No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras

No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras
A aventura está apenas começando

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Jaquirana a Cigarra dourada dos Montes Serrat. (Uma história para lobinhos).


Lendas Escoteiras
Jaquirana a Cigarra dourada dos Montes Serrat.
(Uma história para lobinhos).

Pela estrada da vida, eu ouço o cantar,
Da cigarra sabida, que soa no ar.
No pomar florido, o som a enfeitar.
A luz do colorido daquele gostoso lugar.
No verão, ao entardecer sopra a brisa refrescante.
Anuncia o anoitecer, com um canto delirante.
O canto daquela cigarra traz saudade, recordação.
Tal qual a fanfarra, em tempo de comemoração.
Aquele inseto risonho, que vive a provocar,
Às vezes com o canto tristonho que nos leva a meditar.
Ela, à árvore, se agarra, para o seu som soltar.
Canta, canta a cigarra até pelas costas estourar.
Tunin.

           Dorothy estava encantada. O canto lhe chamava para segui-la e ela não sabia onde ele estava. Parecia no galho do Limoeiro alto, mas nada viu. Chamou Merlin para ajudar a procurar. Logo toda a matilha verde vasculhava galho por galho e nada. O cantar continuava. Era lindo como se fosse a História do Flautista de Hamelin que a Akelá Lavinia contou. Toda a matilha procurava e desistiram com o grito de “Lobo, Lobo, Lobo” da Bagheera. Dorothy pensou em não ir. Ela não queria sair dali, o canto era extraordinário. Quem cantava assim? Ela nunca tinha ouvido e ninguém nunca lhe falara sobre ele. Jovi o Balu veio ao seu encontro. - Está na hora Dorothy. Não ouviu o chamado da Akelá? Ela relutante o seguiu. O canto parecia segurá-la, mas ela obedeceu ao Balu. Afinal ensinaram para ela muitas coisas, mas ela sabia que uma boa lobinha ouvia sempre os Velhos Lobos.

          Não prestou atenção a história de Bagheera. O acantonamento que faziam no Monte Serrat sempre fora para ela uma aventura a parte. Adorava mas agora o canto não saia de sua mente. Naquela noite parecia que o canto das cigarras não parava. Quando todos foram dormir ela ficou acordada por muito tempo. Ela pensou que uma cigarra a chamava. Levantou de mansinho e na janela viu uma linda cigarra dourada. Psiu! Ela chamou. Dorothy na sua ingenuidade sorriu e saiu de mansinho pela porta. Na varanda a cigarra a esperava. Ambas sorriam. – Você gosta da gente? Perguntou a cigarra. – Adoro vocês e amo o canto que vocês cantam! Disse Dorothy. Olhe eu me chamo Jaquirana, será que eu posso lhe contar uma história? Adoro histórias pode sim. Então vamos lá, vou contar para você uma história que minha família conta a gerações e dizem que começou com meu tataravô, uma cigarra muito sábia e inteligente. Preste atenção:

- Era uma vez uma cigarra que vivia saltitando e cantando pelo bosque sem se preocupar com o futuro. Esbarrando em uma formiguinha que carregava uma folha pesada ela perguntou -  Ei, formiguinha, para que todo esse trabalho? O Verão é para a gente se divertir! – Não, não e não! Nós formigas não temos tempo para diversão. É preciso trabalhar agora para guardar comida para o inverno! O tempo foi passando e durante o verão a cigarra continuou se divertindo e passeando por todo o bosque. Quando tinha fome, era só pegar uma folha e comer.

- Um belo dia, passou de novo perto da formiguinha carregando outra pesada folha. A Cigarra então aconselhou: - Deixa esse trabalho para as outras sua boba! Vamos nos divertir. Vamos formiguinha cantar e dançar! A formiguinha gostou da sugestão. Ela resolveu ver a vida que a cigarra levava e ficou encantada. Resolveu viver também como sua amiga. Mas no dia seguinte, apareceu à rainha do formigueiro e, ao vê-la se divertindo, olhou feio para ela e ordenou que voltasse ao trabalho. Tinha terminado a vidinha boa. A rainha das formigas falou então para a cigarra: - Se não mudar de vida minha amiga, no inverno você há de se arrepender. Vai passar fome e frio.

-   A Cigarra nem ligou, fez uma reverência para a rainha e comentou: - Hum! O inverno está longe querida! – Para a cigarra o que importava era aproveitar a vida e aproveitar o hoje sem pensar no amanhã. Para que construir um abrigo? Para que armazenar alimento? Pura perda de tempo! Certo dia o inverno chegou, e a cigarra começou a tiritar de frio. Sentia seu corpo gelado e não tinha o que comer. Desesperada, foi bater na casa da formiga. Abrindo a porta, a formiga viu na sua frente à cigarra quase morta de frio. Puxou-a para dentro, agasalhou-a e deu-lhe uma sopa quente e deliciosa. Naquela hora, apareceu a rainha das formigas que disse a cigarra: - No mundo das formigas, todas trabalham e se você quiser ficar conosco, cumpra o seu dever. Agora toque e cante para nós.

- Para a cigarra e para as formigas, aquele foi o inverno mais feliz de suas vidas!                    Dorothy de olhos arregalados não sabia o que dizer. Achou a história linda. Ela que gostava de passear e nunca ajudava sua mãe agora seria diferente. Sempre reclamou da escola, dos seus deveres religiosos. Foi dormir contente e no dia seguinte contou a história para toda a Alcateia, que bateu palmas e queriam conhecer Jaquirana a cigarra. Dorothy olhou e mostrou no galho do abacateiro ela, uma linda cigarra que sorrindo se pôs a cantar:

¶Cigarra cor de mel. Extraordinária! Cigarra! Quem me dera Que eu fosse um velho cedro adusto e bronco, E tu, nessa alegria tumultuária, Viesses pousar sobre o meu tronco Ainda tonta do sol da primavera¶.

(esta história no final é baseada no conto A Cigarra e a Formiga adaptada da obra de La Fontaine).


Hora de dormir. A noite chegou e já desponta a madrugada. Belos tempos acordar com a brisa molhada e o sol nascendo. Vou sonhar que amanhã assim será minha alvorada e de todos vocês! Boa noite!   

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

As fantásticas “lambanças” do Escoteiro Kiabo. (com k mesmo, risos).


Lendas escoteiras
As fantásticas “lambanças” do Escoteiro Kiabo. (com k mesmo, risos).

                 Hoje tirei o dia para rir. Costumo fazer isto. Faz bem. Lembrei-me de tantas coisas divertidas do passado que esqueci as tristes. Bom isto. Que elas vão para outras plagas, bem longe onde os bons ventos sopram e as diluem no ar. Não dizem que rir é o melhor remédio? Pois acredito nisto e lembrar-me do Kiabo é dar risadas. Não que ele fosse um humorista. Nada disto. Que ele aprontava umas e outras lambanças era fato conhecido. Não tenho certeza, mas foi por volta de 1946 que sua família mudou para perto da minha. Ainda não tinha entrado para os lobinhos. Nós morávamos do outro lado da “linha” (estrada de ferro) onde era mais barato o aluguel. Quando vi descarregarem a mudança um menino de cabelos incrivelmente loiros, olhos azuis, magro como um palito desceu do caminhão (um velho Ford de guerra), me olhou e disse: Meu Deus, como você é feio! Fui obrigado a rir. Não era assim tão feio. Estava com seis anos e ele também.

                  Ficamos amigos, pois esta é uma idade que todo mundo é amigo. Ele não era tão bom no jogo das panelas da bola de gude, mas era um craque no finquinho. Seu pai tinha feito para ele uma Manivela enorme, e mesmo com aquela idade conseguia empinar um papagaio nas alturas. Aquilo sim era bom. Nas alturas, quanto mais alto maior a vitória de empinar. Hoje todos só querem cortar a linha do outro. Malvadeza pura! Comecei a ver a verdadeira face do Kiabo com o passar do tempo. Gostava de fazer maldades. Não era tão mau não, mas isto o divertia. Só ele, pois não se preocupava com os outros pensassem dele. Amarrar gatos uns nos outros era comum. Uma vez colocou uma bombinha amarrada com um barbante em uma Pomba, acendeu e soltou a pomba no ar. Amarrar cachorras no cio em poste e em outro poste amarrar carne vermelha era sua diversão favorita. A cachorrada não sabia se ia na carne ou na cachorra! Risos.

                       Quando entrei para os lobinhos já não éramos tão amigos. Ele nunca se interessou. Disse-me que quando fizesse onze entraria para os escoteiros. Lobinhos para ele era “pá de vaca” como chamavam os meninos molezas na época. O tempo passou. Kiabo aprontando. Um sábado lá estava ele com seu pai no Grupo Escoteiro. O Chefe da tropa apresentou Kiabo a todo mundo. Foi para a Patrulha Morcego. Eu não nutria muita simpatia pelos morcegos. O Monitor o Miraldino era metido à beça. Achava que só ele sabia, sua Patrulha era a tal e mesmo sendo advertido diversas vezes pela chefia ele não melhorava. Até que nos seniores ficamos grandes amigos. Mas isto é outra história. As lambanças do Kiabo tiraram Miraldino do sério. No acampamento trocou o sal pelo açúcar. Colocou uma lesma no óleo de cozinha. Fritou minhocas junto com as linguiças.  Montou uma cadeira de campo e o primeiro que sentou levou o maior tombo e ainda caiu um jarro d’água em sua cabeça (colocado em forma de armadilha em uma árvore).

                        Kiabo aprontou e muito.  Para contar teria que escrever muitas folhas e aqui não dá. Fica para outra ocasião. Mas não posso deixar de contar a sua maior proeza. A cidade inteira parou e quase um desastre enorme poderia ter acontecido.  Sem ninguém saber Kiabo preparou quinze bandeirolas tipo pirâmide feitas de papel celofane vermelho, amarrou em 15 varas de bambus de um metro e meio bem esticadas com varetas. Foi para a Pastoril (um bairro afastado da cidade) e lá fincou cada vara com uma bandeirola ao lado da linha de trem, a cada vinte passos. Na ultima lá estava ele. Uniformizado, caqui, chapelão, um par de bandeirolas de semáforas a mão. A composição apareceu na curva. Quatro locomotivas a diesel. Mais de duzentos vagões carregados de minério de ferro vindo de Itabira. Talvez a sessenta por hora ou mais. Uma cobra gigantesca serpenteando o Rio Doce que visto de longe seria um espetáculo inesquecível. O maquinista buzinou assustado ao ver aquelas bandeirolas vermelhas. Mais a frente o Kiabo fazendo sinais de semáforas transmitindo o S.O.S. e pulando!

                       Um susto enorme tomou conta do maquinista. Gritou para seu auxiliar. Ambos acionaram os freios das quatro locomotivas e de vários vagões. Um barulho infernal que foi ouvido por toda a cidade. Um trem assim não para rápido. Leva pelo menos um quilometro para parar ou mais. Kiabo se deliciava, ria e pulava. Consegui dizia ele (isto me contou mais tarde). Ele fazia suas lambanças e não contava a ninguém. Quando o trem parou Kiabo não correu. Ficou no lugar. Centenas de habitantes da cidade acorreram. Gente da alta cúpula da estrada de ferro chegou esbaforido. Pensavam ter havido um desastre. O maquinista veio correndo e abraçando Kiabo. Um herói meu garoto, viva você. Depois ficamos sabendo. Alguém abriu uma porteira e umas centenas de vacas ficaram na linha algumas deitadas, e o trem parou a menos de cinquenta metros delas.


                      A cidade toda ovacionou Kiabo. O Chefe da tropa e a Patrulha desconfiados. Quem abriu a porteira? Logo ali na estrada de ferro? Perguntas vazias. Kiabo foi festejado no colégio. A cidade toda batia palmas quando ele passava. Uns meses depois seu pai foi transferido para Itabira. Era encarregado de manutenção da estrada de ferro. Kiabo foi junto. Perguntei a ele quem poderia ter aberto a porteira. Ele ria. Não falou nada. Nunca falou. Sumiu o Kiabo. Boas lembranças de suas lambanças ficaram em minha mente. Nunca mais ouvi falar dele, mas com certeza a cidade ficou mais quieta, mais pacata, e ninguém tinha medo de alguma armadilha pelo caminho depois que o Kiabo foi embora. Graças a Deus! 

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

O simpático ratinho de Madame Rosinha.


Lendas Escoteiras.
O simpático ratinho de Madame Rosinha.
Histórias para lobinhos.

           Lindolfo levou o maior susto. Ao ir para a reunião Escoteira naquela tarde de sábado, viu Madame Rosinha descer a escada de sua casa gritando e chorando alto. Ela dizia: “Um rato”, um enorme rato. Acudam-me! Socorro! Lindolfo era lobinho da segunda alcatéia do Grupo Escoteiro Pico da Neblina. Já tinha feito sua boa ação, mas resolveu fazer mais uma. Porque não? Partiu célere escada acima a procura do famigerado rato de Madame Rosinha. Em todos os cômodos ele procurou e não achou. Quando ia sair viu um ratinho muito pequeno, raquítico, magro, com cara chorosa em cima do armário da cozinha. Estava com a vassoura na mão e pensou em dar uma vassourada nele ou uma caricia. Achou que ele precisava mais de uma carícia.

           Ao sair disse para Madame Rosinha que não se preocupasse. Ele logo que a reunião terminasse viria com sua matilha verde e pegariam esse famigerado rato. Ela ficasse calma. Os valentes lobinhos não tinham medo de nada! Na reunião comentou com a matilha sobre o ratinho. Explicou que era um “coitado” e precisava e ajuda e não ser morto. Liz não concordou. Ela morria de medo de ratos. Dayane ficou na duvida. Robertinho riu e falou – Vamos matar o danado isto sim. Mas Miltinho e Naninha ficaram do lado de Lindolfo. A Akelá Safira comentou com o Balu Nonato que a matilha verde estava estranha. Ficavam só cochichando e ela não conseguiu saber o que era. O Balu Nonato era muito amigo de Miltinho, mas ele não contou nada. A reunião terminou com todos dando o melhor possível e dizendo para os chefes – Obrigado Chefe pela linda reunião. O senhor sabe que tenho orgulho de nosso Grupo Escoteiro! Era assim no Grupo Escoteiro Pico da Neblina.

           Fora da sede, a mãe de Aninha estava lá esperando. Ela pediu a mãe para ir com a matilha. Iam fazer uma boa ação. Dona Nivea era uma excelente mãe e não se opôs. Mal chegaram à casa de Madame Rosinha e viram o ratinho chorando em cima do armário. Foi Lindolfo que se aproximou pé ante pé e disse no ouvido do ratinho: Calma, vamos levá-lo para outra casinha. Vai ter tudo que tem direito. Miltinho já estava com uma caixinha e colocaram o ratinho dentro dela e foram embora. Tinham comprado queijo e uma vasilha de água estava na caixinha. O ratinho estava com fome. Muita. Comeu tudo! E agora? Onde vamos levá-lo? Todos viram que em suas casas seriam impossível. O medo de rato era comum ou é em todas as famílias. – Já sei! Disse Naninha, vamos voltar à sede e ainda deve estar aberta. Os pioneiros ficam até tarde. Levamos o ratinho para a Gruta da Alcatéia. Escondemos a caixinha atrás da caixa de nossa matilha e nos revezamos durante a semana para vir alimentá-lo! Todos concordaram.

              Assim trataram o Tibinho (nome que deram ao ratinho) por quase dois meses e foi então que o pior aconteceu. A Akelá Safira foi mexer lá e viu o rato. Uma gritaria danada. Saiu correndo e pedindo socorro. Custaram a explicar a ela o que tinha acontecido. Ela deu um ultimato – Depois do acantonamento não quero ver ele aqui. E agora? Na reunião de matilha chegaram a uma conclusão – Vamos leva-lo junto ao acantonamento. Lá quem sabe descobrimos um local onde ele pudesse viver para sempre? E assim foi feito. Na primeira noite do acantonamento aconteceu a maior alegria da matilha. As mães que foram cozinhar saíram gritando e berrando! Um rato! Não era um só eram vários. Agora sim. Descobriram a cidade onde o Tibinho podia morar.  Soltaram-no à tardinha. Tibinho olhou para eles e para seus amigos ratos. Olhou de novo para eles. Uma duvida ficou na sua mente. Ficar com eles ou seus irmãos ratos? Uma ratinha linda se aproximou e se esfregou nele. Pronto. Resolvido. Lá foi Tibinho com seus novos irmãos. A Matilha Verde ficou chorosa. Em todos os olhos lágrimas desciam, mas sabiam que esta seria a melhor maneira e a melhor ação que deveriam tomar.


             Por muitos anos a matilha verde pedia aos pais para passarem um domingo a cada dois meses no local do acantonamento. Os pais não sabiam para que, mas a Matilha Verde sempre se encontrava com Tibinho, até que um dia ele e Tibinha chegaram com vários filhotes. Foi uma festa. Uma alegria para a Matilha Verde. E assim acaba esta história. Uma união de lobos, todos pensando em fazer o bem. Lembra sempre que o Lobinho pensa primeiro nos outros, abre os olhos e os ouvidos, está sempre alegre e diz sempre a verdade.      

domingo, 16 de novembro de 2014

“Flor do Campo”. O sonho não acabou.


Lendas Escoteiras.
“Flor do Campo”. O sonho não acabou.

                     Faz tempo, muito tempo! As lembranças ainda se mantem viva. Não dá para esquecer. Tudo aconteceu quando era Chefe de um Grupo Escoteiro. Um grupo simples, amigo, fraterno nem grande nem pequeno, mas onde todos sentiam a liberdade de estarem ali com suas ideias e suas sugestões. Era um bairro simples, de classe media e muitas favelas já urbanizadas próximas.  Habitava este mundo escoteiro vivendo cada dia, cada hora, cada minuto de minha jornada Escoteira sem contagem regressiva. Eu sabia de cor o nome de todos os chefes, pioneiros, guias e seniores, escoteiros e escoteiras, lobinhos e lobinhas. Sem contar muitos pais que foram e são até hoje meus amigos.

             Lembro que foi em um sábado sem sol, uma chuvinha fina e como sempre estava no pátio a observar a escoteirada, a lobada, pois cada reunião tinha alguma coisa que eu procurava manter na mente como se estivesse marcando o tempo em meu coração. Eu ainda não tinha notado a sua presença. Depois me disseram que vinha sempre. Ela não tinha mais que dez ou onze anos. Magrinha, vestida com simplicidade, sempre com a mesma roupa, um sorriso ingênuo e cativante, mostrava ser uma jovem que prezava sua humildade na apresentação pessoal. Cabelos castanhos compridos, com uma pequena trança pendendo para frente, escondendo um pouco de si própria. Seu semblante era de uma atenção cautelosa, a me olhar de soslaio, vi que não tirava os olhos da tropa das escoteiras.

                       Notei que seus sentidos eram os mesmos das meninas que ali brincavam, riam, cantavam e vi que ela de longe sonhava em ser uma delas como se estivesse em uma patrulha participando. Vi que sempre ficava confinada em um canto do pátio e nunca se aproximava. Foi em uma promessa de uma Escoteira que vi seus olhos brilharem. Quando entreguei o lenço vi que seus olhos se encheram de lágrimas. Tinha certeza que em seus sonhos ela estava lá fazendo a promessa e sorrindo com aquele uniforme que admirava. Sentia sua força em se transformara em uma delas em pensamento. Para ela era um momento prodigioso que transpunha no seu imaginário, forçando entre o sonho e a realidade uma transferência física, como se estivesse ali com a mão direita em saudação e acreditando que de agora em diante sua vida seria outra. Uma ilusão.

                        Vi com surpresa sua expressão quando a chefe perguntou se ela poderia participar de um jogo. Das três patrulhas duas estavam com sete e uma com seis. Completar seria mais lógico para haver igualdade de competição. Acreditem, não tenho palavras para descrever sua alegria. Incrível! Nunca vi ninguém participar de um simples jogo com tanta energia e vibração. As outras escoteiras não observaram nada. Nem a chefe. Ao final do jogo um agradecimento e vi que ela conseguiu ficar mais próxima, ouvindo, tentando entender o que as patrulhas faziam, com cabos pequenos, bandeirolas, e uma parafernália de papeis e desenhos misteriosos.

                     Um dia me aproximei. - Porque não ser uma delas? Eu perguntei. Ela não me respondeu. Seus olhos de novo encheram-se de lágrimas e saiu correndo. Não entendi. No sábado seguinte de novo fiz a pergunta. Saiu correndo de novo. Pedi então a Chefe das Escoteiras que conversasse com ela. Foi então que fiquei sabendo de seu padrasto. Homem mau, não trabalhava e exigia tudo que sua mãe ganhava como faxineira para beber e gastar o único sustento da casa. Contou a Chefe que tentou falar com sua mãe e ele para participar e quando insistiu de novo levou uma sova. Contou que não chorava, nunca chorou. Era ponto de honra para ela. Não fora a primeira vez e nem seria a última. Sua mãe sabia como era, mas o medo fazia com que se mantivesse calada. Parecia historia da Cinderela sem sapatinhos de cristal e com um final triste sem o príncipe encantado. Nada podíamos fazer. É impossível o escotismo ajudar neste processo, pois ele depende e muito dos pais. Ela continuou a vir e assistir as reuniões.

                Um dia observei a porta da sede um homem dos seus 50 anos, meio grisalho, estatura mediana e cá prá nós, semblante arrepiante uma cicatriz no queixo, vestido de maneira desleixada com um olhar nem tanto amistoso. Dirigiu-se ao meu encontro e levantou levemente sua blusa mostrando estar armado. O nervosismo apareceu e mesmo tendo alguma experiência no assunto, não gostei da maneira com que ele se apresentava. Perguntou onde estava “Flor do Campo” e eu disse não saber quem era. Com o dedo em riste disse que ela queria ser escoteira, mas que ele nunca a deixaria entrar. – Vocês são uma turma de riquinhos. Agora ela fugiu de casa moço, e se até amanhã não aparecer o senhor é o culpado, falou cutucando o revolver na cintura. Fiquei sabendo depois que ela jogou uma chaleira de água fervendo em seu rosto quando ele tentou agarrá-la e saiu correndo.  - Olhe moço, ele continuou, ela fugiu de casa sem nada levar. Procurei por ela em todo o bairro e nada.

                      Fiquei calado, não era hora e nem adiantava retrucar. Os diretores e dois pais que permaneciam na sala estavam atemorizados e sobressaltados.  Claro que eu também estava espantado e assustado. Não era nenhum herói, de karatê e de luta livre não entendia nada. Pelo sim ou pelo não, ele saiu me ameaçando que se ela não aparecesse até o dia seguinte, alguém iria pagar caro com a vida. Durante dias fiquei pensativo sem saber como agir. No sábado seguinte, ainda preocupado, já que o padrasto de “Flor do campo” podia aparecer, tivemos uma bela surpresa. A mãe dela surgiu juntamente com ela e educadamente se apresentou. Chorando vez sim vez não, contou sua história, salpicada de novas informações. Ele era um bandido perigoso e fora morto na tentativa de um assalto a banco. Olhei para “Flor do Campo” cujo sorriso era contagiante. Acreditava que agora seu sonho em ser Escoteira seria real. De um padrasto violento via que seu mundo mudou para melhor.

                 “Flor do Campo” foi aceita. Nunca vi uma jovem como ela. Sua promessa foi inesquecível. Chorou de alegria como se estivesse vivendo um conto de fadas. Ficou conosco por 6 anos. Foi escoteira e guia. Conseguiu a primeira classe e como guia alcançou a eficiência II. Sempre era a primeira a chegar e a última a sair. Ela tinha orgulho do seu uniforme e todos que há conheciam tinham por ela uma grande afeição e ternura. Quando fez dezoito anos voltou para a terra onde tinha nascido. Sua mãe recebeu uma pequena herança de um sítio de sua avó. Na rodoviária nos despedimos com a Canção da despedida. Muito choro, mas todos orgulhosos de “Flor do campo”.  Cinco anos depois, uma surpresa - recebemos na sede a visita dela. Desta vez acompanhada de seu marido e dois filhos. Apresentou-nos a todos com orgulho. Estava a passeio e contou que era Akelá de lobinhos em um Grupo Escoteiro na cidade onde morava. Sorria nos encantando a todos.


                Havia ainda muitas jovens que eram de sua época. Uma grande confraternização e lembranças amigas. De vez em quando recebo uma cartinha e agora com o e-mail sempre solícita troca de conceitos e programas, pede sugestões, envia fotos e vai contando de uma maneira amável e jovial o dia a dia do seu Grupo Escoteiro. Ela mesma confirma que vai admiravelmente bem na trilha do sucesso. Eu um Velho Escoteiro tenho um grande orgulho em ser amigo dela. São coisas impossíveis que se tornam possíveis pela obstinação de um movimento incrível. Sempre digo que o escotismo é uma filosofia, uma maneira de sorrir e viver feliz para sempre! 

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Balada do vento amigo. Deixa o vento soprar em meu rosto.


Balada do vento amigo.
Deixa o vento soprar em meu rosto.

Os ventos que às vezes tiram algo que amamos, são os
mesmos que trazem algo que aprendemos a amar...
Por isso não devemos chorar pelo que nos foi tirado e sim,
aprender a amar o que nos foi dado. Pois tudo aquilo que é
realmente nosso, nunca se vai para sempre...

Eu já ouvi o vento soprar, forte e viçoso nas montanhas douradas do Baependi. Ele rasgava o dia e as noites através das folhagens como se estivesse reclamando da invasão dos seus domínios. Eu já ouvi o vento soprar, nas imensas planícies do Vale Feliz. Ele procurava espantar as borboletas coloridas que ali estavam à procura do mel escondido nas flores que caiam no outono. Quando eu olho para o oeste, seguindo o sol que busca se esconder nos vales verdejantes, eu ouço o vento soprar. Ela canta suavemente para me entreter na busca do infinito. Dentro de uma barraca que parece sair voando, o vento sul açoita sem pedir permissão. As vozes das tempestades são enfurecidas por ele. Ele o vento não pede passagem, ele vai onde quer e ninguém ousa interromper.

Eu gosto do vento. Não importa de onde vem e para onde vai. Já estive com os ventos da primavera, que traziam o doce perfume das flores, das matas, das florestas distante. Eu já estive com os ventos do verão, com as bravias chuvas espicaçadas por ele. Ele mandava trovões, raios inimagináveis e depois da chuva ele trazia a bonança com ventos calmos, pacíficos e o cheiro da terra, o perfume das folhas molhadas, nos mais altos galhos a passarada a cantar toadas maravilhosas ao sabor do vento cuja chuva o vento levou. Eu já vi passar os ventos do norte nos picos gelados das Agulhas Negras, ele parecia sorrir com a vasta imensidão a perder de vista. Eu já vi os ventos das ventanias que jogavam tudo ao chão. Eu já vi os ventos das borrascas cinzentas no mar gelado. Era bom olhar o infinito e ver as gaivotas na sua eterna luta com os ventos. Elas sabiam que iam perder por isto aprenderam a voar com os ventos.

Quando em marcha de estrada e o sol a pino, eu me entregava aos ventos para me dizerem o melhor caminho. Beber a água da fonte, em uma sombra e os ventos soprando é indescritível. Eu já ouvi os ventos. Muitos. Os que se transformavam em arco íris, os que se transformavam em brisas, gostosas, sopradas de uma cascata borbulhante ou na madrugada a nos apanhar sem barracas tendo o céu de estrelas como casas, elas molhavam nossos rostos ao luar. Ventos do norte e sul, ventos do oeste e este, que eles soprem sempre trazendo a todos nós a alegria que merecemos. Um dia alguém me falou do vento – Sabes Escoteiro, se tens vento e depois água, deixe andar que não faz magoa, mas olhe se tens água e depois vento, põe-te em guarda e toma tento! É eu já ouvi o vento passar...

Deixa passar o vento
Sem lhe perguntar nada.
Seu sentido é apenas
Ser o vento que passa…
Consegui que desta hora
O sacrifical fumo
Subisse até ao Olimpo.
E escrevi estes versos
Pra que os deuses voltassem.
Ricardo Reis.




sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A dor sofrida de Tonico Tonelada.


Lendas Escoteiras.
A dor sofrida de Tonico Tonelada.

                   Foi a pior reunião de Corte de Honra da sua vida. Lawrence pela primeira vez não sabia o que fazer. Tinha orgulho dos seus monitores e sempre achou que os treinou bem. Mostrou sempre o sentido da lealdade, da fraternidade e eles sempre levaram ao pé da letra seus ensinamentos. Era uma tropa exemplar. Nos acampamentos era difícil escolher a melhor patrulha, todas fora de série. Dona Lurdinha Diretora do Colégio Dom Pedro um dia disse a ele que se não fossem os Escoteiros ela nunca teria alcançado o padrão que o Colégio foi agraciado. Para melhorar a formação da tropa ele investiu muito em sí próprio. Cursos e mais cursos. Agora esperava a aprovação da Insígnia da Madeira mais uma etapa que lutou muito por ela, pois na Corte de Honra seus monitores cobraram.

                  - Chefe, disse o Monsanto, quer acabar com a tropa? O senhor sabe que admitir o Tonico Tonelada é acabar com tudo. Eu o conheço da escola, fico com pena, mas ele não tem amigos. Não pode correr, quase não consegue falar e andar. Quando tenta sorrir faz uma careta que dá medo. – Isto mesmo Chefe, disse o Logaritmo Monitor da Leão, se o senhor quiser tudo bem, ele pode ficar na minha patrulha, mas os demais patrulheiros não irão gostar. Garanto que muitos vão desistir. A patrulha não vai mais ganhar pontos em jogos, em acampamentos, em desafios e ninguém gosta de perder. Tonico Tonelada Chefe irá “enterrar” qualquer patrulha que entrar. – Chefe Lawrence não sabia o que dizer. Cada Monitor expos seu ponto de vista. Estava presente na Corte de Honra os sub. monitores. Disseram o mesmo. Ele tentou, não forçou, nunca fez isto. Para ele a Corte de Honra era sagrada. Sabia que quando começasse a ficar contra em tudo a democracia deixaria de existir na Tropa Escoteira.  

                   Dizem que os gordos não gostam. Odeiam ser gordos. Quantos e quantos meninos gordos estão aí querendo ser Escoteiros e tem vergonha de entrar? Sei que tem muitos que deram um passo e hoje participam ativamente. Ativamente? Bem esta é outra história. Seu nome era Laurindo Boaventura. Ninguém sabia seu nome, pois desde que conseguiu dar seus primeiros passos aos três anos puseram o apelido nele de Tonico Tonelada. Acho que foi o Chinfrim, seu tio. Um “bebum” para ninguém botar defeito. Bebia o dia inteiro. Que eu saiba nunca ficou sóbrio, mas coitado dele, morreu de cirrose com 28 anos. Tonico Tonelada nunca se preocupou com o apelido. Ele sabia que era gordo mesmo e até na escola seu pai fez uma cadeira especial para ele frequentar as aulas. Aos sete anos ele pesava mais de 130 quilos. Incrível como conseguia andar. Os pais de Tonico Tonelada tentaram tudo. Oito SPA, internações em clínicas especializadas, Conseguiu ficar um mês e meio no CCA (Comedores Compulsivos Anônimos), mas logo desistiu.

                      O Doutor Cazuza aconselhou – Olhem precisam procurar uma organização de jovens para motivá-lo. Sem isto ele não vive muito tempo. Tem de comer menos, se não perder pelo menos 40 quilos breve ele não anda mais. – Qual doutor? Perguntou dona Matilde sua mãe. – Não sei Jiu jitsu, Luta livre, boxe ou quem sabe o Sumô? – Assim o fizeram. Não ficou duas semanas em nenhum deles. Sem saber o que fazer uma vizinha disse – Porque não procura os Escoteiros? Sei que eles recebem bem todo mundo, quem sabe ele se anima e nas excursões e acampamentos ele emagrece. Meu sobrinho é um deles e diz que nos acampamento o Escoteiro cozinheiro é mestre de colocar açúcar na comida. Piada de mau gosto, mas mesmo assim eles levaram Tonico Tonelada ao Grupo.

                  Chefe Marcelio ouviu tudo o que os pais diziam. Eles contaram toda a vida de Tonico Tonelada, os médicos, os conselhos e agora sabiam que a vida dele estava por um fio. Tinha de emagrecer. – Senhor Natal, disse o Chefe Marcelio, sei que é uma situação difícil, mas veja nossa situação – Durante uma hora o Chefe Marcelio narrou como era às atividades escoteiras, as excursões, os acampamentos e no final perguntou – E então? Ele não vai aguentar? Quem sabe a emenda pode ficar pior que o soneto? Muitos irão sair porque sabem que ele vai ser sempre um perdedor. Chefe Marcelio não queria dizer isto e se arrependeu. Fez então uma promessa – Olhe, vou conversar com os chefes. Eles claro irão discutir com seus monitores e o que decidirem comunico ao senhor e a senhora.

                  Chefe Lawrence ouviu atentamente o Chefe Marcelio. Como era um bom homem não disse nem sim e nem não. Iria analisar e discutir com a tropa e os monitores. Assim foi feito. Agora que todos foram contra ele não sabia o que fazer. Na semana foi fazer uma entrega de sua loja na Rua do Ouvidor e ao descer da Van viu Tonico Tonelada atravessando a rua. Motoristas passando e chingando – Paspalho! Cuidado. Vai sujar meu carro seu merda se eu passar em cima de você seu gordo dos invernos! Ficou com pena. Pensou consigo que ele devia ter seus direitos. Era um ser humano. Conversou com Toninha sua esposa. Ela aconselhou a ele estudar tudo sobre os gordos na internet e os que conseguiram vencer sua doença, pois ele sabia que era assim. Duas semanas, pelo menos uma hora por dia até que conseguiu o endereço de cinco deles. Foi até a casa de cada um.

                  Era o primeiro dia de reunião de Tonico Tonelada. A Tropa sabendo que ele queria entrar pediu para votarem. A votação foi de 15 a favor e 13 contra. Todos prometeram ajudar por seis meses e se ele não mostrasse resultados infelizmente seria dispensado. Para isto fizeram uma programação especial para ele não se sentir um pária. Dependia de ele ser um Escoteiro ou não. Ele assinou um compromisso de honra. Fez a saudação escoteira e prometeu fazer tudo que os médicos aconselharam para perder peso. Quer ser Escoteiro? Se acha que quer tem de se esforçar. Disse Pintarroxa o Monitor da Falcão onde ele iria ficar.  Cada patrulha fazia questão de acompanhar. Na escola era olhado por seus amigos de classe e em casa recebia visitas uma vez por dia. Não foi fácil e ele sentia fome, sentia tremedeira e chorou muitas vezes. Mas no primeiro mês perdeu oito quilos. Em seis meses Tonico Tonelada passou dos seus 120 quilos para 85. Ainda era muito. Ele tinha de chegar nos 60 quilos. Difícil? Para Tonico Tonelada não. Quando ele conheceu os Escoteiros ele sabia que ali compromissos não eram para fugir. Escoteiros enfrentam desafios e não correm deles. Viu que tinham um código de honra e ele gostava disto. O Chefe Lawrence no primeiro dia disse a ele – Tonico é melhor ficar sabendo agora, qualquer um pode entrar como Escoteiro, mas ser Escoteiro não é para qualquer um!


                  A cidade aplaudiu, o colégio agradeceu e os Escoteiros do Brasil agora tinham em seu seio um verdadeiro jovem cujo Espírito Escoteiro era ponto de honra. Uma lei é para ser cumprida, uma promessa era para ser levada a sério. Tonico Tonelada conseguiu vencer. Ainda bem que os Escoteiros não fugiram na hora do apoio.  É meus jovens amigos, afinal não foi Baden-Powell quem disse que só os valentes entre os valentes se saúdam com a mão esquerda?  

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Palavra de Escoteiro ou palavra de honra? “Os dez artigos da Lei Escoteira”


Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Palavra de Escoteiro ou palavra de honra?
“Os dez artigos da Lei Escoteira”

          Estava acampado como sempre fazia bimensalmente com os monitores e subs da tropa. Nos acampamentos de fins de semana eu sempre ia para o Sitio do meu amigo Tornelo. – Chefe, fique a vontade, nem precisa pedir autorização. Boa aguada muitos bambus um local excelente. Eram quatro subs e quatro monitores. Eles adoravam tais acampamentos. Eu também, pois tínhamos mais tempo para conversar, aprender fazendo e trocar ideias. Ouvir adolescentes e suas necessidades eram para mim uma alegria sem par. Com esta nova rotina a tropa deu um salto em motivação e crescimento. O dia já estava no fim e a noite chegava mansa. Jantamos um belo bife com arroz que estava soltinho. Um dos subs era um cozinheiro de mão cheia. Lá pelas nove eles chegaram de mansinho na porta da minha barraca. Eu tinha feito nos outros acampamentos dois bancos de troncos grossos que encontrei cortado perto da lagoa do Jacaré. Cada um foi se assentando e um deles já colocava as batatas no fogo já aceso. Eu terminara o café e no bule esmaltado já tinha colocado junto à fogueira pequena com pedras em volta para não espalhar as brasas.

          Era uma rotina que todos gostavam de participar. Ali ficamos conversando até que um Monitor me perguntou – E a história de hoje Chefe? Sorri de leve. Sempre tinha uma historia para contar. – Vamos lá eu disse. Hoje iremos falar da Lei Escoteira. Uma patrulha que sempre achou que a palavra do Escoteiro vale pela sua honra. Mas o que é honra? Melhor contar a história. Eles se serviram de um biscoito de polvilho e alguns do café que estava quentinho. Um silencio se fez em volta. Mal dava para ouvir os grilos e ao longe na lagoa uma sinfonia de sapos cururus se divertiam todas as noites. – Tudo começou quando a Patrulha Onça Parda estava reunida na casa do Escoteiro Santos Dumont. Estavam lá o Monitor Rui Barbosa, e mais os Escoteiros e escoteiras Olavo Bilac, Caio Martins, Anita Garibaldi, Barbara Heliodora e Joana Angélica. Era uma rotina, pois todas as quartas feiras se reuniam em casa de algum membro da patrulha.  – Chefe! Interrompeu um Monitor, mas estes nomes são verdadeiros? Olhe que todos eles fizeram parte da história do Brasil. Bem pensado Antonio. Mas faz parte da história.  

          - Bem continuando, depois de discutido as sugestões que dariam para o programa do segundo semestre, eis que Anita Garibaldi levantou um assunto – Olhem meus amigos, lembram-se da última reunião que o Chefe fez um Jogo Escoteiro usando a Lei Escoteira? – Sim, disseram todos. Mas foi um jogo meio parado disse Olavo Bilac. – Concordo disse Anita Garibaldi, mas acho que valeu para nós. Afinal somos Escoteiros e o que significa a Lei Escoteira para um escoteiro? – Uma discussão simpática começou. Falou Caio Martins, Santos Dumont, Barbara Heliodora e Joana Angélica. Rui Barbosa o Monitor só observava. Ele sempre se questionou sobre a lei. Cumprir ou não cumprir? Dizia para si. Fazer o melhor possível? Quem sabe assim era mais fácil. Foi Santos Dumont que abriu o jogo – Para dizer a verdade eu não sou muito de cumprir esta lei. Ela existe para nos dar um caminho a seguir. Cumprir todos seus artigos é impossível, finalizou. – Não sei se concordo disse Olavo Bilac. Anita Garibaldi não falava nada. Só ouvia. O mesmo fazia Joana Angélica. Barbara Heliodora não concordou. – Não acho que devemos seguir pela metade. Se ela existe e nós prometemos um dia fazer o melhor possível não podemos continuar assim por toda a vida.

          Joana Angélica que pouco falava lançou um desafio – Porque nós que achamos que a Lei é tudo para os Escoteiros, que falamos em honra em palavra escoteira e em ética escoteira não tentamos por dez dias cumprir a risca todos os artigos? Quem sabe, prosseguiu, poderíamos fazer uma espécie de aposta e os que perdessem pagaria para todos uma rodada de sorvetes na Sorveteria do Paulão? Todos deram opiniões. Foi Rui Barbosa quem finalizou – Se todos aprovam eu estou de acordo. Lembrem-se que faltar com um artigo da lei é questão de consciência do próprio membro da patrulha. Para isto se ele não está preparado para cumprir os dois artigos da Lei que vão reger este desafio, não vale a pena continuar. Caio Martins entrou na conversa – Seria o primeiro artigo? O Escoteiro tem uma só palavra e sua honra vale mais que sua própria vida? – Barbara Heliodora emendou – Este mesmo e eu acrescento o segundo. O Escoteiro é leal. Sem lealdade não existe amor, amizade, fraternidade e consciência de mostrar que acredita no que faz e sabe que os outros reconhecem seu Espírito Escoteiro.

             Aprovado o desafio, a reunião de patrulha terminou com um juramento de todos com as mãos entrelaçadas – Prometo ser leal e dou minha palavra escoteira que se errar direi a todos. – Era uma quinta, dia 12 de agosto. O desafio iria durar até o dia 22 de agosto. Rui Barbosa pensativo não sabia se conseguiria cumprir. Olavo Bilac ria baixinho – Este desafio eu tiro de letra - Caio Martins dizia para si mesmo que se quisesse vencer teria que caminhar com suas próprias pernas. Santos Dumont tinha dúvidas se também iria até o final. Anita Garibaldi não tinha dúvidas. Barbara Heliodora sempre se considerou leal e achava que sempre cumpriu os artigos da lei. Joana Angélica tinha medo de suas amigas de classe. Falavam muito palavrão e sempre contavam piadas que iam contra a ética e a honra. Os dez dias se passaram. Estavam todos reunidos na casa de Joana Angélica. Era a hora do acerto de contas. Hora que cada um devia dizer se cumpriu ou não a lei escoteira.

            Rui Barbosa deu o exemplo como Monitor – Não consegui no Sétimo artigo me perdi. Tudo por causa do meu pai. Encheu-me as paciências de tal maneira que fui indelicado com ele. Pedi desculpas depois, mas já havia infligido à lei. Joana Angélica sorriu baixinho e emendou – Eu também não consegui. O quarto artigo é danado. Amigo de todos? Isto inclui aqueles que não são Escoteiros. Tive que dar um empurrão na Rebecca minha prima. Entrou no meu quarto e fez uma bagunça que só vendo. Depois me arrependi. Afinal ela só tem cinco anos! Caio Martins só falou que cumpriu todos. Barbara Heliodora pediu desculpas, mas não cumpriu o quinto e o oitavo artigo. Não fui cortês com minha mãe e quando ela me repreendeu na frente de todos, eu chorei por dois dias. Nem me lembrei de sorrir. Olavo Bilac disse que cumpriu sem pestanejar e se precisasse ele ficaria para sempre cumprindo a lei escoteira. Anita Garibaldi também não conseguiu. Discuti com minha professora, pois ele me deu oito em história. Merecia um dez. Por último Santos Dumont disse que cumpriu todos.


            Os monitores e subs estavam de olhos arregalados. Chefe é história verdadeira? Quer saber? Eu não sei se eu iria cumprir como muitos fizeram. Não disse sim e não e encerrei a história com todos tomando sorvete na Sorveteria do Paulão. Empanturraram-se de tanto tomar sorvete. Um silêncio profundo em volta do fogo. Ninguém disse nada. Uma coruja piou ao longe. Os sapos pararam de coaxar. O céu ficou escuro e um relâmpago riscou o ar. – Boa noite meus caros monitores, chequem suas barracas a intendência, o lenheiro. Vem uma tempestade por ai!