No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras

No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras
A aventura está apenas começando

segunda-feira, 28 de julho de 2014

As aventuras de Léo, um Escoteiro.


Conversa ao pé do fogo.
As aventuras de Léo, um Escoteiro.

“Este conto foi escrito pelo Chefe Kleber Svidzinski de Mogi Guaçu”. Ele diz que esta foi uma história contada em um Fogo de Conselho por um Escoteiro, que ele somente transcreveu. Para mim surge mais um escritor Escoteiro para alegrar nossos corações em noites de Fogo do Conselho.

                       Léo olhou o sol que já se apresentava alto no horizonte, o monitor consultou seu relógio, era a terceira vez que o fazia, tinha tomado uma decisão errada. Claro que sabia quem eram os elementos de sua patrulha, conhecia todos muito bem, afinal em quase dois anos, desde que assumira o cargo da Patrulha Urutau já tinham feito mais de 10 acampamentos juntos, sabia serem jovens de fibra, verdadeiros escoteiros, conhecia suas qualidades e tinha também o respeito de todos eles. Mas o que seria somente uma exploração noturna ao Pico do Cruzeiro acabou se tornando um divertido pernoite. Sentia-se aliviado por todos terem avisado seus pais sobre esta possibilidade, uma vez que já estavam acostumados com este tipo de aventura, o único problema era não terem se prevenido melhor na alimentação, haviam comido tudo que trouxeram para a aventura, estavam há mais de 08 horas sem se alimentar e ainda iriam levar mais uma 4 horas até chegar à zona urbana de sua cidade.

                           Nem a estação havia ajudado, fosse em setembro encontrariam muitas gabirobas, seriguelas, macaúbas, entre outras, mas não estava na época das frutas, as árvores estavam todas floridas, o que pelo menos deixava o passeio com visual mais alegre e colorido. A noite havia sido maravilhosa, o céu parecia que havia sido pintado a mão dada à quantidade enorme de brilhantes estrelas. Até alguns cometas deram o ar de sua graça. Nem o brilho da pequena fogueira conseguiu inibir tamanho show de astros. As histórias, as lembranças, as canções, tudo isso ajudou fazer as horas voarem, acreditava nem ter dormido, parece que havia tido um simples cochilo... O despertar do sol, ainda mais maravilhoso do que a noite que se apresentou a eles, o fez retornar a realidade. Também fez lembrar que naquele local não havia sequer uma fonte de água potável. O pio de um Carcará ao longe, trouxe-o de volta a realidade...

                          Mais uma vez olhou seu relógio, apesar de ter repetido o mesmo gesto vários vezes também tornou a verificar seu cantil... Seco. A boca seca já pedia um pouco de água, e ele sabia que além da sede, a fome também já mostrava seus sinais. Deu uma rápida olhada para trás, ficou mais aliviado, a patrulha conversava alegremente, apesar do cansaço, da sede e da fome. A paisagem que se apresentava amenizava estes sintomas e o espírito aventureiro de seus parceiros deixava muito claro que os anos de movimento escoteiro tinha-os tornado jovens diferenciados, capazes de enfrentar este tipo de dificuldade. Mas, em seu papel de líder sabia não ter sido a decisão correta. Enxugou o suor da testa e resolveu chamar Deco, seu sub-monitor. Este rapidamente deixou o final da fila e se posicionou ao seu lado. O próprio Deco já havia lhe dito que havia sobrado uma lata de leite condensado na mochila da patrulha.

                      Pediu que a pegasse. Com certeza o doce ajudaria a restaurar um pouco das energias perdidas, mesmo que isso aumentasse um pouco a sede. Retirou a fivela do cinto escoteiro que entre outras utilidades também servia como abridor de latas e fez dois pequenos furos nos extremos superior da latinha. Ao gesto seu, a patrulha parou a caminhada e fez um semi círculo ao redor de seu líder. Ele explicou a eles que ainda havia pelo menos mais 04 horas de caminhada, sabia que todos estavam cansados e também com fome e sede, pediu mais uma vez desculpas por não ter previsto que isto poderia acontecer e mostrou a todos a pequena lata de doce, já aberta, pediu que cada um sorvesse um pouco do conteúdo e explicou que isto os ajudaria a amenizar um pouco os efeitos da caminhada. Todos sorriram e pareciam nem estar se importando muito com a situação, mas ele sabia muito bem que todos não queriam demonstrar aos demais a real situação em que se encontravam. 

                   Então Leo levou a lata aos lábios, fingiu estar degustando o precioso e caudaloso doce, não engoliu uma gota sequer. Queria que seus liderados se alimentassem um pouco mais, como se este gesto fosse de alguma forma amenizar a sua falha de comando. Feito isso, passou a lata a Deco, este a pegou, meio atônito, olhou de soslaio para seu monitor, que já havia voltado à caminhada, também levou a lata aos lábios avidamente, e, feito isso repassou ao outro jovem e assim sucessivamente, todos pegaram aquela lata de doce e um a um, levaram a lata aos lábios enquanto caminhavam em fila indiana. Assim que a lata era passada de um para outro um sorriso no rosto de cada valente escoteiro aparecia, como se o caudaloso e precioso doce já tivesse restaurado a força de cada um. Quando o último jovem devolveu a lata a Deco, seus olhares se cruzaram e um sorriso de cumplicidade surgiu em seus lábios.

                   Léo havia se distanciado um pouco, passos firmes, olhar fixo na trilha. Com passadas apressadas Deco se emparelhou a ele, tomou suas mãos e olhando fixamente em seus olhos, nela deixou a lata do doce. Léo nem olhou para a lata, perplexo, fitou profundamente o leve sorriso no rosto do seu sub... Duas lágrimas saíram de seus olhos. Nenhuma palavra precisava ser dita. Ao mesmo tempo Cal, ao final da fileira, começou a puxar uma conhecida canção –”Avançam as patrulhas, ao longe, ao longe”... – e todos, a plenos pulmões seguiram seu exemplo. Leo, estarrecido, levou os três dedos a fronte e com os olhos marejados cumprimentou firmemente seu sub – “Sempre Alerta” – virou-se para sua patrulha, com o peito estufando de orgulho, sentindo a alegria com que entoavam aquela canção, o exemplo, à coragem o fez se orgulhar ainda mais do escotismo.


                    Pegou aquela lata de doce, limpou as bordas, embrulhou em um saco plástico e colocou na mochila da patrulha. COMPLETAMENTE CHEIA... Lembrou-se da sua lei escoteira que dizia – O escoteiro é alegre e sorri nas dificuldades – fechou a mochila, abriu um largo sorriso, agradeceu a Deus pelo escotismo e juntamente com sua patrulha, começou a cantar fortemente seu orgulho de ser escoteiro.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

O sonho não acabou.


Crônicas de um Chefe Escoteiro.
O sonho não acabou.

         - Sabe Chefe, acho que estou ficando cansado. São anos e anos com vocês. Tentei ao meu modo ser um bom Chefe e quer saber? Nem sei se fui. Acho que não sou exemplo perfeito do Chefe feliz, do Chefe motivado, do Chefe cheio de ideias e planos a desenvolver com a escoteirada. Veja o Heraldo, mais novo que eu, não só de idade e de escotismo. Nem bem “tirou” a Insígnia de Madeira e já foi chamado para cursos avançados. E eu? Chefe, não me pergunte por que ainda não “tirei”. Eu mesmo pensei muito sobre isto. - Sabe Chefe eu tenho é medo. Não ria Chefe, por favor, eu tenho mesmo muito medo. Medo de ser um Insígnia e ter de deixar a tropa. - Sei Chefe, não precisa repetir, eu só saio se quiser. Mas isto não acontece sempre? Chefe meu amigo, você tem metade da culpa por eu estar aqui até hoje. Afinal se não fosse você já teria ido embora há tempos.

           - Joe Delta olhou para o céu. Quem sabe uma oração resolveria? Ele fora na casa do Chefe Giacomo para dizer a ele que não ia mais voltar. Seu coração batia e pedir para ele não ir embora. Se fosse metade da sua vida acabaria. O escotismo foi para ele um sonho real. Sua vida mudou completamente e sua maneira de pensar. Amava aqueles meninos, daria a vida por eles se fosse preciso, mas tudo estava desmoronando. Sabia que uma lista de demissão no emprego estava sendo feita. Ele não era dos mais antigos e ainda solteiro. Sabia que seria um dos primeiros nomes a serem dispensados. E agora para atrapalhar tudo Heraldo com sua Insígnia passou a mandar em tudo. Julgava-se ser o mais capacitado e o Chefe Giacomo na sua simplicidade não dizia nada. Joe Delta nunca culparia o Heraldo pela sua saída. Não era de o seu feitio culpar ninguém. Para ele cada um era dono de si e devia resolver seus próprios problemas vendo seus erros e corrigindo.

              - Joe Delta olhou no fundo dos olhos azuis do Chefe Giacomo. Uma vida dedicada ao escotismo. Um dos primeiros e um dos fundadores do grupo. Quanto tempo? Quem sabe mais de quarenta anos. De uma simplicidade tão grande que nunca discutiu com ninguém. Um Chefe perfeito, educado, simples, alegre e nunca perdeu a calma. Mesmo agora com o Heraldo e sua Insígnia querer ser o maioral. Ele vivia dizendo que agora o grupo iria mudar, seria outro grupo. Ele sabia como fazer, Heraldo era daqueles que não media consequências e nem se importava com o coração dos outros. Ele precisava mostrar aos chefes distritais e regionais que era capaz. Precisava ser o responsável pelo grupo, se não nunca iria ser convidado para ser um deles. Ele sonhava com isto. Quando entrou no escotismo sempre fora um jovem contestador, mas obediente e disciplinado. Ambicionava sempre ser o Chefe de tudo. Nos seniores ele sorria, corria com eles para jornadas, acampamentos e a rapaziada o adorava. Foi assim que fora convidado pelos Grandes Chefes. Ele sabia que para ser alguém tinha de ficar do lado dos poderosos.

              - Heraldo ficou amigo do Mister Lou, um Chefe que praticamente mandava na região. Era Diretor de alguma coisa e participava dando cursos, pois conseguiu sua quarta conta e isto era só para os famosos. Heraldo olhava embevecido quando estava com ele. – Se Deus quiser vou ter as quatro também jurou a sí mesmo. Mister Lou não era um Chefe ruim. Até que era simpático e amigo de muitos chefes da região. Sabia participar sem ser o dono das ideias, mas no fundo era ele quem decidia. Ele sabia que no escotismo a disciplina era tanta que poderia ficar no poder por muitos e muitos anos e interessante é que ele sempre falava estar cansado e queria passar o bastão para frente. Heraldo fazia tudo que ele mandava. Sempre telefonando, passando e-mails e perguntando o que fazer na próxima jornada sênior. O dia chegou. Recebeu a IM e foi convidado para um avançado.

              O Chefe Giacomo não sabia que posição tomar. Não iria contra Joe Delta e nem tão pouco com o Heraldo. Ele mesmo também se sentia cansado e se Heraldo assumisse ele ia viver a vida de pescador que sempre quis. Ele sabia que amava aquele grupo, dera por ele uma vida. Mas ele sabia que sua hora havia chegado. Que Heraldo fizesse o que sonhava. Quem sabe isto seria bom para o grupo? Não foi Victor Hugo quem nos ensinou que a vida nos reserva surpresa? Uma atrás da outra. Na vida temos muitas surpresas, boas, ruins, inesperadas... Temos que estar preparados para reagir a cada uma delas. Chore, ria, faça careta, pule, dance, cante, corra, viva. Não tenha medo de Viver e ser feliz! Existem momentos na vida, que podem parecer bobos, que possam parecer comuns para você, mas um dia você pode olhar pra traz e dizer: esse foi o dia mais feliz de minha vida. "até agora". Por isso, aprecie cada momento na vida, como se fosse único, e especial, com uma pessoa especial. Não busque a felicidade muito longe, ela pode estar mais perto do que você imagina! Tente apenas ser feliz, faça o que der vontade, não se importe com o que os outros dizem sobre você, porem, tente não dizer nada sobre os outros. Não faça com o próximo o que não quer para si mesmo.

              Joe Delta foi chamado na Diretoria onde trabalhava. Uma surpresa enorme – Foi promovido a Gerente de Almoxarifado. Heraldo foi chamado pelo Gerente do Banco onde trabalhava. Foi dispensado sem nenhuma explicação. Procurou Mister Lou para que o ajudasse. Quem sabe ele poderia conversar com o Diretor do Banco? Ele sabia que se conheciam. Mister Lou disse que nada podia fazer. Seu plano foi por água abaixo. Joe Delta o procurou. Disse que tinha uma vaga para ele na fábrica com um bom salário. O Chefe Giacomo no Conselho de Chefes do grupo foi aclamado como o melhor Chefe do mundo. Entregaram a ele uma medalha gratidão ouro. Mesmo assim fez questão de passar o bastão para Joe Delta. Heraldo com os olhos cheios de lágrimas não sabia o que dizer. Disse para si que amigos são os que os rodeiam. Os distantes nem sempre podem fazer o que aquele que é seu vizinho pode fazer. Joe delta sabia que a Insígnia de Madeira tinha o antes e o depois. Sabia que precisa dela não para afirmação de poder, de ser melhor e sim de poder fazer aquilo que sempre sonhou. Ser um Chefe Escoteiro querido e amado por todos da tropa.


               Até hoje Chefe Giacomo quando não está pescando vai a o Grupo. Sempre com seu sorriso de irmão Escoteiro. Heraldo aprendeu uma lição. A ambição tem limites e ela não pode prejudicar aqueles que o amam. Heraldo viu que quando precisou foram os do grupo que o socorreram. Os Grandes Chefes nada fizeram por ele. Seu sonho de formador, de líder distrital morreu. Hoje ele anda sorrindo e cantando pelas montanhas, pelos vales, pelos campos com seus sêniores e guias. Dizem que casou com uma pioneira e já tem um casal de filhos. Joe Delta foi chamado à região e queriam fazer dele um assessor regional. Agradeceu e agora com sua Insígnia no pescoço faz questão que para ele não ouve e nunca haverá o antes e depois da IM. Alegre por ser mais um de Giwell mas nada diferente quando ainda não era. Viver e deixar viver. Um dia de cada vez para não perder as surpresas da vida.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Quebra Coco. O último desafio!


Hora de dormir, cedo anda, mas o Velho escoteiro precisa. Deixando aqui uma gostosa lembrança de uma canção do passado.
Quebra Coco. O último desafio!

                 Acho que o tempo apagou estas lembranças incríveis. Quase não vejo ninguém cantando ou falando neste desafio incrível. Devem ser os novos tempos. Novas músicas. Novas canções e quem se anima a cantar as antigas? Elas devem ter ficado lá ao longe em um passado distante. Nem todos irão lembrar-se como foi e acho que poucos participaram do Quebra Coco na sua simplicidade de um bom desafio. E meu Deus! Como era gostoso cantar e ver os desafiantes, com suas cabeças pensantes, a meditar o que iam dizer. Eu mesmo posso dizer que tentei quando cresci manter a chama do Quebra Coco como o conheci. Acho que não fui feliz. Os jovens não se interessavam mais. Tudo foi mudando, novas ideias novos Fogos de Conselho. Quem diria que naquela época teríamos um animador de fogo? Nunca! Animador? Nem pensar.

               Para dizer a verdade acho que foi quando fiz um ano de lobo que ouvi pela primeira vez o Quebra Coco. Estávamos acampados na Vertente do Vale Feliz. Lobos acampando? Risos. Claro, era comum. E porque não? Era mais divertido. Lembro-me do Miúdo (era nosso Balu, nunca fiquei sabendo seu nome real) e do Munir Boca Grande (nossa Bagheera) a fazer os almoços e jantas e que manjar! Eles eram bons e todos nós em volta ajudando, buscando água, lenha, cantando e contando “pataquadas”. Bons tempos. Já tinha participado de dois Fogos de Conselho. Não sabia como era o Quebra Coco. Foi o Akelá Laudelino Pé de Chumbo quem explicou. Tratava-se de um desafio entre escoteiros. A tropa antes de encerrar o Fogo de Conselho fazia o desafio. No começo todos participavam, mas depois de algum tempo ficavam dois ou três. Os demais não eram bons repentistas.  

              Na tropa era minha diversão favorita nos Fogos de Conselho. Desenvolvi uma facilidade grande em criar versos. Nada dos conhecidos. Isto era para Patas Tenras. Poucos tinham a “audácia” de me desafiar. Já começava cantando assim – “Meus amigos, escutem bem, hoje estou um pouco rouco, mas é bom ficar sabendo, sou o campeão do Quebra Coco” e daí em diante não parava mais. Mas tudo mudou, pois quebraram meu orgulho de cantador. Fui humilhado por um matuto de uma pequena cidade do fim do mundo. Fomos acampar em Serra Vermelha com uma Tropa da cidade de Rio Grande e foi um desastre. Todos da tropa perguntavam se nós tínhamos bons “cantadores” do Quebra Coco. Apontavam-me e eu ficava todo orgulhoso. Não falaram nada do Mandinho. Um Escoteiro magrelo, desengonçado e achei até que ele era gago. Quando chegou a hora e ele em pé aceitou meu desafio, sorri de leve. “Este estava no papo”.

               Deus do céu! Onze horas, meia noite e o danado lá aceitando todos meus versos e devolvendo em dobro! O Chefe disse que quem quisesse podia ir para as barracas, mas ninguém arredou o pé. Minha cabeça fervilhava, a busca de versos era medonha. Mais de quatro horas e o danado do Mandinho ali com um sorriso simples, sem afetação me colocando no chinelo! – Entreguei os pontos. Fui lá do outro lado à fogueira cumprimentá-lo. Parabéns Mandinho. Perdi mas estou orgulhoso de você! Quase desisti para sempre do Quebra Coco. Mas uma coisa sempre tive em mente, ganhar é bom, mas saber perder é uma arte. Isto sempre nosso Chefe Jessé dizia.

               Os tempos foram mudando. Participei de muitos Fogos de Conselho. O Quebra Coco se tornou saudades de um tempo que já se foi. Outras canções trazidas pelos novos chefes, e ele, o meu amado Quebra Coco ficou na história de um livro que não foi escrito. Quebra Coco, Quebra Coco, na ladeira do Piá, Escoteiro Quebra Coco e depois vai trabalhar! Até hoje eu canto com boas lembranças. Se que a origem é nordestina. Deve ter começado com os repentes esses maravilhosos cantadores que encantam até hoje os que apreciam a música nordestina.

             Parei de escrever. Fui para minha varandinha querida. Meu recanto. Onde penso e faço minhas histórias. Sentei na minha cadeira rústica e olhei pela fresta do portão e vi a meninada jogando bola. Uma rua íngreme. Poucos carros. Cada um se diverte como gosta. Cantava baixinho o Quebra Coco. Saudades vem e vão e eu "Velho" Escoteiro vou lembrando como posso dos meus tempos de criança. Quebra Coco, O meu Chapéu tem Três Bicos, A Árvore da Montanha e tantas outras. Onde está meu violão? Acho que as cordas arrebentaram. Preciso comprar novas e ficar na minha varandinha a cantar. Fazer a melodia brotar de novo pelo som do meu violão. Quebra Coco, Quebra Coco, na ladeira do Piá...


Boa noite meus amigos e amigas. Hoje o corpo do Velho Escoteiro está meio “perrengue”. Vou dormir e desejo a vocês uma linda semana! 

domingo, 13 de julho de 2014

As peripécias de Dick Tracy, um Comissário Distrital.


Conversa ao pé do fogo.
As peripécias de Dick Tracy, um Comissário Distrital.

                 Seu nome mesmo era Tarcísio da Anunciação Silva. Não que ele não gostasse do nome, nada disso. Até orgulhava. Quando Sênior descobriu pegadas na sede, investigou e achou um enorme gato que fazia seu dormitório no almoxarifado. Alguém o chamou de Dick Tracy o famoso detetive dos quadrinhos e o apelido pegou. Não continuou no Grupo Escoteiro. Precisava trabalhar e estudar. Queria se formar em medicina, mas nada deu certo e ele mal terminou um curso técnico de Ciências Contábeis. Era esforçado e logo varias empresas se interessaram. Em pouco tempo ficou conhecido e logo se casou. O escotismo ficou como uma boa lembrança. Afinal foram sete anos e ele não podia esquecer. Seus filhos não se interessaram ou quem sabe foi sua culpa em não motivá-los. Trabalhando muito, domingo e feriado não tinha mais nada para pensar. Com quarenta e sete anos já era avó. Renatinho era seu xodó. Fazia tudo por ele.

               Quando Renatinho fez seis anos viu os lobinhos em uma praça e pediu para participar. Seu filho trabalhava com ele e já poderia tomar conta de tudo sem sombra de dúvida. Ele o levou a um Grupo Escoteiro. Ficou admirado em rever aquela alegria, aquela vivacidade e o corre, corre dos jovens no pátio. Lembrou-se do seu tempo. Ofereceu para ajudar. Em um ano já era o Diretor Técnico. Convidaram-no para ser o Distrital da área. Cargo vago. Pensou muito antes de aceitar. Desde sua volta que sentiu em muitos dos escotistas que conheceu a falta de um verdadeiro espírito escoteiro. Já não era como antes. Onde o sorriso era a tônica da amizade. Ele conhecia os fascículos do Delta. Uma espécie de comissário distrital em um condado inglês. Achava interessante como atuava seus conselhos e orientações e aquilo sim ele achava que era um bom escotismo. Quem sabe poderia fazer o mesmo?

             Aceitou. Seis meses depois tinha se arrependido de ter aceitado. Não era como pensava. Se quisesse continuar teria que montar uma estrutura empresarial para dar conta do recado. No inicio pagou as despesas do próprio bolso, mas depois não dava mais. Era um tal de assinar papeis checar diferenças entre chefes, correr para analisar discussões inúteis e quando pensava estar dando certo era chamada a região para se explicar. Houve o caso do Malvino. Foi preso por embriaguez. Um Chefe Escoteiro! Ainda bem que foi de madrugada e ele estava nas baladas da vida. Dick Tracy tinha em seu pensamento que o escotismo seria amor, alegria, respeito, sem uma hierarquia disciplinar imposta, exigente, mas sim fraterna. E o caso dos meninos e meninas expulso ou suspensos? Um trabalhão para resolver.

            Como nos livros do Delta ele era procurado ou então fazia visita aos grupos, motivava, cumprimentava, ia a aniversários, ensinava o caminho certo para desenvolver a tropa a Alcatéia e os problemas? Simplíssimos! Uma vez ou outra comparecia a um acampamento ou acantonamento não com o intuito de criticar ou fiscalizar, mas sim para parabenizar, para dizer ao Chefe que ele estava no caminho certo. Mas não era bem isto. Sua Região queria ser uma empresa, mas era imatura e nada profissional. Podia-se dizer um bando de amadores querendo ser o que não eram. Como já tinha amizades com os quatro grupos que compunham seu distrito resolveu continuar. Não iria dar satisfações para desavenças e picuinhas e se aparecessem ele seria bem franco com o Chefe.

            A sua maneira fez amizades. Visitava os chefes em suas casas, telefonava e isto lhe tomando muito tempo, mas ele achava que tinha de retribuir. Pediu para lhe trazerem os processos a noite em sua casa ele assinava, e cada Chefe enviava a região. Um dia soube de uma reunião em que ele não foi convidado. Se não o queriam tudo bem. Depois soube dos amigos que foram lá que o Chefe Zózimo queria o apoio de todos para destituí-lo. Iriam fazer um abaixo assinado e enviar a região. Ela que tomasse as providencias. Claro que o Zózimo se ofereceu a ficar no lugar dele se saísse. Ele não gostou. Mandou chamar o Zózimo. Abriu o jogo. Zózimo também. Ele o suspendeu por trinta dias e ia levar o caso à região.

             Não foi preciso. Foi chamado a região. Chamado não intimado. Deram prazo de vinte e quatro horas para ele ir até lá. Não foi. Juntou todos os certificados e alguns papéis que guardou e em um envelope o enviou a região. Escreveu uma pequena cartinha. Não gostava de e-mails. Achava frio demais. Nela disse que agradecia a confiança nele depositada. Que o cargo dele estava à disposição. Que tomassem as providencias necessárias. Não iria lá, achava que a maneira do convite foi impositiva, ele não era empregado da região e sim um colaborador. Completou dizendo que “O Escotismo é quem precisa de mim e não o contrário”.

              Dick Tracy deixou o escotismo. Não era como no passado quando ele era Escoteiro e Sênior e os valores eram outros. Pensou em ajudar, em colaborar, em fazer tudo para motivar os adultos que estivessem com ele. Muitos aceitaram, mas o ciúme, a inveja e a falta de espírito Escoteiro o levaram a desistir. Não era e nunca foi homem de desistir. Sabia brigar se preciso, mas ele sabia que na cúpula tinha muitos escotistas de qualidade, no entanto, não sabia até onde iria à lealdade e a honestidade de todos. Se aceitavam “futricas” se não sabiam ser homens ou verdadeiros escoteiros de caráter e ética ali não era seu lugar. Dick Tracy não deixou o grupo do seu neto a Deus dará. Ia lá sempre. Quando precisavam de uma ajuda, de uma documentação ele se permitia a oferecer. Alí pelo menos ele era bem quisto.


             Eu conheci Dick Tracy. Um dia encontrei com ele e como um verdadeiro Escoteiro não ficou reclamando. Não disse mal de ninguém. Só me deu um abraço e me disse ao pé do ouvido: Baden Powell trouxe ao mundo a maior organização de jovens que se pensou em todos os tempos. Saiba Chefe que ser Escoteiro é um orgulho para todos que um dia passaram em suas fileiras, estejam eles agora presentes ou não. Grande Dick Tracy. Ainda bem que existem por aí vários como ele. São aqueles que o escotismo deve muito, mas que os dirigentes não reconhecem. Se ainda tem muitos lutando na frente de batalha, um dia a guerra do amor será vencida. Dick Tracy. Um Comissário Distrital que se o Delta o tivesse conhecido iria o abraçar e se orgulhar!         

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Coletor um saudoso Escoteiro e seu violão mágico.


Lendas Escoteiras.
Coletor um saudoso Escoteiro e seu violão mágico.
        
              Eu me lembrei dele hoje. Não sei por quê. Afinal era cedo, o calor se fazia presente e havia dias que não cantava nada. Ou melhor, quase não canto mais, pois a tosse não deixa. Se não me engano, pois minha memória não anda boa nos o chamávamos de Coletor. Porque este apelido eu não sei afinal Coletor lembra os templos bíblicos onde os Coletores de Impostos eram odiados. Alguém um dia me disse sorrindo que o imposto é a arte de pelar o ganso fazendo-o gritar o menos possível e obtendo a maior quantidade de penas. Risos. Ninguém gosta de pagar impostos. Seu nome verdadeiro era Cristófamo. Nome que eu nunca tinha ouvido falar e nunca perguntei a ele porque o batizaram com este nome infernal. Melhor mesmo chamá-lo de Coletor.

           O moço era um craque no violão. Como tocava. Era ele aparecer e uma grande roda se fazia. Não tinha uma bela voz, mas não precisava. Seus dedos deixavam a todos embasbacados. Coletor era um homenzarrão. Grande mesmo. O violão nos seus braços se tornava parte do seu corpo. Parecia que o violão gostava dele, pois se olhasse bem o violão estava sempre sorrindo, embalado por aqueles dedos especiais. Ele entrou para nossa patrulha entrando nos seu quatorze anos. Logo se tornou um de nós pela sua simpatia e esforço. Coletor era negro e forte como um touro. Naquela época acredito que tinha mais de um metro de oitenta. Não sabíamos de suas qualidades e seu domínio com um violão. Perguntou-me se podia levar seu violão nos acampamentos. – Claro, eu disse. Mas só pode tocar nos tempos livres. Ele enrugou a testa e perguntou – O que é tempo livre? – Eu ri dele, pois sabia que no campo nosso tempo livre era para trabalhar.

              Qual não foi nossa surpresa quando a noite na Conversa ao Pé do fogo que sempre fazíamos todas as noites ele pegou o violão e começou a dedilhar. Naquela época o bom violonista tocava sempre com maestria o Luar do Sertão, As Rosas não Falam, Prece ao vento, Para dizer adeus, Chão de estrelas e tantas outras. Deitados em volta da pequena fogueira e olhando para o céu estrelado esquecíamo-nos de tudo. Quando Coletor aprendeu as músicas escoteiras foi um sucesso. A escoteirada vivia em sua casa. Ele nunca disse não. Tocava com alegria de saber que os ouvintes apreciavam sua técnica. Afinal quem não gosta de ouvir lindas músicas escoteiras? Ou quando ele tocava as suas prediletas? Eu sonhava o dia que ele pudesse gravar em um disco de vinil aquelas músicas que só seu violão tocava como se estivesse cantando. Já tinha em minha casa o disco do Trio Irakitan que tantas alegrias me trouxe, mas achei que Coletor era melhor no violão.

             Em Conselheiro Pena fizemos um acampamento de grupos, uma época que não tínhamos distritos, mas uma grande amizade entre todos. Eram quatro Grupos Escoteiros. Na primeira noite, no nosso campo de patrulha as outras ouviram o dedilhar do violão do Coletor. – Dá licença? E assim foram chegando e sua fama se espalhando. No fogo de conselho foi ovacionado de tal maneira que no debandar ninguém debandou. Ficaram lá ouvindo as maravilhosas músicas de Coletor.

               Eu só conhecia sua mãe. Ele nunca falou de seu pai. Perguntei ao Farolete, um sênior vizinho dele e pelo seu olhar vi que não iria contar nada. Só fiquei sabendo no dia seguinte da tragédia. Seu pai um bandido famoso veio visitar o filho e a esposa. A Polícia de Captura estava de campana e uma saraiva de tiros se abateu sobre a casa de Coletor. Morreram todos. Nunca se cobrou nada das autoridades, uma época que a Policia de Captura não dava satisfações a ninguém. O enterro do Coletor e sua família foi a noite. Para evitar palavrórios contrários decidiram que ninguém poderia participar. Ficamos de longe com olhos cheio d’água e chorando de fazer dó. Só espiando no alto de algumas árvores próximas ao cemitério. Durante uma semana dois policias ficaram de guarda na porta do cemitério. Ninguém podia visitar o local onde foram enterrados.

              Uma semana depois tiraram a guarda e eu corri até lá. Não só eu, mas a maioria dos jovens do Grupo Escoteiro. Era uma sepultura comum, só terra em cima e nem uma cruz havia. Não foi preciso de Conselho de Patrulha e nem Corte de Honra. Fizemos nosso trabalho. Com a ajuda do Mausoléu, um coveiro amigo nosso demos a ele e sua família uma bela sepultura. Era o local mais florido daquela morada onde todos diziam que quem estava lá não poderia voltar. Muitos Escoteiros e eu também juramos de pé junto que nas noites de lua cheia Coletor tocava. E como tocava. O campo santo começou a encher de ouvintes. Milhares e milhares acorriam. Eu mesmo ouvi o som do seu violão tocando o Canto da Promessa, da Despedida, do Fogo de Conselho e muitos outros. Nesta hora ninguém chorava e sim dávamos as mãos e fechávamos os olhos para sentir mais a presença do Coletor.


               Um dia a necrópole se silenciou. Os sons do violão do Coletor emudeceu. Alguém disse que ele foi para o céu. Nossa patrulha mesmo assim não desistiu. Todas as noites fazíamos questão de arrumar as flores, limpar seu jazigo e na hora de ir embora dávamos as mãos em volta de sua morada e rezávamos baixinho um Pai Nosso pensando que ele, nosso amigo Coletor estava conosco nesta hora. Dizem que a vida não tem começo e nem fim. Os maiores poetas já diziam também que viver é uma maneira de sentir o mundo em um minuto e morrer é viver para sempre. Nunca mais voltei a minha cidade. Pelas correspondências o ex-Escoteiros da nossa patrulha que ficaram lá sempre diziam que o jazigo continuava limpo. Um deles me escreveu que nasceu sem ninguém plantar um enorme jequitibá. Outro dizia que muitos viram Coletor tocando seu violão em um galho do enorme Jequitibá. São coisas de cidade pequena. As histórias contadas sempre aumentadas, mas que nos fazem sentir que a felicidade existe nas lembranças para sempre!

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Entre o céu e a terra existe um Escoteiro feliz.


Lendas Escoteiras.
Entre o céu e a terra existe um Escoteiro feliz.

                  Um silêncio sepulcral na sala de aula. Se entrasse uma mosca pela janela seria como o barulho de um avião levantando voo. Dona Nena de olhos semi-serrados em sua mesa lia um livro comum. Os meninos e meninas calados fazendo uma redação. “Como evitar Escorpiões”. Ela tinha dado uma aula sobre o tema. De vez em quando passava os olhos pela sala. Uma austeridade que era reconhecida em toda cidade. Seus ex-alunos tremiam quando encontravam com ela. Um grito estridente assustou todo mundo – Escorpiões na sala. Corram! Uma correria e uma gritaria sem fim. Dona Nena também assustou. Viu que a sala esvaziou em segundos. Olhou de novo. Só Ruanito sentado, compenetrado fazendo a redação. Dona Nena o pegou pelas orelhas e o levou ao Diretor. Não era a primeira vez.

                 Aniversário da cidade. Na praça um enorme palanque. Várias festividades programadas. O Prefeito Paredes discursando. Ao seu lado Dona Eufrásia sua esposa. Muitas autoridades juntos. O povo em pé na praça. Alguém gritou alto! – Uma cobra! Uma cobra! É uma cascavel! Ela atravessava o palanque devagar rumo às escadas. Um reboliço. O delegado Marcondes esvaziou seu revolver na cobra. Pá, pá e pá! Ela não parou. Gente gritando, caindo, o palanque quebrando. Dona Eufrásia caiu sobre a multidão. Seu vestido novo subiu até as orelhas. O Povo viu tudo. Ela adorava azul com bolinhas amarelas. A multidão dá praça correndo pela Avenida Tiradentes. A praça vazia. Muitos de pernas e braços quebrados foram para o pronto socorro. Só o Zé Bedeu um bêbado ria sem parar e gritava: “Viva Ruanito, o único gente boa da cidade!”. Sentado no banco da Praça Ruanito olhava sério para tudo aquilo. Na sua mão a linha de pesca que usou para puxar a cobra morta.

              Todos sabiam que onde havia estripulias tinha a mão de Ruanito. Seu pai já fora intimado várias vezes na delegacia. Alfredão adorava o filho. Sua mulher fora internada na casa de repouso Santo Angelo há muitos anos. Diziam que ela era louca. Ele não achava. Ela só gostava de se divertir. A cidade não tinha ninguém capaz de ajudar seu filho. Naquela época falar em psiquiatras ou analistas seria um palavrão. Chefe Cleyde era assistente de Tropa. Sempre soube de Ruanito. Tinha pena dele. Um dia tentou com todos os chefes do grupo a aceitá-lo. Ninguém quis. Convenceu o Chefe Manollo a dar uma oportunidade ao menino. – Ele quer se um de nós? – Não sei disse – Se ele quiser vamos tentar por seis meses.  Ela foi a sua casa. O pai de Ruanito gostou da ideia. Ele não disse nem sim e nem não. Olhou indiferente para a Chefe Cleyde.

               Quando foi apresentado à tropa todos se assustaram. Já conheciam sua fama. Romerito era o Monitor mais antigo. Dá Patrulha Peixe Boi. Com quinze anos ainda não tinha ido para os seniores. A pedido do Chefe Manollo ficou até os dezesseis. Era considerado o guia da tropa.  Ficou responsável por Ruanito. Ele o pegou pela mão e o levou até um grande abacateiro que dava sombra no pátio onde se reuniam. – Está vendo aquela formiga? Ela está a “Escoteira” significa aquela que anda só. Você vai ficar aqui e observar quando ela encontrar uma folha e levar para sua morada. Marque o tempo e quantas vezes ela deixa cair à folha! Ruanito olhou para Romerito, olhou para a formiga e não disse nada. Sentou na grama de olho na formiga. A reunião terminou às seis e meia da tarde. Ruanito sentado. Romerito o viu quando ia saindo. Romerito foi embora. O deixou lá. Nem até logo disse. A sede vazia. Ruanito firme sentado no pé do abacateiro.

              Às duas da manhã alguém bateu na porta da casa de Romerito. Ele com sono levantou-se e ao abrir a porta viu Ruanito todo molhado. Chovia a mais de quatro horas. O mandou entrar. Foram para a cozinha onde preparou um café forte.  – “Foram doze horas, vinte e quatro minutos e trinta segundos”. A folha caiu vinte e três vezes e vinte e três vezes a formiga repetia fazendo tudo de novo. Sempre com uma nova tentativa. Pensei em ajudá-la. Mas será que serviria para ela aprender como deveria fazer? Quando ela conseguiu entrou em um buraquinho no tronco do abacateiro não apareceu mais. Romerito olhou para Ruanito. Não disse nada. Pegou dois guarda chuva e o levou até sua casa. Seu pai dormia sono solto.

             No sábado seguinte pela primeira vez Ruanito foi apresentado a Patrulha. Romerito perguntou: - Algum de vocês conseguiram seguir a formiga do abacateiro? Cada um olhou para o outro e não disseram nada. Uma prova muito difícil. Apertem a mão de Ruanito. Ele conseguiu! Os escoteiros olharam espantados. Três meses depois Ruanito fez a promessa. A tropa feliz. Muitos seniores e chefes preocupados. Chefe Cleyde acreditava na mudança. Chefe Manollo era outro que sorria. A cidade se assustou quando viu Ruanito de Uniforme andando garboso pela Avenida Tiradentes. O delegado tirou o boné da cabeça. O Prefeito veio à janela da prefeitura para vê-lo. Zé Bedeu na sua bebedeira dava risadas e gritava: - Viva Ruanito, o maior Escoteiro do Brasil!


           E assim termina a história. Aquela cidade passou a ser uma feliz morada da felicidade. Ela ficava bem ali, bem próxima entre a terra e o céu!   

sábado, 5 de julho de 2014

Marie, a escoteira que sempre aceitou desafio. (esta é uma história de ficção, nada mais que isto).


Lendas escoteiras.
Marie, a escoteira que sempre aceitou desafio.
(esta é uma história de ficção, nada mais que isto).

          A história de Marie sempre me fez lembrar o ensaio escrito por Elbert Hubbard no seu celebre conto que ficou conhecido no mundo inteiro como a “Mensagem a Garcia”. Muitos explicam a sua maneira o que ele quis dizer, mas eu sempre penso que todos nós Escoteiros deveríamos ter também um pouco do teor desta mensagem. Hubbard disse que ele o homem chave da história deveria ser imortalizado em bronze e a sua estátua erigida em todos os colégios da terra. Uma história para lideres que não perguntam onde é o acampamento, não tem dificuldades para chegar lá seja onde for. Quando você menos assusta ele bate a sua porta. É uma história conhecida, mas faço um pequeno resumo, pois a história toda é bem maior. O ensaio relata a história de "um camarada de nome Rowan" que heroicamente, contra todas as adversidades, entregou uma mensagem do presidente estadunidense McKinley ao general Calixto Garcia Íñiguez, líder das forças rebeldes cubanas durante a Guerra Hispano-Americana. Em síntese a história ficou famosa porque Rowan diferente de todos os outros não perguntou ao Presidente quem era Garcia, onde ele estava e como chegaria lá. Pegou a mensagem, colocou em seu bornal e partiu. Dias depois a mensagem foi entregue apesar de todas as adversidades.

           Marie a escoteira não ficou famosa só por isto. Acho que poucos ficaram sabendo dela. Mas desde que nasceu mostrou uma extraordinária força de vontade. Aos cinco anos lia perfeitamente. Conversava qualquer assunto e seu lugar preferido era a biblioteca da cidade. Aos sete entrou para os lobinhos. Gostou tanto que nunca mais saiu do movimento Escoteiro. Sua fama de líder iniciou quando uma forte Tromba D’água caiu sobre a cidade. Muitos desaparecidos e muitos desabrigados. O prefeito não sabia o que fazer as autoridades só reclamavam da falta de verbas estaduais e federais. Marie com seus onze anos reuniu sua patrulha. As outras a seguiram. Lobo é com vocês conseguirem comida para todos. Morcegos põe a cuca para funcionar. Leve quantos for possível para a Escola Estadual. E assim as patrulhas começaram a trabalhar. Marie não parava. Estava em todo lugar. O prefeito vendo seu trabalho correu a ficar do lado dela. Ela riu e deu uma enxada para o prefeito. Excelência! Ela disse, comece limpando a lama que entrou na casa do senhor Amadeus.

            O prefeito não gostou. Seus auxiliares corriam dela. Ela soube das verbas estaduais e federais. Cobrava de cada um e não aceitava promessa. Nunca faltou a uma reunião escoteira. Quando descobriu que os que perderam suas casas no Bairro Jardim das Flores não tiveram nenhuma colaboração financeira mandou um e-mail para o Ministro das Cidades. Não recebeu resposta. Combinou com todos do grupo e amigos do colégio para enviar e-mails, pelo menos quatro por dia. O ministro respondeu que a verba estava com o prefeito. Ela botou a boca no trombone. O prefeito nada. Fez um cartaz e saiu pela rua gritando onde estava à verba dos sem casa! Em pouco tempo tinha uma multidão com ela. Ela deu queixa na delegacia e o delegado não queria aceitar a ocorrência. Ligou para a Polícia Federal e não foi bem tratada. Marie desistir? Nunca. Escreveu diretamente para a Presidente. Se foi ela ou não a responsável, o certo é que as casas começaram a ser construídas.

            Todos que a conheciam sabiam que quando crescesse ela poderia ser Presidente. Tinha jeito para tudo. Sabia reclamar, mas sabia elogiar e sempre dizia – Vamos fazer juntos. Interessante que Marie nunca aceitou ser prima, monitora nos Escoteiros e nas Guias. Ajudava em tudo. O grupo sabia o que ela fez. No comercio conseguiu todo material de campo para todas as patrulhas. Quando acampavam os mantimentos ela conseguia. Como guia participou de uma Aventura Sênior. As atividades não foram ruins apesar de que as patrulhas nunca foram acionadas. Mais na base do eu sozinho e você meu amigo. Dois fatos ficaram conhecidos. Um Chefe novo deu nela uma cantada. Ela o pegou pela mão e o levou a presença da equipe dirigente – Agora repita o que me disse Chefe! O moço envermelhou, gaguejou e pediu desculpas. Exigiu uma reunião com a equipe dirigente. Falou sobre palavrões, a falta de espírito Escoteiro, namoros escondidos e a indisciplina de alguns (não de todos). Queria uma providencia. O Alto Falante do campo alertou a todos sobre o que ela pediu. Não resolveu, mas diminuiu. Ela dizia sempre que vestir o uniforme é fácil, mas mostrar o espírito Escoteiro aí à “porca torce o rabo”.

           Marie fez dezoito anos e não quis ser pioneira. Preferiu participar da chefia. Inscreveu-se em todos os cursos. Sua fama de líder e direta nas palavras já era do conhecimento dos dirigentes. Isto atrapalhava Marie, ela queria ter uma vida simples, conhecer alguém, namorar e quem sabe casar e ter filhos. Sonhava em ter um casal. Na cidade todos os partidos a procuravam. Ofereciam tudo. Nunca aceitou. Ela gostava do Giovani que nunca olhou para ela. Ele como todos os rapazes da cidade achavam-na metida, dona de todas as ideias e não gostavam de sua liderança. Homens são sempre assim. Nunca querem ser mandados. Acham que são eles os donos das ideias. Marie sabia que nem todos. Marie tinha 23 anos quando vários homens a espancaram. Quase morreu. Perdeu o olho direito. O delegado tinha uma rixa com ela, pois ela interferia em tudo por isto os culpados nunca foram encontrados. Nunca não, Marie fez questão de colocar na rádio e no jornal da cidade o nome de cada um. Muitos filhinhos de papai. Tiveram que abandonar a cidade para sempre.
         O Grupo Escoteiro onde Marie atuava crescia assustadoramente. Ela pediu a direção regional para ajudá-la a organizar outros grupos. Nunca deram bola para ela. Acho que não gostavam dela. Pessoas com liderança se não souberem se conter em alguns casos ficam antipatizadas. O coração de Marie não ligava para os invejosos, egoístas e os falsos que lhe dirigiam palavras só para agradar. Marie estudou. Fez direito, Abriu um pequeno escritório de Advocacia. Tornou-se uma advogada respeitável. Sua fama de honesta e sincera correu mundo. Aos 48 anos ainda participava do escotismo. Foi convidada diversas vezes para diversos Talk show. Marie era diferente de muitos que quando adquirem status profissional esquecem-se do escotismo, dos seus amigos. No seu país Marie fez tudo para que o escotismo fosse reconhecido. Nunca participou de eventos escoteiros nacionais tais como Assembleias, Congressos, Atividades nacionais onde só adultos participavam. Ela conhecia o esquema. Tudo era carta marcada apesar de muitos jurarem que não. Ela não gostava disto.
        Nunca foi agraciada com nenhuma medalha escoteira. Recebeu sim diversas condecorações de outros países. Uma vez a inscreveram para o Premio Nobel. Todas admiravam sua performance de ajuda ao proximo sem nunca desistir do resultado. Sua fama correu mundo. A própria liderança escoteira mundial a convidou diversas vezes para seus congressos. Sempre recusou. Muitas organizações reconheciam nela uma líder que nunca sabia dizer não. Quando ela completou 56 anos seu nome foi cogitado para Ministra do Supremo Tribunal Federal. Morreu dois anos depois vítima de um câncer no seio. Nunca ligou para si. Acho que pensava que os outros vinham em primeiro lugar. Suas exéquias foram comentadas na imprensa escrita e televisada mais por aqueles que lá foram para aparecer. Muitos políticos e empresários famosos que sabiam onde deviam estar para seu marketing pessoal. Disseram que foram prestar sua última homenagem a uma mulher de fibra. Ao lado do seu esquife estava a Patrulha lobo. Não faltou ninguém. Alguns fizeram um novo uniforme, pois o anterior não servia. O mundo girou muitas vezes depois que Marie se foi. Marie nunca mais foi lembrada pela imprensa. Ela tinha o escotismo em seu coração e até o ultimo momento fez dele sua filosofia de vida.

Sempre Alerta Marie, que seu exemplo seja seguido por todos Escoteiros e Escoteiras do mundo!