No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras

No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras
A aventura está apenas começando

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Era uma vez... Na Morada da felicidade...



Lendas escoteiras.
Era uma vez... Na Morada da felicidade...

Era uma vez, em um país muito distante, havia um Grupo Escoteiro que se chamava a Morada da Felicidade. Era um grupo onde todos eram muito felizes. O sorriso ali era espontâneo. Uma prática que todos os membros do grupo faziam questão. Os abraços, os apertos de mão, os elogios, e a vontade de servir eram ponto de honra para todos. Não havia tristezas e parecia que eles tinham alcançado o Caminho para o Sucesso, ou melhor, da felicidade.

Barbas Brancas era o "Chefe" Escoteiro deles. Um verdadeiro pai. Amigo, sincero e sempre junto para ajudar no que fosse necessário. Havia inúmeros chefes. Rosa Prateada a Aquelá, Esquilo Sorridente o Chefe da tropa, Lobo Vermelho o Chefe Sênior e tantos outros que se amavam e se respeitavam. Nos dias de reuniões, parecia que o céu ficava mais azul e o sol brilhava só para eles. As estrelas cintilantes escondidas naquela hora do dia ficavam aguardando ansiosas quando eles estiverem cantando em um fogo de conselho lá na mata verdejante, ou no bosque da Prosperidade onde sempre montavam suas barracas verdes e amarelas.

Um dia, porém o inevitável aconteceu. O pároco da igreja onde eles tinham a sede chamou Barbas Brancas e deu a notícia fatídica – Vocês infelizmente têm dois meses para desocupar. Recebi instruções de Vossa Eminência o Bispo Matusalém, que todas as paróquias devem ter uma sala própria para utilização das Congregações que iram se formar em todas elas. Infelizmente – continuou – Só temos essa sala.

Não haveria acordo. Não haveria recuo. Dois meses e a sede desocupada. Trinta anos ali, trinta anos formando cidadãos honestos na comunidade. O coração de Barbas Brancas bateu forte. Seus olhos ficaram molhados das lágrimas que caiam. Um conselho de chefes tomou conhecimento de tudo. Planos, discussões foram postos em prática. Dois meses. Muito pouco tempo. Eles não sabiam como agir. Nunca tiveram ódio, rancores e nem sabiam como brigar pelos seus direitos. Em seus corações só habitavam o amor e o carinho.

Na reunião da semana, no cerimonial de bandeira todos foram comunicados. De felizes agora só se ouviam lamentações, lágrimas, queixas e todos acreditavam que a Morada da Felicidade nunca mais iria existir. Aguas cristalinas, uma guia chorou alto. Serra Alcantilada o Monitor Sênior começou a rezar. Até Ventos na Face um Pioneiro antigo não sabia o que dizer.

Olhos azuis um lobinho da matilha cinzenta e Sorriso Encantador uma lobinha sua amiga foram para um canto da sede e não choraram. Eles eram firmes nas suas palavras e ações. Diziam que deveria haver uma saída. Deixaram a reunião, subiram as escadas e procuraram o pároco. Este nem ligou. Se querem resolvem falem com o Bispo Matusalém. Foi ele quem ordenou.

Pegaram o ônibus. Palácio Episcopal. O Secretario dizia que o bispo não podia atender. Por quê? Se ele viveu tanto, mais de mil anos deve ser um sábio. Afinal todos dizem que ele é um homem bom. Filho de Enoch, e agora não pode nos receber? – O Bispo Matusalém passava ali na hora. Sorriu divertido. – Quem são vocês? Perguntou. – Eu sou Olhos Azuis, lobinho da matilha cinzenta. Sou segundo primo e tenho a segunda estrela, essa é minha amiga, Sorriso Encantador, também segunda estrela e da minha matilha. Sabemos a lei do lobinho de cor e sabemos que o senhor é o culpado da nossa infelicidade.

 Logo a seguir beijaram o anel pastoral e fizeram uma genuflexão diante dele. O Bispo Matusalém assustou. Por quê? Disse – Porque Vossa Eminência tomou nossa sede, o pároco disse que temos de morar na rua! E agora? Pensou ele. Venham comigo disse. Foram até a sala de visitas. O Bispo Matusalém serviu chocolate e biscoitos amanteigados. Obrigado Eminência, mas não podemos. Na matilha ou todos comem ou não comem nenhum!

O Bispo mandou seu secretário preparar o carro. Foi até a sacristia e pegou duas latas de biscoitos e muitos chocolates. Olhos Azuis e Sorriso Encantador entraram no carro e foram com o bispo até a sede do Grupo Escoteiro Morada da Felicidade. Uma festa. Veio o pároco. Ordem do Bispo, a sede é de vocês por centenas de anos! O Bispo Matusalém distribuiu chocolate e biscoitos amanteigados a escoteirada. Ficou amigo de todos. Barbas Brancas sorria. Águas Cristalinas, Serra Alcantilada e Ventos na Face batiam palmas.

A paz voltou a reinar no Grupo Escoteiro Morada da Felicidade. O sorriso ali nunca deixaria de existir. Sempre teria alguém para encontrar o caminho do sucesso. Desta vez foi Olhos Azuis e Sorriso Encantador. Mas sabiam que nas dificuldades sempre temos alguém preparado para pular por cima. Já diziam os poetas que as dificuldades são como as montanhas, aplainam-se quando avançamos sobre elas e quanto maior a dificuldade, tanto maior é o mérito em superá-las.

E eles, os escoteiros sonhadores da Morada da felicidade viveram felizes para sempre!

Moral da história – Nos Grupos Escoteiros onde existem diálogos, entendimentos, compreensão, sorrisos e fraternidade é claro que todos irão viver felizes para sempre!  

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Do destino ninguém foge.



Conversa ao pé do fogo.
Do destino ninguém foge.

Certa vez, há muito tempo atrás, fui convidado por um Grupo Escoteiro de uma pequena cidade do interior, para proferir uma palestra sobre os Valores do Escotismo na sociedade. Era um Grupo simples, com um efetivo excelente e uma alegria e amizade que não se encontra facilmente aonde eu vou. Moças e rapazes sorridentes, me olhando respeitosos e dentro de seus olhos sentia o verdadeiro “Espírito Escoteiro” tão procurado por todos nós.

Durante a palestra, em um salão paroquial repleto, composto por muitos pais, amigos simpatizantes e até alguns membros da sociedade política da cidade, observei um chefe, que permaneceu encostado em uma parede, me olhando com olhos ávidos, prestando uma atenção canina, que fez com que me perdesse algumas vezes na continuidade da palestra. Este chefe, aparentando uns 50 anos, tinha um aspecto não muito simpático, apesar de estar muito bem uniformizado, com o caqui tradicional (um pouco velho, mas limpo e bem passado) um chapéu de abas largas bem posto, meiões dentro dos padrões e o lenço impecavelmente bem dobrado. Seu semblante deixava a desejar. Sua boca parecia inchada e uma grande mancha no rosto não dava um ar atraente a sua pessoa.

Cabelos negros, lisos e compridos, contidos por um “rabo de cavalo” simples, dava uma conotação estranha e extravagante. Tinha uma maneira de andar meio bizarra com os braços abertos, ombros curvados, mas seu sorriso era contagiante. Após a palestra, fui dar uma volta no pátio onde se realizava as reuniões, e vi ali um bom escotismo sendo praticado por uma alcatéia mista, duas tropas uma masculina e uma feminina e uma tropa sênior composta de uma só patrulha.

O chefe em questão estava em pé, observando o andamento das reuniões, sempre curvado, e esperando que alguém o chamasse. Estranhei que ele não participasse diretamente de alguma sessão. O Chefe do Grupo que me acompanhava vendo minha curiosidade explicou:- Apareceu aqui há uns quatro anos. Fica sempre afastado, pois sabe que sua fisionomia assusta os jovens e também os adultos. Com o tempo estamos nos acostumado a ele. Remo era o seu nome, o sobrenome ninguém sabia. O uniforme foi doado por um chefe que mudou desta cidade e acho que a doação foi como o descobrimento de uma grande pessoa. Sua alegria, mesmo com um sorriso torto, contagiava.

Sempre tivemos receio de convidá-lo para uma das sessões. Não fizemos sua promessa, achamos que não deveríamos. Os pais não o viam com bons olhos. Muitos ainda o julgavam pela fisionomia. Até eu acreditei que fosse analfabeto e você sabe a dúvida em colocar alguém assim em uma sessão é preocupante.  Ele é um dos primeiros a chegar à sede, faz a limpeza com esmero, fica a porta esperando que alguns de nós peçamos alguma coisa e é de uma vassalagem preocupante. No inicio das reuniões sempre está pronto a colaborar com a chefia, buscando materiais, e limpando o pátio quando alguém joga algum ao chão ou mesmo depois das reuniões.

Muitas vezes quando venho à noite à sede, o encontro sentado no meio fio, como, a saber, que eu viria. Entra comigo e enquanto faço minhas obrigações ou mesmo aguardo outros para alguma reunião, ele está a ver figuras sem parar na pequena biblioteca escoteira que temos aqui no grupo. Claro que sempre dou um livro para ele levar para casa, sempre com muitas gravuras. Ele sorri e me agradece muito. Enfim, nos acostumamos com ele, como se acostuma com um... Ele ia dizer cão amigo, mas preferiu se calar. Acho que não era sua intenção desmerecê-lo.

O pouco que sabemos é que trabalha no moinho do português (muito conhecido na cidade) e mora em um pequeno quarto alugado num bairro afastado. Achei interessante o fato. Para mim inusitado. Os anos se passaram e de novo voltei ao Grupo citado e agora não me lembro bem o motivo. Foi num verão atraente, mas cujo calor ameaçava passar dos 40º. Cheguei pela manhã, viajando boa parte da noite em um ônibus de carreira. Após os comprimentos de praxe, conversava com um ou outro escotista e foi então que dei falta do Chefe Remo. Seu lugar de sempre onde ficava encostado a parede estava vazio. Vi com espanto lagrimas nos olhos do chefe do grupo e a tristeza nos demais quando perguntei a respeito.

- Ele desapareceu um dia da sede e não voltou mais. Sentimos uma grande falta. Não tínhamos mais aquele que limpava que ficava a nossa disposição como um serviçal sem salário, nunca reclamava, estava sempre pronto a ajudar e então chegamos à conclusão que não demos o valor necessário ao um grande homem, a um grande Escotista que foi sem nunca ter sido. Todos, sem exceções sempre esperavam chegar à sede e encontrá-lo ali, subserviente, pronto a ajudar e nunca esperando nada em troca.  Até mesmo os jovens perguntavam por ele. Antes do seu desaparecimento ele já participava de pequenas atividades, mais como colaborador e assim a admiração pela sua fidalguia estava crescendo no coração de todos.

Esperamos duas semanas e fomos ao moinho onde ele trabalhava. Ficamos sabendo que ele desapareceu também de lá. Seu Manuel dono do moinho foi com a policia ao quarto dele e nada encontrou. Convidou-nos a ir até lá para vermos como era. Meu amigo foi uma punhalada no coração, pois o quarto dele era uma linda sede escoteira, com um quadro enorme de BP. Quadro de nós, de sinais, bandeirolas de semáforas penduradas na parede, uma colcha bordada com flor de Liz jazia em sua cama e uma linda Bíblia aberta na pagina onde se lia o salmo jazia acima de uma pequena cômoda. Ficamos chocados com tudo. Nunca esperávamos isto.

 Seu quarto era muito limpo e bem arrumado. Não havia cartas, papeis nada que pudesse identificar de onde era e para onde foi. O tempo passou não mais que cinco meses e ficamos sabendo que ele tinha sido atropelado em uma cidade próxima, e imprensado a um poste tinha morrido na hora. Mesmo com sua identidade não sabiam de onde era e de onde vinha. O enterraram como indigente. Ele estava com o cinto escoteiro e um dos investigadores resolveu fazer uma consulta à direção escoteira do estado. Em vão. Ele não tinha registro lá. Alguém sugeriu consultar o Grupo Escoteiro mais próximo. Conversa daqui e dalí se passaram vários meses. Um pai soube e comentou do desaparecimento do Chefe Remo. Ele o conhecia e recordava como todos ficaram preocupados. Ao confirmar a identidade, não havia mais dúvida.

Foi um choque para todos nós. Não sei por que, se foi uma boa idéia, mas reunimos todo o grupo e um dia de domingo à tarde fomos até a cidade onde havia sido sepultado. Em volta de sua campa simples, fizemos uma oração, cantamos a cadeia da fraternidade, todos chorando, engasgados dizendo com dificuldade que não era mais que um até logo, não era mais que um breve adeus, pois bem cedo junto ao fogo, tornaríamos a nos ver. Ali, com os olhos marejados de lágrimas, vimos um beija flor azulado, sozinho, batendo asas em volta do seu tumulo, e enquanto permanecemos ele também ficou, sem pousar, sem cansar. Não digo que seria um sinal, nada disto, eu mesmo não acredito. Sou meio céptico com essas coisas. Um fato não pode ser esquecido, o chefe Remo merecia ter tido muito mais de nós. Pelo menos sua promessa.

Voltamos tristes, silenciosos. Não havia canções, só as lembranças pululavam na face e no íntimo de cada um. Agora sabíamos que tínhamos conhecido um grande escoteiro, um grande chefe, mas só demos o valor quando ele se foi. Não houve promessa, não houve medalhas, não houve certificados de gratidão. Nem um simples agradecimento verbal. Só mesmo a lembrança ficou. Saudosa, dolorida e que nunca mais vai ser esquecida em nosso grupo escoteiro.

Fiquei pensando que nem sempre a escrita, a formação intelectual e docente deve ser avaliada para a escolha de um líder. Como diz o Grande Arquiteto do Universo, a muitas moradas na casa de meu pai.  Ele se sentia satisfeito com o que fazia e ali era o seu lugar. Confirmar tais indivíduos que se multiplicam por todas as plagas, dando seus valores merecidos, faz parte de nossa aceitação em chamá-los de escotistas, de chefes. Voltei para casa meditando. Era um Escotista cumpridor de seus deveres. Não almejava nada. Fazia seu trabalho sem recompensas. Era o lixeiro, o carregador, o apanhador de sonhos. Vi então que a Lei do Escoteiro também é a lei do Chefe Escoteiro.


Nunca mais voltei lá. Não porque não quis, não houve oportunidade. Mas o chefe Remo ficou marcado para sempre em minha memória.

terça-feira, 23 de julho de 2013

A canção que ela fez para mim!



Lendas de um Chefe Escoteiro.
A canção que ela fez para mim!

                     Naquele sábado fui para a reunião meio desanimado. Não sei por quê. Muitas reuniões parados na sede, nenhuma excursão, jornada ou até um acampamento de fim de semana. Para ser franco eu também não mexi uma palha para animar a patrulha. Na sede ninguém. Por quê? Sempre nos encontramos ali antes do inicio, falar dos outros, papear, “causos” não era uma rotina? Fui para o pátio da sede. Então eu a vi. Fiquei sem fala. Linda! Impossivelmente linda! Uma princesa seria? Desceu das nuvens direto na sede? Ou quem sabe um anjo que Deus mandou para dar novo ânimo aos seniores? Olhe meu coração disparou. Minha mente deixava o corpo e se transportava para os mais lindos locais que já tinha ido. Fui à Cachoeira do Sonho, fui à Montanha Das Borboletas Douradas, fui até no despenhadeiro da Mil Mortes. Joguei-me lá de cima. Sabia que não ia morrer.

                 Foi então que percebi. Lá estavam os Seniores. Todos eles. Não faltou ninguém. Em pé encostados na parede da sede, e como eu não tiravam os olhos da linda moça dos cabelos dourados. Cachos despencando como na Cascata do Sol Nascente. Olhos? Azuis! Incrivelmente azuis. Uni-me a eles. Não notaram a minha presença. Seus olhos esbugalhados assim como o meu só tinham uma direção. Cláudia Alvonaro. Seu corpo? Não posso dizer aqui. Mas parecia ter sido esculpido por Michelangelo, ou melhor, Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni. Ah! Una Madonna Escoteira? Quem sabe ali estava sua obra prima da renascença sua bela escultura a Pietá. Não podia ser. Estávamos em 1958 e não 1498 quando ela foi esculpida.  

                   A paixão tomou conta de mim. De mim só não de todos os seniores. Doze rapazes perdidamente apaixonados pela bela Cláudia Alvonaro. Mas de onde ela veio? Da cidade não era. Conhecíamos todas as beldades. – Ela é de Vitória. Espírito Santo disse Patachuco um Sênior. Meu Deus! Capixaba e linda assim? Bendita Vitória. Santino o Chefe Sênior adentrou ao pátio. Jovem ainda. Vinte e oito anos. Viu-nos e foi até nós cumprimentando. Ninguém olhou para ele. Inteligente como todo Chefe Sênior descobriu através de um “Kim” imaginário o motivo de nossa perplexidade e imutabilidade. – Ora, ora, parecem que nunca viram uma garota! Ele disse. Sem respostas. Continuávamos mudos. Olhos vidrados na bela Cláudia Alvonaro. A mais bela capixaba que o mundo conheceu. E nós os bravos seniores da tropa Anhanguera.

                     Ela estava linda. Uniforme azul, bonezinho de lobo. Saia curtinha (que pernas meu Deus!). Akelá? Não tinha mais de dezoito anos! Não seus bobos disse o Chefe Sênior. Ela é Assistente. Tem dezessete. Está fazendo uma visita. Vai embora hoje no trem noturno das oito. – Vou também, adeus Chefe! Falaram todos ao mesmo tempo. Chefe Santino riu sonoramente. Que vida. Descobre-se o amor de nossas vidas, a nossa alma gêmea e ela vai embora assim? E para piorar tudo ela começou a cantar. Os lobos sentados em círculo e ela cantando uma canção que não conhecia. Voz? Uma cantora nata! Ninguém na sede tirava os olhos dela. Maravilhosamente bela e uma voz de harmoniosa, que podia seguramente ser a maior cantora de todos os tempos.

                   O céu que me condene! Que me mate! Que acabe comigo. Estava “deverasmente” apaixonado. Perdidamente apaixonado. E o pior aconteceu! Ela olhou para mim e deu um sorriso. Senti o corpo tremer. Tive que sentar. Que sorriso! Que voz! Que rosto! Que corpo! Não podia ser uma mulher Akelá. Era uma deusa trazida do Olimpo. E eis que como se fosse uma chicotada, como se tivesse caído uma pedra enorme em minha cabeça, um Chefe novo de uns vinte e cinco anos entrou acompanhado do Chefe do grupo.  – Vamos embora meu amor! O que? Meu amor? Então olhei melhor, ele estava com a aliança na esquerda e ela também. Marido e mulher.


                  Ela se foi. Deu um “xauzinho” e disse um Sempre Alerta que nunca mais, nunca mais mesmo e eu juro, irei esquecer. A mulher dos meus sonhos, a mulher que iria ser a minha vida, a minha alma gêmea se foi. Se houve reunião de seniores eu não sei. Acho que os outros também ficaram como eu no mundo da lua. Começamos mudos e terminamos calados. Chefe Santino sorria no alto dos seus vinte e oito anos. Um homem experimentado sabendo o que sentia aqueles garotos que estavam crescendo e aprendendo com a vida. Cláudia Alvonaro virou a esquina abraçado com seu amado. A tropa acompanhou com os olhos seu ultimo adeus. E eu? Fiquei meses sonhando, pensando até que um dia!...

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Guinevere, uma Guia Escoteira na Corte do Rei Arthur.



Lendas escoteiras.
Guinevere, uma Guia Escoteira na Corte do Rei Arthur.

              Meu nome é Guinevere. Porque meus pais me deram este nome ainda não entendi bem. Eles juraram que não foi baseado na lenda do Rei Arthur onde a rainha Guinevere nutriu uma secreta paixão por Sir Lancelot. Sei que a lealdade e o respeito que nutriam pelo Rei e o respeito pelo misterioso Merlin esta traição quase não foi consumada. Isto que aconteceu com os dois amantes nem se compara ao ódio que a feiticeira Morgana, meia irmã de Arthur sente por eles. Mas não é isto que quero contar. Minha vida era agradável, eu não tinha o que reclamar, pois o meu colégio era um dos melhores, meus pais classe media alta, tinham uma vida razoavelmente boa. No meu colégio tinha muitas amigas e duas em especial. Juntas íamos ao shopping, cinema e ate escondida ia me encontrar com Tony a quem eu dizia nutrir um amor que nunca existiu igual. Hoje quando me lembro acredito que tinha uma vida fútil sem graça e sem sentido na vida.

               Tem dois anos que entrei no Movimento Escoteiro. Liv uma nova amiga que conheci em uma atividade fora da escola foi quem me disse o que era o escotismo. A princípio não me interessei muito. Afinal tinha uma rotina de vida. Colégio, shopping, internet e ficar nos braços do meu amor. Mas ela com seu jeitinho aventureiro me convenceu a conhecer a Patrulha Aconcágua. Eram cinco e em Conselho de Patrulhas resolveram abrir vaga para mais duas, pois Ned o Monitor iria para os pioneiros. Havia muitas meninas interessadas, mas Liv me garantiu que a vaga seria minha se eu fosse com ela na reunião de sábado. Francielli e Ravy minhas duas amigas do colégio deram risadas quando contei para elas o que iria fazer no sábado – Babaquice Guinevere, uma tremenda babaquice. Não desisti. Tinha assumido um compromisso com Liv e não iria desmarcar.

                 Nunca na minha vida tinha visto jovens tão sérios e responsáveis. Muito diferente dos que conhecia. Max, Ned, Liv, Leo, Jan e Junior eram diferentes muito diferentes de todos os meus amigos. Um respeito enorme com todos fazia com que eles se orgulhassem da Patrulha. Diziam que quem estava ali tinha honra, o respeito e a ética acima de tudo. Fiquei com eles até a noitinha quando minha mãe ligou preocupada. Fiquei de encontrá-los novamente na quarta onde iriam fazer uma reunião de Patrulha para decidir uma atividade aventureira. Não deu outra. Aceita entrei para a Patrulha. Nunca me arrependi. Fizemos juntos aventuras incríveis. Eu ria quando eles diziam para todos que eram os “Cinco Magníficos”. Fui a lugares que nunca pensei em ir. Passei a acreditar no impossível e para escrever tudo que passei levaria dias e dias. Mas minha promessa ficou marcada em minha vida. Um ritual que nunca mais esqueci.

       Minha promessa foi feita a noite. Fomos para o alto do morro da Carmana, próximo à cidade. A patrulha toda vestida com uma bata negra e por baixo o uniforme. Eu também usava a bata. Fui apresentada pelo Ned e iniciaram o ritual do Santo Graal como eles chamavam. A frente uma mesinha, forrada com a da Tropa e a do Brasil dobrada. Em cima o cálice sagrado e uma pequena espada de metal. Lembrei-me das Lendas Arturianas, e dos Cavaleiros da Távola Redonda. Tudo aquilo tinha muito a ver comigo. Elas se aproximaram e Ned gritou alto: - Quem vem lá?

        - Apresento Guinevere ela quer ser mais uma dos Aconcágua! – Leo respondeu – Aproxime-se! A patrulha fechou o circulo e todos disseram juntos com as mãos sobre os ombros um do outro o juramento da patrulha – “Que todos saibam, hoje e sempre, que prometo por tudo que é sagrado, amar, aceitar e respeitar os meus amigos da patrulha, honrar sua história, morrer se preciso para que seu nome seja conhecido pela coragem e abnegação. Farei prevalecer à verdade, hoje e sempre! Podem saber que serei forte como os deuses que habitam o lago azul da vida. Que os ventos do Norte, que os ventos do Sul, que os Ventos do Leste e que os ventos do Oeste tragam a chama da liberdade, da honra e da palavra ao meu coração.”.

         Nunca esqueço. Sempre me emociono quando lembro e lá estava emocionada quando dizia essa promessa. Em seguida ajoelhei-me e todos colocaram uma mascara vermelha. O Leo colocou a espada na minha cabeça e nos meus ombros dizendo – Seja bem vinda. Agora pertence à Patrulha Aconcágua. Honre seu nome por toda a vida! “Vamos beber na fonte dos deuses o sonho que nunca vai terminar, vamos juntos jurar fidelidade e amor entre nós, nada e nem nunca irão separar”! – Com o cálice, bebemos essa água sagrada, colhida na fonte dos amigos inseparáveis! Eu chorava de emoção. Incrível. Em seguida Leo e Jan abriram a Bandeira Nacional. Eu já sabia, era a hora da promessa escoteira. Disse em alto e bom som – Prometo fazer o melhor possível para, cumprir o meu dever para com Deus e minha Pátria e obedecer à lei do Escoteiro. Meus amigos, não deu para aguentar. A emoção foi demais.

         Ainda bem que vieram todos me abraçar. Não antes do Chefe Anselmo convidado para a cerimonia me colocar o distintivo de promessa e o Ned Monitor me colocar lenço do grupo. Uma emoção que nunca senti em minha vida. Acho que esta promessa me marcou para sempre em minha vida. Assim começou minha saga na Patrulha Aconcágua. Agora não eram mais os Cinco Magníficos. Éramos agora os Seis Magníficos. As atividades aventureiras se multiplicaram. Eu vibrava com todas elas. Grandes acampamentos, até que um dia Jan nos trouxe um manuscrito. Pediu que todos dessem uma olhada. Deduzi que estava escrito em latim. Entendia pouco. O Max me deu a tradução. – Dizia – “Lá, onde o vento sopra forte, onde a Estrela Negra mora, encontrarão a felicidade nos seus sete desejos”. Todos estavam calados. Mas o que significava isto? Porque ir até a Serra da Estrela negra? Onde descobriram que ela existia? Perguntas. Respondida de pronto pelo Jan, o intelectual, o pesquisador da internet.


           Não vou entrar em detalhes. Seriam páginas e paginas para escrever uma das maiores aventuras que participei. Tudo na Patrulha era assim. Uma ideia, um plano e ação. Ninguem tinha medo. Dois anos com a Patrulha. Disseram-me que no próximo ano terei que passar para o Clã pioneiro. Não gosto da ideia. Não fui lobinha e nem escoteira. Amo a Tropa Sênior e se pudesse nunca sairia dali. Mas a idade vem e não podemos fugir. Que assim seja. Hoje ser Guia para mim é um novo rumo em minha vida. Posso agora dizer a todos que o escotismo está em minha mente, em meu espírito e em meu coração. Se você ainda não é porque não vem conhecer? Procure um grupo Escoteiro e seja mais um. Tenho certeza que não vais arrepender-se. Ah! Esqueci de dizer, Tony o meu amor disse – Ou eu ou o escotismo. Coitado, dançou!  Até uma próxima vez!

terça-feira, 16 de julho de 2013

Mortimer, um lobinho amigo do além.


Lendas escoteiras.
Mortimer, um lobinho amigo do além.

Coveiro.
Numerar sepulturas e carneiros,
Reduzir carnes podres a algarismos,
Tal é, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros!

Um, dois, três, quatro, cinco... Esoterismos
Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,
Na progressão dos números inteiros
A gênese de todos os abismos!
Augusto dos anjos.

                     Mortimer era um infeliz. Era filho de Lomanto da Paz o coveiro do cemitério Flores Singelas. Na escola ninguém se aproximava dele. Tinham medo. Diziam que ele falava com os mortos. Não era verdade, mas que acreditaria nele? Sua casa ficava dentro do cemitério e mesmo linda, pintada de azul e branco com muitos manjericões e rosas brancas que seu pai plantava e cuidava com carinho, ninguém nunca pediu para conhecer onde morava. Sua mãe morrera quando nasceu. Seu pai o adorava e o tratava com carinho e um amor enorme. – Mortimer meu filho, um dia vão reconhecer que seja onde for a nossa casa é sagrada. Mas não adiantava o pai falar - Pai! Nós não recebemos visitas! Por quê? – Lomanto olhava seu filho e mesmo querendo explicar que todo mundo um dia iria morar ali, ninguém gostava de tocar no assunto. A morte sempre assustou os vivos.

                   Uma menina de cabelos loiros foi transferida para sua sala. Ele a olhava e quando ela olhava para ele ficava sem jeito e virava o rosto. No recreio ela o procurou. – Quer brincar? Mortimer assustou. Ele no recreio era um eterno esquecido. Ninguém nunca o chamou para brincar. Ficava sempre em um canto olhando todos correndo e sorrindo. Ela o pegou pela mão e começou a correr – Vamos! Tente me pegar! Foi o recreio mais lindo de sua vida. – Pai! Pai! Ele chegou correndo para contar – Pai eu agora tenho uma amiga! Lomanto riu e abraçou seu filho. Os outros jovens da escola olhavam o par com indiferença. Não diziam nada. O boato que corria é que se mexesse com ele os defuntos viriam à noite em seu quarto para puxar o pé. Um dia Noêmia o convidou para ir visitar sua alcateia. – O que é isto? Perguntou. – Uma escola diferente. Nada de carteira. Nada e quadro negro. A professora lá se chama Akelá. Ela tem ajudantes. Cada um tem um nome de bichos da floresta. É como se nós vivêssemos em uma grande floresta.

                  Noêmia contou muita coisa. Mortimer ficou perplexo com o que ela contava. Havia um herói menino chamado Mowgly. Ele se perdeu na floresta e foi adotado por uma Alcateia de lobos. Todos eram amigos dele. Outros animais o protegiam. O Balu um urso grande e peludo, a Baguera uma pantera negra enorme, Hati o elefante e uma grande cobra píton chamada de Kaa. Mortimer queria saber tudo. Noêmia o convidou para ir com ela sábado ao grupo escoteiro. Seu pai foi junto. Vestiram a melhor roupa que usavam na missa dos domingos. Mortimer ficou com medo quando chegou lá. Centenas de meninos vestidos de azuis e cáqui com chapelão. Ele se assustou. Sabia que todos conheciam o Menino do cemitério. O menino que fala com os mortos. Engano. Ninguem disse nada. Foi recebido com palmas. Mortimer chorou de alegria.

                   Em casa falou para seu pai – Pai! Eu nunca pensei que fizesse tantos amigos em um só dia! – Filho, o mundo é bom, tem aqueles que não te conhecem e te julgam pelo que ouvem ou veem sem olhar o coração das pessoas. Mortimer dormiu feliz. Sonhava com o próximo sábado. Sonhava em ser mais na Roca do Conselho. Disse para si mesmo que em breve estaria de azul e a gritar junto a todos no Grande Uivo. Mortimer passou a sorrir também na sala de aula. Chegava perto de muitos da classe e dizia, eu sou lobinho, lá eles são meus amigos. São felizes como eu. Eles cantam, dançam e sabem que a verdadeira amizade nasce de dentro do coração. Mesmo vocês não sendo meus amigos o Balu meu protetor me disse que não importa o que pensam de você, importa o que você pensa deles. E eu sou amigo de todos! – Toda a classe passou a ver Mortimer como mais um deles. Não era mais o filho do coveiro.

                  Dizem, eu não sei e nem posso afirmar que todos os domingos o Cemitério Flores Singelas enche de meninos que vão lá brincar nos arvoredos, no pequeno regato que nasce atrás das montanhas e eu soube que agora toda a cidade vê com outros olhos o lobinho Mortimer e seu pai Lomanto da Paz. Dizem também e eu não sei se é verdade que aprenderam uma lição com os Escoteiros. Eles e os lobinhos fazem questão da amizade. Dizem na cidade que lá todos que entram passam a ser irmãos. Até contam em rodas por aí que eles tem um pacto e quem entra passam a ser irmão de sangue para sempre. Agora que Mortimer cresceu e se casou com Noêmia disto eu tenho certeza. Que tiveram quatro filhos e Mortimer ainda mora no cemitério e é feliz eu também sei. Escotismo é assim, quem não tem amigos lá encontra um montão.


                  Esqueci-me de dizer que Mortimer hoje é o prefeito da cidade. A prefeitura vive cheia de Escoteiros e na porta tem uma grande placa escrita – Lord Baden Powell, cidadão do mundo, O Escoteiro Chefe Mundial e amigo e irmão de todos. Falar mais o que? Escotismo é coisa que marca que entra em nós para sempre. Dizer que somos aventureiros que somos Escoteiros e vivemos para ajudar o próximo é falar o obvio. Mortimer hoje corre o mundo dando palestras. Tornou-se um professor de história e escreveu muitos livros. Ninguem mais o chama de o amigo dos mortos, mas sim de o amigo do mundo. Graças a Mortimer eu também sou Escoteiro e esteja ele onde estiver receba meu abraço apertado, meu aperto de mão esquerda e meu Sempre Alerta!

sábado, 6 de julho de 2013

Jericó – Uma cidade sem lei.



Lendas escoteiras.
Jericó – Uma cidade sem lei.

(Jericó era uma importante cidade dos tempos bíblicos, descrita no Antigo Testamento como a “Cidade das Palmeiras” ou “Cidade das Palmas”, pela abundância desse tipo de árvore na região. Ainda hoje, conserva o apelido. A passagem bíblica mais famosa sobre o lugar é a que mostra os hebreus, recém-chegados à Terra Prometida, derrubando as imponentes muralhas da cidade ao som de trombetas e gritos, conquistando-a, liderados por Josué).

               Billy e Any não eram um casal perfeito, mas viviam felizes em Porto Feliz uma cidade no interior de Santa Catarina. Tinham uma bela casinha, um lindo filho de 8 anos, e Ralph era o encanto dos dois. Billy trabalhava na Secretaria da Fazenda. No CAGE estava lotado na Divisão de Controle de Administração Direta. Era um “pau” de toda obra, mas na função de Controlador Contábil. Não podia reclamar do seu salário, mas como todo ser vivente ambicionava mais. Any antes de se casar se formou como Assistente Social e atualmente era só uma dona de casa. Ela tinha por Ralph um amor grandioso. Ficava ao lado dele o tempo todo e só deixou de ser sua sombra quando entrou para o escotismo como lobinho. A própria Akelá explicou que ele precisava crescer. A mãe junto prejudica e sufoca o aparecimento de liderança. Ela entendeu. De vez em quando olhava as atividades e via que Ralph era um grande lobinho. Em casa não tinha outro assunto.

                Um dia Billy disse a ela que precisavam conversar – Seu Chefe o Doutor Getúlio o convidou para organizar e dirigir o novo escritório da Secretaria da Fazenda em uma cidade no interior do Mato Grosso quase divisa com o Pará. Longe à beça. Mas seu salário seria duplicado, havia possibilidade de Any trabalhar com ele também por um ótimo salário. Seria por cinco anos. Se conseguissem formar pessoal com nativos estariam liberados para voltar a Porto Feliz com as mesmas regalias. Anny gostou da ideia. Valia o sacrifício. Não venderiam a casa somente os móveis. Na volta comprariam outros. Billy vendeu seu Simca Chambord do ano e comprou uma Rural Williys seminova. Seria uma viagem de mais de três mil quilômetros. Tudo preparado se despediram dos parentes dos amigos prometendo que não seria adeus e sim um até logo.

               Apesar da mudança, da viagem e em conhecer outros lugares Ralph chorou muito ao deixar a Alcateia. Fizeram uma reunião de despedida de partir o coração. Todos lhe deram abraços e muitos presentes. Um deles foi de Tininha, uma morena de olhos verdes da sua Matilha. Entregou uma cartinha perfumada. Ralph guardou para ler na viagem. Pararam em Três Marias em um restaurante a beira do lago da represa para almoçar. Ralph abriu a cartinha de Tininha e lá estava escrito – Te amo muito. Vou te amar por toda minha vida. Qualquer adulto daria boas gargalhadas. Os pais não. Sabiam que os jovens que ainda nem despontaram para vida também tinham sonhos. Anny e Billy ficaram com os olhos cheios de lágrimas. Foram três dias de poeira, sol chuva estrada esburacada e enfim chegaram a Jericó.

              Não era uma cidade feia. Tinha uma bela praça bem arborizada, mas quase ninguém a passear ou descansar. Uma Igreja linda que disseram depois ser do ano de 1910. Devia ter uns vinte e cinco mil habitantes. Poucos na rua e o comercio quase vazio. Billy tinha o endereço onde iriam abrir o escritório e também serviria como casa nos primeiros meses. Depois se quisessem poderiam alugar outra. Não ficava longe do centro. Quase ninguém para perguntar. A maioria nas janelas abertas quando passavam elas se fechavam. Estranho isto pensaram. Há primeira semana se foi. Contrataram uma moça e um rapaz para ajudá-los. Aos poucos eles foram se abrindo e falando da cidade. Contaram coisas que assustaram Billy e Anny. Em pleno ano de 1950 bandidos dominando uma cidade? Pois é doutor. (eles o chamavam assim). Cicatriz vive nas montanhas. A cada mês desce a cidade e lá está seu Astholpo o prefeito abrindo seu armazém para eles se servirem. Um dia antes ele só deixava o combinado que seria rateado por toda a cidade. O restante dos mais de cinco mil itens ele esconde em um porão ali perto.

                 Billy e Anny não acreditaram muito. Mas se fosse verdade iriam agir na base de viver e deixar viver. Não iriam viver ali para sempre. Ralph voltou da escola animado. Soube que na cidade tinha um grupo Escoteiro. Um amigo da sua sala contou. Deu o endereço. Billy o levou lá no sábado. Tomou o maior susto. Eles marchavam para todo lado. Tinham uma banda enorme. Os que não eram da banda usavam uma espécie de fuzil de madeira. O que era aquilo? Mas Ralph queria participar. Conversou com o Chefe. Foi admitido e enviado a Alcateia que também marchava. – Porque só marcham? Perguntou. Só na sede. Uma vez por mês acampamos. Uma vez por mês fazemos jornadas. Lá tudo que pensar em técnica mateira nós fazemos. O senhor já sabe do Cicatriz. Precisamos preparar os jovens para um enfrentamento no futuro.

                 O trabalho para organizar o escritório da Secretaria da Fazenda foi cansativo. Já tinham admitido seis funcionários. Bob Masterson seria o indicado para o futuro como Chefe do escritório. Formado em Direito e o melhor, Chefe da Tropa Sênior. O mês terminou. Billy e Anny resolveram dar uma folga no fim de semana. Souberam de um lago muito bonito e porque não fazer um pic nic? Bob Masterson desaconselhou. Cicatriz deve aparecer por aqui domingo. Neste dia ninguém sai à rua. Todos ficam trancados. Conselho dado, conselho guardado. Domingo amanheceu cinzento. A cidade deserta. Nem os passarinhos cantavam nesta manhã radiosa. Meio dia. Mais de quarenta cavaleiros entraram na cidade vindo das montanhas. Cicatriz à frente. Ele era imponente. Devia ter quase um e noventa de altura. Mãos enorme. Podia torcer um pescoço de alguém com facilidade. Um fuzil a tiracolo. Sorria meio debochado. Parou em frente à igreja e sentou em um banco que ali existia.    

                  Interessante. Cicatriz era loiro. Deveria andar na casa de seus quarenta anos. Uma enorme cicatriz iniciava pela sua orelha direita e terminava na esquerda. Não diria que era horrenda, pois até dava um aspecto sobrenatural e excitante. Seu Astholpo apareceu. O levou até o armazém. Seus capangas encheram duas carroças de víveres. – Astholpo! Disse Cicatriz. Na próxima vamos precisar de dinheiro. Dez reais por habitante. Quem se recusar sobe a montanha comigo. Billy e Anny viam e ouviam tudo da janela da sua casa. Estavam hipnotizados pelo que acontecia. Fato inédito. Nunca tinham visto nada igual. Só no cinema. Sentiram uma lufada de vento e a porta se abriu. Correram até lá. Ralph saiu correndo em direção a Cicatriz. Levava seu fuzil de madeira. Billy e Anny tremeram. Correram atrás dele. Mesmo gritando para parar ele não parou. Ficou bem em frente à Cicatriz apontando aquela arma de brinquedo. – Você está preso! Disse Ralph.

                 Uma onda de pavor correu de porta em porta, de janela em janela. Todos se trancaram mais em suas casas. Billy e Anny desesperados. Pare Ralph, pare! Disseram. Cicatriz levou um susto. Sacou seu colt 45 com incrível rapidez e mirou bem na testa de Ralph. Seus dedos coçaram o gatilho. Para ele não importa se era menino ou não. Se alguém queria matá-lo ele matava primeiro. Anny desesperada gritava – Não mate meu filho! Pelo amor de Deus! Ele só tem sete anos! – Um tiro se ouviu. Um ribombar por todas as ruas da cidade. Cicatriz olhava com olhos esbugalhados. Levou sua mão direita até o peito. Sentiu um furo em seu gibão de couro. O sangue escorria em filetes pequenos. Cicatriz não acreditava. Nunca pensou em morrer assim. Morte estupida só porque ia mandar um menino para o inferno.

                 Ninguém até hoje ficou sabendo de onde partira o tiro abençoado. A bandidada ameaçou uma reação. Não se sabe como, apareceram todos os Escoteiros da cidade. Formados em linha com seus fuzis de madeira. Atrás a banda fazendo um enorme barulho. A poucos metros dos bandidos o Chefe Bob Masterson gritou – Escoteiros! – Preparar! Todos se ajoelharam. – Apontar! - Apontaram seus fuzis de brinquedos para os bandidos. Não ficou ninguém. Eles montaram em seus cavalos e partiram a galope. A cidade saiu rua. Uma algazarra tremenda. – Livres! Gritaram. Estamos livres pela primeira vez na vida. Cicatriz dava seus últimos suspiros. Olhou o povo gritando. Sentiu uma dor tremenda e viu ao seu lado um demônio enorme. Um grande chifre, dentes soltando fumaça. Ficou em paz. Agora ele sabia que estava em casa.

                O tempo passou. A felicidade voltou. Jericó cantava aleluia. Não era e nem nunca fora a cidade antiga bíblica situada na Palestina. O rio que cortava a cidade também se chamava rio Jordão. Muitos diziam que Jericó significava perfumado e a deriva da palavra Cananeia. O Bispo mandou um novo pároco para a cidade. Agora em paz. Billy e Anny começaram a amar a cidade de Jericó. Saudades só dos pais e dos amigos. Fizeram uma bela casa na Rua dos Hebreus. Anny resolveu ser escoteira. Foi bem recebida e na promessa recebeu seu fuzil de madeira. Billy ajudava na parte burocrática. O Prefeito seu Astholpo mandou fazer um belo pórtico na entrada da cidade. Em uma linda placa de acrílico escreveu – É fácil as pessoas mandarem você se calar, quando a dor é só sua, mas seja como o cego de Jericó – Grite, grite até Jesus parar tudo para te ajudar!


E em todos os lugares, em todas as missas, em todos os cultos religiosos, o povo dizia que a mão de Deus foi quem deu o tiro certeiro em Cicatriz. Bendito seja. – E cantaram aleluia para sempre. “Vem com Josué lutar em Jericó, Jericó. Vem com Josué lutar em Jericó e as muralhas ruirão. As trombetas soarão, abalando céu e chão. Cerquem os muros para mim, pois Jericó chegou ao fim”!

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Conversa ao pé do fogo. A última Estação de trem. Tempos são passados. Só as lembranças ficaram. Tempos bons que não voltam mais. Ainda fazia minhas jornadas e meus acampamentos a “escoteira”, para quem não sabe significa aquele que anda só. Era um apaixonado por ficar só, sem dividir o vento no rosto, a sombra de uma pitangueira, ou o remanso frio de um riacho. Egoísta? Não. Junto aos meus amigos fizemos belos acampamentos, belas excursões que também tem seu lugarzinho em um cantinho da minha memória. Meus problemas eu resolvia assim. Uma mochila, um bornal, uma forquilha, ração B, uma rota e pé na estrada. Adorava. Muitas vezes sem barracas. Montar uma cabana, um banquinho, um fogo estrela, um local privilegiado onde a vista pudesse deslumbrar o inatingível. Quantas vezes? Muitas. Paradas longínquas, picos saudosos, vales queridos, uma jangada a descer o rio desconhecido. Muitas histórias. Várias que um dia quem sabe irei contando uma a uma. Desta não esqueço. Aconteceu no início da década de sessenta. Bandeiras ao vento e lá ia eu. Diziam ser uma floresta virgem onde poucos entraram. Meu habitat. Um trem, uma trilha, e a floresta linda a convidar para conhecê-la. Dois dias. Animais enormes, pássaros floridos e cantantes aos milhares, corujas buraqueiras espantadas com meu cantar noturno a beira de um pequeno fogo naquela clareira amiga. Os ruídos da noite a estalar na audição de um Velho mateiro. Vida sublime. Sonhos refeitos, alegre pela mente fértil hora da meia volta. Um retorno sem faltar um banho em um riacho que jorrava cascatas com suas águas nas pedras brancas criando espumas gostosas para afundar e levantar sentindo o sabor daquelas águas que nunca foram tocadas. Tudo que é bom não dura para sempre. Já me disseram que nada é para sempre. O retorno sempre é tristonho. Uma pequena estação. Não era uma cidade, quem sabe um arraial. Meia dúzia de casas. Só o trem expresso não para. Os outros ficam ali a soltar fumaça na chaminé de uma Baldwin que nunca se cansava. Cheguei cedo. Gostava de ver o andar do Chefe da Estação. Educado. - Boa tarde! E tirava o quepe como a me saudar sem me conhecer. Ao lado uma mesa com a parafernália eletromagnética que Morse um dia inventou, as mensagens enviadas pelo telegrafista percorriam como correio eletrônico os milhares de quilômetros daquela ferrovia sem fim. Diziam eu não sei que chegava até o fim do mundo! Eu podia ouvir os sinais curtos e longos, pois um dia quando criança enfrentei a batalha de ser um Sinaleiro. Sentado em um banco na plataforma da estação eu esperava. Não tinha pressa. Nunca tive. Muitas vezes um olhar corre mais rápido que um raio no céu. A vista fora o rio caudaloso era comum após as diversas linhas de ida e volta. A plataforma vazia. O trem que subia o rio chegou mansamente. Não era o meu. Eu iria descer o rio. O Chefe da Estação com seu arco a dar suas instruções ao maquinista que treinado não teve duvidas para enlaçar. O barulho quieto da fornalha soltando fumaça e ar quente. Eu adorava aquilo. Estava ali sentado como hipnotizado com a beleza de uma trem de ferro que sumiu para sempre nas esquinas da vida. Foi então que avistei um casal. Jovens. Parados em frente à entrada do vagão de primeira classe. Um olhando para o outro. Não diziam nada. Ela só tinha olhos para ele. Encharcados de lágrimas de amor. Ele tristonho também não tirava os olhos dela. – Eu volto para te buscar ele disse. Ela chorava baixinho. – Nunca vou esquecer-me de você meu amor. O último apito, um beijo simples, um roçar de lábios sedentos que não queriam se separar. O trem deslizando sobre os trilhos se despedia da estação sorrindo ao pensar que outra lá ao longe estava à espera dele. Um último adeus. Ele correu e subiu nos degraus de seu vagão. Ficou ali de mãos estendidas como a dizer um adeus para sempre. Ela sabia disto. Sabia que ele não iria voltar. Em pé olhava o trem apitando até sumir de vista na curva do rio. Um silêncio tomou conta da plataforma. Eu só ouvia o tic tac do telegrafo e os soluços da bela moça que havia perdido seu amor. Eu nada dizia. Não tinha nada para dizer. Ela estática não saia do lugar. Perdidos em uma estação de trem o mundo dela desmoronava. O meu chorava com ela. Ela se virou e me viu. Seus olhos estavam marejados de lágrimas. Eu de calças curtas com meu chapelão fiquei em pé. Queria me solidarizar. Não sabia como fazer. Ela deu um pequeno sorriso levantando o braço dizendo baixinho “Sempre Alerta”. Respondi do mesmo modo em posição de sentido. Lentamente ela se foi para seu destino. De novo a estação vazia. O sol do outro lado do rio teimava em se esconder na montanha. Não havia vento, nem uma leve brisa para trazer alguma notícia do meu trem. Sentei novamente e deixei minha mente viajar por este mundo de Deus. O Chefe do Trem se aproximou. – Um atraso de quatro horas. O Trem que subia desencarrilhou. Muitos feridos. O Trem que iria descer não tinha como passar. Não disse nada. Não tinha pressa. Minha mente corria sobre os trilhos a procurar o trem que se foi. - Será que ele sobreviveu? Sem resposta. E ela? Como avisar que seu amor poderia ter ido para o outro lado da vida? – Não tem como dizer. Ela se foi para sua morada sonhando com seu amor e sabendo que ele nunca mais iria voltar. Quem sabe é melhor assim. Dormitei no banco da estação. A noite chegou. A plataforma escura deu para ver alguns trovões no céu. A chuva chegou de mansinho. Não havia mais trovões e nem raios no céu. Eu gosto do som da chuva. Ela me trás uma paz e tranquilidade que revigora. Ao longe um apito do trem. Era o meu que chegava. Como um pássaro gigante sobre trilhos adentrou na estação perdida de um trecho qualquer. Um retorno sem consequências. Na minha morada meu amor dormia. Entrei de mansinho. Fui olhar meus filhos que adormecidos sonhavam com anjos do céu. Abracei minha amada de muitas vidas que estava ali ao meu lado. Ela sorriu. Pensei no amor da outra que tinha ido para sempre. Sina marcada. Destino escrito no livro da vida. Nada do que tem de ser muda. Sonhos que não foram vividos. Estrelas piscantes que se mantém no universo através dos tempos. Esperanças que nunca se acabam. Ainda deitado com as mãos entrelaçadas no peito eu lembrei-me de um verso de um lindo poema de JG de Araújo Jorge – “Gota d’água brilhante, ainda suspenso num fio... Quando o sol quente a encontrou, partida que não teve o adeus de um lenço, história antiga que não tem mais senso, livro que o vento sem querer fechou”! Nota – J.G de Araújo Jorge escreveu centenas de poemas. A estrofe escrita no final do conto é de seu poema Carta Inútil. Por sinal um dos mais bonitos que escreveu.



Conversa ao pé do fogo.
A última Estação de trem.

                   Tempos são passados. Só as lembranças ficaram. Tempos bons que não voltam mais. Ainda fazia minhas jornadas e meus acampamentos a “escoteira”, para quem não sabe significa aquele que anda só. Era um apaixonado por ficar só, sem dividir o vento no rosto, a sombra de uma pitangueira, ou o remanso frio de um riacho. Egoísta? Não. Junto aos meus amigos fizemos belos acampamentos, belas excursões que também tem seu lugarzinho em um cantinho da minha memória. Meus problemas eu resolvia assim. Uma mochila, um bornal, uma forquilha, ração B, uma rota e pé na estrada. Adorava. Muitas vezes sem barracas. Montar uma cabana, um banquinho, um fogo estrela, um local privilegiado onde a vista pudesse deslumbrar o inatingível. Quantas vezes? Muitas. Paradas longínquas, picos saudosos, vales queridos, uma jangada a descer o rio desconhecido.

                  Muitas histórias. Várias que um dia quem sabe irei contando uma a uma. Desta não esqueço. Aconteceu no início da década de sessenta. Bandeiras ao vento e lá ia eu. Diziam ser uma floresta virgem onde poucos entraram. Meu habitat. Um trem, uma trilha, e a floresta linda a convidar para conhecê-la. Dois dias. Animais enormes, pássaros floridos e cantantes aos milhares, corujas buraqueiras espantadas com meu cantar noturno a beira de um pequeno fogo naquela clareira amiga. Os ruídos da noite a estalar na audição de um Velho mateiro. Vida sublime. Sonhos refeitos, alegre pela mente fértil hora da meia volta. Um retorno sem faltar um banho em um riacho que jorrava cascatas com suas águas nas pedras brancas criando espumas gostosas para afundar e levantar sentindo o sabor daquelas águas que nunca foram tocadas.

                  Tudo que é bom não dura para sempre. Já me disseram que nada é para sempre. O retorno sempre é tristonho. Uma pequena estação. Não era uma cidade, quem sabe um arraial. Meia dúzia de casas. Só o trem expresso não para. Os outros ficam ali a soltar fumaça na chaminé de uma Baldwin que nunca se cansava. Cheguei cedo. Gostava de ver o andar do Chefe da Estação. Educado. - Boa tarde! E tirava o quepe como a me saudar sem me conhecer. Ao lado uma mesa com a parafernália eletromagnética que Morse um dia inventou, as mensagens enviadas pelo telegrafista percorriam como correio eletrônico os milhares de quilômetros daquela ferrovia sem fim. Diziam eu não sei que chegava até o fim do mundo! Eu podia ouvir os sinais curtos e longos, pois um dia quando criança enfrentei a batalha de ser um Sinaleiro. Sentado em um banco na plataforma da estação eu esperava. Não tinha pressa. Nunca tive. Muitas vezes um olhar corre mais rápido que um raio no céu.  A vista fora o rio caudaloso era comum após as diversas linhas de ida e volta.

                A plataforma vazia. O trem que subia o rio chegou mansamente. Não era o meu. Eu iria descer o rio. O Chefe da Estação com seu arco a dar suas instruções ao maquinista que treinado não teve duvidas para enlaçar. O barulho quieto da fornalha soltando fumaça e ar quente. Eu adorava aquilo. Estava ali sentado como hipnotizado com a beleza de uma trem de ferro que sumiu para sempre nas esquinas da vida. Foi então que avistei um casal. Jovens. Parados em frente à entrada do vagão de primeira classe. Um olhando para o outro. Não diziam nada. Ela só tinha olhos para ele. Encharcados de lágrimas de amor. Ele tristonho também não tirava os olhos dela. – Eu volto para te buscar ele disse. Ela chorava baixinho. – Nunca vou esquecer-me de você meu amor. O último apito, um beijo simples, um roçar de lábios sedentos que não queriam se separar.

              O trem deslizando sobre os trilhos se despedia da estação sorrindo ao pensar que outra lá ao longe estava à espera dele.  Um último adeus. Ele correu e subiu nos degraus de seu vagão. Ficou ali de mãos estendidas como a dizer um adeus para sempre. Ela sabia disto. Sabia que ele não iria voltar. Em pé olhava o trem apitando até sumir de vista na curva do rio. Um silêncio tomou conta da plataforma. Eu só ouvia o tic tac do telegrafo e os soluços da bela moça que havia perdido seu amor. Eu nada dizia. Não tinha nada para dizer. Ela estática não saia do lugar. Perdidos em uma estação de trem o mundo dela desmoronava. O meu chorava com ela. Ela se virou e me viu. Seus olhos estavam marejados de lágrimas. Eu de calças curtas com meu chapelão fiquei em pé. Queria me solidarizar. Não sabia como fazer. Ela deu um pequeno sorriso levantando o braço dizendo baixinho “Sempre Alerta”. Respondi do mesmo modo em posição de sentido. Lentamente ela se foi para seu destino.

               De novo a estação vazia. O sol do outro lado do rio teimava em se esconder na montanha. Não havia vento, nem uma leve brisa para trazer alguma notícia do meu trem. Sentei novamente e deixei minha mente viajar por este mundo de Deus. O Chefe do Trem se aproximou. – Um atraso de quatro horas. O Trem que subia desencarrilhou. Muitos feridos. O Trem que iria descer não tinha como passar. Não disse nada. Não tinha pressa. Minha mente corria sobre os trilhos a procurar o trem que se foi. - Será que ele sobreviveu? Sem resposta. E ela? Como avisar que seu amor poderia ter ido para o outro lado da vida? – Não tem como dizer. Ela se foi para sua morada sonhando com seu amor e sabendo que ele nunca mais iria voltar. Quem sabe é melhor assim. Dormitei no banco da estação. A noite chegou. A plataforma escura deu para ver alguns trovões no céu.

             A chuva chegou de mansinho. Não havia mais trovões e nem raios no céu. Eu gosto do som da chuva. Ela me trás uma paz e tranquilidade que revigora. Ao longe um apito do trem. Era o meu que chegava. Como um pássaro gigante sobre trilhos adentrou na estação perdida de um trecho qualquer. Um retorno sem consequências. Na minha morada meu amor dormia. Entrei de mansinho. Fui olhar meus filhos que adormecidos sonhavam com anjos do céu. Abracei minha amada de muitas vidas que estava ali ao meu lado. Ela sorriu. Pensei no amor da outra que tinha ido para sempre. Sina marcada. Destino escrito no livro da vida. Nada do que tem de ser muda. Sonhos que não foram vividos. Estrelas piscantes que se mantém no universo através dos tempos. Esperanças que nunca se acabam. Ainda deitado com as mãos entrelaçadas no peito eu lembrei-me de um verso de um lindo poema de JG de Araújo Jorge – “Gota d’água brilhante, ainda suspenso num fio... Quando o sol quente a encontrou, partida que não teve o adeus de um lenço, história antiga que não tem mais senso, livro que o vento sem querer fechou”!


Nota – J.G de Araújo Jorge escreveu centenas de poemas. A estrofe escrita no final do conto é de seu poema Carta Inútil. Por sinal um dos mais bonitos que escreveu.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

O simpático macaquinho Quinzinho.



Lendas escoteiras.
O simpático macaquinho Quinzinho.

Quando escoteiro tínhamos facilidades de acampar sempre. Seja com a tropa ou com a patrulha quase sempre passávamos o fim de semana no campo. Todas as patrulhas tinham suas escolhas. Seus locais. A nossa, a Raposa sempre que podíamos acampávamos na Fazenda do Chico Flores. Perto, menos de seis quilômetros. Uma aguada maravilhosa e um grande bambuzal que poderíamos usar a vontade. Menos de um quilômetro do Rio Doce. Perdi conta de quantos acampamentos fizemos lá. Tínhamos lá muito animais que se tornaram amigos. Um lobo Guará que vinha comer em nossas mãos. Um falcão que nos olhava de longe e um Quati que não saía do acampamento.  

Chico Flores e sua esposa dona Alice Flores eram um casal de velhinhos muito simpáticos. Nem precisávamos avisar e quando lá chegávamos, ele dava um belo sorriso. Sua casa era simples, ainda com paredes com bambus cobertos de barro, mas por dentro era um brinco. Dona Alice com seu eterno sorriso. Fazia um queijo mineiro como ninguém. Sempre pela manhã ela aparecia no campo. – vim trazer um queijinho para vocês. E ele? Sempre com um franguinho, ovos, cachos de banana caturra e muitas outras guloseimas. Os filhos na capital estudando. Dizia ter um “gadinho”. Uns boizinhos como ele dizia, (eram mais de 2.000 cabeças), uns porquinhos, galinhas e uma centena de bodes e avestruz.

Estávamos voltando pela segunda vez aquele mês. Uma investigação se fazia necessária. Na última vez, fomos roubados em toda nossa alimentação. Quem roubou abriu a porta da barraca de duas lonas facilmente. Ela estava bem presa e não sobrou nada. Tínhamos naquela época três tipos de ração. Ração A – Arroz feijão, batata e macarrão e dois pedaços de linguiça. Óleo, sal e sabão. Tudo dividido por cada patrulheiro. Nossas mães colocavam em saquinhos e vidrinhos, fácil para levar na mochila. A ração B era mais ou menos a mesma, mas para dois ou três dias. E por último a ração C – Maior. Comprada no Armazém do Seu Zé Mutum. Ele fazia um preço especial para nós. Nossos pais pagavam com a caderneta mensal.

Sempre a sexta feira, nos encontrávamos na sede do grupo a noite e lá pelas nove já com a carrocinha preparada partíamos. Menos de duas horas e já estávamos no local. Montamos o campo como se não soubéssemos de nada. No dia seguinte fizemos um almoço e sabíamos que era de primeira. Fumanchú nosso cozinheiro tinha fama de ser o melhor cozinheiro de todas as patrulhas. Após a limpeza do vasilhame e do campo, saímos como se fossemos fazer uma excursão. Nosso material de sapa e alimentação era guardado na barraca de intendência. As linguiças penduradas no teto da barraca para durar mais.

Voltamos e nos escondemos em uma saliência a menos de oitenta metros do nosso campo. Não demorou. O ladrão chegou. Olhou para um lado, para o outro e como se fosse treinado abriu a porta da barraca. Levou o que podia. Voltou logo, levou mais. Romildo o monitor pé-ante-pé o prendeu dentro da barraca. O danado nem gritou. Punha a mão entre os olhos e mostrava seus belos dentes como se aquilo fosse uma diversão. O ladrão foi descoberto. Ele nem aí para nós. Sorrindo sempre e fazendo macaquice.

Ficamos seu amigo, ele ficou nosso amigo. Quando íamos acampar ele sempre aparecia. Sabia que ia comer de graça. Claro que não nos esquecíamos de levar suas duas dúzias de banana caturra. Sua preferida. Quinzinho nunca foi esquecido. Um macaquinho lindo, amável e educado. Claro, roubava comida, mas para ele não era roubo. Ali era seu habitat. Ele era o dono. Nascera ali. Tinha o seu direito. Nós éramos os invasores. Nas outras vezes nem chegávamos e ele saltava em nossas costas com aquele sorriso brejeiro.

O tempo passou, crescemos outras plagas, agora mais longe em busca de novas aventuras. Não esquecemos Quinzinho. Quando podíamos íamos lá de bicicleta sempre levando suas bananas. Mas nem tudo dura para sempre. Um dia não vimos mais Quinzinho. Para onde foi se morreu, se o levaram para um circo qualquer. Foram muitas saudades. Muitas. Quinzinho teve seu lugar de honra no livro da Patrulha Raposa. Acho que está lá até hoje!