No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras

No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras
A aventura está apenas começando

sábado, 28 de fevereiro de 2015

O escotismo que eu sonhei.


Conversa ao pé do fogo.
O escotismo que eu sonhei.

“Um dia hei de renascer numa grande cidade de outro sistema planetário, no passado ou no futuro, onde uma única montanha de 5 quilômetros de altitude se recorta no céu azul - com toda a compaixão que sinto dentro de mim, a única coisa que vou precisar é da sabedoria da terra.”.

                 Esta noite eu tive um sonho. O mais lindo sonho que eu sonhei. Já sonhei com tantas coisas, aventuras incríveis que nunca pude realizar. Um dia sonhei que estava perdido nas montanhas do Himalaia e me safei. Perdi-me em lugares desconhecidos nos labirintos profundos do Vale da Esperança, Sonhei que estava navegando em um barquinho e atravessei o oceano em busca dos meus amigos do além mar. Cada sonho eu acordava e via que a realidade era outra mesmo assim sempre fui em busca dos meus sonhos. Nem todos eu conseguia alcançar. Quando a gente começa a envelhecer os sonhos não acontecem mais como outrora. O corpo já viveu tantas coisas que os sonhos se foram. Quem sabe o tempo é curto para realizá-los. Eu sei que cada sonho que a gente deixa para trás, é um pedaço do nosso futuro e isto faz com que ele deixe de existir. Mas me recordo de muitos deles que consegui realizar e outros que até hoje ficaram como apenas sonhos levados pelo vento que nunca mais irão voltar. Dizem que quanto maiores forem nossos sonhos, maiores também serão as escadas que teremos que construir para alcançá-los.

                Mas eu tive um sonho incrível. Foi um sonho que tudo que tocava, que tudo que pensava se realizava. Eu me sentia como o Rei Midas, aquele das lendas que contam até hoje para nós. Ele tinha o simples poder de transformar tudo em ouro, bastava tocar em algum. Fazia a quem merecesse se tornar próspero, eficiente, espetacular em tudo que poderia fazer. Sei que todos nós temos um pouco do Rei Midas. Acreditar e ter perseverança entrega total naquilo que a gente faz. Isto mesmo, podemos transformar tudo em ouro em apenas um toque. Eu sabia que não era o Rei Midas, mas me lembrei dele quando acordei em um País que nunca vi. Estava acordado e não acreditei no que via. Era mais que a cidade dos sonhos de Xangrilá. Nesta cidade ninguém ficava triste, ninguém reclamava, havia respeito ao próximo, e todos respeitavam as leis da cidade sem pestanejar. Estas leis todos sabiam que foram feitas por milhões de mãos que habitava esta cidade. A honra e transparência era uma questão de princípios desde que um novo ser surgia pelas mãos de Deus.

               Andava a esmo por cada rua, por cada avenida e a cada passo mais eu ficava admirado com aquela cidade. Era incrível. Notei que ali todos se respeitavam. Havia eletricidade no ar. Havia amor no coração. Ninguém ditava normas sem consultar, ninguém determinava sem perguntar, ninguém cobrava taxas absurdas onde muitos não poderiam pagar. Pensei comigo: - Deus é aqui que quero morar. Foi então que uma enorme surpresa aconteceu, esfreguei os olhos e quase não acreditei no que via. Eles vestiam iguais. Um uniforme ou uma vestimenta que dava orgulho em ver. Limpo, arrumado, bem apresentado. Não havia invenções, não havia nada que destoasse do verdadeiro, da disciplina, do orgulho de cada um dar o exemplo aos jovens daquela linda cidade. Fui convidado, paquerado, olhado e recebi sorrisos encantadores que me envaideceram. Ali não importava o que cada um fazia, pois todos faziam a mesma coisa para a felicidade dos seus moradores. Ali a reputação de todos era respeitada, pois cada um sabia que seus direitos começavam onde terminava o direito dos outros.

               Não me apresentei a ninguém, todos se apresentavam a mim como se eu fosse um estranho que a partir de um aperto de mão não era mais. O abraço que recebia as palavras de bem vindo era bom demais. Sentia-me revigorado, pois vi que ali havia um respeito pelas normas e cumprir a Lei Escoteira era ponto de honra para cada um. Chorei quando vi uma menina cantando maravilhosamente o Rataplã. Vi-me perdido em um grande fogo onde todos brincavam, não importava a idade, os jogos eram jogados com prazer e cada equipe se fazia presente para divertir de maneira inteligente os astutos habitantes daquela cidade, em volta de um grande Fogo de Conselho. Até os pássaros ajudavam a cantar. As borboletas de todas as cores voavam sobre cada um como se fossem anjos do senhor a abençoar. Bastava tocar no céu e um arco íris colorido aparecia. Amei meu sonho. Um sonho que sabia ser impossível hoje, mas que seria possivel no amanhã.


                Era uma utopia, um sonho impossível, Mario Quintana não dizia que se as coisas são inatingíveis... Ora! Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos, se não fora a presença distante das estrelas! Mas tudo que é bom dura pouco e acordei. Acordei querendo chorar e me lembrei do poeta que matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso! Pode sim ser um sonho utópico. Irrealizável mas eu acredito e sei que todos acreditam que as voltas do mundo nos vão trazer o melhor dos nosso sonhos. Outro poeta comentou que um sonho sonhado sozinho é um sonho. Um sonho sonhado junto é realidade. Eu acreditava que um dia não sei quando, a união de todos iria fazer uma cidade como nos meus sonhos. Quem sabe num futuro distante iremos pensar que somos todos irmãos e de mãos dadas iremos ver melhor o brilho das estrelas no céu?

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Era uma vez... Um lindo nascer do sol!


Lendas escoteiras.
Era uma vez... Um lindo nascer do sol!

Encontre em cada anoitecer um motivo pra recomeçar.
Pois ao nascer do sol, a vida te reservará mais uma surpresa ao longo do dia.

             Vamos Nani, está na hora! Acorde! Eu não queria acordar. Acordar para que? Ainda é noite escura, um frio gelado lá fora da minha barraca e eu queria dormir. Jesse não perdoava, puxava minhas pernas, meus braços e até retirou minha manta que me aquecia e eu me enroscava mais e mais. Achei que Jesse não estava bem da cabeça. Bastava que ele nos fez subir no Monte Altaneiro, às duas da tarde, um sol de rachar só para vermos um por do sol. Bah! Quantos por do sol em vi em minha vida? Já tinha visto muitos, claro, não prestava atenção, pois logo escurecia. Mas ele sempre dizendo que os Escoteiros são amigos da natureza, das belezas da terra, e nós tínhamos muito a aprender. Chegamos cedo lá. Todos cansados da subida respirando ofegante. Nem uma árvore para nos proteger. Vimos o sol iluminando todo o Vale da Esperança. Até que estava bonita a vista. Muito verde, da Cachoeira da Onça saia uma fumaça branca e o sol ainda pelejava no céu. Sentei na Pedra Vermelha e a patrulha se sentou também. Acho que ninguém estava nem ai para o tal por do sol.

            Lembro que tudo começou quando ele resolveu nos mostrar como a natureza era bela, e se nós prestássemos atenção iriamos ver tantas coisas lindas que poucos que não os Escoteiros poderiam ver. Eu não entendia nada do que ele dizia e até fiquei surpreso, pois ele era mais velho que eu um ano. Onde será que aprendeu estas coisas? Foi Netinho quem me disse que ele passou uma semana enfurnado na biblioteca da cidade. Deve ter sido ali que veio estas ideias de natureza. Para dizer a verdade para mim árvore era árvore e riacho era riacho. Se ela a cachoeira soltava fumaça tudo bem. O Chefe disse um dia que isto era provocado pelo calor e o contato da água fria a cair de uma altura de mais de 20 metros. Para mim era natural. E quando os peixes queriam pular pelas pedras até o alto? Jessé sorria e se punha a explicar da época da piracema. Não entendia nada e achei que os peixes eram idiotas, pois nunca iriam conseguir. Mas O Jesse não dava folga. Ele viu uma aranha entre duas arvores fazendo sua teia e chamou a patrulha para observar. – Olhem como ela faz, vejam a sua inteligência! Vocês sabiam que a aranha constrói a teia com a fiandeira, uma parte do seu corpo que fica no fim do abdome? Lá tem um monte de tubinhos do qual sai uma substância liquida e quando entra em contato com o ar, essa substância endurece e se transforma em fio de seda!  

             Palavra que não sabia de nada. Jessé parecia nosso Professor de história. Até que achei a história da aranha interessante, mas o por do sol? Bem não vou criticar o Jessé, pois ele praticamente nos obrigou a ficar ali olhando o sol que estava escondendo atrás do Pico do Gavião, e quer saber? Até que achei bonito. Nunca em minha vida tinha prestado atenção. Voltamos e ele sempre falando da natureza, como a trilha de retorno era cheia de samambaias, lá vinha ele com seu ar professoral a dizer que elas gostam muito de terrenos pantanosos e locais mais altos, pois precisam de chuvas e ar frio para sobreviverem. Jessé era demais. Ainda pela manhã nem tínhamos acabado de almoçar e ele nos obrigou a lavar as panelas correndo. Ainda bem que ele também ajudava, e nos levou para um tal de jogo Ver sem ser Visto. Não entendi bem, pois era um jogo parado, e nossa missão era chegar perto dos Inhambus que ficavam próximo da Lagoa da Chuva. – Vão devagar olhando onde pisam. Primeiro olhem onde sopra o vento, o vento não pode levar o cheiro de vocês até o pássaro ou animal que irão observar se não ele voa ou foge e adeus.

          Quase ninguém conseguiu chegar a menos de dez metros. Mas o Jesse era um Monitor diferente. Ele quase tocou as asas de um Inhambu. Tinha de me levantar da barraca. Era um absurdo com aquele frio e ir ver o nascer do sol de novo no Monte Altaneiro. Poxa subir duas vezes no cume? Fazer o que. Peguei minha manta e me enrosquei todo nela. A patrulha estava calada. Ninguém dizia nada. A subida não demorou mais que meia hora. Estava escuro ainda quando sentamos na Pedra Vermelha. Ao longe tudo escuro. Pensei comigo que ser Escoteiro é bom, mas o Jessé estava passando dos limites. Minha cama na barraca estava gostosa demais. Jesse cantarolava a canção da alvorada. Ela assoviava bem. – então ele começou a falar – Vejam! Vocês já observaram que a beleza da vida está no inicio das coisas? Vocês estão aprendendo agora para depois lembrarem para sempre. O nascer do sol é como o nascer da vida, o nascer do amor, o nascer da amizade!

       Quer saber a verdade? Eu vi o nascer do sol do alto do Monte Altaneiro. Nunca imaginei que fosse assim. Nunca prestei atenção a nada que o nosso Monitor nos ensinava. Mas foi a madrugada mais bonita em minha vida. Era lindo olhar no horizonte, além da Montanha da Lua e ver o amarelo aparecendo, depois o vermelho e ele em todo o seu esplendor dar o brilho em todo o vale. Meus olhos não piscaram um só instante. Jessé sem tirar os olhos daquele espetáculo, recitava uma frase de J. Reis que dizia – “Encontre em cada anoitecer um motivo para recomeçar. Pois ao nascer do sol, a vida te reservará mais uma surpresa ao longo do dia”. Meus olhos de criança encheram-se de lágrimas. Ninguém dizia nada. Aquela era a hora da patrulha. Era a hora do seu despertar. E foi então que todos olharam para o Jessé e sem nada a dizer ele entendeu o que queríamos dizer – “Obrigado Monitor, este espetáculo ficará para sempre guardado em nossos corações”.

Boa noite meus amigos e minhas amigas e olhem, não existem nada mais belo que ser um amante da natureza!




sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

O delicioso casamento do porquinho Markito, na Floresta Encantada do Seu Mathias.


Lendas Escoteiras.
O delicioso casamento do porquinho Markito, na Floresta Encantada do Seu Mathias.

                     Markito era amigo do Neném, que era amigo do Jofre, que era amigo do Leialdo, que era amigo do Natalino, que era amigo do Zefiraldo, que era amigo do Denis e que sempre foi amigo do Lelé e Geraldinho. Bem, só tinha uma diferença. Markito era um lindo porquinho rajado de cinza com branco. Os demais escoteiros da Patrulha Pica-Pau. Desculpem. Sei que não estão entendo e vou explicar. A Patrulha Pica Pau era da Tropa Escoteira Santos Dumont e esta era do Grupo Escoteiro Leão do Norte. Eram muito amigos até o dia que apareceu Markito. Ninguém não deu nada por ele. Estavam em reunião e eis que aparece um porquinho pequeno, branco e cinza e melhor, limpinho. Parecia porco de cinema.

                      No cerimonial de bandeira ele ficou entre o Monitor da Pica-pau e o patrulheiro seis. Eles acharam graça e ninguém falou nada. Nem o Chefe da tropa. Durante toda a reunião ele acompanhou a Patrulha. Quando foram para casa pensaram que nunca mais iam ver o porquinho. Engano. No sábado seguinte lá estava ele, e no próximo e no próximo. Sem perceberem ele virou um patrulheiro. Formava, quando davam o grito ele grunhia junto. Em pouco tempo se tornou uma celebridade na tropa. Onde morava como se alimentava ninguém nunca soube. Fizeram pesquisa na vizinha e nada.

                     Dois meses depois a tropa foi para um acampamento de quatro dias aproveitando um feriado de finados na fazenda do Seu Mathias. Na saída ao subir no ônibus lá estava o porco. Já o haviam apelidado de Markito. Disseram que ele parecia com um Sênior namorador do grupo e quando ele soube disto virou “bicho”. Brigou, berrou, levou o caso para O Conselho de Tropa, para a Corte de Honra e nada. O apelido do porco ficou. Markito deu um salto gigante. Bateram palmas para ele, mas subiu com elegância os degraus do ônibus. O acampamento foi uma festa. Markito era o máximo. No terceiro dia ele sumiu de manhã. Lá pelas três da tarde apareceu. Agora com uma companheira. Uma porquinha linda. Dizem que ele falou com o Denis, não acredito nisto, mas o Denis era um bom Escoteiro e não mentia nunca.

                    Chefe, disse o Denis. Markito quer casar. – Casar? O Chefe deu boas risadas. Ele quer que eu faça o casamento? – Sim Chefe. Se ele quer assim porque não? Diga a ele que amanhã no fogo do conselho eu irei celebrar ao casamento dele com a... Qual o nome dela? Fiorentina Chefe. Ele insiste que chamem o Seu Mathias. Ele será o padrinho. A tropa quando soube caiu na gargalhada. Foi o fogo do conselho mais gostoso que participaram. Em determinado momento o Chefe anunciou o casamento do porco Markito e a porca Fiorentina. Quando iam iniciar um fato inusitado. A arena do fogo se encheu de porcos, cavalos, bois, bezerros, galinhas, galos, cabras, gatos, cachorros e uma passarinhada enorme.

                    Não teve jeito. O casamento foi feito. Os escoteiros ficaram boquiabertos. A bicharada começou a cantar, a dançar e até uma Coruja com voz de anjo e acompanhada por um violão tocado pelo Urubu Rei engrandeceu aquele casamento histórico. O fato deveria ficar entre quatro paredes, mas não se sabe como na cidade de Bela Aurora uma semana depois se encheu de repórteres de todos os jornais e TV do país. Todos queriam conhecer Markito e Fiorentina. Mas eles? Sumiram. Procuraram em todo o lugar. Uma semana depois um jornal do Rio de Janeiro publicou que o casal foi visto em Búzios na praia das Caravelas se revezando na linda e tranquila praia da Tartaruga com suas águas transparentes.


                    Só dois meses depois quase no final da reunião, foi que Markito e Florentina apareceram na sede.  Ela com a barriga bem grande e Markito sorria de felicidade. Contou para o Denis que não ia voltar mais para a Patrulha Pica-pau. Construíram uma casinha na Ladeira do Porco, próximo a fazenda do Senhor Mathias, e lá pretendiam viver o resto de suas vidas. Todos desejaram felicidades e assim termina a história do Porco Markito, sua esposa Fiorentina e seus Filhos Newmar, Freed, Ronaldo, Pelé e um porquinho azulado,  pequeno bem raquítico que poucos olhavam para ele. Maradona! 

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Lendas Escoteiras. A dança da morte.


Lendas Escoteiras.
A dança da morte.

(contei esta história uma vez para uma tropa sênior e guias em uma floresta fechada de eucaliptos quase as doze badaladas da meia noite. Dizem que nas patrulhas poucos conseguiram dormir. Eu mesmo quando escrevi fiquei assustado e pensei em não publicar. Mas como sei que hoje os jovens gostam de uma história de terror eu ainda a conto por aí. Se são daqueles impressionáveis não leiam).   

                           Desde que nasceu Jove ouvia falar em Deus. Sua mãe o obrigava a rezar, o padre a confessar, na escola professoras enchendo sua cabeça de Deus. Sempre quis falar com ele, mas ele nunca o atendeu. Entrava em igrejas, em templos em busca de Deus. Nada. Ficou cinco dias no monte Caparal olhando as estrelas procurando um sinal. Nada. Resolveu ficar jejuando para ver o que Deus faria. Não fez nada. Nando desistiu. Esse Deus não existia. Se Deus não existe e o diabo? O demônio? O capeta? Ia provar que ele também não existia. Mas para isso teria que fazer a invocação com a Dança da Morte. O que iria fazer seria horrível, mas valeria a pena provar que o inferno não existia. Jove era magrinho, cara de “fuinha” na escola o chamavam de “porquinho da índia”. Alugou um sitio próximo a cidade. Avisou seus pais que iria fazer uma viagem de um mês para não se preocuparem.

                        Ele conhecia Safira, uma menina magrinha, com treze anos, muda e que morava com a avó próximo a sua casa. Safira quase nunca saia de casa. Olhos pequenos boca grande, cabelos escorridos, não tinha nada de belo em sua aparência. Nando a raptou quando ela ia a padaria comprar pão. Fazia isso toda a manhã. Colocou em seu fusquinha e partiu para o sitio. Tinha comprado éter e com ele embebido em um lenço viu que Safira tinha desmaiado. Ao chegar ao sitio, tirou a roupa de Safira, deixou-a nua. Pequena, magra, apenas treze anos não possuía nenhum atrativo sexual. Levou-a ao quintal, colocou-a dentro de um tanque de agua fria, amarrou seus braços abertos em duas estacas fincadas ao lado do tanque com cordas finas. Ela não tinha como levantar e teria que ficar dentro da água só com a cabeça para fora. Safira quando acordou estava horrorizada. Abria a boca e só saia grunhidos. Seus olhinhos saltavam como se fosse fugir. A dor era incrível.

                        Um horror enorme saia de seus olhos quando Jove se aproximava. Ele cortou com canivete varias lascas finas de bambu. A cada hora enfiava uma lasca em uma parte do corpo de Safira. Sempre ria quando o sangue se misturava a água do tanque. No segundo dia a água já estava vermelha. Com um pequeno alicate, arrancou a força duas unhas de sua mão direita. E duas do pé esquerdo. A pobre da Safira gemia horrorizada tentava gritar um grito que não saia. Desmaiava e acordava. Uma dor tremenda. Não entendia nada do que estava acontecendo. À noite Jove tirou sua roupa. Pintou-se de preto. Matou um galo que tinha comprado. Espalhou as penas e o sangue em cima de Safira que agora estava desmaiada. Daquele jeito Safira iria morrer no dia seguinte. Não aguentava mais de tanta dor. Jove começou a gritar a meia noite em ponto. Gritava e dançava, cacarejava e pedia – Apareça demônio! Mostre sua força! Mostre que você existe! Onde está você demônio dos infernos! E dava grandes gargalhadas e gritos. Dançou por muito tempo a Dança da Morte.

                       Estonio acordou assustado. Dois dias como o mesmo pesadelo. Estonio era investigador de polícia e também "Chefe" Escoteiro. Adorava sua profissão e ria quando os meninos e meninas da tropa pediam para ele contar historias de bandidos em acampamentos ou mesmo na sede. Considerava-se um bom policial. Nunca abusou e nunca deixou de cumprir suas obrigações dentro da lei. Sempre o mesmo sitio que ele não conhecia. Uma menina indefesa na mão de um maníaco. Teria que ser verdade. Isso só podia ser um sinal de Deus. Teria que descobrir onde era o tal sítio. Sem querer comentou com amigos seu sonho. Estava preocupado. Afinal era casado também e tinha dois filhos homens. Ainda crianças com dois e três anos. Rildo o Monitor da Patrulha Leão lembrou que seu pai alugou um sitio para um homem e que e que só queira o sítio por mês. Pagou adiantado e dobrado.

                      Junto ao pai de Rildo ele foi ao sitio. O que viram foi um verdadeiro terror. Nunca imaginaria algum parecido e olhe, ele era um policial. Tinha visto muitas coisas na sua profissão. Ainda encontraram Safira com vida. Desmaiada. Toda machucada, mas respirava. Em volta pedaços de corpo de um homem todo queimado. Tinha sido esquartejado. Seus membros fedia. Acharam sua cabeça fincada em um bambu. Sua língua para fora mostrando que morrera gritando e horrorizado. Em todos os membros cortados, lascas de bambus pontiagudos. Nas duas mãos e nos dois pés nenhuma unha. Foram todas arrancadas a alicate. Estonio ficou estarrecido. Depois que a ambulância levou Safira, ele olhou e viu em uma porteira próxima fumaça como se ela estivesse queimando. Foi até lá. Viu escrito a fogo nas taboas e o que leu gelou suas veias. Estarrecido imaginou o que poderia ter acontecido ali. Dizia: – “Não se preocupem. Ele queria me ver, duvidava de mim. Ele agora vai morar comigo. Lá no meio dos infernos e vai queimar comigo para sempre” assinado o “Demônio”.

                      O que viu o que sentiu mostrou a Estonio que não se pode duvidar da morte, das pessoas, de Deus e do Demônio. Não soube explicar quando fez seu relatório policial. Não sabia o que dizer. Escreveu o que viu. Hipóteses somente. Safira se recuperou. Com quinze anos começou a balbuciar. Aos dezoito já falava normalmente. Sua mente apagou tudo que tinha acontecido. A dor do passado agora eram alegrias do futuro.


                   Não sei quantas vezes outros fizeram a “Dança da Morte”. Espero que não sejam muitos, pois seu final é trágico.                 

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Ariranha, o Cão Lobo inesquecível.


Lendas Escoteiras.
Uma história baseada em fatos reais.
Ariranha, o Cão Lobo inesquecível.

          Nunca esqueci esta história. Ficou marcada em meu coração pra sempre. Ainda era Escoteiro lá pelos idos da década de cinquenta quando conheci Ariranha. Seis dias para ser exato convivemos juntos em um acampamento de tropa na Mata do Quati. Não dá para esquecer, pois foi nossa segunda Olimpíada Escoteira, e a cada ano elas marcavam época. Idéia do Munir, um Pioneiro meio afastado do grupo. Chefe Jessé relutou, mas a Corte de Honra achou a ideia esplêndida. Era uma Olimpíada diferente. Sempre acampávamos em uma clareira próxima ao Rio do Morcego, onde se avistava a bela cachoeira do Sonho. Na época da Piracema era um espetáculo ver os peixes tentando subir nas corredeiras e pulando sobre as pedras. Se podia pegar com a mão.

          As provas eram somente de atividades aventureiras e técnicas. – Subir em árvores de seis metros de altura com tempo marcado – atravessar o rio nadando em dez minutos ida e volta (60 metros). – Fazer vinte e cinco nós escoteiros ou de marinheiro em seis minutos de olhos fechados. – Deixar-se cair da cachoeira (oitos metros) em um tambor vazio de duzentos litros. – Semáforas e Morse uma prova onde tínhamos grandes sinaleiros. – Fazer um café e pão do caçador em oito minutos. – Uma fogueira em dez minutos que durasse quarenta minutos sem alimentar. – Cortar uma tora de madeira de oito polegadas em oito minutos usando só um facão. – Trilha e pista de animais e tantas outras que deixaram saudades.

         O caminhão da prefeitura nos deixou pela manhã na trilha da mata que levava ao Rio do Morcego. O resto era a pé. Apenas quatro quilômetros. Adorávamos este acampamento anual. A Patrulha se preparava meses antes. O troféu pela vitória alcançada não eram medalhas. Podia ser uma faca Escoteira, um canivete Suíço, uma bússola, distintivos de lapela com flor de lis, moedas de boa ação. Prêmios que ambicionávamos muito. Cada Patrulha tinha o seu campo separado da outra mais ou menos por quarenta metros. As pioneiras eram feitas no primeiro dia, pois no segundo as Olimpíadas começavam.

         Lembro que estava fazendo uma fossa para o WC quando avistei Ariranha. Notei algum diferente. Parecia um lobo Guará, mas tinha o pêlo meio amarelado e quase sem rabo diferente do lobo cinzento que conhecia bem. Quem sabe era um cruzamento com um vira-lata qualquer com alguma loba perdida por aí. Ele nunca sentava. Sempre em pé, orelhas para o alto e olhando sem piscar o que fazíamos. Quando me aproximava ele dava alguns passos para trás e parava. Durante todo o dia ele ficou lá, próximo ao nosso campo de patrulha. Acho que foi o Pedregulho o intendente quem lhe deu o nome de Ariranha. Porque não sei. À noite quando íamos dormir ele ficava na entrada do pórtico com se fosse velar nosso sono. Pela manhã impreterivelmente lá o encontrávamos.

        Durante a realização das provas da Olimpíada, ele ficava muito próximo a mim. Uma vez entrando na mata a procura de uma pista pisei em falso e um enorme corte se fez em minha perna bem abaixo do joelho. Ele veio até a mim pela primeira vez e lambeu onde o sangue escorria. Parou na hora. Quando passei a mão em seu pêlo saltou de lado e tomou distância. Uma noite acordamos com seus latidos. Latia para uma enorme cascavel que impreterivelmente invadiria nosso campo. Ele a espantou. Outra vez seus latidos foram mais altos e foi à tarde quando estávamos tomando banho no córrego da Lagartixa. Desta vez era uma Onça parda. Fugiu com seus latidos.

          Durante os seis dias de campo, Ariranha lá permaneceu. No último dia no cerimonial de bandeira Ariranha se colocou ao meu lado na ferradura. Não esperava por isto. Ele não me olhava. Seus olhos estavam fixos na bandeira Nacional. Devia ter assistido todos os cerimoniais que aconteceram. Enquanto ela farfalhava ao sabor do vento e descia dos céus seus olhos acompanhavam. Quando as patrulhas deram o grito ele ficou no meio e pela primeira vez se deixou abraçar. Foi um espetáculo comovente. Todos os escoteiros das demais patrulhas vieram também abraçá-lo, pois já era querido por todas as patrulhas. Ao partirmos ele nos acompanhou até a estrada onde pegaríamos o caminhão da prefeitura. Ao subir na carroceria ele estava lá me olhando. Abanando o pequeno rabo ele deu um uivo enorme. Gritante e choroso. Como se fosse um lobo de verdade se despedindo para sempre. Ainda nos acompanhou por alguns quilômetros, mas depois sumiu em uma curva no meio da poeira da estrada.


           Foi um retorno triste e comovente. Todos os Escoteiros tinham os olhos vermelhos e um silêncio geral na carroceria do caminhão. Eu voltei para casa chorando. O uivo de Ariranha me marcou muito. As lembranças ficaram gravadas para sempre. Chorei por vários dias. Nunca me perdoei por não trazê-lo comigo, mas meu pai disse que ele era da floresta, nunca iria se acostumar na cidade. Chamei o Romildo na semana seguinte e fomos até lá de bicicleta. Rodamos e rodamos e nem sinal de Ariranha. Nunca mais o vi, mas nunca mais o esqueci. Ariranha ficou marcado em nossa Patrulha Lobo. No nosso livro de Atas ele teve um lugar especial. Não sei se é fácil explicar como se ama um cão/lobo em poucos dias e nunca mais o esquece. Não sei mesmo. Até hoje me lembro de Ariranha com saudades. Histórias são histórias, tem umas que marcam, tem outras que ficam gravadas em nossa mente para sempre!

domingo, 1 de fevereiro de 2015

João Papudo que morava nas florestas verdes do Brasil.


Lendas escoteiras.
(Um repeteco gostoso de reler)
João Papudo que morava nas florestas verdes do Brasil.

            O aviso estava dado. Chefe João Soldado (era sargento, mas o apelido pegou) autorizou. Batista nosso intendente logo nos disse que não nos preocupássemos. O material estaria pronto em vinte e quatro horas. Platão o cozinheiro iria entregar a lista de mantimentos para cada um dia seguinte bem cedo. Tudo era dividido. Pedrinho o Monitor sorriu de orgulho da patrulha. Todos sabiam como e quando deviam fazer. – Sairemos na quinta pela manhã. Vamos aproveitar bem o feriado. A reunião de patrulha acontecia na casa do Mino Pastel o sub. monitor. Seriam quatro dias bem aproveitados. Destino? As Florestas Verdes do Brasil. Que nome eim? Mas foi Ditinho quem a batizou assim. Estivemos lá duas vezes. Na primeira vez ao chegarmos ao cume do morro do João Papudo ficamos abismados. A floresta era verde, um verde musgo lindo, no seu seio muitos Ipês das flores amarelas. – Ditinho, para ser o Brasil falta o branco e o azul, eu disse. Ele riu. Vado Escoteiro O céu meu amigo e as nuvens em sua volta.

         Ninguém nunca esqueceu João Papudo. Ele tinha no pescoço um papo enorme. Hoje chamam de Bócio que é devido ao aumento da glândula tireoide. Fácil de operar nos dias de hoje, mas naquela época não. Ficou nosso amigo pelo simples fato de o cumprimentarmos, tomar café com ele e comer sua “brevidade” uma das melhores que já comi. Ninguém gostava dele. Logo ele uma alma de Deus. Só por causa do papo no pescoço todos tinham medo e asco. Um absurdo. Na primeira vez que chegamos lá para acampar assustamos. Ele estava na porta com uma foice enorme. Ninguém se mexeu. – Um café? Ele disse. - Porque não? Respondeu Pedrinho. Daí para a amizade foi um pulo. Ele queria conhecer o grupo e a escoteirada. –Apareça amigo, será bem recebido. Nunca foi. Quando ele precisava fazer compras ou vender suas plantações só ia à cidade à noite, e enrolava no pescoço um cachecol para ninguém ver sua deformidade.

           Foi Motosserra, isto é o Lorenzo o escriba da patrulha quem deu a ideia de uma vez por mês fazermos uma campanha do quilo e levar para ele. Na primeira vez chorou e disse não. Ele não merecia. Não falamos nada. Deixamos lá e voltamos. Pedrinho colocou em votação qual o melhor local para acamparmos naquele feriado prolongado. Foi descartada a Lagoa da Lua Branca, a montanha do Gavião, o vale do Esplendor e as Campinas da flor vermelha. Eram ótimos locais, mas as Florestas verdes do Brasil ganhavam de longe de todas e iriamos saudar nosso amigo João Papudo. Dito e feito, seis da manhã café no papinho, pé no caminho. Sete e meia a bordo das nossas máquinas voadoras chegamos. Na porta ninguém. Estranhamos. João Papudo sempre estava lá nesta hora. A porta estava aberta e chamamos. Nada. Entramos, pois ficamos preocupados. João Papudo estava gemendo e suando na sua cama de palha. Seu corpo tremia. No chão vimos muita água e sujeira, sinal que ele estava ali a mais de dois dias.

          O que fazer? Sabíamos que nosso acampamento nas Florestas Verdes do Brasil foi para o brejo. João Papudo tinha prioridades. Nunca iriamos deixá-lo ali a mingua e sem ninguém. Tinhamos que levá-lo urgente para o Hospital Santa Inês, o único da cidade. Mais de quinze quilômetros. Patrulha boa não se aperta. Luiz Nantes o Porta Corrente, nosso Sinaleiro e socorrista deu a solução. Mãos a obra. Duas horas e estava pronto. Fizemos uma maca com o toldo da cozinha, cada ponta amarramos em uma bicicleta. Usamos quatro e pé na taboa. Antes das onze estávamos na porta do hospital. Não o deixaram entrar. Ninguém se arriscou a ir ver o que se tratava. Pedrinho correu a chamar o Chefe João Soldado. Estava na sede do batalhão e veio correndo. Ameaçou, xingou fez tudo e eles nem deram bola. Foi até a casa do Juiz Ponderado e nada. Chamou o Delegado Praxedes e nada. Uma enfermeira Dona Adelaide nos chamou e deu uns comprimidos. Quem sabe ajuda? Com nosso cantil fizemos João Papudo tomar.

          Os Escoteiros e seniores do grupo estavam chegando. Uma aglomeração se fez. – Vamos levá-lo para a porta da prefeitura. Se o prefeito não tomar providências ele vai ver com quem estão se metendo, disse o Sênior Jovialto, nove anos no grupo. Um mestre na ação no grupo. Aliás, tínhamos poucos amadores. O prefeito chamou a policia. Chefe João Soldado era policia. Nem deu bola. A patrulha Touro correu a sede e trouxe um enorme toldo da chefia. Armado com rapidez no jardim da prefeitura. Uma cama foi improvisada. João Papudo era tratado pelos Escoteiros na porta da prefeitura. Doutor Melão o prefeito foi lá reclamar. Pé de Pato um lobinho segunda estrela pegou na mão dele. – Doutor prefeito, venha ver como ele está. Afinal o senhor não tem coração? Ele deu meia volta e sumiu nas salas da prefeitura.  O povo aglomerava na praça em frente. Doutor Noel um medico antigo na cidade veio ver João Papudo. – Malditos disse – Um simples bócio faz dele um homem marcado? – Venham comigo a minha clinica.

               A história termina aqui. Doutor Noel tratou dele e conseguiu uma internação para operar na Santa Casa da Capital. Dois meses depois eu estava recebendo o meu Correia de Mateiro. Orgulhoso, já tinha o cordão dourado e o vermelho e branco. Esperando a Primeira Classe. Poucos conseguiam. Tinham de ralar para conseguir. Todo mundo olhou para o portão. Eis que ali estava João Papudo em carne e osso. Agora não tinha mais o papo. Orgulhoso levantava a cabeça como a mostrar – Nunca mais! Doutor Noel, vocês e Deus me deram a alegria de viver. João Bonito (mudamos o apelido dele) entrou na ferradura, foi saudado com uma enorme palma escoteira. Não teve jeito, chorou igual menino. Fez questão de dar um abraço em cada um. Abraço gostoso, sincero, amigo.


             Seis meses depois João Bonito fez a promessa. Nunca vi ninguém chorar assim. Vá lá, uma promessa é uma promessa. Nossa tropa ganhou um novo assistente. João Bonito era um novo homem. Trabalhava durante o dia na prefeitura (o prefeito com vergonha e não querendo perder as eleições o admitiu como auxiliar geral) e a noite estudava. Três anos depois terminou o curso Técnico em Contabilidade. João Papudo perdeu o papo, mas ganhou uma cidade. Hoje e feliz cortejando Dona Mocinha uma alegre e linda jovem do Bairro Tatu Bola. Ficou um Chefe Escoteiro todo pomposo. As Florestas Verdes do Brasil tiveram nossas presenças por muitos anos. A casa onde João Bonito morava foi jogada ao chão para uma nova estrada até Muzambinho. Histórias que se foram histórias de Escoteiros. E quantas mais por este Brasil imenso?