não deixava nada passar. Nos acampamentos se chovia ele gritava – Corra seu idiota, se o couro molhar vai doer prá dedeu!

       Lembro de um fato interessante em Santa Mônica uma cidadezinha lá pelas bandas do Rio Tico-Tico. Nem lembro o que fui fazer lá. Armamos barraca em um campinho de futebol na entrada da cidade e fora alguns garotos olhando de longe não vi mais ninguém. O dia acabava e escurecia. Depois do jantar fomos dormir, pois no dia seguinte iriamos dar uma chegada em Campos Gerais. Dormi feito um anjo, mas ao acordar cadê meu cinto? Mãe de Deus levaram o fuligem. Não me dei por vencido, pois sabia que ele ia berrar feito um bode preso no toco da porteira. Não deu outra, com meu cavalo de aço (bicicleta) rodei a cidade rua por rua. Em uma delas ouvi a voz dele – Socorro! Vado sua besta, me tire daqui! A mãe do menino ficou envergonhada e pediu desculpas. Fuligem ria a mais não valer. “Num” falei que ele ia me encontrar, menino dos infernos! Saí dali correndo.

         O tempo passou, um dia tive de dizer a ele que precisa trocar o couro. Ele berrou, gritou e disse que preferia morrer. Manfredo um sapateiro disse que podia fazer um recauchutagem sem mudar seu estilo anterior. Deixei-o na sapataria e um dia depois Manfredo veio me procurar dizendo que eu levasse o cinto urgente. Ele não aguentava mais a faladeira dele. Nunca viu um cinto falante e igual aquele ele queria distancia. Fuligem envelheceu o couro. Pediu para aposentar, pois preferia morrer a trocar o couro. Foram mais de quarenta ano com Fuligem. Está comigo ainda, guardado no meu quarto e pendurado em um local gostoso, onde ele pode ver a janela e os passarinhos cantarem no Pé de Oliveira que tenho no meu quintal.


       Hoje já Velho eu lembro dos meus amigos. Amigos que foram meus companheiros de aventuras, meu bastão com ponteira, meu chapéu de três bicos, meu lenço verde e amarelo encantado, meu lampião vermelho e Fuligem. Deixo minha faca meu cantil e meu canivete suíço sem comentar. Eles não falavam muito, mas também foram companhias de aventuras que nunca mais os esquecerei. Pelo menos uma vez por semana abro minha caixa de guardados. Lá estão todos eles menos fuligem e o chapéu de três bicos que sempre estrão pendurados na parede. Nunca durmo sem rezar e eles sempre me acompanham. Sei que durmo pesado. Sei que eles conversam a noite toda. Sei que relembram o escotismo do Vado o Escoteiro que eles fizeram parte. Mas todos eles fizeram parte da minha vida. Se um dia me for já pedi a minha querida Celia que os guarde com ela. Não coloque no meu túmulo. Se eles estiverem de acordo que os doem para um Escoteiro jovem, que tem amor as suas tralhas escoteiras como eu tive e que os ame como eu os amei!