No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras

No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras
A aventura está apenas começando

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Era uma vez... O trem dos Escoteiros.


Conversa ao pé do fogo.
Era uma vez... O trem dos Escoteiros.

             Tonico estava na roça. Ao seu lado Zeca e Alfeu. Seu pai estava mais ao longe e todos capinavam a roça onde iriam plantar milho e feijão. As chuvas de março não iriam demorar a cair e o tempo era curto para o plantio. Não havia nada de novo, era sempre assim, mês a mês, ano a ano. Tonico não sabia sonhar, não desejava o que não tinha. Afinal sonhar com que? Ele só conhecia aquela vida. Uma pequena casa de três cômodos, uma mesa com dois bancos e um fogão de lenha. Não havia luz elétrica. As noites seu pai ligava um radinho de pilha e Tonico ouvia com gosto a Voz do Brasil. Debaixo da Aroeira eles costumavam sentar a noite antes de dormir. Era ali que ele pensava no mundo a sua volta, mundo que não conhecia. Tonico queria estudar, mas a escola mais próxima era em Santo Agostinho. Um vilarejo a mais de trinta quilômetros de distancia. Ele sabia que seria como seu pai, como seu avô. Fazia parte de sua vida do seu destino.

           Era um simples trem. Cinco ou seis vagões de passageiros. Tonico sempre o via pela manhã a passar correndo nos trilhos de aço da estrada de ferro proximo onde trabalhava. Dava uma parada na capinagem, segurava no cabo da enxada e via pelas janelas os sorrisos, as alegrias dos viajantes e até alguns deles diziam adeus com as mãos fora da janela. Seu pai dizia ser o Trem Expresso das onze da manhã. Era por ele que paravam para almoçar. Sua mãe sempre prestimosa levava as marmitas com um pouco de arroz, um ovo cozido e farofa que ele adorava. O trem seguia seu caminho e Tonico voltava à labuta que era sua vida, sua rotina. Com doze anos Tonico não podia ser chamado de um menino triste, não era. Ele gostava de a noite pegar a viola de seu pai, dedilhar uma canção e cantar baixinho com medo de que a noite escura não lhe ouvisse seu cantar tristonho. Sua mãe fazia questão que na hora de dormir ele e ela dessem as mãos quando pediam a Deus para que nada faltasse aquela família.

          Tonico ouviu o apito do trem. Lá vinha ele correndo feito um louco em cima dos trilhos de aço. Desta vez ele diminuiu a velocidade, parou bem em frente onde Tonico, Zeca e Alfeu capinavam. Tonico sorriu quando viu que o trem parou. Não entendia porque ele parou. Da janela de um vagão meninos de chapéu de abas largas acenavam para ele. Quem eram? Tonico sorria sem saber do porque o sorriso. Quem sabe pelos meninos de roupas iguais? De chapéu grande? De lenço no pescoço? Ah! Tonico daria tudo para saber quem eram eles. Lá onde estava ouviu o cantar deles no trem das onze, hora para eles almoçarem, pois sua mãe estava chegando. Mas ele prestou atenção no cantar na letra e sabia que nunca mais iria esquecer: - ¶ “Escoteiros sempre avante, pois nos vamos acampar, bem além do horizonte, lá na serra do além-mar” ¶. Tonico sorria, ele gostou da canção. Aprendeu os primeiros versos e acordes. Sabia que a noite ele iria cantar e seu pai e sua mãe iriam ouvir sem saber o que significava.

        O trem das onze começou a andar devagarinho. Buzinou para o céu azul como a dizer – “Eu quero passagem, eu preciso seguir meu destino”! Tonico sem perceber começou a correr ao lado do trem. Ele corria junto à janela daqueles meninos de roupas iguais com lenço no pescoço e uns chapéus enormes. Os meninos começaram a bater palmas para ele, um deles lhe jogou um lenço e Tonico saltou como uma onça e o pegou no ar. Era seu troféu. Um lenço azul cor de anil. Apertou com suas mãozinhas no peito o presente que ganhou daqueles meninos de roupas iguais, um lenço no pescoço e chapéus grandes na cabeça. O trem foi mais veloz que Tonico e sumiu na curva do Boiadeiro, onde Tonico, Zeca e Alfeu e seu pai voltavam à noitinha para casa após a capina. Tonico parou e nem sabia no que pensar. Tonico chorava e não sabia se de alegria, de tristeza e de saudades daqueles meninos de roupas iguais, de um lenço no pescoço e de um chapelão na cabeça.

            Ouviu seu pai lhe chamando para almoçar. Hoje iriam comer correndo, pois no céu nuvens negras se formavam. Em nenhum momento Tonico não esqueceu o trem das onze, dos meninos de roupas iguais, da canção que cantaram para ele e do lenço que deram a ele de presente. Seria seu troféu por toda a vida. Enquanto almoçava Tonico pensava. O que eles iriam fazer? Para onde iriam? Será que eles conhecem a Mata do Sino? Será que eles algum dia cantaram ao som de uma viola em volta de uma fogueira? Tonico não sabia. Mas Tonico sabia que eles sorriam muito, que eles cantavam que eles eram muitos e que ele nunca mais iria ver aqueles meninos sorridentes de roupas iguais, lenço no pescoço e um chapelão na cabeça. Tonico voltou naquele dia para casa tristonho, e pela primeira vez pensou que ele também poderia ser um deles, pela primeira vez Tonico sonhou. Que sonho lindo, ele no trem das onze, na janela cantando, todos se abraçando e partindo para um lugar maravilhoso, que ele só imaginava, pois nunca esteve lá.

            Nunca mais Tonico viu os meninos de roupas iguais, de lenço no pescoço, com um chapelão na cabeça e dentro do trem das onze. Tonico nunca mais esqueceu aquele dia e hoje, já homem feito, lá na mesma roça que antes era do seu pai, junto ao seu filho Felipinho, ele sempre conta a mesma história, canta a mesma canção, dos meninos de roupas iguais, de lenço no pescoço e de chapelão na cabeça. Felipinho sorri sempre quando ele canta e conta a história do trem das onze. Ele não imagina como devia ter sido e presta muita atenção quando o trem apita, quando o trem passa correndo e não para. Não dá para ver quem vai lá dentro dos vagões. Não dá para ouvir canções e sorrisos. A vida é assim mesmo. Tem aqueles que podem ter e viver um sonho tem aqueles que podem sonhar, mas nunca irão viver o sonho. Mas cada um em sua vida pode ser feliz, pois Deus nos trouxe ao mundo para viver o seu destino. 


- ¶ “Escoteiros sempre avante, pois nos vamos acampar, bem além do horizonte, lá na serra do além-mar” ¶.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Nem sempre o destino é feito de sonhos.


Lendas escoteiras.
Nem sempre o destino é feito de sonhos.

Prólogo

“Saiu de casa para conversar com um amigo e contar para ele a novidade”. Vibrava com a possibilidade de ser Escoteiro. Seu pai iria levá-lo neste sábado. O presenteou com seu uniforme que usou quando era menino. Ele se encantou com o chapelão e o lenço. Um sonho que acalentava há muito tempo. Ao atravessar a rua, foi pego por um carro a toda a velocidade, fugindo da policia que vinha logo atrás. Foi arremessado à grande distância. Ficou inconsciente e perdeu muito sangue. - Levado ao hospital ficou em coma dois meses. Saiu do coma, mas sem movimentos no corpo, ficara paraplégico. Durante um bom tempo não lembrou mais de seus sonhos. Agora eram outros e escotismo para ele ficou em um passado distante. “Pensou que com o tempo seus movimentos voltariam, ele não desanimou e o tempo passou.”

           Quatro anos se passaram quando seus pais o levaram para casa. Nenhum movimento durante este tempo. Conseguiu mexer os braços isto depois de muito tratamento em um centro de reabilitação. Mas as pernas não. O corpo também não. No primeiro ano não falava. Não tinha o que dizer. A voz engasgada. Uma terapeuta fez tudo para ele sorrir e nada. Não acreditava em que diziam a ele. O dia mais feliz de sua vida se foi como uma grande tempestade. Ele agora só via raios e trovões a lhe auscultar o cérebro. Seu atropelamento foi um desastre. Matou seu sonho e até sua vontade de viver. Treze anos uma vida a começar assim interrompida. Sua mãe sempre com os olhos vermelhos. Seu pai fez tudo que podia, gastou o que não tinha até que os médicos disseram que era melhor ele ir para casa. Seu corpo não mais reagia ao tratamento.

          Em casa pediu a sua mãe que colocasse o uniforme Escoteiro que seu pai lhe dera no baú do seu pai. Ele não queria vê-lo nunca mais. Seu quarto era aconchegante, a janela dava para um pequeno jardim que sua mãe cuidava diariamente. Mas ele não sentia mais o perfume das flores e o sol e a lua para ele não tinha diferença. Dormia de dia ficava acordado a noite. Dormia a noite e ficava acordado durante o dia. Trocava sempre à noite pelo dia. Em tempo algum nada lhe faltou. Sua mãe sempre presente. Banhos, fraldas, refeições, virá-lo sempre para não dar ferida ao corpo, enfim uma mãe incansável para que seu filho pelo menos sorrisse.

        Uma tarde bateram em sua porta. Sua mãe atendeu. Surpresa. Dois escoteiros uniformizados queriam falar com Miltinho. Ele não entendeu nada. Não os conhecia. Nunca os viu e esteve na sede deles por pouco tempo. – O que querem? Falou. Sejam breve estou sem tempo agora! Mal educado. Nunca pensou que um dia falaria assim. Eles sorriram. Nós não queremos nada de você. É você que vai querer de nós. Chega de auto-piedade. Você só sabe sentir compaixão de sí mesmo? Está com dozinha de você? Lastimando-se? Não vê que tem pessoas sofrendo a sua volta? Afinal, você é um homem ou um rato? – Quem são voces? Quem dá o direito de falarem assim comigo? – Eles não responderam.  Mudaram de assunto. – Sábado que vem vamos vir aqui e levar você para a reunião escoteira. Afinal não era seu sonho? Só porque se acidentou se acovardou?

            Miltinho não escondia sua surpresa e eles foram embora. Chamou sua mãe e perguntou quem eram eles? Eles quem? Ela disse. Os dois escoteiros que aqui estiveram. – Meu filho, não veio ninguém aqui hoje. Miltinho ficou mudo. Por quê? Quem eram? Fantasmas? Assombração? Afinal ele já estava com dezesseis anos e não tinha medo de nada mesmo entrevado numa cama. Mas porque, porque, insistiu com seu pensamento. No sábado bateram a porta. Lá estava os dois de novo. Vamos – disseram. Ir com voces? Voces são fantasmas! Não ando com fantasmas. Eles riram. Pegaram Miltinho, colocaram-no em uma cadeira de rodas e saíram de casa rumo à sede Escoteira. Nem despediu de sua mãe e seu pai. Os dois a pé empurrando a cadeira de rodas. Uma festa. Aplausos de todos os jovens. Abraçaram-no, e foi para uma Patrulha Sênior com duas meninas e três meninos. Ele era o sexto. Claro na cadeira de rodas.

Miltinho! Largue esta cadeira, agora vamos fazer um jogo e não dá para você ficar sentado feito um folgado! Um deles sem ele esperar o levantou e outro empurrou a cadeira para o canto do pátio. Miltinho pensou que ia cair, mas suas pernas se firmaram. Ele não acreditava! Vamos molenga! Diziam todos! Miltinho sorriu, correu, brincou, suou e de volta a sua casa quando entrou viu que esqueceu a cadeira de rodas na sede. Que fique lá para sempre, disse para si mesmo. Aperto de mão, abraços e Sempre Alerta e lá foram os dois escoteiros.

            Sua mãe o chamou várias vezes e ele custou para acordar. – Mãe a senhora me viu chegar ontem com os dois escoteiros? Como? Ela disse. Eu fui lá com os dois escoteiros. Sua mãe sorriu. Mas e a cadeira de rodas? Ela não veio! Meu filho, você nunca teve uma cadeira de rodas. Não pode sentar. É bom que ele sonhe pensou sua mãe. Pelo menos não fica tão triste como estava. Se isto lhe faz bem vou ajudar. E eis que Miltinho senta na cama, se levanta e diz a sua mãe – Deixa que eu vá ao banheiro, escovar os dentes e depois vamos todos tomarmos juntos o café da manhã. Há tempos não fazemos isto! Sua mãe estava boquiaberta! Meu Deus! Um milagre? Ela não sabia se ria ou chorava. Gritava de alegria e chamou seu pai que veio correndo. O abraçou. Quem visse veria uma família maravilhada e sorrindo como ninguém sorriu antes.

           Miltinho voltou a estudar. Seu pai o levou aos escoteiros. Ele se tornou um jovem tão feliz que o mundo mudou e ele acompanhou. Sei que hoje é muito requisitado na fábrica que trabalha pela sua felicidade. Os outros querem saber como fazer para ser feliz. Miltinho lembra-se de tudo que aconteceu. Não sabe explicar o que houve quem eram os escoteiros e qual o grupo que foi. Não importava. Se Deus quis assim, agradecemos a Deus por ter me dado à vida de novo. Os escoteiros do sonho nunca mais apareceram. Mas Miltinho nunca os esqueceu. Casou e teve um filho sendo batizado com o seu nome. Miltinho Alencar. Quase não tinha tempo para ele. Quando fez treze anos disse que queria ser Escoteiro. Miltinho sorriu. Deu para ele seu uniforme. Vou lá com você no sábado, seu filho sorria de alegria.


          De manhã abriu a janela, agradeceu a Deus pela vida e sua alegria em ser Escoteiro. Correu a casa de um amigo para contar a novidade. Ele seria escoteiro como seu pai fora. Ao atravessar a rua viu um carro em alta velocidade fugindo de um carro da policia. Pneus rangeram uma batida forte. Alguém gritava. Miltinho por sorte escapara.  Não sabe como não foi atropelado. Alguém o empurrou antes da batida. O carro dos bandidos bateu em um poste. Um morto e outro ferido. Miltinho Filho respirava ofegante. Graças a Deus, Graças a Deus. Olhou no final da rua e viu dois escoteiros acenando. Seriam eles os escoteiros dos sonhos de seu pai? Acenou também. Meus anjos da guarda ele pensou. A vida nos reserva surpresas sem explicação. Fazer o que? Aceitar o seu destino, pois Miltinho sabia que do destino ninguém foge!  

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Da vida nada se leva, a não ser amigos.


Lendas escoteiras.
Da vida nada se leva, a não ser amigos.

            Nanquim sempre foi um bom Escoteiro. Era também um bom católico, pois por muitos anos foi coroinha na Paróquia Santo Antonio. Nanquim nunca prestou atenção nas vicissitudes da vida, pois ele era apenas um menino. Deus sabia que ele era bom, levava a sério a lei escoteira e fazia do décimo artigo seu modo de vida. Ele estudava, mas não entendia muito pois Nanquim tinha a “cabeça fraca” como sua mãe dizia. Seu pai pouco ligava para ele e sempre viajando na firma que trabalhava. Nanquim não entendia muito das provas escoteiras e seus amigos de patrulha ficavam horas em sua casa tentando mostrar a ele os nós Escoteiros, os sinais de pista, entender o desenho da Bandeira Nacional e cantar o rataplã. Todos sabiam que ele dificilmente ia ler um mapa, nunca iria fazer um percurso de Giwell e dificilmente seria um Sinaleiro.

           Todos na patrulha amavam Nanquim. Seu sorriso simples sem reclamar o fazia o preferido de todos. Bem mandado no inicio foi preciso que o Monitor explicasse a patrulha que ele não era empregado de ninguém. Em vez de pedir porque não dividir as tarefas junto com ele? Quando ele fez a promessa não só ele mas toda tropa veio às lagrimas, de alegria é claro. Nanquim quando recebeu o lenço e o distintivo de promessa, deu um enorme salto e gritou: - Viva Deus, viva meu Monitor, viva meu Chefe e viva a minha mãe. E começou a cantar alto o rataplã. O bonito é que toda tropa acompanhou. Dois anos depois ele com catorze anos ainda continuava noviço. Sem desmerecer ninguém seu Chefe deu a ele varias especialidades e um distintivo que ninguém conhecia. O chamou de Escoteiro Padrão. Nanquim ria e andava olhando seu distintivo de Escoteiro Padrão.

         Quando soube do Jamboree Nanquim sorriu de orelha a orelha. – Já pensou? Eu lá? Vendo tantos escoteiros? Todos sabiam ser impossível. Era uma fábula para ir. E não é que Seu Josué da Loja de presentes soube e mandou chamá-lo: - Nanquim, veja quando vai dar. Vou pagar toda a despesa. Você vai ao Jamboree. Durante dias Nanquim sorriu, cantou e foi a todas as missas na paróquia Santo Antonio. Padre Wantuil estava assustado. Quem mais iria? Perguntou ao Chefe escoteiro – Ninguém Padre. Ninguém tem condições financeiras para ir. – E você acha que ele pode ir sozinho? – claro que não padre, mas o que eu posso fazer? Sabemos todos até onde ele pode ir, sabemos que ele tem um pouco de deficiência mental, mas o que eu posso fazer Padre? Ele sonha dia e noite com esta viagem. Tenho medo, medo de falar com ele e isto piorar seu desenvolvimento mental. Até hoje senti que ele está amadurecendo mas deixá-lo ir só? O que vai acontecer lá?

            O Chefe procurou a mãe de Nanquim para conversar. Foi uma conversa triste. Dona Elza, não sei o que fazer – Nem eu Chefe. Ele fala neste tal de Jamboree o dia inteiro. Vai para a escola cantando a canção do Jamboree. Foi na biblioteca e leu tudo sobre o tema. Voltou e me chamou aos gritos: - Mamãe, Mamãe! Nosso Chefe mundial foi em três jamborees! Já pensou em encontrar com ele lá? Todos da tropa ficarão surpresos. – Depois Chefe fui saber que o Senhor Baden-Powell é falecido. Falei para ele e ele sorriu – Mamãe, consegui ir ao Jamboree agora vou encontrar o Baden-Powell e a senhora vai se convencer que ele está vivo. – Como fazer? Como resolver? Falar com ele seria uma decepção tremenda. Dona Marisa a sua professora dizia que o escotismo deu outra vontade a ele de estudar. Se continuasse assim ele poderia terminar aquele ano o primeiro grau.

           Na patrulha ninguém dizia nada. Então um dia, em um Conselho de Patrulha foi votado que o Martins seria o responsável para explicar tudo ao Nanquim sobre o Jamboree. Como ninguém a não ser ele iria, precisava conhecer como agir, como participar, como fazer amigos enfim, tudo que ele precisasse saber para divertir no Jamboree. – Nanquim ficou pensativo. Nunca poderia fazer nada sem a sua patrulha. Em casa comentou com sua mãe que eles não iriam, e ele? – Mamãe o que vou fazer sem eles? Eles me ajudam, nunca me deixaram sozinho e agora vou sozinho no Jamboree? – Sua mãe não disse nada. Ela não sabia o que dizer. Durante toda a semana Nanquim não pensava em outra coisa. Com o Chefe ele não obteve resposta, com o Padre Wantuil também não chegaram a uma solução. – Chefe, disse o padre, é ele quem tem de decidir sozinho.

           No sábado, quando terminou o Cerimonial de Bandeira e feita à oração Nanquim foi até o centro da ferradura e pediu ao Chefe a palavra: - Chefe, meus amigos da tropa um dia vocês me disseram que aqui somos todos irmãos. Somos iguais aos três mosqueteiros que sempre disseram – “Um por todos, todos por um” Ou vamos todos ao Jamboree ou não vai nenhum! Nunca irei sair daqui sem vocês, afinal somos todos irmãos fraternos não? A tropa calada explodiu em uma palma escoteira que até hoje ninguém esqueceu. Nanquim sorriu. - Quanto vale um Jamboree? Perguntou a todos, quanto vale a amizade de vocês? Esta não tem preço. Nunca irei para nenhum lugar sem ter vocês juntos e podem acreditar irão morar no meu coração para sempre! – O Chefe da tropa estava às lágrimas. Carregaram Nanquim por todo o pátio da sede. Daquele momento em diante todos eles por causa de Nanquim sabiam o que significa “Um por todos, todos por um”.


            Sei que Nanquim cresceu, sei inclusive que vinte anos depois foi eleito prefeito da cidade, sem ainda que ficou famoso naquele município e muitos quiserem fazer dele um deputado ou um senador. Ele nunca aceitou. – Aqui nasci aqui morrerei. Aqui fiz amigos e com eles ficarei para sempre. Se fosse verdade o romance que Alexandre Dumas escreveu, Athos, Aramis, Phortos e D’Artagnan iriam levantar suas espadas, abraçar Nanquim e junto a ele gritar aos quatros ventos – “Escoteiros! Um por todos? Todos por um”.

domingo, 25 de maio de 2014

A canção que ela fez para mim!


Lendas de um Chefe Escoteiro.
A canção que ela fez para mim!

                     Naquele sábado fui para a reunião meio desanimado. Não sei por quê. Muitas reuniões parados na sede, nenhuma excursão, jornada ou até um acampamento de fim de semana. Para ser franco eu também não mexi uma palha para animar a patrulha. Na sede ninguém. Por quê? Sempre nos encontramos ali antes do inicio, falar dos outros, papear, “causos” não era uma rotina? Fui para o pátio da sede. Então eu a vi. Fiquei sem fala. Linda! Impossivelmente linda! Uma princesa ou uma rainha? Desceu das nuvens direto na sede? Ou quem sabe um anjo que Deus mandou para dar novo ânimo aos seniores? Olhe meu coração disparou. Minha mente deixava o corpo e se transportava para os mais lindos locais que já tinha ido. Fui à Cachoeira do Sonho, fui à Montanha Das Borboletas Douradas, fui até no despenhadeiro da Mil Mortes. Joguei-me lá de cima. Sabia que não ia morrer.

                 Foi então que percebi. Lá estavam os Seniores. Todos eles. Não faltou ninguém. Em pé todos encostados na parede da sede, e como eu não tiravam os olhos da linda moça dos cabelos dourados. Cachos despencando como na Cascata do Sol Nascente. Olhos? Azuis! Incrivelmente azuis como um água marinha do fundo do mar... Uni-me a eles. Não notaram a minha presença. Seus olhos esbugalhados assim como o meu só tinham uma direção. Cláudia Alvonaro. Seu corpo? Não posso dizer aqui. Sênior não tem pensamentos impuros. Ele é limpo de corpo e alma! Mas ela parecia ter sido esculpido por Michelangelo, ou melhor, Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni. Ah! Una Madonna Escoteira? Quem sabe ali estava sua obra prima da renascença sua bela escultura a Pietá. Não podia ser. Estávamos em 1958 e não 1498 quando ela foi esculpida.  

                   A paixão tomou conta de mim. De mim só não de todos os seniores. Doze rapazes perdidamente apaixonados pela bela Cláudia Alvonaro. Mas de onde ela veio? Da cidade não era. Conhecíamos todas as beldades. – Ela é de Vitória. Espírito Santo disse Lucas um Monitor. Meu Deus! Capixaba e linda assim? Bendita Vitória do Espírito Santo. Santino o Chefe Sênior adentrou ao pátio. Jovem ainda. Vinte e oito anos. Viu-nos e foi até nós cumprimentando. Ninguém olhou para ele. Inteligente como todo Chefe Sênior descobriu através de um “Kim” imaginário o motivo de nossa perplexidade e imutabilidade. – Ora, ora, parecem que nunca viram uma garota! Ele disse. Sem respostas. Continuávamos mudo. Olhos vidrados na bela Cláudia Alvonaro. A mais bela capixaba que o mundo conheceu. E nós os bravos seniores da tropa Anhanguera ali pensando que os anjos também existem.

                     Ela estava linda. Uniforme azul, bonezinho de lobo. Saia curtinha (que pernas meu Deus!). Akelá? Não tinha mais de dezoito anos! Não seus bobos disse o Chefe Sênior. Ela é Assistente. Tem dezessete. Está fazendo uma visita. Vai embora hoje no trem noturno das oito. – Vou também! Falaram todos ao mesmo tempo. Chefe Santino riu sonoramente. Que vida. Descobrir o amor de nossas vidas, a nossa alma gêmea e ela vai embora assim? E para piorar tudo ela começou a cantar. Os lobos sentados em círculo e ela cantando uma canção que não conhecia. Voz? Ela não devia estar ali. Devia estar cantando na Broadway ao lado de Frank Sinatra e Lisa Minelli. Uma cantora nata! Ninguém na sede tirava os olhos dela. Maravilhosamente bela e uma voz harmoniosa, que podia seguramente ser a maior cantora de todos os tempos.

                   O céu que me condene! Que me mate! Que acabe comigo. Estava “deverasmente” apaixonado. Perdidamente apaixonado. E o pior aconteceu! Ela olhou para mim e deu um sorriso. Senti o corpo tremer. Tive que sentar. Que sorriso! Que voz! Que rosto! Que corpo! Não podia ser uma mulher Akelá. Era uma deusa trazida do Olimpo. E eis que como se fosse uma chicotada, como se tivesse caído uma pedra enorme em minha cabeça, um Chefe novo de uns vinte e cinco anos entrou acompanhado do Chefe do grupo.  – Vamos embora meu amor! O que? Meu amor? Então olhei melhor, ele estava com a aliança na esquerda e ela também. Marido e mulher. Macacos me mordam! Com mil demônios! Que mil raios caiam em minha cabeça. Pelas barbas de Maomé. O sonho fugiu pelo ralo. Era comprometida. Quem sabe poderia combinar com alguns seniores e dar um sumiço no tal Chefe?


                  Ela se foi. Deu um “xauzinho” sorrindo, e disse um Sempre Alerta com uma vozinha tão doce que nunca mais, nunca mais mesmo e eu juro, irei esquecer. A mulher dos meus sonhos, a mulher que iria ser a minha vida, a minha alma gêmea se foi. Se houve reunião de seniores eu não sei. Acho que os outros também ficaram como eu no mundo da lua. Começamos mudos e terminamos calados. Chefe Santino sorria no alto dos seus vinte e oito anos. Um homem experimentado sabendo o que sentia aqueles garotos que estavam crescendo e aprendendo com a vida. Cláudia Alvonaro virou a esquina abraçado com seu amado. A tropa acompanhou com os olhos seu ultimo adeus. E eu? Fiquei meses sonhando, pensando até que um dia!...

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Hora de dormir e quem sabe voar até as estrelas em um sonho que se transforme em lenda.


Hora de dormir e quem sabe voar até as estrelas em um sonho que se transforme em lenda.

             Existem histórias mais lindas que não seja aquelas contadas como uma lenda? Onde os acontecimentos são misteriosos, sobrenaturais e podemos misturar os fatos reais com os imaginários ou fantasiosos? Eu conto histórias portanto também conto lendas. De um simples fato o transformo além do imaginário popular, além da imaginação. A linguagem da escrita vai se modificando e a gente deixar a mente voar pelo espaço procurando aqui e ali pontos que preencham a mente e satisfaçam aqueles que vão ler ou ouvir alguém contar... Era uma vez... Quantos adoram quando você começa uma história, estas três palavras são mágicas: - Era uma vez...  Lembro-me de uma história ou lenda, noite escura, três patrulhas de Escoteiros e duas de escoteiras. O fogo crepitava em um Fogo do Conselho inesquecível. Deixei o fogo ir diminuindo quando iniciei a história. O local era ideal, uma floresta densa e ali naquela clareira meninos e meninas esperavam ansiosos a história ou lenda que o Chefe iria contar.

           Levantei de um salto, olhei na mata e gritei: – Ouçam a floresta! Eu disse. Ela está lá, aguardando que alguém lhe mostre o caminho! Uma menina levantou assustada e perguntou – Quem Chefe? A Moça de Branco que um dia morreu ali naquela cabana e quem ninguém até hoje sabe por que seu marido a matou! Ela chora todas as noites ao andar ao leu pela floresta. A menina sentou de olhos arregalados, todos olhavam para a floresta. Eu corri até a entrada de uma trilha fechada e a chamei – Nina! Venha, não vamos lhe fazer mal! – Notei que todos procuraram ficar mais próximos uns dos outros. Ninguém falava, um silencio total!  - Não a chame, você não tem este direito! Imitei uma voz cavernosa como se ele a voz estivesse ao meu lado. – Porque Lomanto? Por quê? Afinal você não a amava? Não disse que daria sua vida por ela? – Chorando com as lágrimas caindo sobre sua face ele me disse - Chefe, eu a matei com minhas mãos, mãos que gostavam de acariciar seu rosto. Eu me maldigo até hoje e sempre que posso saio do inferno que vivo para vê-la novamente aqui na floresta. Mas ela Chefe, ela não me quer mais. Diz aos gritos que me ama mas não quer me ver. Ela não queria morrer Chefe! Ela amava a vida! E eu a matei!

           Voltei devagar de costas rumo ao pequeno fogo bruxuleante, falei baixinho e tão baixinho como se estivesse engasgado e com uma voz forte – Não vou apertar sua mão! Você é um fantasma assassino! Não venha aqui participar conosco, nenhum desses jovens meninos e meninos irá gostar de ver seu rosto cheio de cicatrizes, suas mãos apodrecendo, seus cabelos caindo, este cheiro de enxofre e seus braços cheio de bichos do inferno. Se afaste! – Um burburinho na tropa, se ajuntaram mais, o fogo ia diminuindo, a floresta parecia invadir a pequena clareira que nos servia de abrigo para aquele Fogo de Conselho. – Um menino noviço ainda tremendo me pediu quase chorando: - Chefe, mande-o embora. Ele matou sua mulher, não quero vê-lo por favor Chefe! Alguns soluçavam, outros me pediram para parar. – Não tenham medo, eu vou clamar as almas do outro mundo presas no inferno para levá-lo onde ele merece ficar. Queimando para sempre junto ao Demônio.

           Não sei se era minha história, se era minha lenda mas o fogo que quase se apagava de supetão se elevou no ar, a clareira ficou como se fosse dia. Milhares de fagulhas subiam para o firmamento. Um trovão se ouviu no céu. Todos deram as mãos, ficaram em pé e gritavam – Chefe queremos voltar à barraca, por favor Chefe! – Calma jovens Escoteiros, não precisam ter medo, Lomanto foi embora, Nina com seu vestido branco também. Não vamos vê-los nunca mais. Terminei a lenda cansado, ofegante, dei tudo de mim para que ele fosse verdade. A cadeia da fraternidade foi feita rapidamente. Na volta ninguém queria ir à frente e ninguém atrás. Os Escoteiros e escoteiras estavam juntinhos e havia um silencio sepulcral. Foram dormir, muitos rezaram, eu fui para minha barraca. Estava só. Sentei em um pequeno toco onde ainda jazia um pequeno fogo que fiz antes do anoitecer e pensei na história na lenda que contei e um arrepio correu pelo meu corpo, senti uma mão no meu ombro, tremi da cabeça aos pés! – Olhei era ela, Nina, vestida de branco, linda, a mulher que morreu. – Obrigado Chefe, o senhor me ajudou. Ele agora vai me deixar em paz!

        Fui dormir tarde depois da meia noite, sentia na pele o orvalho da madrugada caindo, dei a ultima volta nos campos de patrulha, todos dormiam, pensei comigo que história são histórias, lendas são lendas mas existem algumas que podem se tornar realidade. Que Nina descanse em paz e que Lomanto se arrependa do que fez. Os anos se passaram. Minha mente voa pelo passado quando contava histórias e lendas e fazia a escoteirada sorrir e sonhar. Contei centenas de histórias e lendas neste mundo de Deus. Em florestas, em montanhas, em vales enormes cheio de cachoeiras, em picos sem fim. Contei histórias nas campinas do meu estado e de tantos outros, contei histórias e lendas nas margens de um lago gelado história que ao contar gelei. Hoje passado muitos anos até hoje ainda encontro com alguns Escoteiros ou escoteiras que estiveram lá naquela clareira e sempre me dizem e juram que viram Nina chorar...


          Gosto de contar histórias e gosto de Lendas, porque as lendas são envoltas em Mistérios e Magias. São uma criação dos caminhos da mente, da vaga imaginação da liberação dos silêncios da alma...

quinta-feira, 22 de maio de 2014

As aventuras de Ticha. Uma Lagartixa dengosa.


Lendas escoteiras.
As aventuras de Ticha. Uma Lagartixa dengosa.

               Eu tenho um especial carinho pelos lobinhos. Quando atuava na linha de frente adorava ficar olhando para eles, me fixava em um ou dois prestava atenção aos seus olhos, à boca, a expressão de felicidade e isto me fazia feliz. Quando um lobinho ou lobinha fica quieto ou quer sentar para descansar está doente. Eles não param. Vivazes, alegres e correndo sem parar. Infelizmente fiquei pouco tempo como Chefe deles. Menos de três anos. Tive muitos amigos e amigas chefes de lobinhos. Estes chefes tinham sua maneira, seu porte, seu sorriso diferente do chefes escoteiros. Ontem me dirigia ao Super Mercado a pedido da esposa para umas comprinhas e passei em frente ao Grupo Escoteiro Rui Barbosa. Não deu outra. Tive de parar. Eu tinha bons amigos ali e gostaria de revê-los e dar um abraço Escoteiro. A tropa Escoteira não estava e os sêniores também não. Mas lá esta KeláNina com seus traquinas a correr pelo pátio. Desculpem o seu apelido, mas de tantos os lobos chamarem-na de Kelá o apelido pegou. Até eu só a chamava assim.

              Ela me viu e deixou a Alcatéia com sua Assistente. Nina teria no máximo trinta e oito anos. Casada e dois filhos na tropa. Entrou por causa deles e ficou. O tal mosquitinho Escoteiro mordeu. Ficamos grandes amigos quando dirigi um Curso Avançado de Lobos. Ela aluna sempre me procurava para perguntar e perguntar. Grande perguntadora! Risos. – Chefe! Que prazer em ter o Senhor aqui! – Alegria minha KeláNina, afinal estava com saudades. – Sabe Chefe, voltamos de um acantonamento semana passada e olhe, até hoje não acredito em tudo que aconteceu. – Lá vinhas histórias. Adoro. Deixo tudo para ouvir uma boa história. – Conte disse eu! Esqueci completamente minha ida ao supermercado. – Pois não – Observe aquela lobinha morena de cabelos curtos bem baixinha. Ela se chama Katinha. Claro apelido. Um dia me procurou se podia trazer com ela a Ticha. Ticha? Disse eu. Kelá é minha amiguinha, uma lagartixa. – Olhe Katinha não dá. Ela vai prender sua atenção e você pouco vai absorver o que estaremos fazendo, isto sem contar que os outros também não iram participar como devem.

             - Água mole em pedra dura que um sábado a deixei trazer. Porque não? Garantiu-me que ela ficaria em uma pequena gaiola. Para dizer a verdade não entendia nada de lagartixa, sabia sim que muitos jovens estavam mudando seus hábitos com animais de estimação. Já conheci alguns com cobras, papagaios, canários, e outros bichos. Mas lagartixa não. Tudo correu bem nos quatro primeiros sábados. Um acantonamento estava marcado para o final de junho, feriado de Corpus Christi. Katinha chorou para levar sua Ticha. Tanto chorou que deixei. Antes de ir fiz uma pesquisa na internet sobre elas. Lá dizia que Lagartixas são animais surpreendentes. Embora muitas pessoas tenham a imediata intenção de matar uma lagartixa ou gritar de medo e/ou nojo, esses animais são importantes controladores de pragas, como insetos. E, além disso, são criados por gente do mundo todo como animais de estimação.

                        - Era um mundo a parte Chefe. Eu nunca poderia entender bem tudo sobre elas. E assim começou nosso acantonamento, ou melhor, nossa aventura lagartixeira. No primeiro dia Katinha só ficava de olho na sua Ticha que ela deixou em cima da mesa da varanda. À tarde Katinha me chamou – KeláNina foi a Ticha quem me contou. Está vindo aí e vai passar por aqui agora a tarde um exame de abelhas africanas. Ela disse que são milhares e milhares. Disse também para não deixar ninguém ficar do lado de fora da casa e trancar portas e janelas. – Pelo sim e pelo não, pois já pensou milhares de abelhas africanas picando os lobinhos? – Prendi todo mundo contra a vontade e vários fazendo lá dentro maior zoeira. Não deu outra. Eram quatro da tarde e o céu ficou preto de abelhas. Meia hora depois elas haviam sumido com o vento sul. Fiquei cismada, lagartixa falando? Bem na minha pesquisa vi que elas e algumas espécies conseguem se comunicar vocalmente através de ruídos, coisa incomum para répteis. Além do mais é um dos únicos animais do planeta que conseguem aderir em quase qualquer superfície e até escalar o vidro. Mas falar?

                      No segundo dia de novo estava lá Katinha. – KeláNina, Ticha gostou muito da senhora e gostaria de apresentar O prefeito da cidade de City Lagarti. Ele pediu para conhecê-la. – Chefe, brincadeiras a parte, mas não sei onde estava com a cabeça. Aceitei o convite e fui com Ticha e Katinha até onde ela disse ser a cidade. Nossa! Fiquei abismada. Próximo a um lago em um barranco centenas de buracos tipo cavernas e de lá começaram a sair milhares de lagartixas. Um barulho diferente, mas educado sem correrias elas tomaram conta da areia que beirava o lago. Uma lagartixa gorda, enorme e quase achei que seria um lagarto se aproximou. Ficou nas duas patas trazeiras e fazendo trejeitos com a cabeça parecia sorrir para mim – KeláNina!  Apresento o prefeito da cidade, o Senhor Mestre Baba! Meu Deus! Não via ninguém falar, mas Katinha jurava que sim. Não sabia se estava assustada, se isto me deu uma enorme surpresa ou se eu estava sonhando. Voltamos caladas com Ticha nas costas de Katinha.

                - O pior Chefe foi no último dia. Depois do cerimonial de bandeira de despedida, Katinha me procurou ainda no circulo antes do Grande Uivo e me disse que Mestre Baba tinha solicitado educadamente que parte dos habitantes de City Lagarti, pudessem participar também de uma cerimonia de bandeira. Eles gostaram muito da que a senhora fez conosco! E agora Chefe? Já viu um pedido assim? Fazer o que? Após o arriar da bandeira, dei para Katinha uma bandeira do grupo. Ela mesmo colocou no cabo (era arvorado) e fez um sinal de reunir. – Imagine Chefe centenas de lagartixas correndo e tomando posição em frente à bandeira. Para dizer a verdade ficaram uma ao lado da outra e se a gente pudesse ver por cima seria uma perfeita ferradura. Os lobinhos e as lobinhas estavam adorando tudo. Katinha fez um sinal elas levantaram a cabeça e ela hasteou e arriou a bandeira ao mesmo tempo. – Precisa ver Chefe. As lagartixas fizeram um ruído tremendo. Pulavam, subiam em cima da lobada, em cima de mim e no principio fiquei com medo. Depois entrei na farra lagartixeira!


                O Ônibus saiu devagar para não passar em cima das milhares de lagartixas que cismaram em ficar até nossa partida. Katinha sorria de orelha a orelha. – Sério olhei para KeláNina, mas ela parecia estar sendo sincera. Pelo sim e pelo não dei boa tarde um bom aperto de mão e fui me despedir do Chefe Brito que era o Diretor Técnico. Cheguei tarde em casa. Célia me olhou e rindo falou – Escoteirando? Sorri e repliquei – Não – Lagartixando! São histórias que me contam e eu repasso. Acreditem quem quiser. Mas eu sou um eterno sonhador, acredito em tudo. E não é que sonhei com KeláNina, Katinha, Ticha e Mestre Baba? Risos.        

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Aceite meu convite. Venha ver o outro lado da montanha.


Aceite meu convite. Venha ver o outro lado da montanha.

Ei você! Não pare na subida da montanha. Não desista! Prossiga. Você está apenas no inicio. Não queres ver o outro lado? Será que lá não tem coisas lindas para ver? Você é livre, livre para decidir sua vida. Corra atrás dos seus sonhos dos seus desejos. Deixe o vento soprar em seus cabelos, deixe o aroma das flores perfumarem seu caminho, sorria com o orvalho que vai cair na madrugada. Siga o caminho dos pássaros que estão cantando. Do outro lado da montanha quem sabe seu espírito irá se libertar e não ficará preso nas adversidades da vida.

Olhe a frente, veja as estrelas no céu. Não podes contar quantas são. Podes imaginar. Olhe! Pense naquela estrela cadente! Para onde foi? Quem sabe depois da montanha você vai descobrir seu caminho para o sucesso? Vamos, levante a cabeça, coloque sua mochila às costas, solte sua bandeira, cante uma canção e deixe a chuva cair na sua face. Ela vai refrescar sua jornada. Você é livre, caminhe com suas próprias pernas, veja o rumo, trace seu destino e vá... Lá depois da montanha quem sabe vais ver a beleza do universo vai sentir a brisa a lhe afagar o rosto, irás beber a água límpida da fonte que jorra. Ouvirá o canto do sabiá, e um arco íris colorido irás dizer a você que ali mora a felicidade. Afinal meu amigo ou minha amiga, você é um bravo do escotismo. Tens o Rataplã na mente e BP no coração. Escotismo é assim, um sorriso nos lábios e a busca de aventuras por toda a vida. Portanto repita comigo para que todos ouçam:

 - Alerta Escoteiros! Mochila as costas, bandeiras desfraldadas ao vento e em marcha de estrada vamos dizer alerta para os que ficaram e gritar alto: Avante! Sempre Juntos! Em frente marche! Vamos cantar uma bela canção e partir com nossos amigos em busca dos nossos sonhos. Rataplã do arrebol, escoteiros vede a luz! Rataplã olhai o sol, de um Brasil que nos conduz!   

Avante Escoteiros do mundo! Do outro lado da montanha iremos ter uma nova vida. Uma vida de felicidade. Basta querer!

Chefe Osvaldo. 

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Como era verde o meu vale!


Lendas escoteiras.
Como era verde o meu vale!

Nunca conheci meu vale,
Nos meus sonhos era verde na primavera
Lilás no inverno
E dourado no outono
Mas era meu vale, lindo, e ali
E podia viver meus sonhos
Que nunca mais esqueci!

Conheçam a fórmula para a felicidade
Felicidade = P + (5xE) + (3xA)

. Na equação, P corresponde à pessoa (características da visão de vida, adaptabilidade e flexibilidade), E mede o que é essencial ou existencial (saúde, estabilidade financeira, amizades) e A representa as coisas que o entrevistado considera como "em alta" em sua vida (autoestima, ambições, expectativas). A autoestima, expectativas, ambições e senso de humor (H) também são adicionadas, em menor escala.

                     Ninguém acreditou quando viu. Nem eu mesmo. Inacreditável! Impossível! Médicos, psicólogos todos aqueles que deram sua contribuição para a recuperação de Aninha se estivessem alí, estariam tão perplexos como eu. Tudo fora tentando no passado. Longas viagens, passeios, terapia, enfim, seria por assim dizer uma interminável lista, com todos os tipos de tratamento e sujestões. Eu desconhecia esse fato. Nem mesmo me dei por achado quando me falaram de Aninha. Aninha! Olhos negros, pequenos, nariz afilado, cabelos encaracolados negros e cortados curtos. Nos seus sete anos não chamava atenção, quieta no seu canto, sem sorrir, sem olhar para ninguem. Sempre voltada para o nada, como se estivesse em outro mundo, em outra dimensão.

                   Só fui conhecer a historia de Aninha, muitos anos depois quando tentaram enturmá-la em uma matilha na alcateia do grupo que participava. O que me disseram foi uma historia fragmentada, onde nada se ligava, a não ser sua profunda tristeza, fechada em sí propria. Quando nasceu seus pais não observavam nada de anormal em Aninha. Claro, quase nunca chorava. Rir? Nunca viram. Aos dois anos desconfiaram que ela tivesse algum problema. Não sabiam o que era. Não tinham a menor idéia. Entretanto, verificaram que ela tinha toda caracteristica de uma criança autista. Afastava-se do mundo, das meninas de sua idade. Inclusive dos seus próprios pais.

                 Ela vivia sozinha. Fechada em seu mundo. Não fazia amigos. Quando chamada muitas vezes nem respondia. Seus olhos não tinham uma direção fixa. Aqui e ali e nunca olhava ninguem diretamente. Parecia procurar algum no infinito. Brincadeiras com outras crianças? Nunca. Bem Aninha falava corretamente. Pelo menos a fala era perfeita. Mas o que mais entristecia aos seus pais, era o sorriso. Nunca viram Aninha sorrir. Nem chorar. Na escola seus professores sentiam enorme dificuldade em acompanhá-la. Aconselharam aos seus pais que procurassem ajuda especializada. Alí na companhia daquelas crianças ela não se enturmava, não se desenvolvia e tudo que eles fizessem não era do seu agrado.

                Seus pais levaram Aninha a diversos medicos, terapeutas, psicólogos e nenhum deles foram capazes de diagnosticar o que se passava com Aninha. Descartaram a possibilidade de ser ela autista. Todos os testes indicavam o contrário. Os pais de Aninha faziam de tudo. Nos fins de semana a levavam em cinemas, shopings, parques, tudo onde diziam que as crianças sorriam e brincavam. Aninha não. Levavam uma vida modesta. Seu pai trabalhava em um Banco na cidade, e seu salário era acanhado. Mas o suficiente para que desse todo conforto a sua familia e principalmente a Aninha.

                Um dia, eu estava em casa, revendo um filme e que tinha visto diversas vezes. Um dos meus preferidos. “Como Era Verde o Meu Vale". É um daqueles filmes que ficam na lembrança para sempre.  Acho que, mesmo para quem já o assistiu revê-lo é reviver as mesmas emoções movidas pela história do jovem Huw e de sua família.  Há quem diga que ele era o preferido do diretor John Ford.  Talvez uma das grandes causas do sucesso desse filme seja o fato dele criar, de alguma forma, um forte sentimento de família que persiste mesmo enfrentando a obrobpobreza, greves, acidentes etc. Deu-me um estalo! Eureka! Quem sabe o escotismo pode ajudar?

                 Liguei para a Akelá Silvia na mesma hora, passava da meia noite, e falei sobre Aninha. Ela já conhecia a historia. Perguntei se tentaram convidá-la a ingressar na alcatéia. Ela me disse que a familia esteve lá em duas reuniões. Entretanto Aninha não mostrou nenhum entusiasmo. Nem mesmo ficou prestando atenção a movimentação das lobinhas. Não me dei por vencido. Eu acreditava que devia existir uma maneira de Aninha se interessar por alguma coisa que poderia ser a solução para ela. O escotismo poderia ser a fórmula para a felicidade de Aninha. Felicidade = P + (5xE) + (3xA). Não conhecem? Nem eu. Inventei agora. E isso me fez acreditar mais e mais no que pretendia fazer. Eu sabia que esta fórmula é a chave mestra da força do movimento escoteiro.

                Estudei meu plano nos minimos detalhes. Falei com os pais de Aninha, com a Akelá, com o Diretor Técnico sobre o plano. Riram de mim. Com que base diz isso? Se tantos especialistas tentaram e não conseguiram, voce agora achou a fórmula certa? Falavam. Mas eu acreditava. Queria o aval de todos. Os pais de Aninha não se animaram, mas tampouco foram contra. Tinham tentado tudo e sempre nutriam a esperança de ver Aninha sorrir. Só uma vez bastaria diziam. Não sabiam como era seu sorriso. Ela nunca sorriu.

                 O dia chegou. Eu não tinha medo ou receio. Se desse certo, teria feito meu papel escoteiro da boa ação. Se desse errado, paciencia. Sempre devemos tentar. Se um dia formos nos criticar, que seja por ter feito e não por ter deixado de fazer. O dia foi de sol, a tarde uma linda tarde prenunciava o sucesso no meu empreendimento. Eu acreditava piamente que daria certo. Fui à casa de Aninha. Tudo estava preparado. Esperamos dar umas oito horas da noite. Ela dormia profundamente. Sua mãe a carregou até o carro.

                A viagem foi curta. Chegamos logo ao sitio onde a Alcateia Waingunga acantonava. Eu sabia que o Fogo de Conselho seria por volta das nove da noite. Teriamos que transportar Aninha sem ela acordar, até o local, e ali sentada em uma cadeira de praia e no escuro, Aninha seria acordada com a chegada das lobinhas, que caladas iriam ficar em volta da fogueira e dando as mãos cantariam bem alto a Canção do Fogo do Conselho. Aninha acordaria e vendo as chamas altas e tantas meninas alegres e cantando poderia levar um choque de felicidade. Seria possivel?  Quando contei para os coadjuvantes todo o plano eles riram a valer. Incrédulos! Em acreditava que ia dar certo.

                Todos os chefes presentes e os pais olhavam para Aninha. A espera fora infindável. A canção terminou, o fogo crepitou as chamas subiram ao alto, os passaros norturnos piavam, até uma coruja voou de seu ninho em busca de sossego. Aninha acordou espantada, surpresa e assustada. Ficou em pé, e vendo tantas lobinhas dançando em volta do fogo, eis que o inusitado aconteceu. Aninha passou a seguir os passos das outras. Cantava baixinho: ¶ Na Roca do Conselho, o uivo do Aquelá. E na Jângal distante, respondem os Lobinhos - Au au u u. Au Au u u. ¶¶.

                   Aninha agora sorria, brincava e cantava com as outras meninas. Seus pais pularam de contentes, o sorriso deles era contagiante. Os incrédulos de olhos arregalados, não acreditavam no que viam. Durante todo o Fogo de Conselho Aninha participou ativamente. Esqueceu os seus pais. Suas amigas agora eram as meninas da matilha Marron. Fora adotada e muito bem recebida por elas. Em pouco tempo ela conhecia tudo da Jangal. No monte Seone, onde habitava a alcatéia sua mente vivia agora. Conhecia o Rio Waigunga, que corre dos montes Seone e forma os pântanos nas baixadas, não esquecia nenhuma parte quando contava a historia de Oodeypore, a cidade onde nasceu Mowgly e onde Bagheera a pantera negra esteve presa.

               Aninha mudou. Muito mesmo. Ninguem explicava como podia ter acontecido assim. Seus pais comentavam com amigos que o escotismo é a formula do sucesso para os jovens. Todos os sábios doutores tentaram e nada conseguiram. Agora em um simples Fogo de Conselho aconteceu à cura de sua filha. Eles se transformaram. Suas tristezas acabaram. Encontraram a fórmula da felicidade junto com ela. Aninha fez a promessa, um dia sem sol, mas parecia que o vento sul trazia toda a força dos Campos de Bhurtpore.

               Foi um dia que marcou muito. Eu estava lá. Não podia perder. Era como se Hathi e seus filhos também estivessem presentes. Aninhados em um degrau da escada Baghera e Baloo se deliciavam com a promessa de Aninha. Enroscada no mastro da bandeira, Kaa ria e dizia, “Somos do mesmo sangue, tu e eu!” O lobo Gris e seus irmãos davam um grande uivo de felicidade. Até mesmo os Bandar-log, o povo macaco, agora tambem estava feliz ali, vendo Aninha dizendo com todo amor: “Prometo, fazer o melhor possivel para...”

               Muito tempo depois, fiquei sabendo que Aninha em sua casa chamava seus pais, e alí com o fogo da lareira acesa, contava historias da Jangal e soube tambem que alguns parentes, vizinhos e amigos se reunião para sentir a força da felicidade de Aninha, quando ela contava ou narrava com sua voz linda, em pé, olhando nos olhos de todos em sua volta e apontando um por um dizia, - Voces precisam conhecer a Lei da Jangal, Baloo, o urso pardo sempre dizia que essa lei vigora na selva e é antiga como o céu. Dizia ainda que assim como o cipo que envolve a árvore, a Lei do Lobinho envolve todos nós.

              Aninha ficava horas narrando. Ninguem arredava o pé. Pareciam encantados como se Kaa a serpente ali tivesse passado. Conheceram todas as personagens, e até tinham medo de Shere Khan.  – Porque voce matou? Perguntou Hathi, pelo prazer de matar? Shere Khan respondeu isso mesmo. Era meu direito. A noite é minha voce sabe. Que direito é esse de que fala Shere Khan? Perguntou Mowgly. É uma historia antiga, tão velha quanto à propria selva. Então Hathi narrou cabisbaixo, descrevendo como o medo se apoderou dos habitantes do outro lado do rio. Mas essa é outra história...

              Foi maravilhosa a recuperação de Aninha. A Alcateia Waingunga passou a ser outra. Agora Aninha dava o toque da alegria e da felicidade. Ninguem ria mais que ela, quando brincava ou jogava era como se fosse à primeira vez. Entregava-se de corpo e alma. A matilha marron nunca mais foi à mesma. Corria, saltitava, gritavam e Aninha mostrava a todos sua mais suprema alegria e felicidade do mundo. É como Aninha mudou. Como o escotismo faz milagres. Lembro-me que um dia lí, não me lembro onde, que cada pessoa que passa na nossa vida, passa sozinha, porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra. Ela não nos deixa só, porque deixa um pouco de sí e leva um pouquinho de nós. Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que as pessoas não se encontram por acaso.

              Não sei por que, me lembrei de outro filme, famoso, uma ficção cientifica cujo título era Blade Runner. Em um momento triunfal, onde a justiça e a coragem se fazem presentes, o androide antes de morrer disse – “Eu vi coisas que voces nunca acreditariam. Naves de ataque em chamas perto da Borda de Orion. Vi uma luz do farol cintiliar no escuro, na Comporta Tannhauser. Esses momentos todos se perderam no tempo, como lágrimas na chuva. Hora de morrer”. Nada há ver. Não irei morrer. Mas ví muito mais. Ví Aninha sorrir. Valeu uma vida e esses momentos nunca se perderão no tempo, como lágrimas na chuva. Para mim, o sol brilha de uma maneira firme. Quem viu Aninha sorrir pela primeira vez, nunca mais vai esquecer.

             O tempo passou. Mudei de cidade, nunca mais ouvi falar na Aninha. Agora deve estar uma moça feita com seus 18 anos. Tenho certeza que ainda está sorrindo. Sua vida agora é outra. Todo o passado se foi e ela aprendeu a sorrir, descobriu a felicidade. O porquê de antes e o porquê de agora, não sei explicar. Não sou psicólogo. Nem um doutor entendido no assunto. Mas sou um escoteiro, e sei por natureza que o escoteiro vive sorrindo, a vida para ele é bela e é formada de doces e grandes momentos de alegria e felicidade.

            Sei também que as dificuldades ele o escoteiro deixa em um canto do armário, um dia vai lá e dá um jeito nela. Ajudando o próximo, amando seus irmãos e sendo amigos de todos, não importa quem. Ele, o escoteiro faz a sua felicidade. Eu acho que sou feliz, muito. Contribui para que Aninha descobrisse a fórmula. Qual? Felicidade = P + (5xE) + (3xA) resultado- ESCOTISMO! Uma linda maneira de viver e ser feliz! Amo e adoro ser escoteiro!

Não me canso de procurar a tal fórmula da felicidade completa e talvez quando a encontrar perceba que sempre faltará um dos elementos...

Talvez aí resida à mágica dessa incansável busca.


sexta-feira, 16 de maio de 2014

O Chefe Escoteiro de lua Verde.


Lendas escoteiras.
O Chefe Escoteiro de lua Verde.

                     Três patrulhas. A quarta só no ano seguinte. Tropa nova, com menos de seis meses de atividade. O Chefe Galício era novo, menos de vinte e três anos. Resolveu um dia ser Escoteiro. Nunca foi. Achou nos guardados do seu pai um livro chamado Escotismo Para Rapazes de Baden Powell o fundador. Leu em uma noite. Gostou. Seu pai quase não falava. Vivia em uma cadeira de rodas. A mãe morrera há anos. Ele ó arrimo da família. Sempre pensou em ir embora de Lua Verde. Só conseguiu terminar o segundo grau. Cidade pequena, menos de dez mil habitantes. Sem perspectivas de crescimento profissional. Não podia deixar seu pai. Para sobreviverem ele montou uma quitanda. Pequena. Na frente de sua casa para não pagar aluguel. Algumas verduras, frutas, doces, e quando pode comprar uma geladeira, refrigerantes e algumas guloseimas geladas. Dava para seguir adiante a cada mês. O “fiado” era a parte mais difícil. Como negar ao Seu Romerildo? A Dona Eufrásia e a tantos outros? Eram como ele. Nem sabiam o que iam comer amanhã.

                    Depois que leu o livro o releu diversas vezes, pensou com seus botões. - Porque não ter uma Tropa Escoteira aqui na cidade? E assim fez. Mãos a obra. Convidar meninos foi fácil, a sede também não foi difícil. Ficaram num pequeno porão da Igreja Matriz. Mas Galício não entendia nada. Começou assim na raça, nem sabia que existia autorização, alguém responsável acima dele. Ele e os Raposas, os Tigres e os Leões eram os escoteiros mais felizes do mundo. Amigos, irmãos, juntos sempre. Quando os viam pela cidade a correr pelos campos, parecia um bando de meninos loucos a fazerem suas aventuras fantásticas. Galício adorava. Um dia recebeu uma carta. Era do Grande Chefe Escoteiro da Capital. O convidava para um curso. Todas as despesas pagas. Porque não ir? A quitanda deixou na mão de Quinzinho e Marquinho. Dois Monitores que sempre o ajudavam nos sábados quando a quitanda estava cheia.

                   Partiu de trem para a capital. Quinze horas de viagem. Na chegada se informou onde era o Zoológico. Pegou o bonde. Desceu no final e dai seguiu a pé. Eram mais seis quilômetros. Nada que assustasse Galício. Quando chegou viu muitos chefes. Bastante. Gostou do curso. Não gostou de alguns. Prepotentes, vaidosos, cheios de importância. Foram seis dias acampados. Viveu com seis deles em uma patrulha. Pensou consigo se eles sabiam que pertenciam a uma fraternidade. Aprendeu muito. Resolveu que deviam ter uma Alcatéia. Mas quem convidar? No trem quando retornava pensava a respeito. Uma jovem morena sentou ao seu lado. Galício teve duas namoradas. Pouco tempo com elas. Nunca pensou em casar. Novo. Agora com seu pai entrevado em uma cadeira de rodas não tinha esse direito. Ela o olhou de cabeça baixa. Galício viu que chorava. – Por quê? Perguntou. Ela não respondeu. Acordou com ela dormindo em seu ombro. Reparou que era muito bonita, mas tinha o olhar envelhecido por uma vida de lutas.

                    Toda a viagem ela chorava. Galício insistiu. Ela nada dizia. Só disse que deveria ter morrido e Deus quis assim. Que seja. - Vai para onde? Sem destino respondia – Sem destino? Não tem amigos, parentes, nada? Não tenho. Quando chegou à estação de Lua Verde tinha resolvido. Desça comigo. Ficará uns dias em minha casa. Ela assustou – Descer? E sua família? Não se preocupe. Uns dias em Lua Verde você irá colocar a cabeça no lugar e saberá aonde ir e o que fazer. Ela desceu. A cidade inteira na janela vendo Galício e a bela morena. Quem era? Ele casou? Ele não disse nada. Sua vida continuou. Seu pai nem perguntou. Os escoteiros nada disseram e nem perguntaram, amavam seu Chefe e sabiam que ele nunca tomava decisões erradas. Sua vida mudou. Lena era uma mulher perfeita. Cuidava da casa. Fazia tudo. Seu pai tinha os olhos brilhando quando estava ao seu lado. A cidade inteira comentando. E a Tropa? Alguns pais querendo tirar os filhos. Os comentários não eram bons. Uma mulher da vida, só podia ser.

                   Galício resolveu casar com Lena. Ela disse não. Por quê? Você não tem ninguém. – Ela chorando disse que ia contar a verdade. Fora mulher de vida na capital. Gostava de um soldado. Ele prometeu casar com ela. Morreu em tiroteio com bandidos. Chorou muito e o pior. Tinha AIDS. Sim, isto mesmo! Ainda em fase inicial.  Galício manteve seu pedido. Não importa. Quero você como minha mulher. Casaram-se na Igreja de São Judas Tadeu. Cerimônia simples. Ele uma vizinha e as três patrulhas escoteiras. Casou de uniforme. Ela feliz. Sorria. Viveram muitos anos. Lena se tornou Akelá. Os lobinhos adoravam sua Akelá. Galício e Lena nunca fizeram sexo. O amor dos dois era platônico, diferente. Lena morreu com sessenta e dois. Seu velório foi assistido por toda a cidade. Dizem que virou santa. Não sei. Mas seus lobinhos hoje homens feitos nunca esqueceram a Chefe que tiveram. Galício chorou por muitos anos. Morreu com oitenta e quatro anos.

                  Conheci ambos. Sempre quando vou a Lua Verde faço uma visita ao Grupo Escoteiro que sempre os teve no coração. Nunca deixo de fazer uma visita ao tumulo dos dois. Lado a lado. Escreveram uma lápide simples. Nem sei quem escreveu. – “Aqui jaz, dois amantes que nunca foram. Amaram o escotismo e com ele viverão para sempre no céu!”.