No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras

No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras
A aventura está apenas começando

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Zé Celso Pescador e o descomunal Mexilhão-Dourado.



Lendas escoteiras.
Zé Celso Pescador e o descomunal Mexilhão-Dourado.

              Zé Celso era Escoteiro da Patrulha Morcego. Zé Celso era um Escoteiro comum, nada de mais como menino. Claro, altura mediana, magro e franzino para os seus doze anos. Tinha os cabelos crespos apesar de sua cor branca. Sua mãe Dona Eulália e seu pai Senhor Chaparral eram brancos, mas diziam que seu avô por parte de mãe foi escravo da fazenda do Coronel Miltinho. Seu pai era mestre pescador. Viviam da pesca que ele retirava do Rio Tambaú. Os peixes estavam rareando. Já não eram mais como antigamente. Mesmo com a atuação dos Militares Ambientais, a pesca de rede era frequente. Zé Celso nasceu no rio. Adorava pescar. A Patrulha adorava Zé Celso, não só pela sua calma, pela sua educação, pela sua voz ponderada, mas também por que sabia que com ele comeriam uma boa moqueca de peixe. Alem de pescar era exímio nos pratos de pescados. Seja em panela ou assado na brasa.

             Quem me contou esta história não foi ele. Foi Wantuil seu Monitor há alguns anos atrás. Encontrei-me com ele na Barra do Jacu, onde levei um Clã Pioneiro para descer o rio até a foz do São Francisco. Os pioneiros se deliciaram com a história. No final ele foi ovacionado e até pagaram uma lauta refeição no refeitório do barco a vapor que viajamos. Quando contava a história me lembrei do conto de O VELHO E O MAR de Ernest Hemingway. A luta do "Velho" pescador pelo peixe da sua vida. Acho que todos devem ter lido. Mas vamos à história. Wantuil disse que foram acampar na barranca do Rio Tambaú bem próximo onde desaguava o Rio Colorado. Nada de novo no acampamento que significasse mudar o rumo da história a não ser no segundo dia centenas de urubus a voarem em cima do acampamento. O Chefe Mira Flores ficou cismado e tanto procurou que achou um enorme touro preso na beira do rio no meio de cipós trazidos pela cheia. Os urubus sabiam que era morte certa. Nada que o Chefe Mira Flores desse um jeito. O touro foi solto.

             Como sempre Zé Celso foi liberado para sua pescaria. Sabia que ali tinha peixes de bom tamanho e pretendia presentear a todas as patrulhas neste acampamento com um bom pescado. Depois da inspeção ele foi liberado. Era mestre em armadilhas. Fazia uma que era tiro e queda. Uma vara flexível de bambu, de mais ou menos dois metros e meio, um cabo fino de mais ou menos um metro prezo com um anzol grande. Bem abaixo no pé do bambu outro de uns vinte centímetros amarrado transversalmente com uma amarra diagonal. Na ponta deste menorzinho ele cortava fatias de mandioca que se encaixavam no bocal do bambu. Esticava o cabo segurava no anzol e enfiava a ponta na mandioca. Soltava devagar, pois se não ficasse bem preso sua mão ou seu dedo seriam fisgados.

              Zé Celso fez três destas armadilhas. Entrou na água por um oito metros e fincou cada bambu no fundo do rio. Ali não era fundo. Não mais que um metro e meio. Dava para ver a ponta das varas. Agora era esperar na margem que algum Piau ou então um dourado mordesse. Se desse certo e sempre dava em pouco tempo teriam um ou dois peixes fisgados. O primeiro cabo da vara se soltou. Vazia. Lambaris pensou. Eles sempre atrapalham. Meia hora, uma hora e a segunda vara entortou toda. Um peixe havia fisgado. Zé Celso correu para dentro d’água. Sabia que o peixe com sua força arrancaria em pouco tempo a vara da areia no fundo do rio. Quando foi segurar a vara levou o maior susto. O maior Dourado que ele já vira. Sem mentiras, pois o Escoteiro não mente tinha mais de doze quilos. Enorme. De vez em quando vinha à tona e dava um salto que maravilhava Zé Celso. O sol batia sobre sua pele e o peixe brilhava na sua cor vermelha e metálica.

              Zé Celso ficou ali segurando a vara fincada no rio. Não podia soltar. Sabia que gritar aos amigos não adiantava. Longe demais.  Esqueceu-se de avisar a eles onde estaria e o acampamento ficava a mais de dois quilômetros de distância. Meio dia, uma hora, duas três. O peixe não se cansava. Corria para todo lado.  Uma perna de Zé Celso começou a dar câimbra. Ele estoicamente não desistiu. Ficou ali. Era o seu maior peixe. Não iria perdê-lo nunca. Quatro horas, seis começou a escurecer. Agora sabia que já estavam o procurando. Em breve o achariam. Oito da noite, nove, uma hora da manhã. Nada. Um frio de doer. Zé Celso lá. Não largava o seu peixe de jeito nenhum. Seus lábios tremiam. Seus dentes batiam um no outro. Às quatro da manhã começou a se sentir cansado. Seu corpo não queria mais obedecer a sua mente. Fez o que nunca deveria ter feito.

               Pegou o cabo da outra vara. Amarrou a vara do peixe em sua perna. Arrancou a vara e se deixou levar na correnteza. Nadava bem e sabia boiar. O dia amanhecendo. Zé Celso boiado rio afora. Pensou que quando passasse por baixo da ponte do Cavalo Doido alguém o veria. O dia já havia amanhecido. Um pescador o viu. Foi até ele com seu barco. O ajudou até margem. Quando retirou a vara o peixe era só esqueleto. Um enorme espinhaço. As piranhas quando desceu o rio o comeram quase todo. Zé Celso chorou. Tanto trabalho por nada. A tropa o encontrou exausto próximo à ponte. O procuraram a noite toda.

              Zé Celso não pegou seu maior peixe. Mas foi ovacionado por todos os escoteiros. Ficou conhecido pela sua tenacidade. A cidade em peso soube de suas história. Quando passava na rua era cumprimentado. Na sua sala de aula a professora fez um discurso para ele. – Disse: - Que Zé Celso seja o exemplo para vocês. Desistir nunca! Nunca mais Zé Celso pegou um peixe daquele tamanho. Não desistiu de pescar e a patrulha comeu bons guisados de peixe frito na brasa. Sei que levaram a espinha do Dourado e colocaram no coreto em praça publica. Ficou lá por muitos anos. Todos até hoje imaginaram se Zé Celso tivesse pegado seu peixe. Como se diz por aí, nem sempre temos aquilo que gostaríamos de ter.

               Guardei esta história e até hoje conto para meus escoteiros. Uma lição de vida. Verdade ou não exemplos são feito para serem seguidos e o de Zé Celso não pode ser olvidado nunca!     

sábado, 23 de fevereiro de 2013

O Fantasma do Capitão Levegildo.



Lendas escoteiras.
O Fantasma do Capitão Levegildo.

                Se não me engano tudo aconteceu em mil novecentos e setenta e um. Mais precisamente em novembro. Feriado de quinze de novembro. Uma época que fiquei sem grupo e só atuava como Comissário Regional. Estava sentindo falta dos meus acampamentos a “escoteira”. (aquele que anda só). Fazia mais de dois anos que não fazia um. Falei com Celia que ia acampar no feriado. Ela não gostava destes meus acampamentos, mas sabia que era um dos meus prediletos e aceitava contrariada. Ia pegar um ônibus até o entroncamento de Cidade Nova com Monte Azul. Poderia ter ido de trem, mas era demorado. De ônibus fiz com três horas. De trem mais de nove. Meu destino era uma parte da serra da Mantiqueira pelo lado de Minas Gerais. Pretendia subir a serra por seis quilômetros até o riacho Seco. Risos. Nunca esteve seco. Sempre cheio. Sai na sexta à noite e voltaria na segunda à noite.

               O ônibus me deixou no entroncamento por volta da duas da manhã. Era o que planejara. Minha mochila estava pesada e ainda tinha meu bornal com meu farnel para seis refeições. Simples. Sempre foi assim. O arroz com feijão e eu completava com alguma pescaria ou caça. Caça simples com armadilhas. Cortei uma vara fina para me ajudar na subida. O sol estava nascendo quando cheguei ao Riacho Seco. Estava bem seco mesmo. Ainda bem que onde ia ficar tinha um bom remanso para nadar e pescar uns lambaris e traíras. Tirei as tralhas das costas e comecei a montar o campo. Uma pequena cabana com folhas e por cima uma lona simples. Eram duas lonas a outra seria para fazer um toldo no meu fogão tropeiro. Passei boa parte da manhã preparando meu campo. Não sei por que, mas senti que estava sendo observado. Olhava e não via ninguém.

                 Não vou mentir e dizer que não tenho medo de nada. Sempre tive. Mas o medo aprendi a combater com o medo. Quantas vezes no escuro não vi fantasmas de todos os tipos? Nossa visão cria fantasmas em um galho, um vento movimentando o capim o barulho da água e até a chuva nos ajuda a sentir a pele enrijecer e muitas vezes fechamos os olhos para quando abrir rezar para que os fantasmas da mente desaparecessem da nossa vista. Mas a danada da percepção de estar sendo observado não terminava. Cuidei do que tinha de cuidar. Preparei um ótimo lenheiro. Se o tempo permanecesse firme ia dormir sob as estrelas. Adoro isto. Acampar sozinho é uma dádiva. Os sons da natureza, dos bichos, pássaros dos insetos e do vento calmo ou forte para sul ou norte. Naquele sábado depois de tomar uma sopinha, sentei em um tronco frente ao fogo e quando ia iniciar a preparar meu cachimbo vi em cima do remanso uma figura brilhante.

                  A figura não se movimentava. Era diferente de tudo que tinha visto. Pelo menos pareceu. Pior é ficar calado enquanto ele fazia barulho. Vamos enfrentar o bicho, pensei. Claro com medo, mas lá fui eu até o remanso. A figura sumiu. Voltei. Uma visão de ótica? Acho que não. Sentei novamente no meu tronco. Fazia um pouco de frio. Fui até minha mochila e peguei minha manta. Quando sai debaixo do meu abrigo dei de cara com o fantasma. Não era grande. Era brilhante. Parecia uma figura destas do sertão com perneiras, uma bota cano longo um enorme bigode e um chapéu velho e amassado. – Olá! – Ele disse. – Olá! Respondi. – O fantasma falava. Bom isto. Nunca tinha visto nada na vida assim. Fantasma falante era novidade. Não tenho mediunidade. Nem vozes ouvia. Senti o coração bater mais forte.

                  - Posso tomar um café com você? – Claro disse. Fiquei olhando como ele iria tomar o café. Fantasmas são etéreos. Não seguram nada nesta vida. Mas eis que ele pegou minha caneca, tirou a chaleira do fogo e bebeu um belo gole. E olhe saia fumaça da caneca. Ele sentou numa ponta do tronco. – Sabe! Ele disse. Gostei de você. Entrou nas minhas terras sem pedir, mas vejo que é educado. Observei você o dia inteiro. – Só não gostei quando tomou banho e deitou na grama pelado. Não gosto de homens pelados. Já matei vários assim na minha vida. – Caramba! O fantasma era um pistoleiro! Estava começando a tremer. O medo chegou. Estava difícil dominar. Ele não parava de falar. Convidou-me a ir até sua fazenda. – Disse do horário. Pode ser amanhã? Ele riu e disse – tudo bem. Amanhã passo aqui a meia noite e vamos lá. – Não pode ser durante o dia? Não. Eles não permitem. – Quem é “eles”? Sem resposta. O fantasma sumiu.

                   Não tive problemas para dormir. Acordei umas vezes para o necessário e voltava a dormir. No dia seguinte ele não apareceu. À noite também não. Não haveria outra noite. Iria embora naquela segunda. Lá pelas duas da manhã de segunda ele me chamou. – Vamos lá. Só agora consegui me desvencilhar deles. – Sou conhecido aqui como o Capitão Levegildo. Andei matando muitos que eram contra mim. Esses quatro me emboscaram na estradinha quando estava entrando em minha fazenda e me deram dezenas de tiros. Não satisfeitos me pegaram e me levaram para um local podre, cheirando a enxofre e todo mundo ali parecia com o demônio. Escondi-me aqui, mas eles me acharam. - Vamos logo antes que voltem. – Fazer o que? Lá fui com ele. Não andamos muito. Uma choupana caída, muitas cinzas sinal que foi queimada. - Ali no canto sou eu disse. Uma caveira. Nada mais que ossos e ossos.

                   Preciso que me enterre. Só assim conseguirei fugir deles. Achei uma enxada. Cavei uma cova rasa. Coloquei lá a caveira. Depois que soquei a terra o Capitão Levegildo deu um enorme grito. Vi que mais quatro vultos brilhantes estavam carregando ele para longe. Voltei apressado para o campo. O dia começou a nascer. Juntei minha tralha e nem fiz a limpeza do campo. Desci a montanha em menos de uma hora. Na estrada peguei o primeiro ônibus.  Na janela vi o Capitão no alto do morro dizendo adeus. – Adeus mesmo. Aqui não volto nunca mais! Acredita? Não? Bem não posso convencer ninguém. Mas olhem, continuei acampando a “Escoteira” por muitos e muitos anos. Nunca mais vi fantasmas. Vozes eu ouvia, mas faz parte do ofício. Baden Powell dizia que só os valentes entre os valentes se saúdam com a mão esquerda. Não sou valente. Aceite minha direita. Desculpe BP. Risos.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

E o Pássaro Azul levou meus sonhos para nunca mais voltar!



Conversa ao pé do fogo.
E o Pássaro Azul levou meus sonhos para nunca mais voltar!

                - Porque Pássaro Azul eu não tenho mais direito em sonhar? E não posso mais acreditar em meus sonhos? – Seus sonhos são tristes, nostálgicos, não existe mais aquela alegria do passado. – Olhe dentro de você. Qual foi a ultima vez que cantou uma canção? Qual foi a última vez que apertou a mão de um amigo Escoteiro? Você se fechou dentro de si, só ouve a voz do vento e ele nunca trás para você a doce primavera do passado em forma real. – Seu mundo é imaginário. – Você ainda não viu que a forja que temperou o aço do que você foi feito acabou. – Não vai mais existir aquela alegria de tempos idos. Ela não pertence mais a você. Ela está em outros sonhos, agora dos jovens que fazem a sua maneira um belo escotismo.

                - Olhei para o Pássaro Azul que sorria um sorriso enigmático, como a perscrutar no espaço o que seria eu para ele. Tinha um porte altivo, sem encarar, procurava saber, e para descobrir todas minha vicissitude analisava os meus medos, as circunstâncias que cercaram a minha vida. Para ele eu não era casual e imperecível. Na sua maneira de pensar não existe o acaso. E para ele eu estava criando em minha mente uma possível volta no tempo, o que seria eternamente impossível. – Veja Pássaro Azul, você está analisando o meu sorriso, a minha atitude, isto até é fácil. Você é contra o que eu penso, acha que estamos vivendo um momento único na história.  – Deve ser por isto que levou meus sonhos. – Você não tem este direito.

                 - Às vezes Pássaro Azul eu me sinto só. Não do calor humano. Esses não me faltam. O Pássaro Azul não entendia o porquê minha luta era o nada contra o nada. Muitas vezes pensei em desistir. Mas seria o que sou? Seria o intransigente que me leva a sonhar o impossível? – O Pássaro Azul sorriu. – Todos nós somos um pouco intransigente. Do outro lado também eles existem. Mas eles são os que decidem e você não. Lágrimas caíram no meu rosto. O Pássaro Azul atingiu-me fundo. Não sei se merecia. Nos meus sonhos que ele levou não quis desservir ninguém. Acreditava que amava a todos que conheci. – Engano seu, ele disse. – Acredito que você ainda não viu a forma de amor que criou para você.

                 - Mas não fique triste. Ainda deixei pequenos sonhos contigo. Sonhos reais, palpáveis. Siga aquele poema que um dia falou das tristezas, ande sempre em frente, não crie ilusões, ilusões nada trazem de beneficio. Não ande nas sombras. Assopre o pensamento triste. Deixe escorrer esta lágrima que caem do seu rosto. Se necessário vá até o fundo do poço, mas volte renovado. O Pássaro Azul me trouxe uma lição de vida. Avaliar o que fui e o que devo ser deve a nova meta da minha vida. Sempre achei que fui feliz. A minha maneira acreditei. Tinha que mudar. Mudar para melhor. Cantar as mais belas canções. Procurar no espaço o que não encontrei na terra. 

                   O Pássaro Azul voou por sobre as nuvens fez uma ou duas paradas como a dizer pela última vez: - Não esqueça. Quando encontrar a sua alegria de viver, respire fundo. Deixe a energia cósmica entrar em você. Abra a janela. Deixe que os pardais procurem a luz para você. Se encontrar, coloque-a dentro do peito. Lembre-se, a felicidade é seu objetivo. E ele se foi zigzagueando pelo horizonte até desaparecer no azul do céu profundo. Meu coração encheu-se de júbilo. Perdi uma parte dos meus sonhos, mas ele me deu parte das respostas que eu procurava. A felicidade existe. Está ao nosso lado. Quando cantamos com o coração ela está junto. Lembrei-me de uma canção antiga, linda, que me marcou muito:

- Este ano, quero paz no meu coração. Quem quiser ter um amigo, que me dê à mão. – O tempo passa, e com ele caminhamos todos juntos. Sem parar. Nossos passos pelo chão vão ficar. Marcas do que se foi. Sonhos que vamos ter como todo dia nasce em cada amanhecer!

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O meu último toque de silêncio!



Lendas Escoteiras.
O meu último toque de silêncio!

           Tony Blanco chorava copiosamente a minha frente ali naquele bar em uma travessa da Avenida São João. Não me lembrava do nome da travessa, mas ficava próximo ao número 300. – O Senhor se lembra Chefe Osvaldo do Pintassilgo? – Claro que me lembrava. Ele e Tony Blanco eram amigos inseparáveis. – Pois é nunca tive um amigo fiel como ele. Amigo mesmo. De todas as horas. Éramos de Patrulha diferente da sua. Lembro que o Senhor era da patrulha Lobo e nós da Touro. Mas fizemos juntos muitos acampamentos. Lembra-se daquela jornada na Ilha do Cajuru? Foi demais não? – Eu lembrava. Minha mente passeava pelo passado. – Pois é Chefe Osvaldo, desculpe chamá-lo assim. Não sou mais Escoteiro. Eu hoje não sou nada. Um molambo largado na vida. Não tenho família, amigos, nada e nem ninguém que se preocupe por mim.

            A vida sempre a nos reservar surpresas. Um filho me pediu para ir até a Santa Efigênia comprar uns itens de computador para ele. Quando desci do ônibus na São João senti que ia passar mal. Corri até um bar em uma travessa da avenida e pedi um copo de água mineral. O remédio estava comigo. Ajuda mas não muito. Depois tinha que sentar e respirar por alguns minutos. Foi então que o vi. Nada mais nada menos que Tony Blanco. Maltrapilho, sujo, cara lisa, mantinha o mesmo corpo forte do passado quando puseram nele o apelido de Maciste. Mas era uma sombra do passado. A última vez que o vi foi em 1978, em um Seminário Escoteiro em Juiz de Fora. Nunca mais nos encontramos. – Pois é Chefe faz tempo não? Mas ele não sorria. Tony me conte o que aconteceu ao Pintassilgo?

            Morreu Chefe. Morreu. Uma morte horrorosa. Ficamos juntos até 1980. Morávamos juntos, mas sempre mantendo a fleuma de amigos somente. Ele nunca me deixou. O Senhor sabe disto. Por causa dele não casei com a Das Dores. Gostava dela, mas mesmo aconselhando a ele arrumar uma namorada ele ria e dizia – Não quero. Se arrumar vou casar. Se casar você deixa de ser meu amigo. Olhe Chefe muitos interpretaram mal esta amizade. Acho que não entendem que para ser amigos de verdade não precisamos de subterfúgios. Basta gostar. Gostar de maneira simples, sem desejos, sem aspirações que não seja estar junto de quem gosta. Das Dores riu de mim quando disse isso a ela. Interpretou mal. Vim para São Paulo. Pintassilgo veio também. Comecei a trabalhar em uma construtora como Mestre de Obras. Ele também. Alugamos uma pequena casa no Bairro Cajuru. Pequena mas dava para nós.

             - Tony, você ainda toca o Clarim? Perguntei. Lembra quando eu e você nos exibíamos na “banda” do Grupo Escoteiro mostrando nossas qualidades? E quando formos servir no exército? Ficaram em dúvida entre eu e você ser o corneteiro da unidade. Ele me olhou e mesmo com os olhos marejados de lágrimas deu um pequeno sorriso e disse – O joguei fora. Tinha de jogar – Porque meu amigo? – Pintassilgo um dia desapareceu. Tentei encontrá-lo por toda a cidade. Perdi o emprego por que não ia trabalhar. Passou-se dois meses. Que falta Chefe eu sentia dele Chefe. Nada ajudava. Não conseguia emprego fixo. Fui para as ruas. Morador de rua. Aqui e ali uns trocados. A vida ali é dura, mas hoje aprendi. Sei me virar.

               - Largou mesmo o escotismo? – Larguei. Cheguei a ajudar em um grupo próximo a minha casa. Mas senti dificuldade. Aqui se fazia tudo diferente. Gostava dos jovens, mas implicaram com Pintassilgo. Ele sempre junto. Falaram coisas que não gostei. Não entendiam o valor de uma amizade. – Olhe, eu fui a várias delegacias, lá zombavam de mim pelo que eu era. Fui a hospitais, Rodei em prontos socorros, fui ao IML e nada. Não dormia direito. Ainda tinha meu clarim guardado na caixa como quando comprei. Havia anos que não tocava. Um dia com minha carrocinha na descida da Avenida Angélica, avistei o Nonô, o Senhor deve lembrar-se dele. Era Monitor da Pica Pau e sumiu também com sua família. Eu não sabia quem era ele. Não tinha cabelos e seu nariz fino e comprido não dava para esquecer. – Ele me viu e me reconheceu. Convidou-me para tomar uma cerveja e até pagou para mim um almoço. Fazia dois dias que não comia.

                 - Você soube o que aconteceu ao Pintassilgo? Ele disse. – Não! Conte-me. Faz cinco anos que estou procurando. – Morreu torturado por traficantes na Favela da Caixa D’água. – Chorei na hora. – Por quê? Porque meu Deus? – o confundiram com o Maneco Tiro Certo. Eram quadrilhas rivais. Você não sabe, mas sou investigador da 17º Delegacia. Fui ver uma denuncia anônima. Cortaram sua cabeça, seus braços e pernas. Depois atearam fogo. – Ficamos em silêncio por muito tempo. Eu não sabia o que dizer. – Depois perguntei – E onde foi enterrado? Acho que no Cemitério de Vila Alpina. – E você meu amigo, ainda nesta vida de morador de rua? – Conversamos mais algumas horas e ele se foi. Deixou-me um cartão. – Se precisar telefone disse. Lembrei-me do Chefe Tonho que dizia – Um Escoteiro é sempre irmão. Nunca deixa um dos seus na mão.

                     - À tarde do dia seguinte fui até o cemitério de Vila Alpina. Tomei um banho no Albergue que fiquei hospedado. Coloquei meu uniforme Escoteiro. Estava guardado. Nunca me desfiz dele. Todos os mendigos de lá assustaram. Peguei um ônibus até Vila Alpina. A mocinha que me atendeu não tirava os olhos de mim. Disse-me onde ele estava enterrado. Joviel Peixoto. Eu sabia seu nome. Não havia sepultura. Um buraco. Mais nada. Pedi uma pá emprestada. Fiz uma tampa de terra. Tirei de outros túmulos um pouco de capim. Claro algumas flores também. Achei duas taboas. Fiz uma cruz. À mocinha me olhava de longe. Já estava escurecendo. Tirei da minha bolsa meu clarim. Meus olhos se encheram de lágrimas. A boca seca. Não conseguia tocar.

                    - Chefe Osvaldo, eu o vi em pé na sepultura. Sorria, não disse nada, estava de uniforme Escoteiro. Brilhava na escuridão. Me fez a saudação Escoteira. Desta vez toquei meu clarim com garra. E como toquei. O mais triste toque de silencio que toquei em minha vida. – Sabe Chefe Osvaldo, eu vi, eu vi mesmo muitos que ali morreram ficarem de pé em suas sepulturas calados. Eu vi relâmpagos no céu. Eu vi uma estrela brilhante em cima de nós.
             
                    - Enquanto ele me contava o acontecido eu me lembrei de um pequeno poema que tinha lido – “Os clarins tocam pelos heróis, que morrem pela ignorância humana. O Silêncio é das vozes que se calam diante das injustiças e barbárie que são cometidas contra quem não pode por si, se defenderem”.  Eu conhecia o toque. O toquei milhares de vezes. É um toque triste. Fiquei ali com Tony. Eu também chorava. O bar vazio. Dei a ele meu cartão. Escureceu. Não podia mais comprar o que meus filhos pediram. Despedi-me dele oferecendo ajuda. – Obrigado Chefe Osvaldo. Obrigado. Já tenho o suficiente para viver minha vida de morador de rua. É minha sina. Aqui estou vivendo e aqui morrerei. Saiu me dando um aperto de mão e um Sempre Alerta.

                   - Falar mais o que?

O último toque...

O último toque para o silenciar da noite
Ainda vejo os cílios na sombra...
Da lagrima no chão!
Ainda ouço, o silencio da mente...
Por tantas vezes errante pela emoção.
Ainda ouço, o ultimo toque para o silenciar da noite...
Assim, prendendo a respiração.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Gilbert, um Escoteiro em busca da trilha dos elefantes.



Lendas Escoteiras.
Gilbert, um Escoteiro em busca da trilha dos elefantes.

                        Há muito queria contar esta história. Mas porque achei meio infantil e desconexa desisti. Hoje pensando pensei – Porque não? Lá vai então. – Nas minhas andanças por este enorme país eu fui parar em uma cidadezinha chamada Nova Matusalém. Isto mesmo. Este era o nome. Na pensão da Dona Esther eu fiquei sabendo de que a muitos e muitos anos existiu um Grupo escoteiro na cidade. – Porque acabou? Perguntei. – Não sei. Porque não vai até a pracinha. Olhe no banco que fica em frente à Matriz. Vai encontrar Narciso ele é um velhote gente boa. Ele gosta de conversar e foi Escoteiro naquela época. – Não me fiz de rogado. Adoro conversar com antigos chefes. Eles sempre têm histórias maravilhosas para contar. Almocei, tirei um cochilo e parti para a praça. Não havia erro, com seus 80 anos lá estava ele. Um belo sorriso, no ombro direito uma pombinha amarelada, no esquerdo um Pintassilgo e um Bem-te-vi.

                    Parei na sua frente e alegre eu lhe disse – Sempre Alerta chefe! Ele imediatamente ficou em pé e solenemente respondeu Sempre Alerta. – Sente-se aqui ao meu lado. Há tempos que não converso com um Escoteiro. Ficamos ali conversando até sete da noite. O convidei para comermos um peixe em um restaurante que diziam maravilhas. Aceitou. Um velhote e tanto. Educado, simples e gentil. Histórias e histórias foram contadas. Mas teve uma que me chamou atenção. Do Escoteiro Gilbert e seu Elefante-africano. – Aqui? Perguntei. Aqui mesmo e começou a contar a história.

                   - Gilbert era Escoteiro há pouco tempo. Eu estava nos seniores e quase não tínhamos contato. Fiquei sabendo que ele insistiu com a Patrulha para atravessarem a Mata dos Macacos Cinzentos. Jurou que do outro lado iriam encontrar uma manada de elefantes. Ninguém acreditou naquela história absurda. Nem pensar disseram. Era uma mata que ficava a mais de setenta quilômetros, atrás da Serra do Cafezal. Eu já tinha ouvido falar dela. Poucos se arriscavam a ir lá. Um nevoeiro denso cobria a mata. Disseram de muitos que entraram e desapareceram. Todos sabiam que do outro lado da mata ficava a cidade de Tarumim. Havia até um projeto de cortar a mata com uma estrada, mas devido à falta de verba o projeto foi adiado. Gilbert não desistia. Procurou-nos um sábado – Será uma aventura e tanto! Disse a todos os seniores. Eu sei o caminho. O vi em meus sonhos. Depois da mata vamos encontrar o Vale do Tigre e lá uma manada de elefantes. Lá também tem leões, girafas, hipopótamos uma fauna gigantesca que hoje nem na África se encontra. É lindo lá. Campinas verdejantes, árvores com copas redondas, cascatas e cachoeiras enormes!

                        Achamos graça de Gilbert. Ele implorou ao Chefe Cardinho, falou com a Akelá Laurita. Nada. Era um sonho louco. Inacreditável. Quem iria pensar em ir a um local de sonhos de um Escoteiro? Em uma segunda feira Gilbert não foi à escola. Seus pais foram alertados. Procuraram em todos os lugares e nada. Ele não era gazeteiro. Nunca foi. Era sim um ótimo aluno. Dois dias a procura de Gilbert. Nada. Natalino um boiadeiro disse ter visto um jovem de bicicleta rumando para a Mata dos Macacos Cinzentos. Chefe Cardinho, Moliere e os seniores estavam na sede naquela quinta preparando para partir em busca de Gilbert. Todos tinham muita experiência. Não sabiam o que iriam encontrar na mata. Mas a vida de um Escoteiro esteva em jogo e seus pais inconsoláveis.

                        Quando estavam saindo um belo susto. Impossível! Gilbert entrou montado em um enorme elefante branco, com duas enormes presas de marfim. Enormes orelhas mais de duas toneladas de peso. Ele ria. Batia palmas. No centro da sede o elefante com sua tromba o colocou no chão e ficou sentado em duas patas. A cidade em peso acorreu para ver. Os pais entre alegres e preocupados previam um castigo para ele. Fazer o que com o elefante? O delegado disse que na cidade próxima tinha um circo. Mandaria alguém lá e ver se interessariam. Gilbert gritou. - Não podem fazer isto! Pelo amor de Deus! – Seus pais o levaram para casa. Um sermão, e a proibição de sair do quarto por uma semana. Sem escoteiros por dois meses. A mãe o levaria a escola e o iria trazer. No dia seguinte o quarto vazio. Ele pulou a janela do segundo andar e sumiu. Correram na sede. O elefante também sumiu.

                          Natalino o boiadeiro contou que quando estava recolhendo uma vacada parida, o viu sentado em um elefante entrando na Mata dos Macacos Cinzentos. Gritaria. Onde este escoteiro estaria novamente! Um mês! Sim, um mês desaparecido. Passou todo setembro sem dar as caras. Muitos acharam que ele tinha morrido. Apareceu em um domingo de sol. Sorridente. Seus pais desistiram do castigo. Gilbert pediu que pudesse de tempos em tempos visitar seus amigos elefantes. Tinha levado uma máquina fotográfica. Varias fotos de animais que não existiam no Brasil. Não acreditavam nem nas fotos. Seus pais concordaram. Sabiam que ele iria fugir se o prendessem. Ficou famoso na Patrulha e no grupo. Todos o reverenciavam. Pediam para contar a história do Vale do Tigre. Ele sorria e nada dizia. – Como chegar lá? Ele sempre sorrindo e calado.

                         Quando fez dezoito anos despediu do seu pai e de sua mãe. Foi na reunião de tropa e abraçou a todos no Grupo Escoteiro. Disse que iria partir. Ia morar no Vale do Tigre para sempre. O Chefe, um soldado dos bombeiros e dois seniores o seguiram de longe. Viram-no entrando na mata. Entraram atrás. Uma enorme cachoeira. Nem sinal de Gilbert. Sumiu nas brumas que invadia a mata e nada conseguiam ver. Sei que a cada ano aparece. Montando sempre em um elefante. Abraça seus pais fica um ou dois dias e depois desaparece.

                        Olhei para Narciso. Ele sorria. Saímos do restaurante. Ele me acenou dizendo adeus. Na esquina vi que ele estava montado em um elefante branco. Corri até ele. Sumiu na curva da estrada. Verdade? Mentira? Não queria contar. Nunca mais voltei à Nova Matusalém. Nunca descobriram a terra maravilhosa do Vale do Tigre. Eu juro que é verdade. Gostaria mesmo de passar uma temporada naquele vale maravilhoso. Mas a vida não é como a gente quer. A vida é feita de sonhos e só quem sonha tem o direito de fazer o que quiser de sua vida!

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Ariranha, um cão inesquecível.



Lendas escoteiras.
Ariranha, um cão inesquecível.

          Não tenho certeza se foi em 1953 ou 1954 que conheci Ariranha. Nove dias para ser exato convivemos juntos em um acampamento de tropa na Mata do Quati. Não dá para esquecer, pois foi nossa segunda Olimpíada Escoteira, e a cada ano elas marcavam época. Ideia do Munir, um Pioneiro meio afastado do grupo. Chefe Jessé relutou, mas a Corte de Honra achou a ideia esplêndida. Era uma Olimpíada diferente. Sempre acampávamos em uma clareira próxima ao Rio do Morcego, onde se avistava a bela cachoeira do Sonho. Na época da Piracema era um espetáculo ver os peixes tentando subir nas corredeiras e pulando sobre as pedras. Se podia pegar com a mão.

          As provas eram somente de atividades aventureiras e técnicas – Subir em árvores de seis metros de altura em um minuto – atravessar o rio nadando em dez minutos ida e volta (60 metros) – Fazer 25 nós escoteiros ou de marinheiro em seis minutos de olhos fechados – Deixar-se cair da cachoeira (oitos metros) em um tambor vazio de 200 litros – Semáforas e Morse uma prova onde tínhamos grandes sinaleiros – Fazer um café e pão do caçador em oito minutos – Uma fogueira em dez minutos que durasse quarenta minutos sem alimentar – Cortar uma tora de madeira de oito polegadas em oito minutos usando só um facão – Trilha e pista de animais e tantas outras que deixaram saudades.

         O caminhão da prefeitura nos deixou pela manhã na trilha da mata que levava ao Rio do Morcego. O resto era a pé. Apenas quatro quilômetros. Adorávamos este acampamento anual. A Patrulha se preparava meses antes. O troféu pela vitória alcançada não eram medalhas. Uma faca Escoteira, um canivete Suíço, uma bússola, vários distintivos de lapela com flor de lis, premios que ambicionávamos muito. Cada Patrulha tinha o seu campo separado da outra mais ou menos por oitenta metros. As pioneiras eram feitas no primeiro dia, pois no segundo as Olimpíadas começavam.

         Lembro que estava fazendo uma fossa para o WC quando avistei Ariranha. Notei algum diferente. Parecia um lobo Guará, mas tinha o pelo cinza e quase sem rabo diferente do lobo que conhecia bem. Quem sabe era um cruzamento com um vira-lata qualquer com alguma loba perdida por aí. Ele nunca sentava. Sempre em pé, orelhas para o alto e olhando sem piscar o que fazíamos. Quando me aproximava ele dava alguns passos para trás e parava. Durante todo o dia ele ficou lá, próximo ao nosso campo de patrulha. Acho que foi o Israel que lhe deu o nome de Ariranha. Porque não sei. À noite quando íamos dormir ele lá estava na entrada do pórtico com se fosse velar nosso sono. Pela manhã impreterivelmente lá o encontrávamos.

        Durante a realização das provas da Olimpíada, ele ficava muito próximo a mim. Uma vez entrando na mata a procura de uma pista pisei em falso e um enorme corte se fez em minha perna bem abaixo do joelho. Ele veio até a mim pela primeira vez e lambeu onde o sangue escorria. Parou na hora. Quando passei a mão em seu pelo saltou de lado e tomou distância. Uma noite acordamos com seus latidos. Latia para uma enorme cascavel que impreterivelmente invadiria nosso campo. Ele a espantou. Outra vez seus latidos foram mais altos e foi à tarde quando estávamos tomando banho no córrego da Lagartixa. Desta vez era uma Onça parda. Fugiu com seus latidos.

          Durante os nove dias de campo, Ariranha lá permaneceu. No último dia no cerimonial de bandeira Ariranha colocou-se ao meu lado na ferradura. Não me olhava. Estava fixo na bandeira Nacional. Enquanto ela farfalhava ao sabor do vento e descia dos céus seus olhos acompanhavam. Quando as patrulhas deram o grito ele ficou no meio e pela primeira vez se deixou abraçar. Foi um espetáculo comovente. Todos os escoteiros das demais patrulhas vieram também abraçá-lo. Ao partirmos ele nos acompanhou até a estrada onde pegaríamos o caminhão da prefeitura. Ao subir na carroceria ele estava lá me olhando. Abanando o pequeno rabo e deu um uivo enorme. Gritante e choroso. Como se fosse um lobo de verdade se despedindo para sempre.

           Voltei para casa chorando. Chorei por vários dias. Devia ter trazido ele comigo, mas meu pai disse que ele era da floresta, nunca iria se acostumar na cidade. Chamei o Romildo na semana seguinte e fomos até lá de bicicleta. Rodamos e rodamos e nem sinal de Ariranha. Nunca mais o vi, mas nunca mais o esqueci. Ariranha ficou marcado em nossa Patrulha lobo. No nosso livro de Atas ele teve um lugar especial. Não sei se é fácil explicar como se ama um cão ou um lobo em poucos dias e nunca mais o esquece. Não sei mesmo. Até hoje me lembro de Ariranha com saudades. Histórias são histórias, tem umas que marcam, tem outras que ficam gravadas em nossa mente para sempre! 

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Lembranças de um "Velho" Escoteiro. Era uma vez... No carnaval.



Lembranças de um "Velho" Escoteiro.
Era uma vez... No carnaval.

            Faz tempo. E quanto tempo! Nunca fui de “pular” o carnaval. Sempre aproveitei seus dias de folia para acampar. Houve um carnaval que não esqueci. Carnaval acampando. Misturado. Sacrificado. Corrido. Mas que valeu e valeu mesmo. Melhor contar como foi. – Chefe de Tropa, lá pelos anos de 1960, nosso programa marcava um acampamento de tropa em Vale Feliz. Menos de cem quilômetros da nossa cidade, mas sem estradas a não ser as vicinais. Mesmo assim elas eram interrompidas pelas corredeiras do Rio Doce.  Chegar lá só de trem. Acampei lá uns quatro anos antes. Descíamos na estação e menos de doze quilômetros chegávamos. Na discussão da Corte de Honra eles fizeram planos e planos para este acampamento.

           Seria um programa sui-generis. Um grande jogo que iria virar uma noite inteira atrás da Caveira do Ouro. Fazer uma “caçada” das Galinhas D’Angola selvagens. Outra época. Valia o aprendizado. Isto sem contar levar água até o centro do acampamento por bambus gigantes. Mais de trezentos metros de distancia. Soubemos que as Emas selvagens eram ariscas. Tentar achar sua pista e tirar uma pena foi outro jogo bolado. Os Monitores não saiam de minha casa. Sempre uma ideia nova. Chefe Jessé conseguiu passagens ida e volta. Levaríamos três carrocinhas no vagão de bagagem. Ração B. Na mochila e no bornal trazida de casa. Taxa zero!

           Uma semana antes tudo preparado. As quatro patrulhas vibrando. Fizemos outros, mas este tinha o dedo delas no programa em quase tudo. Estava em casa pela manhã quando parou um veículo na porta. Inusitado. Não tinha amigos com carros e poucos na cidade tinham. Só os bem de vida. Vi que era o Senhor Romualdo. Presidente do Ilusão Esporte Clube. Caramba! O que pretendia na minha casa? Sabia que não me conhecia, nunca me cumprimentou, mas fui até o portão de madeira e ele deu um belo sorriso. Fiquei na defensiva. – Meu jovem Escoteiro, preciso de você! Eu? Você mesmo! Deve estar sabendo que no desfile do carnaval a luta pelo primeiro lugar vai ser difícil. Agora para piorar tudo, o homem contratado da capital para tocar o clarim no desfile adoeceu. Não pode mais estar presente.

            Pisquei um olho, depois outro. Não disse o celebre – “E dai?” nada disto. Deixei-o continuar. – Conto com você nos três dias. Sábado, domingo e segunda. Sei que você tocou por muito tempo corneta e clarim. É o único na cidade que poderá nos salvar. Tocar só no desfile. Menos de uma hora por dia. Fizemos este ano um gasto enorme com a apresentação de Nero, aquele que botou fogo em Roma! Sem o clarim para anunciar o desfile e a entrada de Nero tudo perderá o valor. Estou disposto a lhe pagar o mesmo do moço da capital. Mil reais. “E agora José”. Expliquei não ser possível. Falei dos meninos dos seus sonhos e não podia faltar. Ele insistiu. Sumiu para dois mil e chegou aos cinco mil! Incrível! A quantia ajudaria muito ao meu pai doente na capital. Seria uma salvação que ninguém esperava.

            Tinha que montar um plano. Não tinha assistentes. Tinha sim bons Monitores, mas não poderia ficar de fora com a programação que eles tanto lutaram para fazer. Conversei com os monitores. Aceitaram meu plano. Vir de trem e voltar não dava. Eram dois por dia um cedo e um a noite. Sem condições. Falei com o Chefe Jessé. Preciso levar minha bicicleta no trem. Falei com seu Romualdo. Preciso de quinhentos adiantado. Ele coçou a cabeça. Tudo bem. Conto com você e sei que vocês tem palavra. Viajamos na sexta. O retorno marcado para quarta. Uma hora e meia de viagem. Chegando fui direito na casa do barqueiro. Preciso atravessar o rio seis vezes em três dias em horários impróprios. Pago a você cinquenta por viagem. Ele riu e aceitou na hora.

             Não foi fácil. Às seis e meia corria para o rio com a bicicleta. Atravessa na canoa e aprontava uma correria nas estradas vicinais até minha cidade. O desfile começava as dez. Minha fantasia de Trombeteiro do Rei (que vergonha meu Deus para vestir) levava no bornal. Às onze e meia terminava. Mandava-me pela estrada até o local combinado com o barqueiro. Sempre entre uma e duas da manhã chegava. Foi um acampamento que marcou. Ninguém reclamou quando não estava presente de seis da tarde até duas da manhã. Duzentos quilômetros ida e volta dirigindo uma bicicleta feito um louco em estradas vicinais. No quarto dia desmaiei de sono. Dormi até meio dia. Nonato um Monitor me acordou. – Chefe, não se preocupe. Tocamos tudo. Reunimos os Monitores e combinámos ajudá-lo no programa.

              Falar o que? Nada. Monitores são Monitores. Nosso orgulho. Mas acampei e fui um Trombeteiro do Rei. Toquei como nunca. Dei belas risadas. Fui pessoalmente uma semana depois à capital levar o dinheiro para meu pai. Estava com diabete. Ninguém conhecia esta doença na época em minha cidade. Mas valeu tudo que fiz. As noites mal dormidas. Andar a toda em estradinhas de terra correndo feito um maluco. Escotismo! O que você nos deixou como legado acho que nenhuma outra associação deixaria. Foi bom viver intensamente o escotismo. Outra época. Outra vida. Mas daria tudo para voltar de novo ao passado e fazer tudo de novo!

Sempre Alerta e bom carnaval para quem gosta!        

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A morada da felicidade existe entre o céu e a terra.



Lendas Escoteiras.
A morada da felicidade existe entre o céu e a terra.

                  Um silêncio sepulcral na sala de aula. Se entrasse uma mosca pela janela seria como o barulho de um avião levantando voo. Dona Nena de olhos semi-serrados em sua mesa lia um livro comum. Os meninos e meninas calados fazendo uma redação. “Como evitar Escorpiões”. Ela tinha dado uma aula sobre o tema. De vez em quando passava os olhos pela sala. Uma austeridade que era reconhecida em toda cidade. Seus ex-alunos tremiam quando encontravam com ela. Um grito estridente assustou todo mundo – Escorpiões na sala. Corram! Uma correria e uma gritaria sem fim. Dona Nena também assustou. Viu que a sala esvaziou em segundos. Olhou de novo. Só Ruanito sentado, compenetrado fazendo a redação. Dona Nena o pegou pelas orelhas e o levou ao Diretor. Não era a primeira vez.

                 Aniversário da cidade. Na praça um enorme palanque. Várias festividades programadas. O Prefeito Paredes discursando. Ao seu lado Dona Eufrásia sua esposa. Muitas autoridades juntos. O povo em pé na praça. Alguém gritou alto! – Uma cobra! Uma cobra! É uma cascavel! Ela atravessava o palanque devagar rumo às escadas. Um reboliço. O delegado Marcondes esvaziou seu revolver na cobra. Pá, pá e pá! Ela não parou. Gente gritando, caindo, o palanque quebrando. Dona Eufrásia caiu sobre a multidão. Seu vestido novo subiu até as orelhas. O Povo viu tudo. Ela adorava azul com bolinhas amarelas. A multidão dá praça correndo pela Avenida Tiradentes. A praça vazia. Muitos de pernas e braços quebrados foram para o pronto socorro. Só o Zé Bedeu um bêbado ria sem parar e gritava: “Viva Ruanito, o único gente boa da cidade!”. Sentado no banco da Praça Ruanito olhava sério para tudo aquilo. Na sua mão a linha de pesca que usou para puxar a cobra morta.

              Todos sabiam que onde havia estripulias tinha a mão de Ruanito. Seu pai já fora intimado várias vezes na delegacia. Alfredão adorava o filho. Sua mulher fora internada na casa de repouso Santo Angelo há muitos anos. Diziam que ela era louca. Ele não achava. Ela só gostava de se divertir. A cidade não tinha ninguém capaz de ajudar seu filho. Naquela época falar em psiquiatras ou analistas seria um palavrão. Chefe Cleyde era assistente de Tropa. Sempre soube de Ruanito. Tinha pena dele. Um dia tentou com todos os chefes do grupo a aceitá-lo. Ninguém quis. Convenceu o Chefe Manollo a dar uma oportunidade ao menino. – Ele quer se um de nós? – Não sei disse – Se ele quiser vamos tentar por seis meses.  Ela foi a sua casa. O pai de Ruanito gostou da ideia. Ele não disse nem sim e nem não. Olhou indiferente para a Chefe Cleyde.

               Quando foi apresentado à tropa todos se assustaram. Já conheciam sua fama. Romerito era o Monitor mais antigo. Dá Patrulha Peixe Boi. Com quinze anos ainda não tinha ido para os seniores. A pedido do Chefe Manollo ficou até os dezesseis. Era considerado o guia da tropa.  Ficou responsável por Ruanito. Ele o pegou pela mão e o levou até um grande abacateiro que dava sombra no pátio onde se reuniam. – Está vendo aquela formiga? Ela está a “Escoteira” significa aquela que anda só. Você vai ficar aqui e observar quando ela encontrar uma folha e levar para sua morada. Marque o tempo e quantas vezes ela deixa cair à folha! Ruanito olhou para Romerito, olhou para a formiga e não disse nada. Sentou na grama de olho na formiga. A reunião terminou às seis e meia da tarde. Ruanito sentado. Romerito o viu quando ia saindo. Romerito foi embora. O deixou lá. Nem até logo disse. A sede vazia. Ruanito firme sentado no pé do abacateiro.

              Às duas da manhã alguém bateu na porta da casa de Romerito. Ele com sono levantou-se e ao abrir a porta viu Ruanito todo molhado. Chovia a mais de quatro horas. O mandou entrar. Foram para a cozinha onde preparou um café forte.  – “Foram doze horas, vinte e quatro minutos e trinta segundos”. A folha caiu vinte e três vezes e vinte e três vezes a formiga repetia fazendo tudo de novo. Sempre com uma nova tentativa. Pensei em ajudá-la. Mas será que serviria para ela aprender como deveria fazer? Quando ela conseguiu entrou em um buraquinho no tronco do abacateiro não apareceu mais. Romerito olhou para Ruanito. Não disse nada. Pegou dois guarda chuva e o levou até sua casa. Seu pai dormia sono solto.

             No sábado seguinte pela primeira vez Ruanito foi apresentado a Patrulha. Romerito perguntou: - Algum de vocês conseguiram seguir a formiga do abacateiro? Cada um olhou para o outro e não disseram nada. Uma prova muito difícil. Apertem a mão de Ruanito. Ele conseguiu! Os escoteiros olharam espantados. Três meses depois Ruanito fez a promessa. A tropa feliz. Muitos seniores e chefes preocupados. Chefe Cleyde acreditava na mudança. Chefe Manollo era outro que sorria. A cidade se assustou quando viu Ruanito de Uniforme andando garboso pela Avenida Tiradentes. O delegado tirou o boné da cabeça. O Prefeito veio à janela da prefeitura para vê-lo. Zé Bedeu na sua bebedeira dava risadas e gritava: - Viva Ruanito, o maior Escoteiro do Brasil!

           E assim termina a história. Aquela cidade passou a ser uma feliz morada da felicidade. Ela ficava bem ali, bem próxima entre a terra e o céu!   

domingo, 3 de fevereiro de 2013

O inesquecível Chefe Gafanhoto. (baseada em fatos reais)



Lendas escoteiras.
O inesquecível Chefe Gafanhoto.
(baseada em fatos reais)

               Gente boa. Educado. Sabia ouvir, sabia cantar, era um grande mateiro, sempre sorrindo e com uma tropa Escoteira maravilhosa. Tinha um sonho. Um sonho maluco – Chefe Osvaldo, se Deus quiser um dia eu vou me alistar na Legião Estrangeira. – Você sabe o que é isto? Perguntei. - Claro, sei que quando se alista são cinco anos sem poder sair. Bem cada um com seus sonhos.  Eu o conheci em um curso Escoteiro. Foram oitos dias na mesma Patrulha. Chefe gafanhoto praticamente liderou a patrulha. Surpresa foi quando me disse que morava em Barra das Vertentes. Menos de cento e cinquenta quilômetros de onde eu morava. Em Luz do Amanhã. Tinha sido promovido a Chefe da Tropa há poucos meses. O curso me deu um novo caminho a seguir.

               Chefe! Que tal acamparmos juntos? Minha tropa e a sua. – Grande ideia Chefe Gafanhoto. Quando? Vamos aproveitar janeiro do próximo ano. Falta menos de seis meses. Ficamos combinados. O local ainda iriamos decidir. Em fins de outubro recebi uma carta dele. – Chefe, o Senhor Molixto, pai de um Escoteiro tem uma fazenda próxima a Três Estrelas. Metade do caminho para mim e você. Acho que uns noventa quilômetros de sua cidade. Você passa Três Estrelas e marca mais cinco quilômetros. Verás uma bifurcação. Alí será o ponto de encontro. Até a fazenda são mais oito. Senhor Molixto me garantiu que lá tem um excelente local, próximo de uma cascata para banho e muitos bambus. Ele irá nos ceder dois carros de bois para transporte do material do entroncamento até o local. Garantiu também que será por conta dele a carne de porco, de boi, gordura, arroz, feijão, batata e verduras e frutas. Ele tem isto na fazenda!

                  Beleza! Mandei outra carta confirmando o horário de encontro. A tropa vibrou quando contei do acampamento. Consegui na prefeitura um caminhão lonado, Chefe João o Chefe do Grupo conseguiu o que precisávamos de alimentos no Armazém do seu Amadeus. Iriamos com quatro patrulhas. Fizemos dois Conselhos de Patrulha e duas Cortes de Honra. Metade do programa nosso e a outra do Chefe Gafanhoto. Seriam seis dias acampados. Partimos em uma manhã chuvosa. O caminhão estava lonado. Rio Bahia, estrada de terra ainda sem asfalto. Noventa quilômetros. Chegamos às nove e meia da manhã. Corre daqui, corre dali, tralha nas costas, chuvinha intermitente e pegamos a bifurcação. Vimos à tropa do chefe Gafanhoto do outro lado do pontilhão de madeira. O córrego cheio. Imenso. Passava por cima da ponte. Não dava para atravessar. Um barulhão tremendo das corredeiras.

                  A Patrulha Raposa montou rápido um posto de transmissão de semáforas. Entendemo-nos. Armamos barraca debaixo de chuva e combinamos esperar a enchente diminuir. As patrulhas improvisaram um toldo e um fogão tropeiro. Saiu uma sopa com pão fresco. À noite as patrulhas resolveram conversar por Morse. A turma do Chefe Gafanhoto era boa na sinalização. Dormimos cedo. De manhã sem chuva, mas cinzento o céu. A enchente diminuiu. Rogério Monitor me procurou. Chefe, as barracas estão cheias de escorpiões. Ensinei o que deveria ser feito para empacotar o material de campo e individual. Graças a Deus ninguém foi mordido. Resolvemos atravessar sem a ponte, pois se não iriamos perder alguns dias o que não estava no plano. Cada Patrulha fez uma pequena jangada. Uma festa. A outra tropa gritando e ajudando. Às onze da manhã estávamos do outro lado.

                   Abraços, saudações, apertos de mão, uma festa. Partimos. Os carros de boi lotados. Rangendo. Cantando como sempre. Adorava isso. Chefe Gafanhoto brincando com todos, animando, todos rindo. Oito quilômetros tirados de letra. Uma hora da tarde chegamos. Seu Molixto gente boa. Comemos goiabas e bananas. Ele tinha uma carne de porco frita. Mas iriamos fazer o almoço. Fomos para o campo. Lindo local. A cascata era linda. Tem nome? Perguntei. Não. Eu te batizo como Cascata da Fraternidade. E assim foi dito, e assim foi feito e assim lavrado em ata. Seis dias maravilhosos. Parecia que os sessenta jovens ali presentes se conheciam a longo tempo. Mais que irmãos. Seu Molixto um gentleman. Dois meninos filhos de um meeiro (mora nas terras da fazenda, planta e dá uma parte para o dono) se encantaram. Chefe Gafanhoto os colocou cada um em uma Patrulha.

                      Tiana filho do Seu Molixto uma bela morena dos seus dezessete anos não tirava os olhos de mim. Fiquei triste quando partimos e ela chorou. Lagrimas e lagrimas em seus olhos. No acampamento teve de tudo. Bois que invadiram o campo à noite acordando todo mundo. Ricardinho pegou uma traíra de quatro quilos. Só vendo para acreditar. A luta do bastão no remanso da Cascata da Fraternidade valeu por um acampamento. A jornada na Caverna do Vento outro. Começava em um lado da montanha e saia do outro lado. Mais de dois quilômetros na escuridão. E os pistoleiros? Sempre escorados no tronco da macaxeira a nos espiar. Seu Molixto dizia que eram de paz. Norbertinho em um jogo noturno caiu de uma arvore. Quebrou a perna. Foi levado a cidade e voltou para o acampamento enfaixado. Ele mesmo fez uma espécie de muleta para ele. Nunca chorou. Aproveitou tudo do acampamento.

                      A falsa baiana em cima do remanso a mais de quinze metros de altura deu o que falar. A ponte pênsil que a Patrulha do Morcego fez durou dois dias com um belo tombo do Japirim. O ninho de águia da Patrulha Coruja dizem está lá até hoje.  Risos. A “desandeira” que deu em todos por comerem muita goiaba deu para rir a beça. Sempre um correndo para o WC que logo encheu! Final de campo. Meninos da fazenda chorando. Seu Molixto emocionado fez o juramento e recebeu os dois lenços um de cada grupo. Os dois pistoleiros vieram nos cumprimentar. Tiana me procurou dizendo que me amava e nunca mais ia me esquecer. Nunca mais a vi.  Retorno triste, Chefe Gafanhoto tentando animar. Partida chorosa, nosso caminhão lotado. Dando adeus. Edinho com sua bandeirola de semáfora dizendo e repetindo um até logo até o caminhão virar a curva da estrada. Meninos se acenando dizendo adeus. Promessas de um novo reencontro. Amizades que se formaram e duraram por uma eternidade. Janeiro de mil novecentos e cinquenta e nove que entrou para a história.

                      Cinco anos depois recebi uma carta do Chefe Gafanhoto – Chefe Osvaldo, estou partindo para a França. Vou me alistar na Legião Estrangeira. Nunca mais o vi. Acho que seu sonho de ser um legionário foi realizado. Ainda deve estar lutando nas montanhas ao norte da Argélia. Sonhos são sonhos. Cada um faz o seu. Belo acampamento. Grande amigo o Chefe Gafanhoto. Nunca mais o vi e nunca mais o esqueci. Ficou marcado para sempre em meu coração.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

O dia em que Lagoa Vermelha parou para assistir o casamento do Chefe Bento Soares.



Lendas escoteiras.
O dia em que Lagoa Vermelha parou para assistir o casamento do Chefe Bento Soares.

                 Era uma cidade feliz. Muito mesmo. Todos lá se conheciam e eram grandes amigos. Aos sábados e domingos se reunião na praça central, cumprimentando-se, contando “causos” e lembrando-se dos velhos tempos. Chefe Bento era uma figura de destaque na cidade. Não porque fosse politico, mas pela sua bondade, pelo seu sorriso e pelo seu trabalho em prol da comunidade. Além de Chefe da Tropa Escoteira Andrômeda ele trabalhava no Posto de Saúde da cidade há mais de vinte anos. Dizia-se que quase todos os habitantes de Lagoa Vermelha foram escoteiros e isto quem sabe explica a grande amizade entre eles. Chefe Bento era mesmo diferente. Se fosse padre estaria explicado, mas não era. Sua tropa Escoteira o adorava. Nunca faltou a uma reunião. O Padre Albertinho não fazia nada sem o consultar. Fizeram tudo para ele se candidatar a prefeito e sempre recusou. O Prefeito Belarmino e as demais autoridades tinham por ele o maior respeito.

               Morava em uma casa simples bem próximo da sede Escoteira motivo pela qual ela estava sempre cheia de escoteiros. Sua mãe dona Lindalva tinha uma paciência enorme. Nunca brigava com a meninada. Ela comentava sempre que se Jesus dizia “vinde a mim as criancinhas” porque eu também não faço o mesmo? Chefe Bento estava noivo de Cidinha, uma jovem simples, que trabalhava como servente no Grupo Escolar Flores da Cunha. Magra, loira e uns olhos azuis que quase não se via, porque ficava sempre de cabeça baixa. Cidinha também era um amor de pessoa. Os alunos adoravam seu estilo e só não entrou para o Grupo Escoteiro porque achava que não tinha “estudo” suficiente. Fizera somente o quarto ano primário e parou de estudar para trabalhar. Sua família dependia dela. Chefe Bento e Cidinha namoravam desde crianças. Ambos achavam que não podiam viver um sem o outro. Nunca houve palavras bonitas entre eles de “eu te amo” “estou apaixonado” e só se beijaram uma vez, mas um beijo calmo, nada de língua prá lá e prá cá.

             A cidade em peso esperava o dia do casamento. Seria em 22 de novembro próximo. Menos de cinco meses. Seria uma festa de arromba. O Padre Albertinho fez questão de celebrar o casamento sem nenhum ônus para eles. A igreja vai ajudar também nos móveis do casal. Os lobinhos, escoteiros, seniores e pioneiros se cotizaram para as demais despesas. Uma lista foi passada de mão em mão de casa em casa. Estava quase cheia. Vários fazendeiros prometeram bois, porcos, galinhas e o clube de mães da igreja e do Grupo Escoteiro comprometeram-se a fazer tudo. Tudo caminhava a mil maravilhas. Em 12 de junho a tropa foi acampar na Serra da Felicidade. Sempre acampavam lá. Ficava nas terras do Coronel Adauto, um fazendeiro amigo e conhecido de todos. Na abertura do campo o Coronel Adauto estava presente. Ele gostava de ver a escoteirada formar e cantar o hino Nacional. Todos se espantaram desta vez. Ao lado dele uma bela morena de olhos negros, saia curtinha, cabelos negros longos, corpo escultural. Linda de morrer! – Minha sobrinha disse. Veio morar comigo.

            As patrulhas estavam cismadas. Chefe Bento presente como sempre foi, mas agora tinha ao seu lado a bela Francisca e eram somente sorrisos. Dia e noite juntos. Um dia Pedrinho os viu beijando junto ao moinho do Ventor. Um susto. A tropa toda ficou sabendo. Logo a cidade em peso sabia. Segredos? Ali em Lagoa Vermelha não havia. Todos sabiam de tudo. – Coitada da Cidinha diziam. Ela calada. Parecia que não estava revoltada. Claro, Chefe Bento continuou indo a sua casa como se nada tivesse acontecido. Um dia procurou o Padre Albertinho. - Senhor Padre, disse – Não vou confessar agora. É só um conselho. Não sei o que diz meu coração. Não quero ficar sem a Cidinha. Ela é meu sonho para vivermos juntos para sempre. No entanto não sei, mas estou amando a Francisca. O que faço padre?

                 Lagoa Vermelha em peso “cochichavam” entre si. O disse me disse das comadres eram enormes. Quem é essa Francisca? De onde veio? Tomar o Chefe Bento da Cidinha? Vai ver que é uma “pistoleira” da cidade grande. Onde o Coronel Adauto arrumou esta bruxa? Durante um mês o buchicho não parou. Chefe Bento não sabia o que fazer. Não tinha coragem de olhar nos olhos de ninguém. Sempre de cabeça baixa. O Coronel Adauto um dia pediu para ele ir até a fazenda. E agora pensou Chefe Bento? Ele vai me imprensar na parede. Não sei o que fazer. Nem mamãe soube me aconselhar.

               O dia acabava de amanhecer. Um céu avermelhado prenuncio de um dia quente e sem chuva. Um carro preto, grande atravessou a cidade de ponta a ponta e se dirigiu a fazenda do Coronel Adauto. O povo só ficou sabendo quando Zé das Flores, um vaqueiro da fazenda, entrou no Boteco do Martinho e contou as novidades. O marido da Francisca veio buscá-la. Era não queria ir. O Coronel Adauto ficou calado. Eram casados e ela devia obrigação a ele. Não concordou com a farsa dela se apaixonar pelo Chefe Bento. Pensou várias vezes contar o que sabia. Era casada com um mafioso da capital. Sujeito perigoso. Ela fugiu dele e mesmo aconselhando a voltar não aceitou.

                 O povo viu o carro preto pegando a estrada da capital com a Francisca dentro. Quando Chefe Bento soube, dizem seus amigos lá do posto de saúde que ele chorou. Dois meses depois o casamento foi realizado. Vieram escoteiros de varias cidades. Fizeram uma bonita passagem de bastões para ele e Cidinha passar quando saíram da igreja. Padre Albertinho sorria também. Quem sabe ele toma jeito? A nova casa estava preparada, mas eles pouco ficaram ali. Pegaram o ônibus de Lagoa Formosa naquela tarde e foram em lua de mel merecida.

                Acompanhei tudo. Sei que o Chefe Bento nunca mais foi o mesmo. Seu sorriso espontâneo desapareceu. Todos diziam que Cidinha estava sempre com os olhos vermelhos. Dois anos depois nasceu Tomé, um ano mais e Marcela veio ao mundo. Pararam por aí. Sei que depois dos dois rebentos o sorrisos voltou ao rosto do Chefe Bento. Sei também que eles viveram felizes para sempre.