No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras

No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras
A aventura está apenas começando

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Como é gostoso sorrir.



Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Como é gostoso sorrir.

           Eu sempre tive uma queda por Machado de Assis. Ele sempre foi prodigo em comentar sobre uma vastidão de temas e soube transportá-los para uma realidade que nos toca fundo. Hoje resolvi falar sobre como é gostoso sorrir. Abro meus escritos com o que ele escreveu – “Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho, Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas”! Adorável isto. Mas não é bom sorrir? E ver os outros sorrirem então? Lembro que a muitos e muitos anos estava dirigindo um curso Escoteiro e na equipe havia um padre sério que vivia de cara fechada. Todos tinham medo dele e não deixava saudades em suas palestras. – Padre eu falei, porque não sorri para os alunos Escoteiros? – E ele – Uai! Disseram-me que é assim que se procede em Gilwell Park. Ele tinha uma sessão quinze minutos depois. Entrou sério e sisudo. Uma época que os alunos levantavam-se na entrada do formador. Sentaram e ele de cara feia olhava todo mundo. Seus olhinhos miúdos corriam os bancos postados na orla daquela floresta. Todos calados pensando: Que diabo quer este padre? E ele olhando a cara de um por um começou a rir. Seu riso aumentou. Os alunos chefes não entendiam nada. Mas sua risada era contagiante. Ficaram lá rindo por muito tempo. O padre nunca mais foi esquecido e no inicio de outros cursos sempre me perguntavam – O Padre X está na equipe?

         Já me disseram muitas vezes que o salário de um Chefe está no sorriso de suas crianças. É mesmo. Existe algum mais lindo que um sorriso? E se for de criança melhor. Chegar ao seu grupo, ver a alegria estampada, ver o Diretor técnico vindo lhe cumprimentar e sorrir, os demais chefes sorrindo e olhando para você dizendo - Sempre Alerta meu Chefe, alegre em ver você de novo! Tem salário que paga tudo isto? Não tem. Aí você se enche de orgulho e diz em sua consciência, valeu ser voluntário. Ajudando o próximo estou ajudando a mim mesmo. Eu tive a oportunidade de ver belos sorrisos. Já notaram quando saem para uma atividade ou acantonamento? Todos chegando sorrindo e as mães preocupadas? Elas sem saber destoam do conjunto. Mas eles estão sorrindo de orelha a orelha. Muitos dormem nos ônibus e quando lá chegam é aquela alegria. E o Fogo de Conselho? Você já teve a alegria de ficar observando os rostinhos infantis e juvenis a brilharem quando as chamas altas querem tocar no céu? Prestou atenção neles? É Indescritível. Uma hora ou duas horas e eles pregados ali, sentados na grama, olhando sempre para o fogo crepitando e se aparece alguém para um esquete ou um jogral meu Deus! Os sorrisos dobram.

         Não sei por que alguns chefes são sisudos. Cara feia. São até bonitos, mas com seu estilo de chefão é de matar. Quando formam as crianças eles se portam como se fossem os Capitães da Guerra. Dão uma olhada de ponta a ponta e param em alguém que não está como ele deseja. Isto se não gritar pedido que fique firme. Acredito que ele ainda não pegou que o escotismo tem de ter alegria em tudo. Não existe hora nenhuma para ficar sério. Pode até ser uma atividade séria, uma cerimonia séria, um jogo sério (jogo?) não importa. Importa é a maneira de se apresentar e conduzir tudo isto. Amigos sorrir faz parte do bem viver. Já me disseram que sorrir sempre é um ótimo remédio. Os entendidos dizem que isto foi uma grande descoberta científica. Dizem que vale a pena dar uma boa gargalhada. Isto mesmo, ele contagia a quem está por perto e nos momentos difíceis lembrar coisas boas e tentar sorrir mesmo que por pouco tempo ajuda. Muitos comentam que nos piores momentos um sorriso torna as coisas que eram difíceis ficarem fáceis. Uma pesquisa revela o porquê rir é o melhor remédio, segundo os pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra todos estes benefícios só existem quando se trata de um riso de felicidade e de euforia. O riso social, por vergonha, embaraço ou por educação, não tem o mesmo efeito.

             O escotismo é uma fonte inigualável de alegria e satisfação pessoal. Sabendo sorrir e valorizar seus amigos é meio caminho andado. Uma época fui sisudo. Muito. Chegava e todos ficavam calados. Mas a Escola da Vida me mudou. Hoje sorrio muito e poucos acham que estou sorrindo. De vez em quando fico no espelho treinando, mas não é fácil. Gosto de lembrar Baden-Powell sempre. Dizia que sempre foi feliz e gostava de fazer as pessoas felizes. Afinal não foi ele quem colocou lá na Lei Escoteira o Oitavo Artigo? – O Escoteiro é alegre e sorri nas dificuldades. Veja o que disse o poeta Dinamor: - Quem quiser vencer na vida deve fazer como os sábios: mesmo com a alma partida, ter um sorriso nos lábios. Quer viver mais tempo? Quer se curar rapidamente? Quer fazer do seu Grupo Escoteiro uma família feliz? Coloque um sorriso nos lábios, mas espere um sorriso autêntico, alegre e espontâneo, pois se não for assim todos saberão que você não está sendo verdadeiro.


            Antes de terminar me lembrei de um fato interessante. Estava eu e a Celia (se passou há uns dez anos) em um restaurante (simples não aqueles cinco estrelas) e ouvi uma gargalhada gostosa. Daquelas que a gente tenta dar e não consegue. Ao meu lado um casal novo dizia – Que falta de educação. O maitre devia coloca-la para fora. Virei-me e vi quem estava sorrindo. Nada mais nada menos que Dolores. Uma antiga Chefe de lobinhos hoje com seus oitenta e sete. Levantei-me e fui até a mesa do casal – Meus amigos superem se possível esse inconveniente, aquela senhora tem oitenta sete. Olhem bem ela vai viver mais vinte tranquilamente. Sabem por quê? Porque ela gosta de sorrir, ela enfrenta as dificuldades sorrindo. Completei com Martin Luther King – Pouca coisa é necessária para transformar inteiramente uma vida: amor no coração e sorriso nos lábios! 

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

O legado do lobinho Pasqualino



Uma fábula deliciosa para os chefes de Alcateias lerem ou contarem aos seus lobinhos e lobinhas.

O legado do lobinho Pasqualino

                Pasqualino queria muita coisa. Parecia um menino mimado. Queria e pedia aos seus pais videogame, uma bicicleta e roupas novas. Ainda não tinha sete anos e seus pais, pessoas humildes tentavam explicar e ele as dificuldades que estavam passando. Ele não entendia, ou melhor, não queria entender. Quando resolveu entrar para os lobinhos foi um Deus nos acuda! Seus pais o levaram e o matricularam, dizendo ao "Chefe" Escoteiro que não tinham condições financeiras. Pasqualino gostou. Divertia-se. Não era um bom lobinho. A Akelá o ensinou as cinco leis e ele nem aí. Na matilha não obedecia ao primo. Nas formaturas ficava brincando para chamar a atenção de todos.

                Sempre davam uma oportunidade a Pasqualino. A própria Akelá estava desistindo. Foi à casa de seus pais e mesmo humilde era limpa arejada e o casal de uma simpatia radiante. Na sua promessa acharam que Pasqualino iria mudar. Não mudou. O Grupo Escoteiro comprou para ele o uniforme e Pasqualino nem sorriu. Achava que era a obrigação de todos para com ele. Era assim também na escola. Todos preocupavam com seu futuro. Isto não podia continuar. Mandar embora do grupo o Pasqualino não era a solução. Iria continuar assim e apesar de pais maravilhosos todos achavam que o futuro dele seria nebuloso.

                Um dia em um feriado de Sete de Setembro a Alcatéia foi fazer um acantonamento. Claro, a taxa de Pasqualino foi paga pelo grupo. Sua mãe esmerou em tudo para que fosse separado para ele tudo que a Alcatéia pediu para o acantonamento. Mas ao chegar lá, ele viu que os outros da matilha tinham coisas que ele não tinha. Esbravejou. Reclamou. Quem não conhecesse achava que ele era um pobre menino onde todos só queriam prejudicá-lo. No sábado à tarde, enquanto sua matilha era encarregada da limpeza do salão onde se reuniam Pasqualino se mandou.

               Pensou consigo que iria dar um susto na Akelá e quando sua mãe soubesse o que aconteceu ela iria dar muito mais a ele. Menino danado o Pasqualino. Ao sair na pequena trilha que levava a uma montanha ele se encantou. Era como se a trilha o hipnotiza-se. Seguiu a trilha cantando “A Promessa de Mowgly era matar o Shere Khan”. Ele gostava desta. Cantava muito. Viu que próximo à trilha tinha um regato e por que não dar um mergulho? Pois é. Pasqualino não tinha mesmo responsabilidade. Pulou na água e deixou a correnteza o levar. Não viu, mas uma enorme cachoeira engoliu Pasqualino e ele caiu de uma grande altura.

              Desmaiou. Acordou com a barriga cheia de agua e viu ao seu lado um enorme tigre que o olhava e sorria. Custou em Pasqualino? Custou conseguir que você me achasse. Pasqualino tremia. Quem é você? Shere Khan meu caro Pasqualino. Tentei pegar o Mowgly, mas Baloo e Bagheera não deixam eu me aproximar dele. Agora tenho você. Vou comê-lo inteirinho. E Shere Khan ria. Pasqualino começou a gritar e saiu correndo. Corria e gritava. Ao seu lado Shere Khan o acompanhava e dizia: - Pode gritar, ninguém vai ouvir. Ninguém se interessa por um lobinho indisciplinado como você. Não deu mais. Pasqualino caiu e acordou na caverna de Shere Khan. Ele tinha ascendido uma fogueira. Lembrou-se do fogo do conselho que assistiu no ultimo acampamento. Agora era diferente. Tenebroso por assim dizer.

             Estava amarrado. Chegaram outros tigres. Enormes! Dentuços! Olhos vermelhos com fogo.  Este vai ser nosso banquete? Perguntaram. Shere Khan ria e dizia – Vamos nos fartar. E esse vai ser delicioso. Ele grita, ele berra por qualquer coisa. E melhor sua carne deve estar estragada, pois não se contenta com nada. Só sabe reclamar e pedir. Não faz nada para ninguém! Um dos tigres lambeu os beiços. Que delicia! Pasqualino estava horrorizado. Lembrou-se de rezar. Nunca tinha feito isto. Tudo que queria conseguia mesmo sendo pobre por isso nunca rezou. Sua oração não saia. Estava rouco. Levaram-no para o fogo. Os tigres começaram a dançar em volta e a cantar: “Come, come tigre manco, que é hora de fartar, vamos todos meus amigos, pois é hora do jantar!”.

             Pasqualino acordou gritando. Gritava e berrava. Sentia a chama do fogo da caverna do tigre lhe queimando o corpo. A Akelá estava assustada. Viu Pasqualino deitado debaixo de uma arvore e nem sabia o que aconteceu. Bem, conta-se a lenda que Pasqualino mudou. E como mudou! Ninguém mais reconhecia nele o Pasqualino de outrora. Dizem e isto eu não sei, que Pasqualino só fazia o bem. Era amado na Alcatéia e quando foi para a tropa foi recebido com grandes abraços e lá fez grandes amigos.

         Os pais de Pasqualino se sentiram os mais felizes do mundo. Seu filho do coração era outro. Agora não importava para ele a riqueza. Tudo que conseguia sabia dar valor. Valeu Pasqualino. Valeu. Espero que seu legado sirva de exemplos a todos os lobinhos indisciplinados que ainda existem por aí. Sei que são poucos, pois os que conheço sempre ouvem os velhos lobos.


          Até hoje Pasqualino dá risadas. Sabe que Shere Khan mais uma vez perdeu. Tigre manco tigre louco, vá para sua terra! Para sua caverna mal cheirosa! Se um dia o encontrar você não vai me reconhecer! Pasqualino ria. Pois é meus amigos eu soube que se tornou um grande médico e que ajudava em todas as favelas da cidade. No Grupo Escoteiro que organizou só aceitava meninos e meninas pobres. Sempre contava para eles que ali Shere Khan não tinha vez! Viva Pasqualino, que ele consiga atingir a felicidade e encontre o caminho para o sucesso que merece!

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Minha linda Barraca Suspensa.


Lendas escoteiras.
Minha linda Barraca Suspensa.

           Quando eu era lobinho me perguntava, uma barraca suspensa? O que seria? O vento a levantar a lona? Pendurada em um avião? Teria que amarrar? Se o vento fosse muito forte teria que ter bons espeques para segurar. E assim eu ficava a pensar o que seria uma barraca suspensa. Não tenho certeza, mas acho que foi um acampamento de lobos, isto mesmo, uma época que lobinhos acampavam na Floresta de Mowgly, dormíamos sob barracas, ajudávamos o sênior guia da nossa matilha no almoço, no jantar no café e olhe que tinha alguns guias seniores que deixávamos fritar um ovo, uma linguiça e eu um dia já com dez anos fiz uma sopa de macarrão que nunca mais esqueci. Deliciosa. Nosso Akelá disse que não devia sobrar nada, pois Shere Khan o tigre malvado poderia rondar o acampamento para pedir um pratinho. Comemos a mais não poder.

           Lembro que no dia seguinte chegaram os seniores para acampar bem próximo a nós. Foi então que vi pela primeira vez uma barraca suspensa. Linda, enorme, duas barracas uma em cima da outra, ela ficou tão alta que chegou ao céu! Queria tocar as nuvens e pedi para ver de perto, uma escada de cordas, subi devagar e sonhei em dormir ali. À noite sonhei. Estava de Uniforme Escoteiro. Meu chapéu de abas largas me protegendo do sol. Transportei troncos enormes, abri valetas enormes, cortei cipós que nunca tinha visto. Procurei ver o fio do meu machado do lenhador, o fio da minha machadinha, o fio do meu facão. Precisavam ser afiados. Comecei meu trabalho, minha barraca suspensa seria alta, muito alta, daria para acariciar as nuvens quando passassem. Não sei se terminei, pois acordei com o Baloo gritando Lobo, Lobo, Lobo. Danado de Baloo! Eu queria tanto ver a linda Barraca Suspensa que construí.

           O tempo passou. Fui crescendo, crescendo até que um dia nos fomos com a patrulha acampar. Queríamos construir a nossa primeira barraca suspensa. Deveria ser linda, forte como um touro. Alta como as nuvens no céu. Impossível de ser escalada e quem sabe um elevador para nos levar até lá? Risos. Bíceps a postos! Chapelão a proteger do sol, entramos na mata - Madeira! Meu Deus! Que época boa, hoje dizem que dizimamos nossas florestas. E antes? Quantas madeiras caíram para nos proteger das intempéries? Uma mata que engolia seus troncos, que de tão forte produzia centenas de outras e que se não tomássemos cuidado ela nos engoliria também. Um dois até três para arrastar os troncos. Outros embrenhavam-se mais no fundo da mata escura. Galhadas enormes, onde está o céu? Ali tem um lindo cipó, enorme, grosso firme e diziam que o cipó-cravo era o melhor. Seria este um cipó-cravo?

               O sol a pino. Mesmo com o chapelão o suor escorria pelo rosto. Meninos ainda a sentir o suor resvalando pelo rosto, provocando orgulho pelo trabalho realizado. Levantar um varão, dois cipós – Vamos! Força! Mais uma vez! E o varão era encaixado na fossa feita. Firmar, pedras, pequenas lascas de madeira fincadas em volta. Poxa! Um já foi, faltam três! Três da tarde, o último no lugar. – Alguém achou bambu? Pergunta o Monitor. Nada! Só mesmo cortar galhos retos. E vamos lá à procura deles na mata escura. Cinco da tarde, dois já fizeram a escada de corda. Levantar um lado e amarrar, outro e mais outro, hora de fazer o forro de madeira. Cipós cruzam o espaço a procura do melhor lugar para amarrar. Quem já fez uma quadrada, uma diagonal ou uma paralela com cipó sabe como é. Ah! A barra pesou. Escureceu. Costuras de arremate no escuro. Neco! Você e o Jamil já cortarem bastante capim?

              Sete da noite, uma parada para o jantar. Protéus já a postos com um pequeno fogão tropeiro. Era questão de tempo. Um jantar delicioso. Oito e meia da noite. Vamos lá, Acho que se nós armarmos com calma o primeiro estrado cabe duas barracas. Amanhã vamos fazer o segundo andar. Puxa! Segundo andar? Não foi difícil. Dez da noite. Um banho no remanso do Riacho da Lua. Que banho gostoso. Um pequeno fogo, contar lorotas, Protéus faz um café, Nonato conta uma piada, sem graça, mas todos riem. Uma época que o sorriso brotava espontâneo. Vamos dormir diz o Monitor – Senhor! Olhe por nós nesta noite, deixe que as estrelas sejam nossos olhos e que a mata seja nossa companheira nesta noite. Obrigado pelo dia Senhor! E agente dorme o sono dos justos. Sete meninos Escoteiros querendo ser homens. Não esperaram crescer e ser seniores para construírem suas Barracas Suspensas.

             Barracas Suspensas. Quem não as fez? Qual aquele que foi Escoteiro e sênior e não construiu uma? Firme nos galhos das árvores, entrelaçando troncos, subindo madeira, olhando para o céu e dizendo – Me aguarde! Daqui a pouco chegarei aí! Todos nós nos orgulhamos do que fizemos. Nossas Barracas Suspensas baixas ou altas estão ali guardadas em nossa mente. Uma vez me disseram que quem não fez uma está devendo a sua história escoteira. Pode ser, mas de uma coisa eu sei, quando se termina, quando dá alguns passos para trás e olha o que ajudou a fazer a gente se sente orgulhoso. Quem sabe até pretencioso. Pode ser, mas não me culpem nem me condenem na minha primeira vez me senti altivo, entufado, orgulhoso, pedante, presunçoso, soberbo, ufano e vaidoso. Risos. Fazer o que? Afinal foi a minha primeira vez e a primeira vez a gente não esquece nunca! Minha linda Barraca Suspensa quando me lembro dela tenho certeza que as nuvens brancas que passavam faziam uma reverência.

              Minha Barraca Suspensa. Aqui ali e acolá. Na serra da Mantiqueira, na Serra do Cipó, no Pico da Bandeira/ou Serra do Caparaó, na Pedra da Mina, No Pico das Agulhas Negras, Na pedra do Sino, ali ficou minha marca. Minha não da patrulha. Quantas eu fiz? Perdi a conta. Foram muitas e algumas inesquecíveis como aquela feita na Mata do Morcego, madrugada fria, trovões ribombavam ao longe e se aproximando. Um enorme raio partiu uma arvore ao meio bem próximo a nós, um barulho enorme, parecia que a terra tragava toda a mata. Seniores pulando alto, descendo como se fossem lagartixas pelos troncos molhados. Caiu bem em cima da Barraca Suspensa. Coitada. Não teve chance. Foi pega de surpresa e não pode reagir. Uma noite enrolados uns com os outros sentados no molhado da relva, tentando dormir com a chuva miúda que caia.


               Barracas suspensas, tão altas que davam para tocar nas nuvens que passavam! Quantas caíram por não estarem bem afixadas? Ainda bem. Graças a Ele nosso fundador que dizia – “Se queres aprender faça você mesmo”. “Se errar tente de novo e continue assim até que um dia você conclua que fez o certo”

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Lendas Escoteiras. Era uma vez...



Lendas Escoteiras.
Era uma vez...

Não me lembro do seu nome. Pudera ele nunca disse, pois assim como chegou ele partiu. A gente o chamava de São Pedro, aquele que mora no céu. Uma barba branca que de tão branca ao ficar ao sol se tornava azulada. Magro e quem o olhasse bem de perto diria que suas carnes pelo corpo não existiam. Deveria ser formado de osso puro. Usava uma roupa simples, calça caqui curta bem puída e uma camisa verde com alguns rasgos no ombro. Usava um cinto. Era o nosso conhecido. Sem sombra de dúvida era um cinto escoteiro. Esquecemos até que em sua cabeça também morava um chapéu de abas largas, mas que agora estava decaído, pois se mostrava velho, com pequenos furos. No banco que estava sentado havia uma pequena mochila, diferente das que nos conhecíamos. Nunca vimos o que tinha dentro dela. Sua figura chamava a atenção, tinha os dentes perfeitos e quando sorria maravilhava a todos. Falava como se estive declamando poesias tipo aquelas que nosso professor de português declamava sem sorrir e querendo ser o que ele nunca foi. Um poeta.

Não lembro quem o viu pela primeira vez sentado no banco da Praça da Estação. Praça nova árvores recém-plantadas. Hoje lindas enormes e as palmeiras? Bem não estou aqui para falar dela e sim do velhinho de barbas brancas azuladas, ou melhor, São Pedro lá do Céu. Quando lá cheguei outros lá estavam. Pudera gente estranha na cidade e se fosse Escoteiro era motivo de jubilo por parte de todos. Mas o cinto e o chapéu identificavam alguém que poderia ser e claro poderia não ser. Em volta daquele simpático velhinho nós pequeninos Escoteiros agachados em sua frente de olhinhos arregalados queríamos saber de tudo. Ele tinha um leve sorriso e de vez em quando seus olhos fechavam parecendo que iria dormir. Sonhador chegou correndo. Era e sempre foi nosso porta voz. As patrulhas confiavam nele. Sabia falar como ninguém, um proseador que não perdia nunca o fio da meada.

Todos nós esperávamos que nosso acólito trouxesse a tona e desvendasse o segredo do Chapéu e do cinto que acintosamente aquele velhinho, ou melhor, São Pedro lá do céu portava. Ao menos a fivela estava limpa. Não brilhava, mas ainda tinha a cor da originalidade quando produzida. O chapéu mesmo limpo não matinha as abas retas e planas. Tinha um semblante que encantava. Sonhador disse que o ouviu falar que estava com fome. Nós não ouvimos nada. – façam uma vaquinha! Conseguimos doze paus. Perna Seca e Orelhudo foram correndo ao bar do Zé Moreno. Voltaram com quatro coxinhas e seis bolinhos de carne. São Pedro lá do Céu comeu com gosto. Educadamente. Mastigava como se estivesse contando cada mordida. Beleleu levou Narigudo até sua casa na bicicleta. Voltaram em dez minutos com um cantil cheio de água e uma garrafinha de groselha. Ele sorria e falava baixinho com Sonhador.

Lá pelas tantas discutimos onde ele iria dormir. Velho assim era difícil levar para a casa dos dezoitos meninos Escoteiros que se ajuntaram em sua frente na Praça da Estação. Seus pais poderiam estranhar. Bororó Monitor da Onça Parda sugeriu trazer a barraca de duas lonas da chefia e um cobertor do exército que ganhamos. Na grama atrás do banco a barraca foi armada. Sonhador disse para ele que podia dormir tranquilo. O Guarda Noturno era o Zé Birosca, antigo Escoteiro. Ele estava em casa. Ficamos lá até por volta de nove da noite. Fui embora pensativo. De onde era? Como chegou? Seria um antigo Escoteiro ou um Chefe? Dormi pensando e durante todo tempo de escola nem vi o que os professores disseram. Queria que as aulas terminassem para correr até a Praça da Estação.

Encontrei Bico Doce e Orelhudo conversando. Ele se foi me disseram. A barraca estava desarmada e bem dobrada nos moldes Escoteiros. Os espeques limpos e enrolados em um jornal. Se ele dormiu ali levantou cedo. Antes do alvorecer. Zé Birosca o Guarda Noturno disse que não viu ele ir embora. Seu Nonô Fogueteiro Chefe da estação disse que o maquinista Zé Be Deu o levou como carona no trem de carga das cinco da matina. Fiquei decepcionado. Se ele fosse um dos nossos quantas novidades para nos contar? Sabíamos que nossa fraternidade era enorme, mas só umas fotos apagadas de uma revista que um viajante nos presenteou vimos Escoteiros de outros países. Será que eles seriam igual a nós?

Na semana seguinte eu e Orelhudo encontramos Zé Be Deu o maquinista. – Desceu em Crenaque. Disse que iria atravessar o Rio Doce em uma jangada que ele guardava na Caverna do Morcego. Falou baixinho que iria rever seu amigo o Cacique Abaeté dos Aimorés do outro lado do rio. Eram amigos de séculos e séculos. Séculos? Pensamos no que disse o maquinista. Perguntamos mais e ele não disse mais nada. Olhei para Orelhudo que balançou a cabeça. Imortal? Seria ele realmente São Pedro lá do Céu? Meninos Escoteiros a filosofar. Durante muitos anos nos Fogos de Conselho e em Conversas ao Pé do Fogo nós levantávamos a história de São Pedro lá do Céu. Falou-se tanto que agora para os novos ele era um Santo. Santo Escoteiro?

A minha vida fechou-se duas vezes antes de se fechar –
Mas fica por saber
Se a imortalidade me revela
Um evento maior

Tão largo, tão incrível de pensar
Como estes que sobre ela duas vezes tombaram.
Partir é tudo o que sabemos do céu,
Tudo o que do inferno se pode precisar.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Primeira Classe, o sonho de Lord Jim.



Lendas escoteiras.
Primeira Classe, o sonho de Lord Jim.

              Lord Jim era um sonhador. Desde que entrou para os escoteiros ele sonhava. Sonhava com acampamentos, com excursões, com a Patrulha, com as viagens enfim, Lord Jim gostava mesmo de sonhar. Havia uma diferença em Lord Jim, ele sonhava com os pés no chão. Emocionou-se no dia de sua promessa. A tropa em posição de Alerta!  Mino o Monitor ao seu lado, o Chefe Maílson o olhando nos olhos e ele dizendo a Promessa Escoteira sem errar.  Lembrou ali na ferradura quando entrou na tropa. O abraço do Chefe, do Monitor e de todos os patrulheiros da Gavião. Era novo para ele estas provas de amizade. Nunca tinha visto. Diziam que os escoteiros são fraternos. No primeiro acampamento ele sentiu a verdadeira felicidade de viver como um herói das selvas. Aprendeu rápido. Até como cozinheiro ele uma vez ajudou.

                 Quando começou na Patrulha Gavião o batizaram como Lord Jim. Seu nome era Stefano. Gostou do apelido. Quando leu que Baden Powell também foi Lord seu orgulho mudou para melhor. Agora seu sonho era outro. A Segunda Classe. Não foi difícil. Em um ano e meio conseguiu. Melhor ainda a recebeu em uma noite de lua cheia, no Acampamento das Vertentes, ascendendo o fogo do conselho com um palito e pulando as chamas três vezes para receber seu nome de guerra. Apesar de que a tradição rezava ser um nome indígena ele pediu para continuar sendo Lord Jim. Seu Monitor o abraçou. Todos deram um enorme grito de guerra da tropa. – Viva Lord Jim! O Chefe Maílson entregou a Segunda Classe e ele se derreteu todo. Não perdia um acampamento, nenhuma excursão. Era um dos primeiros a chegar à sede para as reuniões. Não tinha sonhos de ser Monitor, seu sonho agora era ser um Primeira Classe. Os cordões claro estavam vivos nestes sonhos.

                 As provas foram feitas paulatinamente. Recebeu do seu Monitor como deveria ser e as datas. Ele mesmo procurou o Capitão Lamartine dos bombeiros para que aprendesse a prova das especialidades de Bombeiro e Socorrista. Acampador tirou facilmente. Em dois anos na tropa já tinha mais de trinta noites de acampamento. Comprou um caderno de duzentas folhas e ali anotava tudo. Datas, onde, quando, tempo e as partes importantes que lá aconteceram. Agora estava se preparando para a jornada. Era a apoteose. Todos que fizeram eram respeitados e até endeusados na tropa. Todos queriam ouvir os contos aventureiros da jornada. Aprendeu a ler mapas, tirava de letra os pontos cardeais, colaterais e sub. colaterais, sabia o que era azimute, graus, aprendeu com facilidade a fazer um esboço de Giwell e seu passo Escoteiro e passo duplo eram perfeitos. Nunca em tempo algum ele errou no seu passo duplo. A quilometragem não tinha erros.  

               O dia da jornada chegou. Ele e Levegildo que ele mesmo convidou partiram rumo ao Vale do Roncador. Não conhecia, nunca tinha ido lá. O Chefe e o Assistente distrital Escoteiro tinham conversado antes. Um ônibus o levou até a estradinha do Sitio do Marcondes. Sua mochila estava perfeita. Nada de mais nada de menos. O farnel o de sempre. Um macarrão, uma batata, um arroz, sal, alho e um vidrinho de gordura. Sabão e mais nada. Não estava pesada. Queria levar a velha Silva de guerra, mas os seniores estavam com ela. Sobrou uma Prismática. Tudo bem. Ele a dominava com perfeição. Na porteira abriram o mapa. Na mosca. Era ali mesmo. Ele contava os passos e Levegildo anotava o que via por ali. Dois pintassilgos, um Anu do Brejo, beija flores voando longe, dois macaquinhos pregos no pé de Jaca.

                Às seis e meia da tarde chegaram ao sitio do Marcondes. Não havia duvida. Duvida ouve na senhora que os recebeu. Parecia que não sabia o que eles queriam, mas disse que eles poderiam usar o riacho e acampar a vontade. Uma sopa deliciosa, lavar vasilhame, limpar bem a barraca para evitar animais peçonhentos, e após uma vista no relatório e uma oração foram dormir. Levantaram cedo. Um café, biscoitos nova arrumação e pé na taboa. Agradeceram à senhora e partiram. Sabiam que deviam atravessar a Mata do Canarinho, mas disseram que não eram mais de quatro quilômetros dentro dela.  Engano. Meio dia, uma hora e não saiam de dentro da mata. Voltaram. Foram até o sitio. Perguntaram. O mapa não ajudava. A senhora disse que eles erraram, se voltassem pela serra eles veriam o caminho.

              Duas da tarde. Combinaram de chegar à sede às cinco da tarde. Isto se o ônibus não atrasasse. Agora sim o caminho estava correto. O mapa voltou a funcionar. Só às sete da noite chegaram ao ponto de ônibus. Demorou. Chegaram à sede as onze da noite. O Chefe Maílson preocupado. O Assistente distrital não quis esperar. Foi embora. Disse que não daria a prova. Se não tem responsabilidade com horários não merecem a Primeira Classe, disse. Dito e feito. Foram reprovados. Lord Jim não chorou e nem desistiu. Ele tinha têmpera de escoteiro. Seis meses depois repetiu a jornada. Desta vez conseguiu fazer tudo no horário. Lord Jim fez do seu sonho realidade. Pediu ao Chefe Maílson para que o distintivo fosse entregue também no Fogo de Conselho. Claro que sim o Chefe disse.


             Noite escura, trovões, o fogo aceso. O Chefe queria voltar para o campo. Começou a cair uma chuva torrencial. Lord Jim chorou. Preciso receber agora Chefe! Não posso esperar outro acampamento. Terei feito quinze anos e serei Sênior! A chuva caia aos borbotões. A tropa ficou de pé. Em posição de sentido. Trovões ribombavam pelo ar. Lord Jim ali em pé em frente ao Chefe. Era mesmo um vendaval dos bons. O vento soprava forte. Mino o Monitor colocou a mão no seu ombro. - Você está pronto Lord Jim? Sim ele disse. O Chefe entregou o distintivo de Primeira Classe. Refez a promessa. Deu um enorme sorriso. Um raio assustador atravessou os céus. A luz que ele produziu mostraram um rosto de um Escoteiro orgulhoso e valente. Agora era um Primeira Classe! Agora tinha muitas histórias para contar! Com ribombos e assombros da chuva que caia intermitente, a tropa ainda em posição de sentido cantou o Rataplã. Todo o hino. A selva recebia com orgulho aquela chuva intermitente e o cantarolar dos escoteiros! Ah! Sonhos! Como é bom sonhar e os ver realizados. Viva Lord Jim. O Escoteiro Primeira Classe!  

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

O maior Jamboree Mundial já realizado no mundo.



Quem sabe o impossível acontece?
O maior Jamboree Mundial já realizado no mundo.

    Isto mesmo, já pensou? O maior Jamboree no Brasil? Onde a participação seria livre? Sem imposições ou escolhas? Seriam convidadas todas as associações onde existam Escoteiros e não importa suas ideologias. Diríamos a eles que são nossos convidados – Sejam bem vindos! Um orgulho recebê-los aqui! Somos irmãos e nada pode mudar isto. Iriamos dar um aperto de mão forte, um Sempre Alerta gostoso, e quem sabe até um abraço fraterno. Convidaríamos também Escoteiros e escoteiras do mundo todo. Dez mil vinte ou cinquenta ou cem mil Escoteiros. A maior concentração possível. Uniformes de todas as cores, parecendo com o Brasil de vários uniformes coloridos. Seria próximo a um grande lago onde os Escoteiros do Mar pudessem embarcar e fazer suas atividades, e teria que ser perto de um aeroporto para que os Escoteiros do ar pudessem voar em um aeroplano, esbanjando felicidades nas asas da imaginação. Seria permitida a participação de lobinhos e lobinhas em acantonamentos próximos, pois não haveria limite de idade. A meninada brasileira e mundial ficaria perplexa! Que linda atividade diriam. Seria mesmo. Ali não haveria discriminação. Europeus, africanos, australianos, asiáticos, americanos, pobres ou ricos dando as mãos numa fraternidade sem igual.

   Estou sonhando? Pode ser. Mas porque não convidar grandes empresas para patrocinar? Porque não ir até a Força Aérea para colocar aviões a disposição dos Escoteiros do norte e do sul gratuitamente? Isto não é feito para deputados e ministros? E o Exército? E a Marinha? Afinal mesmo com esta implicância com ordem unida tenho certeza que iriam ajudar. Porque não procurar a FIESP e pedir a ela uma colaboração? Afinal ontem fiquei sabendo que seu Presidente foi Escoteiro, contou “causos” de acampamento e falou bem do nosso escotismo em um programa de TV. Vamos colocar o moço em ação! Que tal a Coca-Cola? Que tal a Petrobrás? Que tal a Vale do Rio Doce? E os Políticos? Não. Isto não. Melhor deixar os políticos em paz. Eles irão querer fazer comícios, aproveitar a singela atividade para se promoverem e não faltarão chefes a colocarem os lenços nos pescoços graciosos. Necas da tal Frente Parlamentar. Ela me dá sono. Risos. Mas voltemos à realidade. Uma enorme Lista. A Votorantim estaria presente. A TAM e a GOL. A Embraer poderia ajudar. São milhares para transportar sem ônus. E o Carrefour? O Extra? A Wal-Mart? Não nos esqueçamos do Ceconsud, do Zaffari, dos Irmãos Muffato, do Condor Super Center, dos Supermercado de BH, do Sonda Supermercados para colaborarem na alimentação destes milhares e milhares de jamborianos. Podemos dizer que são tantas empresas que nenhum Escoteiro ou escoteira ficaria sonhando em participar. Sua participação seria uma realidade.

    Teria que ter uma organização perfeita. Não seria difícil. Chame aquele Chefe humilde do Grotão do interior. Ele é bom nisto e como ele temos centenas. São mateiros perfeitos. Pessoas assim é que precisamos na linha de frente. Chamem a Professorinha. Também temos milhares delas. São Akelás para ninguém botar defeito. Sabem amar os seus lobinhos como a sí mesmo. Esqueça os chamados da corte, os sabem tudo, os chefões os que têm “casta” e os portentosos e poderosos. Como somos irmãos de sangue vamos deixar que eles participem em um Sub.campo próprio com cerca eletrificada. Colocaremos um batalhão policial para tomar conta deles. Só podem sair acompanhados. Risos. Coitados, nada disto, pois são irmãos de sangue. Eles serão livre para andar e voar como todos. A impressa teria um lugar especial, toda ela sem exceção. Vamos chamar quem sabe bons relações públicas Escoteiros e que sabem se entender com eles. Conheço muitos. E depois de escolhido o local, e de enviar carta a todos os grupos Escoteiros do Brasil pedindo sugestões do programa, vamos convidar um Chefe de cada distrito para montar o maior programa sugerido por todos e que fará de um Jamboree Mundial uma apoteose. E então, e então vamos enviar os convites para os Escoteiros do mundo:

- Meus amigos Escoteiros e escoteiras. Estamos convidando vocês para o maior evento mundial já realizado em todos os tempos. Será realizado na Floresta da Esperança, bem perto da Cachoeira do Sonhos, onde se pode avistar a Montanha da Felicidade. Fazemos questão da presença de todos. Teremos a presença dos chefes de todas as sessões presentes. Eles irão abrilhantar nosso espaço reservado às autoridades. Teremos uma taxa. Pequena mas teremos. Vocês irão pagar quando chegarem à quantia de um belo sorriso, um Sempre Alerta gostoso, uma vontade de ser mais um, e olhem se possível tragam junto seu “espirito Escoteiro” e não se esqueçam da moeda da boa ação. Ela também será bem vinda. Após este singelo pagamento da taxa, vamos exigir de vocês pouca coisa. Deverão vir com suas patrulhas completas ou quase, pois será um Jamboree onde o Sistema de Patrulhas estará presente em todas as atividades aventureiras. Não se esqueçam de lavar, passar e vestir com garbo seus uniformes. Não vamos exigir as cores, aqui todos terão um lugar ao sol. Conversem com seus chefes, façam a lista do material, chequem para ver o que falta e deixem a tralha pronta para ser usada. Aguardem nosso contato. Iremos dizer onde deverão embarcar para a maior atividade escoteira já realizada no mundo.

       Pensamos em convidar o Espirito de BP, mas ele não foi muito simpático conosco, apareceu em nossos sonhos dizendo: - “Acorde chefe, vá trabalhar! você só tem um dia na vida, portanto aproveite cada minuto. Dormirá melhor quando chegar a hora de dormir, se tiver trabalhado ativamente durante o dia inteiro. A felicidade será sua se você remar a sua canoa como deve. Desejo de todo o coração que tenha sucesso e na linguagem escoteira:” BOM ACAMPAMENTO”.

Falar o que? Melhor é acordar dos meus sonhos, mas caramba! Que sonho eim? Já pensou? Milhares e milhares da nossa fraternidade mundial unida em um só ideal? Já pensou aqueles que não podem pagar estarem junto com os que podem? Felicidade é assim. E como dizia a nossa velha oração escoteira – “Uns tem e não podem. Outros podem, mas não tem. Nós deste belo movimento que temos e podemos agradecemos ao Senhor”!

domingo, 13 de outubro de 2013

As névoas brancas do Rio Formoso.



Lendas escoteiras.
As névoas brancas do Rio Formoso.

O nada é a profecia da minha partida
o tudo é sopro que busca aquiescer
sou uma cor do arco-iris... Perdida
o lume solar na gota de chuva a correr
para beijar a névoa que deita escondida
a deleitar-se nos braços do amanhecer
Cellina


                      Faz muito, muito tempo quando a nossa Patrulha Sênior descobriu as lindas e espetaculares cachoeiras do Rio Formoso. Eram incrivelmente belas. Ainda sem rastros humanos. Pensei comigo que precisava acampar ali. Três quedas simultâneas, um som imperdível das cataratas caindo sobre as pedras e dando outro salto no espaço. Em volta uma floresta ainda inóspita. A névoa se formava a qualquer hora do dia. Uma visão fantástica. Quando vi pela primeira vez eu estava com meus quinze quase entrando nos dezesseis anos. Descobrimos por acaso. Uma jornada até o Serrado do Gavião onde existiam milhares de Folhas Secas. Um terreno vazio, sem árvores e muitas folhas. Era um mistério saber de onde vinham. Soubemos da história. Vamos lá disse o Romildo. Patrulha Sênior, cheia de ardor, procurando aventuras, vontade de enfrentar desafios e nada como descobrir. Está no sangue dos seniores.

                    O caminho iniciava na Mata do Tenente, famosa porque uma tropa do exército ficou vinte dias perdidos nela. Saíram com dificuldade, fracos e quase morreram. Bem, eles não eram escoteiros como nós. Risos. A mata não era um obstáculo e o rio também não. Dava para andar bem nas suas margens. Com quatro horas de viagem, vimos uma bruma cinza que se espraiava no ar. A mata parecia que estava em chamas. Que seria? O ribombar da cachoeira nos fez estremecer. Um espetáculo magnifico. Incrivelmente fantástico! A cachoeira formava redemoinhos no ar. Uma nuvem de vapor cobria certas partes da queda d’água. Os pássaros se deleitavam. Voavam de supimpa naqueles redemoinhos e saiam do outro lado molhados como se estivessem sorrindo. Não entendemos o porquê da névoa. O Rio Formoso era todo formado por quedas de diversos tamanhos e na falta delas, as corredeiras davam outro brilho aquele magnífico rio. Quem o batizou deveria ter sonhado muito com coisas belas, pois o Rio era formoso e um grande espetáculo.

                    Pretendíamos chegar ao Serrado do Gavião ainda naquela tarde e se não parássemos nossa jornada seria cumprida. No entanto o espetáculo a cachoeira nos hipnotizava. Sentamos numa pedra próxima e os barulhos das quedas d’água eram tão intensos que mal dava para conversarmos. O ribombar das águas batendo nas pedras eram imensos.  Romildo levantou e fez o sinal. Mochilas as costas. Fomos em frente. Com tristeza, pois sabíamos que na volta o caminho não seria o mesmo. Voltaríamos pela Mata do Peixoto já conhecida. Subimos as pedras, olhamos novamente, pois íamos embrenhar na mata longe do Rio Formoso. Impossível prosseguir. Aquela cachoeira nos hipnotizou. Parecia dizer para nós que não podíamos deixá-la sozinha na noite que estava por vir. Paramos. Um círculo de seis seniores se formou. Ir ou parar? Seis votos a favor, nenhum contra. Todos escolheram e Romildo aceitou. Escolhemos um local próximo à primeira queda para pernoitar. Não armamos barracas. Iriamos dormir sob as estrelas em pedras lisas que as enchentes do Rio Formoso nos reservaram. Sem sinal de chuva. “Vermelho ao sol por, delicia do pastor”. A noite chegou um jantarzinho gostoso foi servido pelo nosso cozinheiro Fumanchu. Comemos ali mesmo olhando para as quedas no lusco fusco da tarde. Um espetáculo maravilhoso. Era uma visão dos Deuses.

                   Ficamos horas e horas sem conversar. O barulho era imenso. Cada um de nós meditava as maravilhas que nos são reservadas pelo Mestre. A noite chegou de mansinho, o espetáculo maior ainda estava por vir. Uma bruma em forma de nevoa branca foi tomando conta onde estávamos e penetrando na mata calmamente. Ainda mudos. Cada um olhando. Aqui e ali um canto de um gavião procurando seu ninho. Israel acendeu um fogo. Pequeno. As chamas se misturavam com a névoa branca. Raios vermelhos das chamas ultrapassaram a nevoa. Que espetáculo! Um céu colorido como se fossem milhares de arco íris noturnos. Ninguém queria falar. Ninguém falou em dormir. Não sei quanto tempo ali ficamos. Estávamos como encantados por uma feiticeira perdida no tempo naquela névoa e esquecidos de quem éramos.

                   Acordei de madrugada. Amanhecendo. O rosto molhado com o orvalho que caia da bruma branca que nos fez companhia toda a noite. Cada um foi levantando. Arrumamos nossa tralha. Comemos uns biscoitos de polvilho. Olhamos pela última vez aquelas quedas que nos levou sem saber a um paraíso perdido daquele rio que chamavam de Formoso. Calados e mochilas as costas nos pomos em marcha. Alguém olhou para trás, a névoa branca se dissipava. Deu para ver centenas de pássaros se molhando nos respingos da cascata imensa. Durante horas ninguém falou. Sempre olhando para trás. Somente o pequeno trovejar ainda se ouvia das quedas que já haviam desaparecido no horizonte. Nunca mais voltei lá. Ninguém de nós voltou. Passaram uma cerca de “arame farpado” em tudo. O homem só o homem resolvia quem entra e quem sai. Já não havia mais a natureza, pois foi substituída pelos desmandos do ser humano. Aquele que mesmo chegando depois dela, diz arrogantemente: “sou o dono da terra, dono da natureza”.


Quanto ao Serrado do Gavião é outra historia. Não deixou tantas saudades como a Névoa branca do Rio Formoso, mas valeu. 

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Chefe Falcão Maltês. Um perfeito cavalheiro.



Lendas escoteiras.
Chefe Falcão Maltês. Um perfeito cavalheiro.

             Não sei quem colocou o apelido. Nunca perguntei. Seu nome correto? Nem pensar. Ele não dizia a ninguém. Eu só sei que foi um grande amigo enquanto estivemos juntos. Disse-me um dia que fora Chefe do Grupo Escoteiro Estrela Cadente. Nunca tinha ouvido falar. Mas não é disto que quero falar sobre ele. Chefe Falcão Maltês era um cavalheiro. Como se diz hoje uma figura que merece um lugar entre os homens de honra deste país. Um digno Escoteiro. Nunca deixou alguém mais velho que ele em pé no ônibus. Ninguém sentava sem antes ele arrumar a cadeira e olhem, as chefes adoravam. Pagar despesas? Nem pensar. Se ele não pudesse pagar não iria. Dizia sempre que os homens devem ser boníssimos com as mulheres, pois são elas que carregam o fardo mais pesado.

             O que eu admirava muito no Chefe Falcão Maltês era seu modo de falar e dar exemplos aos escoteiros. Lembro que uma vez estávamos em marcha de estrada indo acampar no Vale da Tartaruga, e caiu um pequeno papel de bala na trilha onde percorríamos. Ele parou toda a tropa. Chamou a todos. Disse – Sabem que somos invasores? A escoteirada não entendeu nada. – Porque Chefe? Disse um deles. Porque a relva, as árvores, os pássaros, o rio e as montanhas estavam aqui antes de nós. Portanto eles são os donos. Vocês são intrusos. Vocês gostariam que alguém entrasse em suas casas, sem pedir e jogassem papeis de bala na sala? Ninguém disse nada. Um Escoteiro foi até lá e pegou o papel e guardou na mochila. E nos acampamentos? Sua inspeção era rigorosa. Não perdoava nada. Nem fossa mal tampada. – Escoteiros! – dizia ele, porque deixar que a abelha os beija flores, os pássaros do céu sintam o mau cheiro? Não é certo, não é mesmo?

           Um dia estávamos sentados na porta da barraca, um pequeno fogo crepitava e ele começou a cantar uma linda melodia. Todos acorreram para perto dele. Ele parou e os escoteiros ficaram intrigados. – Vou continuar, aguardem. Só quero aproveitar a oportunidade para dizer a vocês, que as músicas, canções tudo que existe é belo. Sabendo cantar e sabendo ouvir. Se um dia vocês ouvirem uma musica clássica, ou mesmo uma ópera em um lugar qualquer sei que não irão gostar. Mas se assistirem a um conserto de uma Orquestra sinfônica ao vivo, ou mesmo a uma ópera em um teatro tenho certeza que irão adorar. A Musica para se gostar tem de ter sentimento. Existem músicas e músicas para cada momento da vida. As clássicas relaxam e fazem sonhar, musicas de trilhas sonoras são lindas. As românticas para quando se tem um grande amor. Temos, continuou ele – Que aprender tudo que possamos absorver. As músicas de hoje cantadas ou não desde que não tenham segundas intenções em suas letras, são válidas. Mas existem outras e um Escoteiro deve estar preparado para descobrir, ouvir e sonhar com todas elas. Não é o barulho estridente da música que nos toca o coração. Ouvir boa música faz parte de nós escoteiros que vivemos nas montanhas acampando.

          Era assim o Chefe Falcão Maltês. Dizia sempre que podia que o Escoteiro é um cavalheiro, um fidalgo. – Lembram-se do que diziam da mulher de César? Assim somos nós, ele dizia. Não basta mostrar que somos, temos que se portar como tal. – Que tal dar a vez a um amigo? Abrir a porta para ele? Que tal dividir o doce, o farnel, seu cobertor, que tal dividir sua alegria, sua felicidade com quem não a tem? – Chefe Falcão Maltês deixou saudades. Sempre acreditei que todos nós chefes escoteiros devemos ser uma espécie de Chefe Falcão Maltês. Alguns dos nossos jovens precisam aprender boas maneiras. Claro, é função dos pais. Mas não estamos ali para colaborar? – Um dia ele me disse – Chefe Osvaldo, hoje muitos se apegam a entender o jovem como ele é e a justificar. Certo isto. Mas existem normas, direitos e deveres que são sagrados. Um pai nunca vai dizer ao filho se ele quer ir escola, se ele quer sentar a mesa para as refeições ou se ele pode escolher a hora para dormir. Isto faz parte da família. É sagrado. Temos de ser assim.

             Entendi perfeitamente seu recado. Não é porque os tempos mudaram que as boas maneiras, a educação, o cavalheirismo deve deixar de existir. O respeito aos mais velhos, o respeito ao meio ambiente, o respeito com as pessoas, o direito de um e o de outro nunca devem ser olvidados. Seria bom, seria bom mesmo que existem muitos chefes Falcão Maltês por aí. Acho que tem muitos jovens que se chamam de escoteiros e escoteiras que poderiam ouvir suas palavras e aprender.

               Já faz anos que não vi mais o Chefe Falcão Maltês. Soube que ele resolveu abrir um Grupo Escoteiro nos garimpos do Suriname. Um país perdido nas fronteiras do Brasil com a Guiana Francesa. Porque a escolha? Ninguém me disse. Quem sabe ele seria lá um novo Cavaleiro da Tavola Redonda? Quem sabe um Sir Lancelot filho do rei Ban de Benwick e da rainha Elaine? Afinal ele foi primeiro cavaleiro promessado pelo rei Arthur e nunca falhou em gentileza, cortesia e coragem. O Chefe Falcão Maltês não teve uma armadura de aço mas tinha um coração eorme. Acho que ele foi para aquelas paragens para dizer aqueles garimpeiros rústicos que não existe hora e nem lugar para ser educado e ter honra. Que ele seja feliz. Ensinou-me muito. Tem chefes que são e tem outros que dizem ser. Eu até hoje ainda não me situei. Que Deus me ajude a cumprir minha missão, claro se eu tiver uma para cumprir. 

       

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Você pode escolher se quiser o caminho da felicidade.



Conversa ao pé do fogo.
Você pode escolher se quiser o caminho da felicidade.

Ei rapaz, você mesmo, para onde vai? Está não é a estrada certa. Procure outra. Quem sabe aquela que ficou lá atrás, pois tinha flores azuis e amarelas na entrada do bosque florido. Não percebestes? Era lá que você devia olhar e quem sabe encontrar o que procuras. Eu vi na curva do caminho centenas de jovens sorrindo. Notou que eles brincavam de gente grande? Viu como eles eram solícitos quando perguntas-te se eles gostavam do que faziam? Sei que você gostou deles e porque não permaneceu lá? Todos insistiram para você ficar. Não se lembras daquele pequenino que lhe deu um aperto de mão esquerda e disse que ali morava a felicidade eterna? Então porque titubeaste? Porque não aceitou o convite feito de forma alegre e fraterna? Eles são assim, divertidos, amigos de todos e irmão daqueles que estão com eles nas veredas do bom caminho. Sabe quem são? Não sabe? Eles são Escoteiros, entusiastas joviais briosos brasileiros que vão se tornar homens brincando de aventuras.

Volte! Não siga nesta trilha que está cheia de espinhos. Ela não vai levar você a lugar nenhum. Não acredite que os outros que vais encontrar serão seus amigos. Eles estão perdidos como você. Eles não pensam mais, são mortos vivos a vagar por aí. Esqueceram seu passado, suas vidas seus sonhos. Eles não sonham mais. Sentam em qualquer lugar onde alguém lhe oferece o néctar do veneno que mata. Você não pode desejar isto. Ainda tens tempo. É só voltar nas passadas do tempo. Lembre-se daqueles que te amam, que desejam seu retorno. Eles imploram seu retorno. Volte, não fique na duvida. Você tem ainda vastos caminhos a percorrer. Não peço para acreditar no criador. Muitos que estão aí com você hoje duvidam que ele exista. Mas cada um tem o direito de criar seu próprio destino e você não precisa criar um onde um dia irá ver só a escuridão, quem sabe um raio solto no céu mostrando o lamaçal onde irás viver. Isto seria vida? Não escolha este caminho. Não é um bom caminho.

Volte! Procure a serra do amor perfeito. Encontre outros amigos, aqueles do sorriso franco, do abraço sincero, aqueles que te dizem para cantar com eles o Rataplã. Abriram-lhe uma vaga na patrulha da felicidade. Deixarão para você uma flor de lis para lhe indicar o caminho. Deixarão você um dia escolher se quer ou não ser mais um destes milhões de jovens amigos que o mundo abraçou. Sei que se tentar vai gostar. Vais sentir o cheiro da terra, do capim molhado, do doce cantar do riacho cristalino, onde na cascata da nevoa branca as borboletas dançam e cantam nas ondas que o vento sopra sobre elas. Encontre o novo mundo, um mundo de jovens que querem o seu bem. Vá com eles. Suba nas mais altas árvores, escale a montanha da alegria e volte depois para os seus que com os olhos cheios de lágrimas pois eles o receberão de braços abertos.

Escute por favor o chamado dos Escoteiros que insistem que você seja mais um deles. Abandone esta estrada que não tem fim. Abrace com eles a felicidade, a sede da aventura, a vontade de ser mais um, de ter amigos, de saber que agora tem com quem contar. Escotismo é isto. Um caminho certo para que você um dia possa orgulhar do seu caráter. Onde todos dirão que você é um homem de honra e não importam o que digam mais, importa sim o que você vai sentir no seu coração. E como diz o velho poema: Quem afinal se anima a escalar das serranias as alturas? Quem são aqueles que uma bandeira arvora nas asas da imaginação? Contemplais e vereis, são jovens Escoteiros, entusiastas, joviais briosos brasileiros que lá vão brincar ao léu de uma aventura.

“Já viste por acaso, a luz das madrugadas,
Uns veleiros azuis singrando mar afora,
Ou em marcha, a cantar patriótica toada,
Um grupo que na serra alcantilada
Em plena mata acampa e uma bandeira arvora?

Desta flotilha azul quem são os marinheiros,
Que se animam a escalar as serranias e alturas?
Contemplais que vereis, são jovens Escoteiros,
Entusiastas, joviais briosos brasileiros

“Que lá vão brincar ao léu de uma aventura”

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Minha incrível e saudosa Cascavel da pele vermelha.


Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Minha incrível e saudosa Cascavel da pele vermelha.

        Não se enganem. Foi mesmo uma grande amiga. Não falo do ser humano, por favor! Falo de uma cascavel que morava nas Colinas do Pastor. Acho que foi em um inverno rigoroso que a conheci. Foi assim subitamente e não esperava. Andando na mata espessa fiquei preso com o pé direito entre dois galhos secos. Tentava sair e não conseguia. Não era longe do nosso campo de patrulha. Porque saí só? Quer saber mesmo? Fui procurar um lugar mais calmo para falar com o Miguel. Risos. Acho que vocês sabem quem é o Miguel e não dá para levar companhia. Estava eu lá olhando a folhagem de uma bela Aroeira Pimenteira, enorme, parecendo ter mais de duzentos anos de idade quando ouvi o chocalho. Nem deu tempo para fazer os “entretantos”. Sabia que o chocalhar de um chocalho é pernas para quem vos quero. Não deu outra dois passos e fiquei preso com o pé direito e o esquerdo ali se oferecendo para uma mordidinha que iria me fazer feliz para sempre lá no céu.

         Eu sabia que muitos falam mal das cobras. Dizem que são animais traiçoeiros e devemos ter o máximo de cuidado. Eu nunca tive medo delas. Sabia que só nos atacam quando se sentem ameaçadas ou algum infeliz pisa em cima delas. Até aquele dia tinha visto inúmeras Cascáveis. Nossa patrulha tinha um convenio com o Instituto Butantã em São Paulo. Eles nos mandavam as caixas de madeiras apropriadas e era só entregar ao Chefe da Estação da Vitória Minas e ele enviava. Em troca nos mandavam soro antiofídico que era doado para o hospital local. A Cascavel sempre foi a mais temida. Seu chocalho arrepiava os mais valentes dos Escoteiros e até o Zé Morto Vivo quase morreu quando foi picado e olhe, estava com um trinta e oito, um fuzil Mauser, duas facas e dois punhais. Não morreu, pois o humilde Zé Morto Vivo tinha uma reza “braba”. Portanto vamos dar um crédito as Cascavéis. Elas avisam e muito. Só um idiota e um imbecil não foge do seu chocalho.

       Falando em chocalho dizem que a gente pode saber quantos anos ela tem. Comentam a boca pequena que cada anel, ou melhor, cada guizo é formado quando ela troca de pele. A pele sai no sentido da cabeça para a cauda e ai, uma parte fica presa formando um dos anéis. Comentam também que a vida útil (ou inútil para quem já foi mordido e não foi desta para melhor) troca de pele três ou quatros vezes por ano. Portanto uma cobra com nove anéis no chocalho tem provavelmente entre dois e três anos. Mas vamos com a história da minha querida Cascavel da Pele Vermelha. Ela sim já me avisara que estava ali. Que eu me mandasse rápido pela trilha que tinha vindo. Mas o pé direito preso e ainda colocando as calças no lugar certo só me cabia rezar. Foi então que um Sapinho-cururu passou por mim e não viu a linda cascavel de bote armado. Bela refeição ela comeu.

         A cobra se esticou toda. O pobre do sapinho tentava mesmo vivo sair da barriga dela. Não conseguia. Fiquei com pena do sapinho. Tão miudinho e servindo de lauta refeição para Dona Cascavel. Consegui me desvencilhar e me mandei dali. Uma hora depois vi de novo a Cascavel da pele vermelha na porta do nosso campo de patrulha. Todos gritaram – Mata! Mata! E só vi o tripé de bastões balançar e servir aos valentes patrulheiros. Ela é claro deu no pé ou no rabo não sei. Passou meia hora e lá estava ela de novo a me olhar. Não olhava para nenhum dos big boys Scouts, só para mim. Caramba, pensei. Será que se apaixonou? Eu namorar uma Cascavel? Eis que neste interim vai a passos de tartaruga uma grande e deliciosa lesma. Pluf! Uma bocada e lá foi a lesminha para o fundo do poço da Cascavel.

           Estava agora entendendo a jogada da Dona Cascavel da pele vermelha. Ela sabia que ao meu lado um lauto almoço sempre aparecia. Fazer o que com sua escolha em me ter como Mestre Cuca Cobreiro? Melhor explicar a patrulha e deixá-la vaguear pelo campo. Ela não ia morder ninguém. Foi à conta. A Cascavel da pele vermelha virou o xodó da patrulha. Alguns até brincavam de pique esconde com ela. Boca Larga subiu em uma arvore e gritou – Você não me pega! Você não me pega! Coitado, só viu quando a Cascavel da pele vermelha começou a se enroscar no troco e ele pulou de uma altura de mais de dez metros. Nada demais. Apenas uma luxação que nós grandes socorristas que éramos o tratamos melhores que os médicos importados do estrangeiro.

          Durante os quatro dias de campo nossa amiga permaneceu lá. Quando fazíamos o sinal Escoteiro para ela, em troca balançava seu chocalho. No último dia vi que ela tinha engordado e já nem ligava mais para os girinos, sapinhos e outros bichos e insetos e só queria dormitar na minha barraca. Ficava lá horas e horas e até acostumei com ela à noite dormindo no pé da minha cama. Isto mesmo. Uma cama! Naquela época sempre fazíamos uma para nós. Época boa, bom recordar. Mas enfim, o último dia chegou. Formada a patrulha em frente onde estava arvorada a bandeira, chegou a hora do adeus. – Lobos! A Bandeira em saudação! No pé da arvore onde estava arvorada a bandeira a Cascavel da pele vermelha acompanhava a cerimonia. Tudo desmontado e já ensacado nas bicicletas era se despedir do local e se mandar. Seriam mais de vinte e cinco quilômetros a percorrer. Saindo às cinco da tarde no mais tardar às oito da noite estaríamos em casa.

           Olhei para trás e vi a Cascavel tentando nos acompanhar. Não deu. Pegamos uma descida que dava para fazer até cinquenta quilômetros por hora. Nem lembrava mais da Cascavel da pele vermelha e na segunda quando voltava da escola uma surpresa. No portão da minha casa lá estava a minha querida amiga a Cascavel da Pele vermelha. Como ela achou a minha casa não sei explicar. Expliquei a mamãe e ao papai como ela era. Minhas duas irmãs sorriram. Para dizer a verdade nunca dei alimentação para ela. Morou conosco por muitos anos. Seu Zé Carapinha nosso vizinho foi quem comentou que outra cascavel estava junto a ela. Partiram em um domingo de verão. Tempos depois passei a receber a visita dela e seus novos familiares. Uma dezena de cascáveis ali na porta de casa chocalhando como se estivessem nos cumprimentando. Fizeram isto por muitos anos até que nunca mais a vi. Por onde anda? Se estiver aqui no bairro é melhor esquecer. Todos tem medo dela. Se alguém a visse enquanto não a mandasse para a terra das Cobras Mortas não ficaria satisfeito.


          Cobras. E quem tem medo delas? Eu nunca tive. Sabia como evitar, como pegar, como correr mesmo com as calças na mão saindo em disparada do Miguel. Faz parte da vida de nós Escoteiros acampadores. De vez em quando sonho com ela, trocando a pele, engolindo um sapinho que gemia para sair de sua barriga. Sonho bobo não? É de vez em quando sinto saudade da minha amiga a Cascavel da pele vermelha. Que onde estiver que esteja feliz e que viva para sempre se é que não se reencarnou novamente. Risos!