No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras

No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras
A aventura está apenas começando

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A coruja dos olhos verdes.



As mais lindas lendas escoteiras.
Uma historia para lobinhos e lobinhas.

A coruja dos olhos verdes.

          Ela não tinha muitas lembranças do seu passado. Sua mãe morreu um mês depois que nasceu vitima de uma pedrada dada por um homem. Sem motivo. Um Pardal Cinzento trazia comida para ela todos os dias. Assim se fortaleceu até que sozinha procurava sua comida. O Pardal Cinzento um dia também sumiu. Quem sabe morreu por outra pedrada de outro homem. Corria deles. Parece que não gostavam das flores, dos animais, dos pássaros, das arvores e matavam por qualquer coisa por nenhum motivo.  Saia pela manhã para procurar sua alimentação e voltava logo. Costumava voar até o Brejo da Saudade onde encontrava sempre minhoquinhas pequenas e elas lhe davam força para viver mais um dia. Gostava de ir passear também pelo Vale da Esperança, pois sempre encontrava borboletas, bem-te-vis, abelhas douradas e elas eram grandes amigas.
          Mas a maioria do tempo ela passava ali, no galho da Arvore Da Felicidade. Grande amiga. A viu crescer e se tornar adulta. Tinha ali sua casinha. Ficava sempre a perscrutar o horizonte para ver se algum animal, e se algum pássaro poderia vir para aproveitar a sombra da Arvore da Felicidade. De vez em quando aparecia um quati, um lobo, uma onça ou um tatu e uma vez riu muito quando um casal de antas que cantavam dando gargalhadas uma canção esquisita. Diziam: - Rataplã do Arrebol! Ainda bem que nunca apareceu um homem. Tinha muito medo de pedradas. Mas naquela manhã, quase quando o sol ficou sem sombra chegaram seis meninos. A Coruja dos Olhos Verdes se escondeu na copa da Árvore da Felicidade. Eles se arrancharam e uns pegaram lenha outro foi ao Riacho do Amor pegar agua nos cantis e pescar. Eram alegres e A Coruja dos Olhos Verdes criou coragem e voltou ao seu posto de observação.
         Eles não gritavam, não brigavam e cantavam muito. Tinham um enorme chapéu de três bicos na cabeça um lenço cor verde e amarelo e suas roupas eram iguais. Fizeram uma espécie de sopa e comeram com vontade. Um deles cujo nome era Toquinho olhou para cima e viu a Coruja dos Olhos Verdes. Parecia que ele entendia sua língua e ele disse – Olha Corujinha, você é linda! Não tenha medo. Sou um Escoteiro e o Escoteiro é amigo dos animais e das plantas! Ela sorriu e ainda tremendo disse – Olá! Os outros a viram, mas não sabiam sua língua. Só o Toquinho. Ficaram por um dia e meio. À noite cantaram canções lindas. Acenderam uma fogueira e a Arvore da Felicidade reclamou da fumaça. Dormiram encostados a Árvore da Felicidade. Nem bem o sol apareceu no horizonte levantaram e se foram. Toquinho olhou para a Coruja dos Olhos Verdes e se despediu. Adeus linda corujinha. Quem sabe um dia voltaremos a nos ver?
        Quando viraram na Colina Verdejante, próximo ao Monte da Alegria o vento balançou os galhos e as folhas da Arvore da Felicidade e eles desapareceram de sua vista. A Coruja dos Olhos Verdes começou a chorar. A Árvore da Felicidade chorou também. – Porque não vai atrás deles e saber onde vão ficar? A Coruja dos Olhos Verdes não se fez de rogada. La foi ela batendo suas asas atrás dos meninos do chapéu de três bicos. Voava alto quando os viu. Viu também um grande acampamento de escoteiros e escoteiras. Pareciam formigas a correr aqui e ali. Viu que os seis meninos erraram o caminho. Ela foi voando até lá e teve que descer para falar com Toquinho onde era o caminho certo. Ele agradeceu. Voltaram e pegaram a trilha certa.
        Foi uma boa ação que ela fez. Começou a voar de volta. Não era longe a sua morada na Arvore da Felicidade. Sentiu uma forte dor na asa direita. Olhou e viu dois meninos que não eram escoteiros com pedras na mão. Eles a tinham acertado. Com muito custo voando com muita dificuldade chegou a sua casinha. Deitou. Uma dor enorme ela sentia. Muito sangue escorria. Acordou e viu sua mãe e o Pardal Cinzento que a ajudou quando pequena a sorrirem para ela. Mostraram uma nuvem e ela voou até lá. Sentaram na nuvem branca e subiram aos céus. A Arvore da Felicidade chorou por muito tempo. Agora estava sozinha. A corujinha se fora.  Os animais que ali apareciam também choravam. Um dia, numa tarde linda, com ventos brandos vindo do norte, em meio a uma brisa fresca, eis que apareceu a Coruja dos Olhos Verdes. Sorriu para a Arvore da Felicidade que também sorriu. E a felicidade voltou a viver junto a todos que moravam no Vale da Esperança. A Arvore da Felicidade e todos os que ali chegavam para descansar na sua sombra sempre sorriam. Mesmo onde existe a maldade, devemos perdoar e sorrir. Isto é como se a felicidade estivesse sempre conosco. A Árvore da Felicidade aprendeu com a Coruja de Olhos verdes que a verdadeira felicidade é fazer os outros felizes!

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A história de Natalie escoteira, uma Condensa do Castelo de La Possonnière.


Crônicas de um Chefe Escoteiro.

A história de Natalie escoteira, uma Condensa do Castelo de La Possonnière.


                    Conheci Natalie a muitos e muitos anos atrás. Trabalhava para uma empresa como técnico mecânico de máquinas pesadas e muitas vezes viajava em cidades por todo o país para dar assistência, treinar operadores ou mesmo até fechar alguma venda. Como Escoteiro que sou não deixava de procurar um Grupo Escoteiro nas cidades que ia. Em uma cidadezinha no interior de um estado brasileiro, me apresentei ao Chefe do Grupo que insistentemente achando que eu era um “expert” em escotismo me convidou para o período de um mês e meio que ficaria lá, a dar a ele assistência na reformulação do grupo e quem sabe na arregimentação de pais. Era uma área que dominava bem. Em todos os grupos que passei sempre fiz amizades com eles e a maioria se oferecia para colaborar como escotistas, diretoria ou mesmo instrutores de especialidades.
              No primeiro sábado que lá estive, fizemos um périplo pelas sessões e vi uma Escoteira de uns onze ou doze anos sentada em uma cadeira no canto do pátio. Enquanto todos se movimentavam ela permanecia lá, indiferente, sem se mexer e sorrindo. Era uma linda jovem, loira, olhos verdes, cabelos cor de palha, e magra. Muito magrinha. Tinha um sorriso encantador. Perguntei o porquê daquilo e ele me disse que em algumas reuniões ela sentava ali por algum tempo e parecia estar em outro lugar, vivendo outra vida e quando resolvia falar contava casos incríveis. Sempre disse que era a Condensa Natalie, nascida em 1770 na França, mais precisamente no Castelo de Lá Possonnière no Condado de Vendôme. Não entendíamos nada. Seus pais gente humilde nos pediu ajuda e ajudar como?
               Concordei com ele. Muitas vezes nós chefes nos colocamos como professores, padres, pastores, psicólogos, políticos como se fossemos super homens e somos somente um ser vivente como todos. Esquecemos que estamos ali para colaborar e não substituir alguém que pode realmente ajudar. A cidade era pequena, onze mil habitantes. Não tinha psicólogo e nem seus pais tinham condições de pagar. O Grupo aceitou, pois quando não estava “viajando” (maneira como ele dizia) era uma excelente Escoteira. Em seu colégio todos adoravam ela, mas seus professores tinham medo de suas crises. Cheguei mais perto e perguntei inocentemente onde ela estava. Incrível a sua história:
             _ Sou do Condado de Vendôme, moro no castelo de La Possonniére, meu pai é o Conde Livorno. Minha mãe morreu quando eu nasci ao dar a luz. Estou com doze anos e meu pai foi preso. Ele me contou que houve uma revolução e ele podia ser preso. Disseram que ele era da realeza, pois estavam prendendo todo mundo que participavam da Corte. Isto aconteceu no inverno de 1793 e o nosso Rei Luis XVI foi levado ao cadafalso e decapitado. Uma onda de vingança estava correndo na França. Meu pai foi preso. Morreu dois anos depois tuberculoso na prisão. Sempre achei que isto nunca aconteceria a nossa família. Éramos descendentes do Conde Pierre de Ronsar, um poeta famoso que foi dono do nosso castelo. Ela se calou. Seus olhos viraram como se fosse estrábica. Acordou de sua “viagem” como dizia seus pais e chefes e correu a brincar com sua Patrulha. Fiquei estupefato!
              Durante as duas primeiras semanas Natalie não disse nada e nem “viajou”. No hotel foi que fiquei sabendo que um menino surdo mudo de oito anos tinha desaparecido. A cidade em peso o procurava. Multidões percorriam as ruas e a noite com enormes tochas percorriam vielas, beira de riachos, rios e morros próximos. O padre rezava missa quase cinco por dia. Todas com a igreja cheia, pois pediam a Deus para que o menino fosse encontrado. O Delegado abanou a cabeça e pensou que ele já estava morto. Um filho da mãe de um estuprador de crianças. Dois dias depois no sábado fui à reunião do Grupo Escoteiro. Em dado momento Natalie correu para sua cadeira e balançando a cabeça viajou como sempre fazia. Agora dizia em voz alta e repetindo sempre - Poço do Roncador! Poço do Roncador! Poço do Roncador! Ninguém entendia nada. Ela nunca disse isto e quem sabe suas viagens estavam piorando? – Foi então que um lobinho veio dizer ao Chefe que havia um Poço do Roncador atrás da Serralheria do Bastião onde os meninos gostavam muito de brincar.
             O Chefe me chamou e fomos correndo até lá. O menino lá estava. Ainda vivo. Quase morto com água pela cintura. Eu mesmo desci pela corda e o amarrei para levantá-lo. A cidade inteira soube e correu para lá. Um grito de alegria saiu de cada um. Seus pais Riam e cantavam a mais não poder.
             Cinco anos depois voltei àquela cidade. Procurei o Grupo Escoteiro. Era outro Chefe de Grupo. Perguntei por Natalie. Foi embora disse. Seus pais não aguentavam mais a romaria que faziam em frente a sua casa. Achavam que ela poderia contar sobre parentes que já morreram outros querendo saber resultados de loteria. Um inferno. Fiquei pensando que o desconhecido para nós sempre é motivo de duvidas. A menina era “médium”. Um tipo especial. Uma grande amizade de seus anjos protetores. Uma vida no passado que não esqueceu. Mas histórias são histórias. Umas são alegres outras tristes. Mas todas podemos dizer – “São coisas da vida”!      

domingo, 26 de agosto de 2012

Ariranha, um cão inesquecível.



Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Ariranha, um cão inesquecível.

          Não tenho certeza se foi em 1953 ou 1954 que conheci Ariranha. Nove dias para ser exato convivemos juntos em um acampamento de tropa na Mata do Quati. Não dá para esquecer, pois foi nossa segunda Olimpíada Escoteira, e a cada ano elas marcavam época. Ideia do Munir, um Pioneiro meio afastado do grupo. Chefe Jessé relutou, mas a Corte de Honra achou a ideia expendida. Era uma Olimpíada diferente. Sempre acampávamos em uma clareira próxima ao Rio do Morcego, onde se avistava a bela cachoeira do Sonho. Na época da Piracema era um espetáculo ver os peixes tentando subir nas corredeiras e pulando sobre as pedras. Se podia pegar com a mão.
          As provas eram somente de atividades aventureiras e técnicas – Subir em árvores de seis metros de altura em um minuto – atravessar o rio nadando em dez minutos ida e volta (60 metros) – Fazer 25 nós escoteiros ou de marinheiro em seis minutos de olhos fechados – Deixar-se cair da cachoeira (oitos metros) em um tambor vazio de 200 litros – Semáforas e Morse uma prova onde tínhamos grandes sinaleiros – Fazer um café e pão do caçador em oito minutos – Uma fogueira em dez minutos que durasse quarenta minutos sem alimentar – Cortar uma tora de madeira de oito polegadas em oito minutos usando só um facão – Trilha e pista de animais e tantas outras que deixaram saudades.
         O caminhão da prefeitura nos deixou pela manhã na trilha da mata que levava ao Rio do Morcego. O resto era a pé. Apenas quatro quilômetros. Adorávamos este acampamento anual. A Patrulha se preparava meses antes. O troféu pela vitória alcançada não eram medalhas. Uma faca Escoteira, um canivete Suíço, uma bússola, vários distintivos de lapela com flor de lis, premios que ambicionávamos muito. Cada Patrulha tinha o seu campo separado da outra mais ou menos por oitenta metros. As pioneiras eram feitas no primeiro dia, pois no segundo as Olimpíadas começavam.
         Lembro que estava fazendo uma fossa para o WC quando avistei Ariranha. Notei algum diferente. Parecia um lobo Guará, mas tinha o pelo cinza e quase sem rabo diferente do lobo que conhecia bem. Quem sabe era um cruzamento com um vira-lata qualquer com alguma loba perdida por aí. Ele nunca sentava. Sempre em pé, orelhas para o alto e olhando sem piscar o que fazíamos. Quando me aproximava ele dava alguns passos para trás e parava. Durante todo o dia ele ficou lá, próximo ao nosso campo de patrulha. Acho que foi o Israel que lhe deu o nome de Ariranha. Porque não sei. À noite quando íamos dormir ele lá estava na entrada do pórtico com se fosse velar nosso sono. Pela manhã impreterivelmente lá o encontrávamos.
        Durante a realização das provas da Olimpíada, ele ficava muito próximo a mim. Uma vez entrando na mata a procura de uma pista pisei em falso e um enorme corte se fez em minha perna bem abaixo do joelho. Ele veio até a mim pela primeira vez e lambeu onde o sangue escorria. Parou na hora. Quando passei a mão em seu pelo saltou de lado e tomou distância. Uma noite acordamos com seus latidos. Latia para uma enorme cascavel que impreterivelmente invadiria nosso campo. Ele a espantou. Outra vez seus latidos foram mais altos e foi à tarde quando estávamos tomando banho no córrego da Lagartixa. Desta vez era uma Onça parda. Fugiu com seus latidos.
          Durante os nove dias de campo, Ariranha lá permaneceu. No último dia no cerimonial de bandeira Ariranha se colocou ao meu lado na ferradura. Não me olhava. Estava fixo na bandeira Nacional. Enquanto ela farfalhava ao sabor do vento e descia dos céus seus olhos acompanhavam. Quando as patrulhas deram o grito ele ficou no meio e pela primeira vez se deixou abraçar. Foi um espetáculo comovente. Todos os escoteiros das demais patrulhas vieram também abraçá-lo. Ao partirmos ele nos acompanhou até a estrada onde pegaríamos o caminhão da prefeitura. Ao subir na carroceria ele estava lá me olhando. Abanando o pequeno rabo e deu um uivo enorme. Gritante e choroso. Como se fosse um lobo de verdade se despedindo para sempre.
           Voltei para casa chorando. Chorei por vários dias. Devia ter trazido ele comigo, mas meu pai disse que ele era da floresta, nunca iria se acostumar na cidade. Chamei o Romildo na semana seguinte e fomos até lá de bicicleta. Rodamos e rodamos e nem sinal de Ariranha. Nunca mais o vi, mas nunca mais o esqueci. Ariranha ficou marcado em nossa Patrulha lobo. No nosso livro de Atas ele teve um lugar especial. Não sei se é fácil explicar como se ama um cão em poucos dias e nunca mais o esquece. Não sei mesmo. Até hoje me lembro de Ariranha com saudades. Histórias são histórias, tem umas que marcam, tem outras que ficam gravadas em nossa mente para sempre! 

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Lendas escoteiras. A lenda de Chico Mortalha – O malvado.



Lendas escoteiras.

A lenda de Chico Mortalha – O malvado.

        Todos os habitantes de Floradas na Serra conheciam a lenda. Claro, lenda é lenda e serve para contar, não para acreditar. Mas a criançada da cidade acreditava. Mamães, professoras, pais, vovós quando queriam chamar atenção por uma simples travessura lá estava Chico Mortalha presente para amedrontar. Se foi verdade ou não isto não posso dizer. Quem me contou foi o Padre Josenilton. Chico Mortalha era um pistoleiro famoso. Um matador. Matava tudo que encontrava. Velhos, moços, jovens, crianças, animais. Matava tudo que aparecesse em sua frente. Seu último crime foi à morte do Bispo Marcelino. Gente boa, boníssima. Mas o prefeito encrencou com ele. Pagou a Chico Mortalha para dar um sumiço no bispo. Dito e feito. O Bispo sumiu! Ninguém nunca mais o viu.
         Desconfiaram que fosse crime encomendado. Chamaram o Delegado Paredes da capital. Não provou, mas disse que foi Chico Mortalha. O povo se revoltou. Foi na casa dele. Levaram-no para a Lagoa das Piranhas. Tiraram a roupa dele e amarraram em todo seu corpo nacos de coração de boi. As piranhas adoram. Amarraram ele em um galho que dava em cima da lagoa. Iam descendo aos poucos seu corpo. As piranhas devoravam tudo que mergulhava na água. Primeiro suas pernas, depois seu corpo, só sobrou à cabeça de Chico Mortalha. Dizem que não deu um gemido. Por fim cortaram a corda e Chico sumiu nas aguas profundas da lagoa. Contava-se que uma vez por ano, na data de sua morte, ele aparecia na lagoa, em pé, sem afundar e dava gemidos imensos que nenhum peixe, nenhum animal ficava por perto.
          Há mais de trinta anos existia um belo Grupo Escoteiro em Floradas na Serra. Quase todos os homens da cidade haviam passado pelas suas fileiras. Uma grande Alcatéia, uma ótima tropa, três Patrulha seniores e um Clã que precisa definir quantos poderiam participar, pois em suas reuniões sempre apareciam mais de cinquenta pioneiros. Seria um tema para o próximo Conselho de Chefes do Grupo. Chiquinho Mortalha era Sênior. Desculpe. Risos. Seu nome era Lorenildo Simplício das Mercês. Não gostava do nome. Nunca gostou. Quando foi lobinho colocaram nele este apelido. Não se incomodou. Ficou para sempre. Talvez por ficar sempre de cara amarrada. Não sorria. Mas todos gostavam dele. Tinha uma força descomunal para sua idade. Não era alto, mas levantava toras, pesos enormes com facilidade. Nos acampamentos o pau para toda obra. Era bem quisto na Patrulha. Desde quando Escoteiro. Conseguiu a Primeira Classe. Pretendia ser Escoteiro da Pátria.
          Em sua Patrulha todos os temiam. Não pela sua força, mas pela sua astúcia. Dizia que quando desse na telha ia enfrentar este tal de Chico Mortalha lá na lagoa na data que costumava aparecer. Ninguém acreditava. Dito e feito. Em onze de agosto, data da morte do tal Chico Mortalha lá foi ele rumo à lagoa. Sozinho é claro. Levou sua faca, sua machadinha e uma corda de dez metros. Lá chegando subiu no pé de uma Copaíba enorme. Se amarrou nos galhos e esperou. Não tinha pressa. Que venha o Chico Mortalha. Estava na hora de enfrentá-lo. Sete horas da noite, nove, dez, onze, meia noite. Nada do Chico. Era fanfarronice. Ela assim pensava. Uma hora cochilou. Dormiu. Não caiu, pois estava amarrado. Mas alguém o desamarrou. Ele caiu do alto dentro da lagoa. Afundou. Abriu os olhos e viu com horror o Chico Mortalha. Só a caveira, pois as piranhas não deixaram nada. Chico sorria para Chiquinho. Não teve medo. Pegou sua faca e disse que ele era Escoteiro. “O Escoteiro não tem medo de nada” A caveira começou a rir.
         Gargalhadas enormes. Chiquinho isto é Lorenildo precisa de ar. Subiu até a borda da lagoa, respirou e mergulhou de novo. Danado de Sênior. Não tinha medo mesmo. A caveira o pegou pelo ombro, o levou até o pé da árvore fora da lagoa. O abraçou e disse a ele que era bom conhecer um Escoteiro. Poderia ter sido um, pois quem sabe não seria o que tinha sido. Ficaram amigos. Conversaram toda a madrugada. Chico Mortalha contou muito da sua vida. De seu grande amor por Nininha, mas nunca disse a ela. Morrera de tuberculose e solteira. Hoje ela faz companhia a ele no fundo da lagoa.
         O dia amanheceu. Lorenildo voltou para sua casa. Seus pais preocupados. Todos os escoteiros a procurada dele. Resolveu não contar nada. Não devia. Agora era amigo de Chico Mortalha o Malvado. Tinha prometido a ele que voltaria no próximo aniversário e iria conhecer Nininha. O tempo passou. Lorenildo casou. Contou para seus filhos, mas eles riam e achavam que seu pai era um bom contador de histórias.
        Todos os anos, durante toda a sua vida Lorenildo voltava à lagoa. Fizera um amigo, ou melhor, amigos. Chico e Nininha. Sentava a beira da Copaíba e Chico Mortalha aparecia com Nininha e eles se abraçavam. Ficavam ali conversando por toda a madrugada. A cidade sabia, mas tinha medo. O Grupo Escoteiro não comentava. A Patrulha entendia. Amigos são amigos. Durante toda sua vida agora como Chefe Escoteiro não deixava de visitar Chico Mortalha e Nininha na Lagoa das Piranhas. Amigos para sempre. Diferente, pois Chiquinho era um Escoteiro do bem. 
           E como dizem por aí, boi não é vaca, feijão não é arroz e quem quiser que conte dois! E como dizia minha avó, “Pedro, nem tê-lo, nem vê-lo, nem querê-lo, nem a porta da casa consegui-lo... mas sempre é bom na casa havê-lo”. Risos.
E quem quiser que conte outra!

sábado, 18 de agosto de 2012

Muito além do por do sol.



Muito além do por do sol.

           Escotismo! É meu amigo, ele tem uma força que dobra o mais valente com seu método, com sua filosofia, com sua promessa, com o sabor de aventura, onde se pode ir onde jamais se sonhou. Quem não se encantou um dia ao cantar o Rataplã? Quem não sorriu um dia ao ver o espetáculo do amanhecer em uma barraca na orla de uma floresta? E porque não dizer de sentir a fumaça do fogão, o cheiro de uma refeição inconfundível, os olhos vidrados na panela mágica, se coloca um galho aqui, uma lenha ali, ver o aguadeiro levar a água que dará a todos um manjar dos deuses? Escotismo marca. É como o ferro em brasa que escreve em nossos corações um amor difícil de explicar. Um caminho de alegrias e felicidade.
           Escotismo! O que você tem meu amigo? Que força é essa que nos atrai? Que nos hipnotiza e nos faz correr atrás de você, de peito aberto em busca de aventuras? A cada dia se vai descobrindo um lindo e belo caminho a seguir e mais e mais este escotismo vai fincando raízes que nunca nos abandonarão. Rimos das coisas simples do dia a dia, como lavar uma panela lá no riacho, mas tem cena mais linda? Quando você fez isto? Nunca eu sei. Nunca você cortou um bambu e quando você olhou para ele o viu dizendo: - Serei seu banco, sua cama, serei aqui para você sua casa seu lar. Simples não? Mas você amou tudo aquilo.
          Falar que você viu o nascer e o por do sol não vale. Já foi falado. Falar que você pode ver as estrelas no céu também não vale. Já foi visto. Mas dizem que a primeira vez é que a gente nunca esquece isto vale. E todos nós sempre tivemos nossa primeira vez. Dormir em uma barraca, junto com amigos que brincam que contam piadas e acordar de madrugada sem o cobertor, pois lá não tem a mamãe para olhar você. Acordar e ver o sol entrando na barraca. Sair, esfregar os olhos e todos a correr para tantas aventuras que virão.  Mas preste atenção em coisas simples, que um dia vai fazer você recordar e pensar que agora elas se tornarão tão importantes em sua vida que sua mente. Quando se lembrar quem sabe, terás um pouco de nostalgia, de saudade, que às vezes machuca e então você quer voltar no tempo e ir lá onde esteve.
         Um jogo, um abraço, um Monitor alegre, amigos do peito na Patrulha que lhe dão orgulho e quando juntos dão o grito tem uma coisa que fica mexendo com você. Você não sabe se ri se chora se abraça todo mundo, mas não para por aí. E quando senta a moda índia em volta de uma fogueira, já noite alta, e as chamas insistem em subir aos céus, iluminando as árvores, aquela coruja que olha a todos com surpresa, o rosto de seus amigos, os olhos que brilham como se ali estivesse à fogueira dos sonhos e então você pensa - Que lindo isto! Mas não param suas surpresas, todos cantam canções lindas, brincam ao redor do fogo e aos poucos você descobre que é a pessoa mais feliz do mundo!
       E quando chega a hora de apagar a fogueira, de voltar a sua barraca, de dar um belo sorriso quando for dormir, eis que todos dão as mãos, entrelaçadas, ainda ao redor do calor do fogo, dizendo que não irão se separar nunca, que não é mais que um até logo, um adeus que não existe, pois é apenas um até breve e você quase chora. E todos apertam mais e mais as mãos e dizem que um dia de novo irão se encontrar aqui ou em outro fogo. Você quando ouve e canta que o senhor protege e abençoa a todos, você não sabe mesmo se vai chorar. Chorar? E quem não chora? Alí não tem valentes assim. Não dá para segurar. E seus olhos ficam marejados. Lagrimas irão cair. Deixe cair. É bom. Ajuda a amar mais e mais este movimento incrível!
       Alem do por do sol, além do arco íris existem sempre alguns escoteiros ou escoteiras que lá estão acampando. Estão a viver um mundo incrível. Uma aventura sem igual. Irão lembrar que o amor entre eles nada e ninguém vai separar. Vamos deixar o vento soprar, que venha o vendaval, que venha a brisa fria do leste. Que o orvalho caia e molhe a fronte de todos, pois isto é nossa marca que veio para ficar. Deixe que tudo aconteça normalmente. Olhe para o regato, veja uma folha que caiu na correnteza e vai aos poucos sendo levada para mar. Deixe o escotismo entrar em você. Aos poucos. Deixe seus olhos passear nas campinas verdejante, nos peixes saltitantes no rio formoso. Deixe que vejam as flores silvestres que desabrocham, abra os olhos e os ouvidos e veja o beija flor com seu bailado de mestre, a dançar em volta dos papagaios, dos bem-te-vis, dos pardais coloridos. São tantas coisas belas que você vai poder viver e guardar para sempre no seu coração.
         Além do por do sol, além do arco íris, existe um sonho. Real. Simplesmente fantástico. Escoteiros e escoteiras lá estão vivendo uma vida de aventuras. Isto é extraordinário. A montanha azul que lá está, é a casa deles. Vá você também viver o que eles vivem. Vamos! Eles vão receber todos de braços abertos com amor no coração. Pois sabem que alem do por do sol, além do arco íris é ali que eles encontraram a verdadeira felicidade!
       Vamos, coloque sua mochila, desfralde sua bandeira e diga alerta para os que ficaram e grite alto: Avante! Sempre Juntos! Em frente marche! Cante uma bela canção e parta com eles em busca dos seus sonhos. Rataplã do arrebol, escoteiros vede a luz! Rataplã olhai o sol, de um Brasil que nos conduz!          

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

As crônicas do Chefe Escoteiro. (lendas para fogo de conselho) A ardilosa Acará do riacho Vermelho.



As crônicas do Chefe Escoteiro.
(lendas para fogo de conselho)
A ardilosa Acará do riacho Vermelho.

            Podem dizer que é invenção. Podem dizer o que quiserem. Não me importo, juro pela alma do Cavalo Baio do Seu Chico das Mercês que é verdade. Afinal tenho mais três testemunhas (todas já se foram para ao grande acampamento). Quatro experientes escoteiros sendo enganados por um peixe? Fiquei deveras preocupado com o acontecido. Isto nunca aconteceu antes. Como uma simples pescaria um peixinho “mixuruca” deu um baile em quatro primeiras classes? E sem me gabar, me considerava um grande pescador. No Rio Doce pesquei todo tipo de peixe. Era “bamba” na pesca do Timburé. O peixe que não era para qualquer um pescar. Um dia até peguei um com as mãos quando mergulhava num remanso lá pelos lados de Derribadinha.
           Mas vamos contar o que aconteceu. Acredite quem quiser. Nosso Chefe era muito amigo do Seu Chico das Mercês. Ele tinha um sitiozinho lá pelos lados de Malacacheta. Assim ele dizia. Um sitiozinho, mas querem saber? A cavalo precisava de mais de cinco dias para percorrer toda sua divisa com outras fazendas. Sempre acampávamos lá. Não era longe e ele era um amigo do peito dos escoteiros. O melhor, a mata era linda e sumia de vista. Cinco córregos e ainda o Rio Vertente cruzava de norte a sul em suas terras. Um local perfeito. Nada que menos de duas horas nas nossas bicicletas não resolvesse a viagem (parece que eram duas léguas de distancia, mais ou menos doze quilômetros).
          Férias de janeiro. Grupo fechado em férias, mas alguns da Patrulha Lobo só reclamavam de não fazer nada. Porque não acampar? Melhor ainda, vamos levar só sal e óleo e lá nos viramos? Desafio era conosco. Éramos quatro primeiras classes. Experiência era o que não nos faltavam. Primeiro dia, montamos uma cabana que quebrava o galho para os quatro dormirem. Chegamos às três da tarde. Seu Chico sempre rindo. Era uma festa quando íamos. – Jantem comigo hoje, disse. Obrigado Seu Chico, mas sabe como é. Pretendemos acampar lá próximo ao Córrego Vermelho e não é perto. - Entendo ele disse. Mas cuidado. Não contem com as acarás de lá. São danadas de espertas. Todos riram. Peixe esperto? Só mesmo o seu Chico para dizer isto.
         Lá pelas quatro achei um local com muita minhoca “puladeira”. Perfeito. Era a melhor para a ocasião. Cortamos eu e o Fumanchú duas varas de bambus e em minutos tínhamos tudo preparado. Romildo e Israel ficaram no campo fazendo uma mesa. Achamos um belo remanso. Água cristalina. Lá no fundo uma bela de uma Acará. Enorme. Rabo vermelho. Só ela seria um jantar perfeito. Joguei meu anzol e aproximei de sua boca. Ela deu uma nadada para trás. Fui mais próximo e ela escondeu em uma galhada. Perdi meu anzol. Fumanchú tentou e nada. Tinha reservas. De novo ela andando de ré. Resolveu pular na água e sumia. Aparecia em outro remanso bem abaixo. Corríamos até lá e nada. A maldita sumia e aparecia em outro remanso. Já ia escurecer e não tínhamos pegado nada. Caramba! E as traíras? E os lambaris? Só aquela maldita Acará?
          Não podíamos desistir. A fome ia chegar e comer capim? Programa de índio. Foi então que resolvemos fingir que íamos embora. Voltamos rastejando pé ante pé e vimos o inusitado. Não era uma Acará, eram mais de vinte. Elas fingiam ser uma só. Impossível? Já disse, juro pela alma do Cavalo Baio do Seu Chico. Combinei com Fumanchú. Você joga a linha mais no meio e eu no inicio do remanso. Vamos nos encontrar bem devagar. Pelo menos uma vaia morder. Sabem o que elas fizeram? Uma fila indiana como se estivessem a escrever a palavra “otários” no fundo do remanso. Não acreditei. E elas então ficaram juntas e vieram até a borda da água e fizeram biquinhos como estar dando risadas.
          Voltamos sem nada. Uma noite sem comer não mata ninguém. Na volta achei um pé de banana maçã. Quebrou o galho. Nossa pescaria mudou de rumo. Agora íamos até o rio Vertente. Lá não teve problemas. Uma pescaria das boas. De vez em quando ia até o remanso e ficava olhando as Acarás. Elas sempre vinham à tona e abriam sua boquinha como a dizer: - Otários! Acho que esta foi minha melhor história. Ninguém vai acreditar, mas fazer o que? Contei isto para muitos escoteiros. Todos que foram lá foram tapeados pelas Acarás. Na tropa e nos Seniores não houve quem não tentasse. Pela primeira vez, a Patrulha Lobo foi enganada por um bando de Acarás. Um peixinho que todos dizem ser mansos e agora eu mudei de opinião.
          E quem quiser acreditar tudo bem, quem não quiser deixem a história para contar a noite em um Fogo de Conselho. Mas não se esqueçam de dizer a todos que eu juro que é verdade. Pela alma do Cavalo Baio do Seu Chico das Mercês.
Nota – O Cavalo Baio nunca existiu. Era uma lenda que Seu Chico contava e ninguém acreditava!
E quem quiser que conte outra.  

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

As crônicas de um Chefe Escoteiro. Minha linda Capa Negra e o Orvalho lá do céu.


As crônicas de um Chefe Escoteiro.
Minha linda Capa Negra e o Orvalho lá do céu.

              Recebi um recado do meu Avô. Para ir a casa dele urgente. Não éramos muito chegados, mas ele não pedia mandava. Lá fui eu naquela tarde cinzenta. Parecia que ia chover. Entrei me ajoelhei e beijei sua mão pedindo a benção. Ele me olhou rápido e virou os olhos para outro lado. – Tome esta capa. Foi do meu pai e vem de geração em geração. Seu pai não quis mesmo dizendo da importância que ela teve. Danado de filho o seu pai! E não diga nada. Pode ir embora. Sua vó Cecilia saiu. E calou. Já entendia ele. Mesmo com onze anos. Peguei a capa e a levei para casa. No meu quarto a coloquei. Ficou grande. Arrastava no chão como se fosse o padre Zózimo que usava suas batinas compridas na igreja nas missas de domingo.
              Minha mãe disse que podia fazer a bainha. Tinha lido que os escoteiros usavam uma manta nos Fogos de Conselho. Minha capa poderia ser uma manta. Nos nossos nunca usamos. Mas eu podia ser o primeiro. O Chefe Jessé me explicou que se costuma colocar os distintivos que a gente ganha de outros grupos ou distrito nela. Disse que assim muitos iriam saber que quem estava usando era um Escoteiro acampador e viajado. Bem, lembrei que tinha cinco. Vamos lá. No primeiro acampamento, quando chegou à noite do fogo do conselho coloquei a capa. Vi que ela se mexia muito nos meus ombros. Sempre escorregando e caindo.
             Em casa quando a retirei da mochila ela falou baixinho. – Escoteiro! Posso falar com você? Nossa! A capa falava! Não entendi nada. Mas ela me disse que só podia ser usada durante o dia. Estava boquiaberto. - Você fala? – Claro, seu avô não lhe falou? Puts! E agora? – Gaguejando perguntei por que só durante o dia. Preciso mais de você a noite. – Não dá durante a noite, me desculpe disse ela. Tenho alergia e eu e o Orvalho não nos entendemos. – Você e o Orvalho? O que tem ele? Você o conhece? – De longa data disse. Acho que foi por volta de 1920. Meu dono resolveu me deixar pendurado em um varal e o Orvalho começou a cair, de leve e depois mais forte, frio, insensível me molhando e comecei a tossir. Pedi para ele parar e ele riu. Peguei uma gripe e fiquei mal um ano!
             Fiquei deveras preocupado. Eu adorava o Orvalho. Gostava de senti-lo molhando minha cabeça, a cair em mim de leve e era um bálsamo em minhas atividades escoteiras noturnas. Quantas e quantas vezes ele e eu convivemos pacificamente em acampamentos distantes, em serras e campinas, em colinas verdejantes? Quantos versos eu fiz e quantos poemas e canções eu dediquei ao Orvalho? Quantas histórias de amor foram feitas entre dois namorados e o Orvalho “caindo?”. Não sabia o que dizer e o que fazer. Mas pelo sim pelo não resolvi tomar uma decisão. – Capa Negra, no próximo acampamento você vai comigo. Eu, você e o Orvalho e juntos vamos fazer uma conversa ao pé do fogo, e cada um terá direito de falar e reclamar um do outro. Quem sabe chegaremos a uma conclusão?
             E assim foi feito. Resolvi que a conversa ao pé do fogo deveria ser feita altas horas da noite. Longe da barraca e dos meus companheiros de Patrulha. Escolhi o Vale dos Sonhos, onde vivem os Beija Flores Coloridos. Lá seria um bom lugar. No caminho o Orvalho nos seguia de cabeça baixa. Molhava a relva e se deliciava com a lua cheia mostrando que ele era uma brisa leve e fresca e não poderia fazer mal a ninguém. – Chegamos, sentamos a moda índia. Orvalho disse, vamos conversar. – Tudo bem Escoteiro. Já sei de tudo. Uma noite ouvi você conversando com a Capa Negra. Nunca pensei em fazer mal a ninguém. À noite e a madrugada são minhas companheiras e sabem como sou. Os namorados me adoram. Os escoteiros quando estão jornadeando ao luar em uma montanha gostam do meu frescor. E quando eu estou caindo o vento para de soprar, pois sabe que minha brisa vai encantar os pássaros noturnos e servirá de deleite para matar a sede dos insetos que voam ao meu redor!
              Vi que a Capa Negra estava chorando. – Orvalho ela disse. Perdão. Fui egoísta. Só olhei o meu lado. Esqueci que meu dever é proteger o Escoteiro. Juro que nunca mais irei reclamar e o Escoteiro pode contar comigo sempre! – Bela Capa, linda Capa, se já a amava agora muito mais. Voltamos para o acampamento cantando Noel Rosa – O Orvalho vem caindo, vai molhar o meu chapéu, e também vão sumindo, as estrelas lá no céu...
             E eu e a minha bela Capa Negra vivemos por muitos e muitos anos. Sempre foi minha amiga e companheira. Ainda ontem abri meu baú de “coisas” escoteiras. Lá estava ela, sorrindo, me esperando, pois sabia que eu iria colocar ela no sol, para não mofar e um dia quem sabe, voltar a viver comigo em um delicioso acampamento em uma noite de luar junto ao Orvalho caindo lá do céu! 

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Crônicas de um Chefe Escoteiro. Minhas quinze horas de terror.



Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Minhas quinze horas de terror.

       Não gosto de contar histórias assim. Acham que não aconteceu e minha imaginação e fértil. Não importa. Esta é a história de Katia. Katia era guia. Da Patrulha Sete Quedas. Katia adorava o escotismo. Estava nele desde lobinha e nunca perdeu uma reunião, um acampamento. Ela, entretanto tinha um segundo amor. Orquídeas. Era louca por orquídeas. Em casa tentava fazê-las viver e rejuvenescer. Nem sempre conseguia. Tudo que escreviam ou falavam sobre elas ela lia. Ela nem bem fez quinze anos e a passaram para guia. Disseram que era uma tropa nova formada só por moças. Ela achou bom. Teria maior liberdade o que não acontecia quando sub-monitora na tropa Escoteira. Ela sabia que havia mais de trinta mil espécies de orquídeas e fáceis de cultivar em casa. Lindas, coloridas, perfumadas cabiam em qualquer lugar e como era cuidadosa duravam anos. Seus amigos e até um professor de seu colégio já tinha ido visitar seu orquidário.
       Nos acampamentos sempre tentava descobrir alguma árvore, próximo ou não de uma floresta que tivesse uma orquídea. Quem sabe descobria alguma que não conhecia. Lorena sua monitora já alertara ela diversas vezes que nunca devia sair sozinha e sempre avisar aonde ia. Claro o tempo livre era pouco e Katia não perdia tempo. Já tinha dois dias que estavam acampadas em um sitio e bem próximo uma linda mata. Ela tinha certeza que iria encontrar lá a “Phalaenopsis”, pois o ambiente da floresta com pouca humidade era próprio para isto. No segundo dia logo após o almoço sabia que haveria um tempo livre de pelo menos três horas. Não era a cozinheira e pela manhã tinha construído uma bela de uma mesa com bancos reclináveis.
        Sabia que não devia sair só, mas estavam todas tão entretidas com seus afazeres que escapuliu e se embrenhou na mata. Não andou muito. Próximo a um pequeno vale bem profundo ela avistou em uma árvore o que achava ser uma “Phalaenopsis”. Não se fez de rogada. Tirou a blusa de frio e lá foi ela arvore acima, pois tinha um bom treino em subir em árvores. Encantou-se com a orquídea. Linda, maravilhosa. Esqueceu que estava em uma arvore escorregadia. Caiu, um tombo enorme, quando batia nos galhos da árvore sentiu que um galho havia atravessado sua coxa esquerda. Na hora não sentiu nada, pois rolou em uma ribanceira caindo entre um vale onde havia uma vegetação espessa que escondia o que havia por ali.
        Agora sim, via que não podia mexer com a perna. Uma dor terrível. Um braço estava quebrado. Não podia se movimentar. Teve vontade de chorar, pois sabia que ali dificilmente iriam encontrá-la. A tarde chegou e veio à noite. Ouviu vozes e gritos tentou gritar e não conseguiu. Alguma coisa a impedia de falar. Logo o silencio da noite voltou novamente. Para Katia seria uma noite de terror.
       A Patrulha deu falta dela logo após a chamada geral. Busca daqui e dali e nada. O desespero passou a acompanhar todos os participantes. A Chefe Maria Célia ligou para os bombeiros na cidade. Não demoraram e antes do escurecer mais de vinte homens experimentados na arte de sobrevivência na selva lá estavam. Até meia noite tentaram e depois só no dia seguinte. Uma nevoa espessa e terrível tomou conta da floresta. Não se via um palmo adiante do nariz. Todos choravam. Ninguém conseguia dormir. Os pais de Katia chegaram. Ainda bem que eram calmos. Diziam confiar na filha e em Deus. Ela tinha experiência e não se deixaria levar pelo desespero. Aconteça o que acontecer.
          Miltinho tinha cinco anos. Todos o chamavam de manteiga, porque ele não sabia. Sua mãe era assistente da tropa. Não tinha com quem deixar e o levou para o acampamento. Ele dizia ver coisas. Ninguém acreditava. Coisas de crianças diziam. Chamou sua mãe. – Mamãe, eu sei onde ela está. A mãe não acreditou. Ele pegou na mão do Capitão Marquetti. – Venha comigo, eu sei onde ela está. O capitão o olhou de soslaio. Resolveu segui-lo floresta adentro. Passava das quatro da manhã. O dia ainda não tinha amanhecido. – Alí ele apontou. O capitão Marquetti desceu até a ravina. Katia estava lá. Desmaiada. Praticamente com avançado estado de hipotermia. Sonolenta não ouviu e nem sentiu a chegada deles. O Capitão Marquetti viu que seu ritmo respiratório a estava levando a uma parada cardíaca. Se tivessem demorado mais meia hora Katia teria morrido.
        Ele chamou pelo radio outros bombeiros. Levaram Katia ao hospital. Um mês depois ela estava em casa. Não houve sermões, admoestações ou ameaças. Ela voltou a Patrulha e a tropa. E agora nunca mais, mas nunca mais sairia sozinha do campo de Patrulha. Bastou àquelas quinze horas de terror para aprender a lição. Que sirva para todos os meus amigos escoteiros.

sábado, 11 de agosto de 2012

As crônicas de um Chefe Escoteiro. O Escoteiro do Rio.



As crônicas de um Chefe Escoteiro.
O Escoteiro do Rio.

          Corria o ano de 1953. Levantei cedo. Não precisava, mas era terça feira. E as terças e quintas eram sagradas para mim. Estava em férias do colégio e poderia dormir até tarde. Mas repito, hoje era terça, dia de ver e namorar a Dorita. Entrando nos treze anos e apaixonado por Maria das Dores para ser mais específico. Tomei um café correndo e fui para a Rua Peçanha, logo no início da praça de esportes. Encostei a bicicleta no muro e fiquei esperando. Sabia que todas as terças e quintas ela chegava à janela de sua casa, me olhava uns minutos, jogava os cabelo loiros encaracolados de um lado e outro, dava uma piscada de olhos para mim e fechava a janela. Isto me encantava. Era lindo isto. Já namorava assim com ela por quatro meses. Eu sonhava com ela, mas primeiro o escotismo. Sempre foi assim. Quando a janela abriu o Israel chegou a toda velocidade com sua bicicleta.
         Espavorido chegou logo dizendo que estava na cidade um Escoteiro do Rio de Janeiro. Alguém já tinha levado ele para a sede Escoteira. Caramba! Pelas barbas do profeta. Meu namoro com a Dorita ficaria para a próxima quinta. E lá fomos nós em desabalada carreira para a sede. Mais de trinta Escoteiros e lobinhos lá se encontravam. Todos nós vibrávamos quando aparecia um Escoteiro ou Chefe de outra cidade. Ninguém ficaria de fora sem olhar e conversar com ele. No centro da roda ele chamava atenção. Uniforme diferente. Calça azul, camisa de mescla azul clara, meiões pretos e uma boina preta tipo Montgomery. E na boina tinha um lindo distintivo de metal em forma de asas com uma flor de lis.
         Cheguei e entrei na roda. - Sempre Alerta disse! Ele sorriu para mim. Sentei e ele continuou conversando com todos. Dizia que morava próximo a praia do Arpoador (não fazia a mínima ideia). Era Escoteiro do Ar. Já tinha viajado em diversos tipos de avião. Seu pai era Piloto da Panair do Brasil. Contou que fazia mil coisas como Escoteiro do Ar. Seu pai tinha um teco-teco e ele por diversas vezes dirigiu o monstro. Acamparam em Paquetá, em Niterói, na região dos lagos, já fora na Alemanha, nos Estados Unidos. Lindo! Que Escoteiro feroz. Um autentico acampador! Ficamos ali por horas. Todos ouvindo o Escoteiro do Rio contando suas aventuras.
         Lá pelas duas da tarde convidei a ele para ir almoçar comigo em minha casa. Agradeceu, pois estava na casa da avó e se não fosse lá almoçar teria que ouvir poucas e boas. Bem, durante a semana ficávamos o dia inteiro com o Escoteiro do Rio. Passeamos com ele em vários lugares e depois de consultar o Romildo nosso Monitor o convidei a ir a uma excursão noturna no Pico do Papagaio no próximo sábado. Iriamos logo após a reunião terminar e voltaríamos no dia seguinte à tarde. Ele aceitou só não tinha mochila. Sem problemas. Tínhamos guardado na sede várias ganhas da polícia militar. As demais patrulhas sabendo que ele iria resolveram ir também.
        Sábado, sete da noite. Lá íamos nós em fila indiana as quatro patrulhas e o Guia Zenir seguia em frente. Eu ia ao lado do Escoteiro do Rio. Orgulhoso. Iria contar para muitos que ele ficou do meu lado e subiu a serra comigo. O Pico do Papagaio era próximo a nossa cidade. O duro era a subida. Treze quilômetros que matava qualquer um. Eu já tinha ido lá varias vezes e jurava sempre quando ia que seria a última vez. Eram onze e meia da noite. O Escoteiro do rio começou a chorar. Paramos. Quem sabe um espinho? – Eu quero mamãe! Eu quero mamãe! – Deus do céu! O que era aquilo? Só então ele nos contou que tinha onze anos e passou para a tropa vindo dos lobinhos no mês anterior.
         Foi demais para mim e todos da Patrulha. Rimos a mais não poder. Achávamos que junto a nós estava um Super Homem e era um lobinho crescido e que nunca fez atividade em Patrulha. Estava morrendo de medo e de cansado. Distribuímos sua mochila entre nós, e voltamos à cidade. As demais patrulhas continuaram. Eram uma da manhã quando o deixamos na porta da avó dele. Os olhos cheios de lágrimas. Chorava de fazer dó.
         Bem, lá se foi o nosso herói. Mas sabíamos que ele iria crescer. Aprender e ser um bom mateiro, mas que servisse de lição para não ser gabola, mentir dizendo o que não era. Nunca mais ouvi falar no Escoteiro do Rio. Para dizer a verdade nem o nome dele ficamos sabendo. Quem sabe ele está aqui a ler esta história e vai lembrar? Alô Escoteiro do Rio, (hoje beirando os setenta anos) Sempre Alerta para você! Apesar dos pesares você significou muito para nós. Sempre Alerta! E meu namoro com Dorita continuou por mais alguns anos. Ela lá naquela janela encantada a piscar para mim e eu encostado no muro a sonhar!

Crônicas de um Chefe escoteiro. Vontade de acampar.



Crônicas de um Chefe escoteiro.
Vontade de acampar.

                    Tem dias que me vem uma vontade imensa de acampar. Vontade de pegar minha mochila e sair por aí. Você levanta, põe os pés no chão. Olha pela janela o sol entrando, dá um sorriso e diz! Bom dia a todos que não vejo e desejo que tenham um ótimo dia. E então começa a lembrar dos tempos passados, quando abria a porta da barraca, sorria e era hora de enfrentar um novo dia. Aí você cantava alto para todos ouvirem – Alô! Bom dia! Como vai você, um olhar bem amigo, um certo sorriso um aperto de mão! E a gente fica sem saber como e porque, e passa a sorrir e passa a cantar, alegre canção!
                    Eu adorava esta musica. Era um bálsamo quando me levantava e olhe que era antes das seis da manhã. Bem, agora não dá mais. O jeito é tomar um café e botar o pé na estrada mesmo tropeçando aqui e ali com minha bengala. Andar um ou dois quilômetros voltar e sentar para a respiração voltar ao normal. Ver um vizinho passar e dar bom dia e então fazer o que faço sempre. Sonhar acordado. Adoro isto. Sabem como fazer? Fácil. Fecho os olhos e deixo minha mente solta em busca dos meus desejos. Assim eu faço meu acampamento. Imagino que pego no meu baú minha mochila, meu cantil, minha faca, minha machadinha, minha bússola, minha lanterna, meu cabo solteiro de vinte metros e minha capa preta que nunca abandonei. Uma muda de roupa, shorts, cuecas, meias, material de higiene, uma toalha pequena alguns comprimidos, uma caixinha pequenita de primeiros socorros e lá vou eu. Não esqueci meu canivete suíço, meus talheres fixos, e duas caçarolas sem alça que se encaixam. Não levo barracas. Não precisa. Sou mestre mateiro, faço de olhos fechados uma boa cabana para dormir.
                 No bornal levo meu “farnel” para três dias. Ração B. Tudo muito simples. Nos meus sonhos sei que vou pescar uns lambaris e os adoro fritos no fubá. Acredito que aonde vou encontrarei algumas mandiocas, quem sabe uns inhames, ou mesmo mamão verdes para uma deliciosa sopa. Pode ser que dou sorte e encontro uns pés de maracujá. Não vou me apertar. Vou sozinho. Adoro acampar sozinho. Sozinho o silêncio me faz muito bem. Adoro acampar ouvindo a passarada. Quem sabe sentar a moda índia em uma campina, ou uma relva fresca e esperar que um lobo guará venha comer sementes ou mesmo venha lamber minha mão. Não é impossível. Já aconteceu antes.
                Lá naquela clareira onde estou, tem uma cascata. Linda. Aguas claras, límpidas, borbulhando na queda como se estivesse fazendo o sinal de pista – Agua boa para beber! Durante o dia, nada de novo no front. Quem sabe viria um quati para me fazer companhia. Quem sabe uma capivara me olharia com aqueles olhinhos maravilhosos. E depois de tudo pronto em meu campo de fantasia, eu iria sentar em frente ao remanso e iria ver os peixinhos a nadar. E à tardinha depois de um jantarzinho simples e iria ver o sol se por lá no alto do morro, seria uma visão fantástica. Que coisa maravilhosa. Adoro isto.
                 Quando a noite chegar, uma pequena fogueira. Claro, minha poltrona do Astronauta estaria pronta. Minha gaita de fole importada da Escócia iria tocar e lembrar belas músicas escoteiras. A árvore da montanha. Guinganguli. Toadas da serra. Terra do belo Olmeiro. Avançam as patrulhas e porque não a Canção da Promessa e antes de tocar a Canção da Despedida iria ouvir o som da floresta que é imperdível à noite. O doce farfalhar do orvalho veria se misturar às fagulhas da fogueira que de maneira faceira vão viajar ao sabor do vento. Se tivesse sorte, Veria a Coruja Buraqueira, com aqueles olhos enigmáticos e incrivelmente belos a piar para mim como estivesse dizendo – Meu amigo, boa noite. Seja feliz como eu sou vivendo aqui nesta floresta encantada.
                 Não sei se teria sono. Não sei. Mas lá pelas tantas, após deitar na relva e admirar as estrelas, o firmamento com aquele brilho próprio de um universo fantástico ia me perguntar por que ainda alguns duvidam da existência de Deus. Então iria me dizer boa noite. Ainda de olhos abertos através da porta da minha cabana eu sabia que os insetos noturnos fariam seu bailados e quem sabe vaga-lumes iriam dançar para me mostrar como estavam contentes em me fazer companhia.  Podem acreditar não ia faltar o grilo falante, pois sempre esteve presente para me desejar boa noite. Mas tudo que é bom dura pouco. Uma vez calma e linda me chama. Meu marido, hora do almoço. Acorde! Caramba! E lá se foi meu sonho acordado. E a tarde, quem sabe volto de novo as minhas viagens por este mundo de Deus como fazia antes? Como é bom sonhar! Adoro sonhar! 

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Os Pistoleiros, o Capitão Maneco, a linda Rosália e muitas outras lambanças.



Os Pistoleiros, o Capitão Maneco, a linda Rosália e muitas outras lambanças.

            São coisas da vida. As lembranças vêm e vão. Alguns dizem que são lambanças do destino outros que são fruto da minha imaginação. Que assim pensem, pois a dúvida gera o pensar e este pode até chegar à conclusão que foi verdade. E se foi ou não, não importa, minhas lambanças estão aos montes por aí e porque não narrar de forma divertida? E eu pergunto quem não tem lambanças? A vida passa e nossa mente fica presa ao passado. Interessante que quando nos lembramos de alguém a imagem que fica é do ultimo encontro. Se por um acaso do destino encontramos de novo esta pessoa um susto – Meu Deus! Como você mudou! Melhor dizer, como você ficou Velho e feio! Esquecemos que nossa carcaça já não é mais a mesma.
Mas vamos às lambanças, nem tanto divertidas como outras que aqui contei, mas vale a pena lembrar.
Primeira – Corria o ano de 1956, Israel nosso submonitor contou para a Patrulha Sênior sobre o casamento de uma prima em Lambari, um vilarejo perto de Suaçuí, onde passava o rio do mesmo nome. Seus parentes eram de lá e porque não ir a Patrulha e participar da festa? Sempre davam uma festança quando havia um casamento e podíamos nos divertir muito. Não haveria despesas, pois a comida era farta. Ele conhecia uma picada pela serra do Sapo Molhado, e achava que era menos de dez léguas (sessenta quilômetros). Se fossemos pela Rio Bahia seria mais de duzentos quilômetros. Era como perguntar se peixe quer minhoca. Claro que topamos.
Quatro da tarde de sexta feira partimos em nossas bicicletas. Ração A, material mínimo para eventualidades. Sete da noite e pegamos a tal Serra do Sapo Molhado. Quase matou todo mundo de cansado. Quase duas horas só de subida. Na descida devagar, muito buraco na estradinha de terra. Na beira de um regato resolvemos pernoitar. Enquanto Fumanchú fazia uma sopa armamos duas barracas de duas lonas. Quase meia noite, estávamos jantando quando chegou dois homens mal encarados, a cavalo e apearam dizendo – Cabe mais dois nesta comida? Estamos mortos de fome. Falar o que? Sentaram e nós mesmo demos nossos pratos a eles. Enquanto comiam ouvimos alguém gritando: - Zé Peixada e Pato Branco dou dois minutos para saírem daí se não vamos abrir fogo! Cacilda! Deitei no chão e todos meus amigos fizeram o mesmo. Os dois pistoleiros abriram fogo. Um tiroteio dos infernos. Mais de meia hora. Eles correram descendo o riacho e o tiroteio não parou. Duas horas depois um homem que se identificou como o Capitão Maneco da Polícia de Captura nos disse que escapamos por pouco. Os dois nunca deixavam vivos alguém que poderia dizer onde estavam. Minha calça estava molhada. Toda molhada. Já sabem. Sou mesmo um Zé Mijão. Uma de nossas barracas de duas lonas estava crivada de balas, mais de vinte tiros. Ficou como recordação na sede para contarmos a quem quisesse conhecer a história. E a festa? Mais maiô de boa, tamanhuço e biteleza! Um pitaco de bom. Mas esta é outra história!
Segunda – Ano de 1954, um domingo qualquer, eu e o Romildo resolvemos ir a uma matinê no Cine Pio XII. Matar ou correr com Oscarito e Grande Otelo era a fita do dia. De uniforme não pagávamos. O cinema era dos Padres Maristas que adoravam os escoteiros. Ainda não tinha começado o filme e o Romildo ficou a piscar para Rosália, uma morena baixinha, com um corpo escultural. Não era bonita, mas dava para o gasto. Risos. Eu sabia quem era e sabia que Romildo estava se metendo numa roubada. Dito e feito. Tonho Grandão chegou. Era seu noivo. Na hora que Romildo levantou para dar uma cantada. Corri e disse a Tonho Grandão que Romildo só estava dando um recado e diabos o danado me deu um tremendo de um soco no nariz. Que dor dos infernos. Sentei no chão do cinema soluçando e nunca vi tantas estrelas. Vi que o sangue jorrava. Romildo deu nele um soco no queixo e ele riu pegando Romildo e o jogando em cima das cadeiras.
Ele me pegou de novo pelo colarinho e ia dar outro murro quando chegou o Padre Pedro e separou. Tudo poderia ter ficado por isto mesmo, mas os pioneiros souberam e resolveram dar uma surra em Tonho Grandão. Disseram que não podia passar em branco. Bateu num Escoteiro? Tinha de bater em todos. O pior é que ele bateu em todos. Eram quatro pioneiros e Tonho Grandão deu neles todos. Risos. Só mesmo quando ele foi para o Pará em busca de Ouro é que ficamos livre dele. Livre nada. Voltou dois anos depois podre de rico. Meu nariz ficou por anos e anos amassado. Mas a males que vem para o bem. Passei a evitar brigas que era o meu forte e me tornei um Escoteiro da paz. Risos.
Lambanças? Algumas pequenas outras maiores e outras não se conta. Os arautos da boa nova podem não gostar. Mas era uma outra época. Gostosa, onde se brigava a muque e não havia facas nem tiros.
E como digo em meus contos,
Quem quiser que conte outra...