Conversa
ao pé do fogo.
A pimenta,
o cachorro, o jacaré e o escambal.
(baseado
em fatos reais)
- Foi
confirmado. Virão quatro tropas escoteiras do Distrito. Cada uma com quatro
patrulhas. Virão também varias patrulhas seniores. Os lobinhos ficarão no
campinho do Seu Altino. O galpão vazio foi cedido sem ônus. Nosso problema são
as patrulhas. Acredito que com os seniores seremos mais de trinta patrulhas.
Precisamos de um bom local para receber todos. Serão cinco dias. Pensei em
vários. Defini quatro locais. Conto com vocês de visitá-los e ver se podem
receber tanta gente. Conversem com o proprietário. Eles sempre ajudam. O Chefe
Jessé não disse mais nada. Entendemos. Afinal seriamos anfitriões e tínhamos
que caprichar. Tiramos a sorte e lá fomos nós para a Serra do Marimbondo. Um
ótimo local. Acampei lá muitas vezes. Mata, bambus, nascente, riacho com quedas
d’água, e um descampado arborizado. Perfeito.
Após o almoço
colocamos o pé na estrada. De bicicleta. Apenas oito quilômetros. O plano era
ver e fazer um pequeno esboço de Gilwell do local. No domingo poderíamos
retornar antes do meio dia e almoçar em casa. Na Fazenda do Seu Inácio ele como
sempre um grande amigo dos escoteiros. Querem almoçar? – Agradecemos. Saímos
almoçados. Ele ofereceu um franguinho para nós fazermos no almoço. Agradecemos.
Cada um levou um pouco de macarrão, uma batata, sal, e duas linguiças. À noite
a sopa seria um maná dos Deuses. A fama do Fumanchu nosso cozinheiro era
conhecida por muitos. Interessante, no passado todas as patrulhas tinham seus
cargos e sabíamos os que se sobressaiam nele. Era ponto de honra. Ser
cozinheiro era uma honra. Conheci muitos que se orgulhavam. Chegamos barraca
pronta, lusco fusco da noite e Fumanchu fazia a sopa deliciosa de macarrão.
Fomos tomar um banho e no retorno levamos lenha para uma fogueira a noite.
Fumanchu
estava cabreiro. Olhava-nos de modo estranho. – Não sei se vão comer – disse. –
Por quê? Romildo o Monitor inqueriu. – Fiz uma besteira. Vi um pé de pimenta
malagueta coloquei uma, experimentei nada, coloquei outra e outra. Tá duro
comer. Arde feito o “capeta”. – Capeta não arde Fumanchu, eu disse. Olhei a
sopa. Uma fumacinha saia de dentro do caldeirão. Experimentei. Ardeu e como
ardeu! – coloca água quem sabe vai dar – disse Rael. Colocou. Nada. Coloca uma
colher de açúcar! Disse Zezito. Nada. Uma fome do inferno. Nunca tive tanta
fome. Com a concha coloquei um pouco no meu prato. Tentei comer. Virou uma
meleca. Agua, açúcar e nada adiantou. Sem nada para comer. Só um pacote de
bolacha do Tiãozinho. Dormimos com a barriga reclamando. Cedo todos acordaram.
Um café foi feito sem nada. Alguém deu a ideia de ir buscar o frango do Seu
Inácio. Ofereci para pegar uns peixes. Era bom nisto. Rael sumiu na curva da
estrada em busca do frango salvador. Eu cortei um bambu fino, pois o bambuzinho
chinês para pesca não tinha ali.
Não demorou
Rael chegou com o frango. Fumanchu já tinha esquentado água para o frango
amolecer e tirar as penas. Preparou umas brasas e transpassado por um pedaço de
madeira verde, o frango rodava em cima para ficar no ponto. No remanso da curva
do riacho sentei. Joguei a vara. Não demorou nada. Um puxão. Era um belo piau.
Segurei com força. A linha era fina. Não podia perder. A vara quebrou no meio e
o piau saiu com ela riacho acima. Mergulhe atrás. Um lindo jacaré correu em
cima da vara. Engoliu o peixe quando pulou e levou meu anzol. Voltei triste
para o campo. Mais tristes fiquei. Fumanchu cochilou, o vira latas do Seu Inácio
sumiu com o franguinho. Putz! Meio dia sem comer nada. Desmontamos a barraca.
Na fazenda do Seu Inácio ele viu que nós estávamos querendo alguma coisa.
Contamos. Ele riu a vontade. Chamou Dona Cidinha sua esposa. Ela riu – Serve um
feijão com farinha? Tenho ovos e carne de porco da lata. Tem também torresmo.
Precisavam ver o sorriso de todos. Fumanchu mais ainda.
Chegamos
em casa às seis da tarde. Sem planta, sem esboço de Gilwell. O Chefe escolheu o
Vale das Flores. O acampamento distrital foi um sucesso. Seu Inácio ficou
triste. – Gente! Se fosse lá nas minhas terras eu tinha separado um boizinho
para vocês! – Época boa. Tudo se conseguia com facilidade. Dois dias sem comer.
Valeu. Dizem que é com fome que se aprende. Quem disse isto é um idiota. Fome?
Naquele domingo quase segurei o Jacaré pelo rabo. Um ensopado de jacaré? Só
quem viu sabe como é o jacaré. E chega de lembranças.
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