No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras

No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras
A aventura está apenas começando

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Em algum lugar do passado. A Canção da Despedida.



Lendas Escoteiras.
Em algum lugar do passado. A Canção da Despedida.

                                Porque não? Quem não gosta de lembrar-se do passado? Colocar a mente em uma máquina impossível e dizer, vamos lá, vamos ver o que aconteceu. Você sabe, é um abençoado por Deus por ter entrado neste maravilhoso movimento de jovens. Claro, sabemos que seu amor é grande por ele. Quantas coisas boas ele te proporcionou. E a fraternidade? Grandiosa. Amigos sinceros, irmãos escoteiros.       
             
                       Lembra-se do seu primeiro acampamento? Quanto tempo eim? Inicio da década de cinquenta, Novo na patrulha, onze anos, lobinho de coração. Estranho no ninho. Medo, receio. Uma nova etapa. Sem sua Aquelá e o Balú para lhe proteger. Lágrimas brotaram quando fez a passagem. Aos poucos foi acostumando. Lembra-se do Ângelo o Monitor? Grande companheiro. Até quando casou lá estava ele ao seu lado como padrinho. Algumas excursões, mas nada como este acampamento. Seis dias. Mata fechada. Selva inóspita, Pânico no primeiro dia. Depois, barracas montadas, cozinha coberta, fogão suspenso, sala de refeições, fossas, Até WC vocês fizeram. Quando a noite chegava, você estava em pandarecos. Mas orgulhoso. Era mais um deles. Dizia para si: - Ajudei, colaborei e dormia o sono dos justos. Só acordava com alguém o chamando ou puxando seu pé. E de novo, vivendo com seus amigos, fazendo, construindo, aprendendo, brincando, aventuras maravilhosas. Escaladas (você tremia) balsas, pistas de animais, mosquitos, predadores, escorpiões, cobras (que medo!), colher goiabas, mangas, abacate, nas mais altas árvores.

                            Quinto dia. Você orgulhoso daquela patrulha, irmão das demais. Amigos fraternos, uma chefia maravilhosa. Então a surpresa. Um Fogo de Conselho só da tropa. Senhor! Olhe, ficou marcado para sempre. Você ria, cantava, batias palmas, pulava, corria, e então... E então... Todos deram as mãos em volta do fogo e começaram a cantar. A princípio você não conhecia a letra, aos poucos foi entendo. Meu Deus! Que musica maravilhosa! Tocou-lhe fundo no coração. Impossível aguentar a emoção. A primeira emoção. Onze anos e chorando. Lágrimas descendo no seu rosto. Mãos entrelaçadas, apertando uma as outras. Parou a canção. Final, fogueira crepitando, estrelas no céu. Vento frio, brisa no rosto, cheiro da terra, do capim meloso, grilo saltitando, vagalumes aqui e ali querendo mostrar seu brilho. Silencio. Lagrimas caindo, uns olhando para os outros, tentando disfarçar. Trombeta tocando. Reunir! Boa noite, Corte de Honra, oração. Você foi para a barraca com um sorriso enorme! Deitado colocou as mãos debaixo da cabeça, olhava para o teto da barraca, ele desaparecia. Agora via estrelas piscando no céu. Você chorava. De alegria, de saber que tinha encontrado amigos, irmãos e que agora pertencia a uma grande Fraternidade Escoteira. Agora você era um deles, um escoteiro, um privilégio de poucos!

                              E você foi crescendo. Adulto. Agora era chefe, Dirigindo cursos, Acampamentos Nacionais, regionais, internacionais viagens, indabas, fóruns, congressos nacionais e internacionais. Conhecendo centenas e milhares de irmãos escoteiros. E em todos eles lá estavam os chorões dos fogos de conselho. Choravam quando se despediam alguns querendo ser durões, mas sempre uma pequena lágrima caindo, descendo devagar pelo rosto... Sempre cantando que não iriam perder a esperança de tornarem a se ver... Porque não era mais que um até logo, não é era mais que um breve adeus...

                 Lembra-se daquele Fogo de Conselho? No México, 1963? Convite para participar de uma festividade de grupo, feito pelo seu grande amigo, escotista de coração enorme, amizade de encontros internacionais, Jamborees. Um amigo de verdade. Claro vocês sabem que pertencem à fraternidade mundial. Seu nome? Sei que não esqueceu. Juarez Benito Santos. Da cidade de Hermosillo, capital do estado de Sonora. 50 anos de fundação do Grupo Escoteiro. Vários outros grupos irmãos. Achou que dava para enrolar no idioma deles? Que nada. Um paspalho você era para entender o que diziam. Mas que disse que em acampamentos escoteiros precisamos disto? Parece que falamos um só idioma. Claro, somos iguais em todas as nações.

                              Nossa! Marcou mesmo em você. Incrível a amizade dos escoteiros mexicanos. Simples, leal, honesta, sem altivez, soberba. Que amigos! Tocaram seu coração. Mas quando chegou à hora da despedida! Ah! Não, não, você não queria sair dali. Chorava copiosamente. Um marmanjo. Vinte e seis anos! Abrindo a boca, lagrimas e lagrimas descendo pelo rosto. E o pior foi quando terminou a Canção da Despedida, eles vieram todos lhe abraçar, chorando também, dizendo, - No te vayas, te queremos, quédade nosotros... Você disse para você mesmo - Quem agüenta? Diga-me quem? E o pior, no dia seguinte, ao tomar o trem para a cidade do México, lá estavam eles na estação, barulhentos, amigos, abraçando, cantando canções típicas, e quando o trem foi se afastando, cantaram de novo a Canção da Despedida. Rapaz achei que você ia pifar. Foi incrível suportar! Impossível! Enquanto o trem saia da estação lá estavam eles na janela repetindo: – No te vayas, te queremos, quédade nosotros! Marcou você meu amigo. Marcou. Passageiros ao seu lado não entendendo. Um deles se aproximou. - Be Prepared! Los Angeles, boy Scouts. Incrível! Que movimento meu Deus!

                            O tempo passa. Tudo passa, só não passam as lembranças. Dizem que quem não as tem não viveu. Lembranças de tudo, do passado, de um grande amor, da perda de um amigo, de pais, irmãos, lembranças, lembranças... E claro, dos seus bons e velhos tempos de escoteiro, bandeiras ao vento, para o acampamento de todo Brasil! Tempos que não voltam mais. Sorrisos, quando lembra. Ainda bem que as tristezas sumiram como as folhas levadas com o vento da primavera. São lembranças lindas, maravilhosas de um tempo que já se foi... Hoje, como sempre acontece às tardes, você está aqui sentado nesta sua cadeira, na varanda da sua casa, vendo edifícios de pedra, uma garoa, chuva miúda, caindo, molhando o asfalto, um transeunte ali correndo outro ali se escondendo para não molhar. Um pequeno cobertor nas suas pernas, que tanto lhe ajudaram. Levou você a lugares nunca antes imaginados e hoje resolveram se aposentar.

                             Desculpem-me os leitores, vou parar de contar. Estou ouvindo Auld Lang Syne a Canção da Despedida e chorando. Minhas lágrimas não molham a terra, para mim não há mais florestas onde posso ir cantar ir viver. Mas olhem, sinto um enorme orgulho, fui Escoteiro! E serei escoteiro até morrer. Uma vez Escoteiro sempre Escoteiro não é assim que dizem? Felicidade de poucos e eu sou um abençoado por Deus! Deu-me mais do que merecia! Minha mente vai apagando. Deve ser sono. Meus olhos piscam querendo fechar. Uma dor aguda de saudades e uma pontada no coração. Lembranças, eternas lembranças... 

sábado, 24 de novembro de 2012

A árvore das folhas rosa.


Crônicas de um Chefe Escoteiro.
A árvore das folhas rosa.

                   Era uma visão incrível. Apareceu assim do nada. Se fez presente para sempre em nossas vidas. Dizem por aí que só os escoteiros têm o privilegio de ver e ouvir coisas, pois eles têm o dom de enxergar de outra maneira a natureza hoje perseguida de maneira implacável pelos homens. Acredito piamente que isto é real. Estava eu em uma pequena trilha, mais quatro amigos escoteiros, todos em fila indiana, tentando cortar caminho para chegar ao Tanque dos Afogados. Desculpem, não morreu ninguém lá e nem é um tanque. Uma represa pequena, dócil, rasa, de águas cristalinas que por duas vezes ali estivemos acampando. Sempre passamos pelo caminho do Marquês mais de doze quilômetros. Não lembro quem deu a ideia de cortar caminho em um vale entre duas montanhas. Nem sempre as boas ideias prevalecem. Passava da uma da tarde. Um sol a pico e queimando. Quase quatro horas de caminhada. O suor escorrendo pelo rosto, os olhos vermelhos e o chapelão de três bicos faziam às vezes de um protetor carinhoso, mas que pouco ajudava.

                  Um local descampado, sem árvores, quem sabe para pasto do gado que ao longe pastava calmamente. Pensei em parar, mas sempre um animando dizia: - Vamos chegar! Vamos chegar! É só encontrar o vale das Vertentes. E esse não chegava nunca. Uma fome brava. Nem um biscoitinho a solta. Já respirava com dificuldade quando avistei o paraíso. Uma árvore. Não uma árvore qualquer. Era enorme. Incrivelmente linda! Nunca tinha visto uma cerejeira igual. Florida, folhas e flores rosa destoando da natureza ao seu redor. Só ela, ali, imponente e ao seu lado um pequeno riacho de águas claras. Visão maravilhosa. Um oásis dos deuses do paraíso naquele campo seco. Incrivelmente maravilhosa. Molhei o rosto calmamente. A sombra da cerejeira nos dava uma sensação de calma silenciosa e gostosa. Uma brisa fresca soprava de este para oeste. Sentamos embaixo próximo ao tronco. Pés levantados. Dizem ser bom para a circulação. Dez minutos, quinze, vinte. Uma hora. Ninguém animava em partir. Estavam todos no mundo dos sonhos coloridos que só os escoteiros possuem.

                 A tarde chegou mansamente. O sol estava se despedindo e prometendo voltar amanhã. Vermelho atrás das montanhas verdejantes. Ainda de olhos fechados lembrei que tinha lido não sei onde – “A flor de cerejeira cai da árvore na primeira brisa mais forte, mas não dizemos que ela nunca viveu. Uma flor que só dura um dia, não é menos bonita por isso”. Não queria abrir os olhos. Não queria partir. Eu tinha encontrado o paraíso. Não disseram que o tempo é relativo? Que a flor da cerejeira, por exemplo, dura apenas uma semana e mesmo se durasse mil anos ainda seria efêmera? Flor tão bela como ela não merecia durar eternamente? E o que é eterno se não o que dura com tamanha intensidade? Dormi. Não queira acordar. Agora a cerejeira não dava mais sombra. Não precisava, a noite chegou escura, mas logo o clarão das estrelas no céu dava o seu espetáculo a parte.

                Reunião de Patrulha. Partir? Cinco a zero para ficar. Um foguinho. Uma sopa, um café na brasa. Cantando baixinho a Árvore da Montanha. O céu estrelado ainda dando seu espetáculo maravilhoso. Um cometa passou correndo deixando um rastro brilhante. Fiz um pedido. Que a cerejeira em flor durasse para sempre! Aos poucos alguns dormiam. A cerejeira das folhas rosa era nossa barraca. O tempo passou. Ao lado algum anjo velava o sono dos escoteiros. Abri os olhos mansamente, uma réstia de luz aportava lá por trás das montanhas distantes. Era a madrugada chegando. O novo dia chegava sem fazer alarde. O orvalho caia de mansinho. A brisa eterna amiga não nos deixou. Um acalanto para nos dar um novo vigor no dia que chegava sem fazer ruído. O riacho ao lado parecia cantar canções de ninar. Pequenos peixinhos nadavam como a nos dizer bom dia!  Mochila as costas. Olhares e sorrisos entre nós. Escoteiros avante! Pé na estrada, pois o sol agora já estava firme no horizonte. Nosso destino? O Tanque dos Afogados. E lá fomos nós, em marcha de estrada sorrindo, mas saibam que nunca mais, em tempo algum, nós nos esquecemos da árvore das folhas rosa. Cerejeira em flor. Um amor, uma lembrança que ficou marcada para sempre!

Quando eu for, um dia desses,

Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
 (Deste já tão longo andar!) 

E talvez de meu repouso...

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

As aventuras de Maria Alice, da Patrulha Morcego e o misterioso povo cigano do Rajastão.



Lendas Escoteiras.
As aventuras de Maria Alice, da Patrulha Morcego e o misterioso povo cigano do Rajastão.

                         Maria Alice era uma Escoteira sonhadora. Adorava ler e viver os personagens em sua mente infantil e criativa. Um dia ela leu um belo conto em um livro sobre como viviam os ciganos. Seus amores, suas viagens sem nenhum destino. E onde havia um céu eram suas moradas. Ela ficava imaginando como devia ser suas vidas, pois não tinham endereço fixo, documentos, contas em banco, carteira assinada e nem história. Ela sabia que poucas pessoas tinham respeito por eles. Muitos tinham preconceitos e ignorância, alguns medo e fascínio. Sabia que muitas injustiças tinham sido cometidas e que mesmo assim eles se sentiam felizes e alegres ao logo de suas intermináveis jornadas. Naquela quinta estavam em reunião de Patrulha na casa de Mirian a submonitora. Sempre faziam uma vez por semana.

                       Estavam a discutir o acampamento de verão. Seria de cinco dias. A Chefe Marilda pediu sugestões. Iriam todas as três patrulhas e próximo onde ficariam ia acampar também a tropa Escoteira. Eles também estavam em três patrulhas. Muitas atividades em conjunto estavam programadas, mas elas teriam liberdade para que fizessem as suas sem interferências. Onde estava Maria Alice? Nunca aconteceu isto. Ela não faltava nunca, pois era a escriba e não poderia faltar com seu livro de atas. Ligaram para sua casa e nada. Sua mãe não sabia onde estava. Tiveram que fazer a reunião sem sua presença. No sábado, dois dias depois a cidade em polvorosa. Onde estaria Maria Alice? Ninguém sabia. Procuraram em todo o lugar e nada. Todas as patrulhas, todos as matilhas, chefes e pais estavam a procurar e vasculhar em cada canto da cidade.

                       Alguém tinha dito para Maria Alice que viu no alto da Aldeia do Cão, um acampamento de ciganos. Não deu outra. Mesmo já escurecendo ela pegou sua bicicleta e sozinha foi até lá. Quando avistou se escondeu atrás de um tronco de uma seringueira. Ficou admirava com tudo. Duas grandes barracas coloridas, duas carroças grandes com toldo fechado e adultos e crianças andando para lá e para cá. Maria Alice se esqueceu da Reunião de Patrulha. Estava hipnotizada com o que via. Lembrava-se de tudo que leu sobre eles. Claro que muitos diziam que o que falavam deles eram suposições. Como não havia documentos nada se poderias provar. Os ciganos nunca deixaram nenhum registro que pudesse explicar suas origens. Quando morrem em suas jornadas pela terra, eliminam os pertences dos falecidos dificultando o trabalho de pesquisa ou lembrança. Maria Alice estava absorta e não viu alguém sorrateiramente chegando atrás dela. Sentiu o lenço e o cheiro forte. Desmaiou na hora.

                       A Patrulha Morcego não esmorecia nas buscas. Tavinha lembrou que tinha dito a Maria Alice do Acampamento dos Ciganos na Aldeia do Cão. Pegaram suas bicicletas e correram para lá. De longe avistaram o movimento. Era noite alta. Eles cantavam e dançavam em redor de uma fogueira. Incrível, Maria Alice estava com eles. Dançava também. Sorria, batia palmas. Meu Deus pensaram. O que fizeram com ela? Escondidas e se camuflando com barro e folhas (tinham este tipo de treinamento) foram pé ante pé e quando chegaram atrás de uma barraca fizeram sinal a Maria Alice. Ela tentou ir até elas, mas o Maryo filho do Chefe dos Ciganos viu e não deixou. Fora ele quem raptou Maria Alice. Ele tinha dezesseis anos e a achou muito bonita. Queria fazer dela sua esposa. Mas Maria Alice era esperta. Saiu correndo e junto com as amigas da patrulha alcançaram as bicicletas e conseguiram fugir.

                      Foram diretos chamar o delegado. Ele com mais dez soldados foram ao acampamento dos ciganos. Não tinha mais ninguém. Tinham fugido. O delegado Lourenço ficou pensativo. Eles não eram assim. Ele conhecia o lema do Povo Cigano. – “O céu é meu teto; A terra é minha pátria e a liberdade é minha religião”. Sempre os tratou com respeito. Mas devia ter sido um motivo forte. Conversou longamente com Maria Alice. Eles não fizeram nada com ela. Podia ter fugido, mas queria aprender. Ela queria saber como era o espírito viajante deles. Como as mulheres sabiam ler a sorte, e eles faziam lindos tachos de cobre. De onde tiravam isto?

                     A cidade voltou ao normal. Não ouviram falar mais nos ciganos. Maria Alice teve que contar a todos varias vezes como foi sua vida lá. Ela aprendeu uma lição. Nunca sair sozinha e sempre andar com mais pessoas. Dizem eu não sei só me contaram por aí que quando ela cresceu reconheceu o Maryo em uma festa numa cidade vizinha, se apaixonou e se casou com ele. Foi morar em um acampamento cigano e hoje correm estradas no sul da França. Espero que Maria Alice tenha sido muito feliz. Ela foi uma grande Escoteira e merece. Não sei se não organizou os ciganos em patrulha. Risos. Não sei. Se assim o fez, que ela seja feliz para sempre! 

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A lobinha Dorothy e a Cigarra Azul do Lago Dourado. Lá, muito além do arco-íris.



Lendas Escoteiras.
A lobinha Dorothy e a Cigarra Azul do Lago Dourado. Lá, muito além do arco-íris.

                       Era apenas uma cigarra azul. Nunca ninguém ligou para ela. No mês que todas cantavam para arrumar um namorado, ela simplesmente se calava. Gostava de ficar no tronco da frondosa figueira próximo de sua morada no Lago Dourado do Arco-íris. Era o mês das flores, das abelhas procurando mel, dos beija-flores coloridos a procura do néctar para sobreviver. Suas amigas estavam espalhadas pelo bosque, cantando, pois este era o destino de todas. Era como se fosse na Jângal, na época da Embriagues da Primavera, onde todos ficavam contentes, corriam pelos campos sorriam e cantavam. Isto não acontecia com a Cigarra Azul. Não ela. Nunca foi feliz. Não sabia por que todas as cigarras eram cinza esverdeadas e ela azul. Não podia entender. Na brisa fresca da manhã, ouviu uma vozinha doce e suave a lhe dizer – Canta minha linda cigarra. Porque você não canta? A cigarra Azul olhou espantada. Viu uma menina vestida de azul, com um lenço verde e amarelo e um bonezinho azul sorrindo para ela. – Quem é você? Perguntou a Cigarra Azul – Eu? Eu sou a Dorothy, da matilha azul como você. Sou uma lobinha minha amiga Cigarra Azul. Ela ficou a pensar como podia conversar com aquela menininha tão magrinha, com uns olhos fundos e tristes, que mal conseguia ficar de pé.

                    - Eu não posso cantar! Respondeu. Porque não pode? – Porque sou azul e todas são cinza esverdeada. Sou diferente. Nunca terei uma família. Nunca serei ninguém! Dorothy pediu de novo, desta vez quase chorando: Cigarra Azul cante para mim. Prometo que cantarei com você. Irei aprender a letra e a melodia e ambas cantaremos juntas. A cigarra ficou pensando porque aquela menina insistia tanto para ela cantar. Dorothy então disse a ela – Sabe Cigarra Azul, eu também estou muito triste. Eu tenho uma doença que me acompanha desde que nasci. Meus pulmões sempre me dão falta de ar, tenho dificuldades para respirar e sinto um aperto no peito e tenho tosse. Sou lobinha, mas sou uma lobinha triste. Quero brincar e correr como todo mundo, mas a minha Aquelá não deixa. Diz que não posso ficar no sol, à noite não posso ver o céu, e nem ver o amanhecer do dia, pois não posso também pegar o orvalho que cai. Veja! Ando sempre com esta bombinha. Ela me dá certo alívio.

                     A Cigarra Azul ficou triste mais ainda. Viu que a menina dos olhos cinzentos era mais triste que ela. Resolveu cantar e sorriu para a Dorothy. - Você sabe cantar música Muito alem do arco-íris? Não sei, respondeu Dorothy. Mas cante que vou aprender. A Cigarra Azul tinha uma linda voz. Encantou logo a menina Dorothy. Assim ela começou:
 - Além do arco-íris, pode ser que alguém, veja em meus olhos, o que eu não posso ver.
- Além do arco-iris, só eu sei que o amor poderá me dar tudo que eu sonhei...
                   Nesta hora Cigarra Azul parou de cantar. Sentiu que uma pedra atingira suas asinhas. Caiu no chão desmaiada. Dorothy não podia acreditar. Olhou e viu Pedrinho um lobinho com várias pedras na mão. Chorou e gritou com ele – Você matou a Cigarra Azul! Pedrinho ria. A Aquelá veio correndo e viu o que aconteceu. Durante toda o Acantonamento Dorothy chorou. Não se conformava. No dia seguinte após o cerimonial de bandeira, Dorothy deu mais ultima olhada para o tronco da figueira. Sabia que não ia ver nada, não custava olhar. Pedrinho a procurou chorando. Pedindo desculpas, pedindo perdão. Dorothy não sabia o que dizer. Afinal ele matou a Cigarra Azul! E então, surgindo no final do bosque eis que surge ela, a linda Cigarra azul, acompanhada de outra cigarra verde garrafa.

                  A lobinha Dorothy não cabia em si de contente. Ria, e até começou a cantar. A Cigarra Azul sorria. – Dorothy, a cigarra dizia – Este é meu namorado. Ele me socorreu. Levou-me até onde esta o Arco-íris. O homem que mora lá, um velhinho de asas azuis me colocou as asas de volta. Agora estou feliz. A Aquelá chamou todos para embarcar. Dorothy não queria ir. Vá – disse a Cigarra Azul. Volte no ano que vem. Estarei aqui para cantamos e sorrirmos muito. Quando chegou a sua casa, contou tudo para sua mãe e seu pai. Eles sorriram. Viram que ela tinha mudado. Já não usava a “bombinha”. Achavam que Deus lhe deram um presente. A saúde de Dorothy.

                   A noite de domingo seu pai disse que tinha alugado um filme para ela. Um lindo filme que ele tinha assistido quando criança. O Mágico de Óz. Era o filme mais lindo que ela tinha assistido. A menina também se chamava Dorothy e a musica era igualzinha a que a Cigarra Azul cantou para ela:

- Um dia a estrela vai brilhar, e o sonho vai virar realidade.
- E leve o tempo que levar, eu sei que eu encontrarei a felicidade,
- Além do arco-íris, um lugar que eu guardo em segredo e,
Que só eu sei chegar...  
 - Me fez ver que o amor dos meus sonhos tinha de ser você...
                   Todos os anos Dorothy ia sempre acantonar com sua Alcatéia no Lago Dourado. Lá ela encontrava a Cigarra Azul, seu namorado e agora eles tinham quatro filhos, duas lindas Cigarras verde garrafa e duas outras lindas cigarras azuis! Ei! Deixe-me contar. Pedrinho virou ao avesso. Transformou-se no mais disciplinado lobinho da Alcatéia. E assim termina a lenda e quem sabe a real história de Dorothy e a Cigarra Azul que morava lá, no Lago Dourado muito além do Arco-íris. 

sábado, 17 de novembro de 2012

Os amores de Laureano, o Pioneiro do Rei.



Lendas Escoteiras.
Os amores de Laureano, o Pioneiro do Rei.

                  Laureano estava perdendo o estímulo para continuar no Clã Pioneiro. Os demais amigos ali eram entusiastas e as reuniões eram bem frequentadas. Laureano já tinha pensado em sair. Só um motivo o mantinha ainda no Clã. Rosália. Isto mesmo. Ele se apaixonou por Rosália. Uma paixão incrível, mas Rosália gostava de Almir. Laureano ia às reuniões e a via ao lado dele, muitas vezes de mãos dadas e olhares lânguidos, amorosos e todos sabiam que dia menos dia eles iriam se casar. Laureano devia saber que o caminho que escolheu não foi o certo. Tentou uma vez ficar sem participar por um mês. Quem sabe poderia esquecer-se dela? Impossível. Uma sede terrível abatia todos os dias seu pensamento. Sede de vê-la, olhar seu sorriso, sentir seus olhos nos seus. Amainar a dor terrível que jazia no fundo do seu coração. O pior de tudo era que Almir era um grande Pioneiro. A caminho de sua Insígnia de BP era um exemplo para todos. Sem ser mandão era um líder que sabia ser liderado. Em todos os programas que o Clã programava ele dava suas sugestões, mas aceitava de bom grado o que a maioria decidisse. Um concorrente no amor impossível de se derrotar.

                  Naquela sexta chegando à sede Escoteira viu o carro dela se aproximando. Quando parou notou dois jovens estranhos e sem perceber entraram no carro ordenando que seguisse em frente. Era um sequestro sem sombra de dúvida. Laureano ficou sem ação, pois foi tudo muito rápido. Nem mesmo os rostos dos bandidos ele viu direito. Gritou chamando os demais que já haviam chegado à sede. Um deles o Bertinho tinha um fusca e chamou Laureano para tentar encontrar o carro de Rosália. Gritou para os demais para avisar a policia. Bertinho era amigo de Laureano desde os tempos de tropa Escoteira. Aprontaram poucas e boas na Patrulha Touro. Virando uma esquina avistaram o carro de Rosália. Parado em frente um caixa vinte e quatro horas. Um sequestro relâmpago só podia ser. Bertinho parou o carro bem atrás dos bandidos. Um erro. Nunca devia ter feito isto. O certo era ir em frente e chamar a polícia. Mas Laureano não pensou duas vezes, correu até o carro de Rosália e tentou forçar a porta para retirá-la dali. Dois tiros. Um no peito e outro no pescoço. Laureano caiu. Jogaram Rosália pela porta.

                  Laureano ficou em coma quatro meses. Todo o dia lá estava Rosália ao seu lado. O Clã sempre que podia estava também presente. Quando acordou do coma o primeiro rosto que viu foi o de Rosália. Pensou que ela o amava e falando baixinho disse a ela tudo que sentia. Rosália já fazia uma ideia do amor de Laureano. Mas ela amava Almir. Teria que ser sincera. Explicou a Laureano tudo que sentia por ele. Nada mais que uma grande amizade. Laureano fechou os olhos. Preferia ter continuando naquele sono profundo, onde nada via a não ser uma nevoa ao seu redor. Lembrou-se da mulher de branco, do homem das barbas brancas que nada diziam e só sorriam. Quando abriu os olhos ela se fora. Sua mãe e seu pai estavam ali sorrindo para ele. A noite recebeu a visita de Almir. Que grande Pioneiro ele era. Foi franco. Explicou que amava Rosália. Na sua sinceridade o ódio de Laureano se transformava em amor. A escolha era de Rosália dizia, ou ele ou eu. Para ele não importava. Amava Rosália, mas devia saber perder. Não se ganha todas as batalhas.

                    Um ano depois Laureano já de alta pensava se devia voltar ou não ao Clã Pioneiro. Desde que saíra do hospital praticamente se escondeu de todos. Não respondia aos telefonemas, os recados, nada. Achou que estava esquecendo Rosália. Seu coração já não batia tanto. Uma tarde foi fazer uma inscrição para o vestibular. Já tinha feito pela internet agora era fazer o depósito. Ao sair do banco, deu de cara com ela. Foi uma surpresa. Como estava linda! Ela sempre foi à mulher mais bonita que tinha conhecido. Ela sorriu para ele. Caminhou até onde ele estava.  Ela deu para ele aquele sorriso encantador que fazia disparar seu coração. Cinco homens armados anunciaram o assalto. O vigilante reagiu. Uma troca de tiros. Ele pulou em cima de Rosália. Jogou-a ao chão. Fez de suas costas um escudo para ela. Desta vez não houve coma. Não houve volta. Laureano morreu ali com varias balas no corpo.

                     O cemitério da Saudade nunca viu tantos pioneiros e escoteiros juntos. Até de cidades distantes havia representantes. Nunca se viu tantos pioneiros cantando com emoção a Canção do Clã. Era como se Laureano fosse morar naquela montanha, bem perto do céu, onde existia uma lagoa azul. Nunca se viu tantos pioneiros chorando. A emoção tomou conta de todos. Não se sabe de onde, mas um clarim se ouviu. Alguém “acarapinhado” em uma arvore próxima tocava a canção e todos acompanhavam. Morreu Laureano. Ele estava marcado para morrer. Ele tinha de passar por isto. Na primeira vez escapou, mas na segunda seria impossível. Outras vidas ele teria, se encontraria de novo com Rosália. Também com Almir. Estava escrito nas estrelas. Os amores de Laureano, um rei sem paixão que não perdoava ninguém, a morte encomendada. São coisas do passado. Lá na última morada de Laureano, um casal, ela de branco ele com suas barbas brancas deram a mãos a ele e se foram. Uma nuvem os levou para o céu!     

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Rataplã Chico Fumaça. Nós te amamos para sempre!



Lendas Escoteiras.
Rataplã Chico Fumaça. Nós te amamos para sempre!

                       Ele não entendia por que. Aonde ia estavam sempre gritando e dizendo – Chico Fumaça, o bobão! – Ele ficava triste porque não tinha feito nada com ninguém. Desde pequeno sempre fora assim. Ficou pouco tempo na escola. Seus colegas na classe sempre jogando bolinhas de papel e dizendo – Chico Fumaça, o bobão! Fizera no mês passado doze anos. Sua mãe e seu pai comemoraram com uma festa para ele. Mas convidar quem? Sabiam que ninguém iria à festa do “bobão”. Chico Fumaça até que não se incomodava. Como falava pouco e nunca gritava deixava que falassem. Não ligava mais. Mal dizia algumas palavras a sua mãe e seu pai. Ele um carroceiro que fazia mudanças e entregas, ela uma simples lavadeira que passava os dias na beira do Rio Azulão com duas ou mais trouxas de roupa.

                       Chico Fumaça vivia mais em casa. Deixou a escola. Não dava para ficar lá. Até a Diretora concordou. Não podia controlar os alunos. Do pouco que aprendeu ele desenvolveu uma grande facilidade em escrever e ler. Ia ao Pingo D’água, onde despejavam o lixo da cidade e lá encontra muitos livros. Já havia feito uma coleção de mais de duzentos livros. Ele os limpava encadernava e guardava em um pequeno guarda roupa que tinha. Quando não estava ajudando o pai ou a mãe Chico Fumaça lia. Aprendeu a ler com rapidez e através das leituras começou a compreender o mundo. Chico Fumaça sentia falta de amigos. Muito mesmo. Um dia indo até a Quitanda do seu Afonso, uma molecada correu atrás dele e gritando Chico Fumaça bobão. Agora chamavam ele também com nomes feios. Jogavam pedras. Ele correu, mas eles não o deixavam em paz. Ao virar uma esquina deu de cara com muitos escoteiros. Duas patrulhas. Escondeu-se atrás deles. Os meninos calaram. Os escoteiros já sabiam quem ele era. Um deles, moreno forte, alto quase da sua idade disse aos moleques que eles não deviam fazer aquilo. Era errado. Ele era um só e eles muitos. Era covardia. Daquele dia em diante disse, Chico Fumaça seria protegido dos escoteiros. Quem fizesse qualquer coisa com ele teria de se haver como toda a tropa dos escoteiros.  Foram embora e preocupados. Agora Chico Fumaça era amigo dos escoteiros. Não ia ser fácil rir dele.

                           Convidaram Chico Fumaça para ir visitá-los. Ele foi. Adorou tudo que viu, mas sabia que não dava para ficar com eles. Não podia comprar e nem pagar nada. Fizeram um conselho de Patrulha e logo em seguida os Monitores se reuniram em Corte de Honra. Chefe Marcondes presente. Deliberaram que todos iriam ajudar. Chico Fumaça seria aceito. Sua mãe e seu pai foram lá. Choraram de emoção pela bondade dos escoteiros. No primeiro dia recebeu de graça uma camiseta vermelha com o símbolo de uma Águia no peito e nome do grupo. Até você fazer sua promessa disseram. Em duas semanas ele foi a uma excursão. Amou tudo que fez e viu. O incrível aconteceu. Ninguém conhecia e nem tinha visto um Escoteiro como Chico Fumaça. Vários passarinhos fizeram amizade com ele e ficavam em volta quando não pousavam em seu ombro. Ele ria e cantava de alegria.

                           No dia de sua promessa, uniforme novo, chapelão ele estava orgulhoso. A sede Escoteira ficou escura. O que seria aquilo? Então viram no céu uma nuvem de pássaros de todas as cores, gorjeando e cantando canções desconhecidas. Um bem-te-vi amarelo e um beija flor dourado ficaram em seu ombro durante a promessa. Foi emocionante! No final quando o lhe entregaram o distintivo e o lenço milhares de pombas, gaviões vermelhos, tucanos verdes e amarelos, além de inúmeros pássaros pretos fizeram voos rasantes na sede. A cidade viu aquela revoada de pardais indo para a sede dos escoteiros e muitos foram lá para ver. Ninguém sabia explicar o que significava. Disseram que Chico Fumaça falava com eles. Ele dizia que não. Era somente amigo.

                          O tempo passou. Chico Fumaça foi para os seniores. Foi ali que descobriu que podia escrever contos, historias tudo porque participou pela primeira vez em um concurso de Contos Escoteiros do distrito. Escreveu um conto lindo. “A revoada dos pardais de Serra Dourada”. Seu conto fez sucesso. Dai para o primeiro livro foi um pulo. “O besouro verde apaixonado”. Alguém se ofereceu para publicar. Virou um Best-seller nacional. Traduzido em vários idiomas bateu recordes e recordes de venda no mundo inteiro. Chico Fumaça se tornou um escritor famoso. Nunca deixou o Grupo Escoteiro. Rico ajudava a todos que o procuravam. Recebeu dos escoteiros a medalha de gratidão ouro. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Ficou conhecido no mundo todo. Só se apresentava de uniforme escoteiro. O prefeito da cidade em solenidade especial na praça lhe deu a Ordem do Cruzeiro do Sul. Então o incrível aconteceu. Ninguém até hoje soube explicar. Um mistério para os habitantes daquela cidadezinha. Quando colocaram medalha em seu peito, Chico Fumaça chorando, todos emocionados viram que a cidade ficou escura de uma hora para outra, no céu milhares de pássaros escreveram:

RATAPLÃ CHICO FUMAÇA NÓS TE AMAMOS PARA SEMPRE!                   

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

As névoas brancas do Rio Formoso.



Lendas escoteiras.
As névoas brancas do Rio Formoso.

O nada é a profecia da minha partida
o tudo é sopro que busca aquiescer
sou uma cor do arco-iris... Perdida
o lume solar na gota de chuva a correr
para beijar a névoa que deita escondida
a deleitar-se nos braços do amanhecer
Cellina


                      Faz muito, muito tempo quando a nossa Patrulha Sênior descobriu as lindas e espetaculares cachoeiras do Rio Formoso. Eram incrivelmente belas. Ainda sem rastros humanos. Pensei comigo que precisava acampar ali. Três quedas simultâneas, um som imperdível das cataratas caindo sobre as pedras e dando outro salto no espaço. Em volta uma floresta ainda inóspita. A névoa se formava a qualquer hora do dia. Uma visão fantástica. Quando vi pela primeira vez eu estava com meus quinze quase entrando nos dezesseis anos. Descobrimos por acaso. Uma jornada até o Serrado do Gavião onde existiam milhares de Folhas Secas. Um terreno vazio, sem árvores e muitas folhas. Era um mistério saber de onde vinham. Soubemos da história. Vamos lá disse o Romildo. Patrulha Sênior, cheia de ardor, procurando aventuras, vontade de enfrentar desafios e nada como descobrir. Está no sangue dos seniores.

                    O caminho iniciava na Mata do Tenente, famosa porque uma tropa do exército ficou vinte dias perdidos nela. Saíram com dificuldade, fracos e quase morreram. Bem, eles não eram escoteiros como nós. Risos. A mata não era um obstáculo e o rio também não. Dava para andar bem nas suas margens. Com quatro horas de viagem, vimos uma bruma cinza que se espraiava no ar. A mata parecia que estava em chamas. Que seria? O ribombar da cachoeira nos fez estremecer. Um espetáculo magnifico. Incrivelmente fantástico! A cachoeira formava redemoinhos no ar. Uma nuvem de vapor cobria certas partes da queda d’água. Os pássaros se deleitavam. Voavam de supimpa naqueles redemoinhos e saiam do outro lado molhados como se estivessem sorrindo. Não entendemos o porquê da névoa. O Rio Formoso era todo formado por quedas de diversos tamanhos e na falta delas, as corredeiras davam outro brilho aquele magnífico rio. Quem o batizou deveria ter sonhado muito com coisas belas, pois o Rio era formoso e um grande espetáculo.

                    Pretendíamos chegar ao Serrado do Gavião ainda naquela tarde e se não parássemos nossa jornada seria cumprida. No entanto o espetáculo a cachoeira nos hipnotizava. Sentamos numa pedra próxima e os barulhos das quedas d’água eram tão intensos que mal dava para conversarmos. O ribombar das águas batendo nas pedras eram imensos.  Romildo levantou e fez o sinal. Mochilas as costas. Fomos em frente. Com tristeza, pois sabíamos que na volta o caminho não seria o mesmo. Voltaríamos pela Mata do Peixoto já conhecida. Subimos as pedras, olhamos novamente, pois íamos embrenhar na mata longe do Rio Formoso. Impossível prosseguir. Aquela cachoeira nos hipnotizou. Parecia dizer para nós que não podíamos deixá-la sozinha na noite que estava por vir. Paramos. Um círculo de seis seniores se formou. Ir ou parar? Seis votos a favor, nenhum contra. Todos escolheram e Romildo aceitou. Escolhemos um local próximo à primeira queda para pernoitar. Não armamos barracas. Iriamos dormir sob as estrelas em pedras lisas que as enchentes do Rio Formoso nos reservaram. Sem sinal de chuva. “Vermelho ao sol por, delicia do pastor”. A noite chegou um jantarzinho gostoso foi servido pelo nosso cozinheiro. Fumanchu. Comemos ali mesmo olhando para as quedas no lusco fusco da tarde. Um espetáculo maravilhoso. Era uma visão dos Deuses.

                   Ficamos horas e horas sem conversar. O barulho era imenso. Cada um de nós meditava as maravilhas que nos são reservadas pelo Mestre. A noite chegou de mansinho, o espetáculo maior ainda estava por vir. Uma bruma em forma de nevoa branca foi tomando conta onde estávamos e penetrando na mata calmamente. Ainda mudos. Cada um olhando. Aqui e ali um canto de um gavião procurando seu ninho. Israel acendeu um fogo. Pequeno. As chamas se misturavam com a névoa branca. Raios vermelhos das chamas ultrapassaram a nevoa. Que espetáculo! Um céu colorido como se fossem milhares de arco íris noturnos. Ninguém queria falar. Ninguém falou em dormir. Não sei quanto tempo ali ficamos. Estávamos como encantados por uma feiticeira perdida no tempo naquela névoa e esquecidos de quem éramos.

                   Acordei de madrugada. Amanhecendo. O rosto molhado com o orvalho que caia da bruma branca que nos fez companhia toda a noite. Cada um foi levantando. Arrumamos nossa tralha. Comemos uns biscoitos de polvilho. Olhamos pela última vez aquelas quedas que nos levou sem saber a um paraíso perdido daquele rio que chamavam de Formoso. Calados e mochilas as costas nos pomos em marcha. Alguém olhou para trás, a névoa branca se dissipava. Deu para ver centenas de pássaros se molhando nos respingos da cascata imensa. Durante horas ninguém falou. Sempre olhando para trás. Somente o pequeno trovejar ainda se ouvia das quedas que já haviam desaparecido no horizonte. Nunca mais voltei lá. Ninguém de nós voltou. Passaram uma cerca de “arame farpado” em tudo. O homem só o homem resolvia quem entra e quem sai. Já não havia mais a natureza, pois foi substituída pelos desmandos do ser humano. Aquele que mesmo chegando depois dela, diz arrogantemente: “sou o dono da terra, dono da natureza”.

Quanto ao Serrado do Gavião é outra historia. Não deixou tantas saudades como a Névoa branca do Rio Formoso.

Oba! Uma história verdadeira. Saudades... 

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

As aventuras de Marquito, o lobinho que queria voar.



Lendas Escoteiras
As aventuras de Marquito, o lobinho que queria voar.

                     Marquito não pensava em outra coisa. Tudo bem que era estudioso e obediente, mas tinha uma ideia fixa. Uma verdadeira obsessão. Ele sonhava em voar. Aquilo ficava em sua mente desde que acordava até quando ia dormir. Como fazer? Como deslizar pelo céu como se fosse uma águia dourada levada pelo vento? Ele pensava. Havia de ter um jeito. Sua mãe começou a ficar preocupada. Leu sobre meninos que vestindo uniforme de Batman, Super Homem pulavam de árvores ou de sacadas de apartamentos. Ela tinha medo e conversava sempre com ele. - Não se preocupe mamãe, nunca colocarei minha vida em perigo. Ela acreditava. Sabia que Marquito além de ser um bom filho era também um grande lobinho. Sempre recitava para ela as Leis do Lobinho e nunca deixava de dizer que o Lobinho ouve sempre os velhos lobos.

                    Na Alcatéia todos sabiam do seu sonho. Ninguém ria dele, pois o respeitavam muito. Nonô e Maryangela de sua matilha verde sempre eram seus ouvintes favoritos. Ele contava tudo que aprendia e lia sobre como voar pelos céus. Um dia sua mãe comprou um computador para ele. Ele sonhava em ter um. Fazer pesquisas, já pensou? Não deu outra. Voltando da escola, após fazer seus deveres escolares lá estava Marquito pesquisando – Um Ultra Leve pode com facilidade ser montado ou armados na área de decolagem. E também desmontados ou desarmados na área de pouso. Um Ultra Leve deve ter o peso máximo igual ou inferior a 70 kgf. Marquito anotava tudo. Agora os materiais para construir um em casa. Aço inox? Impossível. Tela de poliéster e fibra de vidro? Nem sabia o que era isto. Mas embaixo uma noticia o animou. Com madeira você pode construir um ultraleve por menos de dez mil reais, claro sem o motor. Ele não tinha, mas sabia onde conseguir. Na Madeireira do Seu Leopoldo. Ele lhe daria tinha certeza. Afinal era o pai de Maryangela e da diretoria do Grupo Escoteiro.

                     Não foi fácil convencê-lo. Ele e Maryangela ficaram horas falando e falando. – Tudo bem, vou lhe dar disse – Mas quero ver toda semana seu trabalho. Beleza! Mãos a obra. Pegaram o desenho na internet. A alcatéia em peso ia todos os dias no quintal da casa de Marquito para ver sua construção e ajudar. Não foi fácil. Terminaram três meses depois. Uma geringonça de madeira. Seu Leopoldo deu risadas. Isto nunca vai voar. A akelá foi lá para ver. – Valeu Marquito. Valeu o esforço. Quem sabe agora ele desistia desta ideia estapafúrdia de voar? – Nada disto. Com a colaboração da Matilha azul, amarela e a sua a verde, levaram o ultraleve para um morro próximo. – Sem motor? - Perguntou Nonô. – Não se preocupe. Ele vai voar disse Marquito. Parecia que ele adivinhava. Um pé de vento se aproximava. Marquito e Maryangela se amarraram na geringonça. O vento os pegou em cheio. Subiram aos céus. Alto. Muito. O vento se foi. O Ultraleve plainava. Incrível!

                     A cidade inteira na rua. Os carros pararam. O povo boquiaberto. Lá em cima Marquito e Maryangela cantavam a plenos pulmões – “A promessa de Mowgly era matar o Shery Cann, para a paz de seu povo de Akelá e o seu Clã!” – Uma festa. Foguetes apareceram não se sabia de onde. Pousaram no Aero Club local. Dois pilotos o seu Jonas e o seu Martinho foram olhar. Não entenderam nada. Como aquele monte de taboas pregadas de qualquer jeito plainou? O povo todo chegou ao Aero Club. Uma salva de palma. Marquito e Maryangela foram carregados. No sábado na reunião, abraços, parabéns e ambos foram chamados na diretoria. Sorrisos. Era a vez dos Diretores darem os parabéns pensaram.

                          Lá estavam os diretores do grupo, o Diretor Técnico,
A Akelá o Balú o delegado, o tenente da aeronáutica e sua mãe! Nossa! Mas não foi nada do que eles pensaram. Falaram tanto. Das normas de segurança para aviação, de voar sem permissão, de ser menor de idade, enfim, eles ouviram tudo calados. O tenente pediu a Marquito que nunca mais fizesse isto. Ele prometeu. Voltaram para a reunião de Alcatéia. Cabisbaixos. Olhando seus amigos de esguelha. Todos vieram correndo para abraçá-los. Marquito sorriu, mas ele tinha palavra prometeu que nunca mais faria aquilo e o lobinho diz sempre a verdade.

                          Um dia sua mãe o viu pesquisando na internet. O que procura Marquito? Nada mamãe, eu estou vendo o que é ser abduzido. Dizem que os alienígenas abduzem os terráqueos para levá-los em seu disco voador. Já pensou se eu fosse voar em um? A mãe de Marquito se assustou. De novo? - Não se preocupe mamãe. Prometi não voar mais lembra? Bem, a história termina aqui. Mas os sonhos de Marquito? Não sei. Dizem que sonhos de criança não terminam nunca. Eu que os diga nos meus sonhos aventureiros que um dia fiz neste mundão de meu Deus!

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Lendas escoteiras. A sombria sepultura do Delegado Paredes.



Lendas escoteiras.
A sombria sepultura do Delegado Paredes.

                         Dizem que em cada cidade do planeta existe uma lenda sobre locais assombrados. Podem ser casas, castelos sombrios ou mesmo cemitérios fantasmagóricos. Dizem ainda que eles são marcados por presença sinistras que os protegem da visita indevidas. Bem, nossa história é bem parecida. Claudinha era guia, já entrara com treze anos para a tropa escoteira. Morava com seu pai, viúvo, que praticamente não parava em casa. Sua Avó Rosalva era quem cuidava dela, mas agora estava com mais de noventa anos e tinha grande dificuldade de se movimentar. Desde pequena Claudinha era diferente das outras meninas. Seu pai tentou tudo e por último a levou a um analista que ficou em duvida do que ela falou em seu consultório. Claudinha dizia que via e falava com os mortos. Ninguém entendia e riam dela. Ficou então calada e não falou com mais ninguém sobre isto. O Doutor Marcondes se assustou. Quando conversava com ela, ela disse que ao seu lado estava sua mãe. Dona Esmeralda pedia que ele olhasse mais a Dircinha, pois ela era sua irmã. Ela não merecia o que estava acontecendo. Incrível! Como ela poderia saber?

                     Nos acampamentos Claudinha tinha medo da noite. Não ousava sair da cozinha e mesmo em jogos noturnos chorava para não participar. Milena a monitora era sua melhor amiga. Sabia o que se passava com ela. Milena e sua família eram espiritualistas, ela sabia que Claudinha tinha mediunidade. Mas o pai dela não aceitava de jeito nenhum. Claudinha gostava de estar nas guias, mas viu que a cada dia ficava muito difícil. Aonde ela ia lá estavam eles, os mortos do além. Alguns até simpáticos, mas outros horrendos. Os suicidas se apresentavam como estavam na hora da morte. Gritando e gemendo de dor. Outros esqueléticos e até crianças chorando. Para muitos um desespero e para Claudinha então? A Chefe Maninha começou a se interessar por ela. Procurou seu pai e quase toda semana ia lá trocar ideias com ele. Chefe Maninha era espiritualista, não uma estudiosa, mas tentava conhecer o mundo alem da vida. Diferente do Chefe Raimundo. Um homem puro, sincero, amigo e evangélico. Todos gostavam dele e o admiravam. Mas ele pensava diferente. É o demônio, dizia!

                    Ultimamente Claudinha acordava a noite, uma ou duas da manhã, e lá estava ele. Um homem grande, moreno, um enorme bigode, cabelos negros ondulados, um colete preto com botões dourados. Um paletó enorme, preto e Claudinha não via mais nada. Ele chegava e pedia para Claudinha ficar calma, ele não ia fazer-lhe mal. – Meu nome nobre Escoteira é Delegado Paredes. Preciso de você para me ajudar, ele dizia. Preciso subir aos céus. Não consigo. Tem dois anos que estou morto. Minha mãe, meu pai todos tentam me levar, mas eu não posso ir. Preciso que me ajude. – Era assim todas as noites. No início ela escondia a cabeça no travesseiro ou saia correndo para o quarto do seu pai. Depois foi se acostumando até que um dia para se ficar livre dele, perguntou: – O que eu posso fazer? Sou apenas uma menina! – Ele respondeu que só ela podia ajudar, ele sabia que ela tinha uma Patrulha. Se fossem juntas ao Cemitério do Agulhão Negro no Bairro Do Sono Profundo e tinha de ser à noite, poderiam entrar em seu Mausoléu e pegar a Medalha de Prata da Legião de Honra. Ela precisava pegar e entregar ao seu filho.

                 Contou seu sonho para Milena. Fizeram uma reunião de Patrulha. Todas estavam eufóricas com a história. Eu topo, eu também. Só Laurinha ficou receosa, mas fazer o que? Tinha de ir, afinal não diziam que era a Patrulha mais unida do Grupo? Bem agora era com Claudinha. Precisava saber como entrar no mausoléu e onde estava seu filho. O delegado Paredes explicou que na porta do mausoléu tinha uma pequena caixinha de flores. No meio da terra encontrariam uma chave embrulhada em papel alumínio. Nadir sua empregada prometeu manter sempre limpo sua morada e deixava a chave lá. Ela tinha de ir à noite, entre meia noite e uma hora. O Jacinto Boa morte o coveiro estaria dormindo e não ia incomodar. Ele ia se incumbir dos mortos que povoavam o cemitério. Eram milhares – Sexta, dia treze de agosto, lá foram elas. Meia noite. Achavam que estavam entrando nos Sete Portais do inferno. Um silêncio sepulcral. Devagar, sem fazer barulho lá vão elas. De mãos dadas, abraçadas, todas se “borrando” de medo, mas como eram escoteiras não desistiam. Chegaram ao Mausoléu. Enorme, negro, uma estatua de um anjo que parecia o demônio rindo para elas em cima dele. Uma bruma seca e com um cheiro horrível começou a se formar. Claudinha retirou a chave, entraram. Uma escuridão tremenda. Risos chorosos, tremedeiras. Algumas querendo correr.

                 Puxam o caixão do Delegado Paredes. Ninguém quis abrir. Milena tomou a frente de olhos fechados abriu. Lá dentro o Delegado agora nada mais que uma caveira de ossos horrenda. Nos dedos uma medalha. Ela pegou. Entregou a Claudinha. Um clarão enorme dentro da sepultura, o delegado apareceu. Obrigado jovens guias. Tenho orgulho de vocês! Meu filho mora na Rua Ipojucan, número cem, ele se chama Paulo Paredes. Diga a ele que enterre esta medalha junto ao Doutor Praxedes, esta medalha é dele. Deram-me a mim, não a mereço. As honras não são minhas e sim dele. Alem de salvar minha vida se arriscou por aquele "Velho" Chefe Escoteiro que estava marcado para morrer no Vale da Redenção. Ninguém falava nada. Todas tremendo. Agora conseguiam ver o Delegado Paredes brilhando no escuro. Ele estava sorrindo, não era a figura fantasmagórica de antes. Saíram dali correndo. Cada uma correu para sua casa. Dormiram com a própria roupa e com o cobertor tampando a cabeça. Algumas tiveram de trocar a roupa. Estavam molhadas (risos).

               Claudinha e Milena foram à Rua Ipojucan. Uma bonita casa. Meninos brincando no jardim. Pediram para falar com o Senhor Paulo. Ele apareceu à porta e se assustou com duas meninas de uniforme escoteiro. Explicaram. Seus olhos se encheram de lágrimas. Prometeu fazer o que o pai lhe pediu. Sábado, reunião no Grupo Escoteiro. Cerimonial de Bandeira. Todos na ferradura. A bandeira subia farfalhando ao vento. A Patrulha de Claudinha ficou petrificada. Não acreditavam no que viam. Encostado ao mastro o Delegado Paredes, um sorriso nos lábios, dava adeus a todas e dizia muito obrigado. Uma luz azulada apareceu, uma linda mulher de branco lhe deu as mãos. Ele chorava, um homenzarrão como aquele e chorando! Ele desapareceu na luz brilhante e nas nuvens brancas do céu.

               Ah! Dizem que histórias são histórias. Mas esta eu não sei. Juraram-me que aconteceu. Falar o que? Verdade ou não que o Delegado Paredes seja muito feliz no outro lado da vida. Um dia será sua vez. Não adianta se esconder. Risos. E Claudinha? Bem, esta é outra história. Quem sabe volto aqui para contar mais uma das suas lindas (?) aventuras com os mortos do além?   

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Tributo a Bandeira do Brasil.



Lendas escoteiras.
Tributo a Bandeira do Brasil.

                  Ele me pediu para ficar em of. Pedido feito pedido aceito. Entendi sua posição. Achou que poderia ser ridicularizado pelos amigos do grupo Escoteiro. Mas em sabia que o que ele me dizia era verdade. Minha experiência de pseudo-escritor sobre escotismo me mostram situações inusitadas e ouvir vozes impossíveis era comum para mim. Sua narrativa era fantástica. Começou a me contar de cabeça baixa terminou com ela erguida, como se tivesse prestado uma homenagem a um pedaço de pano que para alguns não tinham valor mas para ele era sempre foi sagrado. Vamos lá ao seu relato.

                 - Chefe, eu não costumo jurar, tenho palavra e a palavra de Escoteiro para mim vale minha honra. Eu estava na sede Escoteira. Arrumando em um armário, um emaranhado de cordas que na chegada do acampamento foram deixadas lá de qualquer jeito. Qual não foi minha surpresa que vi duas pessoas conversando. Duas pessoas? Pode rir Chefe, mas eram duas Bandeiras do Brasil. Elas estavam em cima da mesa de reuniões. Pelo que eu soube uma seria aposentada, pois estava muito velha e desbotada. Havia mais de 46 anos que estava conosco. Desde os primórdios em que o grupo foi organizado. A outra era nova. Iria substituir à velha. A principio achei que estava vendo e ouvindo coisas, mas não. Vou tentar contar o que aconteceu. – As duas estavam falando! Isto mesmo, conversando chefe! Duas bandeiras? Poderá me dizer. Mas é verdade. A velha dizia para a nova:

- Bem vinda minha amiga, não sabe como me alegro em conhecer você. Sabe, estou aqui há 46 anos, quinze dias e cinco horas. – Riu baixinho. Mas acho que tenho de aposentar e a Diretoria então comprou você. Eu sei que existe uma cerimonia muito bonita, que quando se aposenta uma Bandeira do Brasil, ela tem honras militares, é colocada em uma pira que junto com outras é queimada. Dizem que lá estão vários batalhões de soldados prestando homenagem. Mas quis os nossos diretores e chefes que eu devia ficar em um belo quadro de vidro na sala de recepção, pois tinham por mim muito amor e muita consideração. A bandeira velha deu um suspiro e continuou – Eu também amo todos eles. Vou lhe contar minha nova amiga, algumas lindas passagens que tive com eles. Acho que sempre me senti amada. A primeira foi uma lobinha, Cecília, ela sempre me olhava com carinho. Quando eu era içada ela fazia a saudação com orgulho. Não tirava os olhos de mim. Um dia no acantonamento, quando após o jantar alguns ficaram sem fazer nada, ela me pegou na mesa da Akelá e me levou até uma árvore. Lá com uma cordinha me amarrou e depois me abraçou-me e disse: Bandeira do Brasil, eu te amo. Quero que saiba que tenho orgulho de você. E então seus olhos se encheram de lágrimas e ela me beijou. Minha amiga, que emoção. Demais para mim.

- Depois foi em um acampamento Sênior. Eles e as guias foram acampar no Pico do Itatiaia. Procuraram a parte mais alta. Quando chegaram viram que não tinha onde hastear a bandeira. Eram só pedras. A vista era linda, mas se eu não farfalhasse no vento naquelas alturas eles não se sentiriam realizados. Dois seniores desceram quatro quilômetros correndo e acharam uma vara enorme de oito metros. Serra acima levaram o mastro.  Entre dois vãos de pedras e outras soltas, firmaram o mastro e me hastearam. Que felicidade amiga. Ver o vento me balançando nas alturas foi demais. E a vista? Maravilhosa! Confesso que chorei de novo de emoção. E então minha amiga, aconteceu um fato que nunca mais esqueci. Aquele sim foi demais para qualquer Bandeira do Brasil. Estava arvorada em um acampamento Escoteiro, e eles jogando um jogo gostoso em volta do campo. Um redemoinho de vento me pegou. Soltou-me da arvore, e fui levado a grandes altitudes. Eles viram e o Chefe gritou: - É nossa bandeira! Salvem-na, não deixem que o vento a leve! – E a escoteirada correu atrás de mim. O ribombar de trovões, raios enormes começaram a cair em redor. Outro vento enorme e a chuva me pegou de jeito. Mas lá embaixo estavam os valorosos escoteiros. Não desistiam. Sempre atrás de mim.

- Vi um escoteiro cair, sua perna sangrando e ele não desistiu. Vi outro molhado, tossindo a chuva caindo aos borbotões e ele não parava. Molhada, cai em cima de uma árvore altíssima. Ninguém desistiu. Um escoteirinho lépido subiu a árvore com dificuldade, pois chovendo e os galhos e os troncos molhados dificultavam. Ele me alcançou. Abraçou-me. Beijou-me. Colocou-me embaixo de sua camisa. Que honra minha amiga, como eles me amavam. Foi uma festa quando cheguei ao acampamento. Todos cantavam com alegria e o Chefe pediu que ficassem em posição de sentido e cantaram com orgulho o meu hino, o hino da Bandeira do Brasil! Nunca esqueci aquele dia. Houve centenas deles minha amiga. Centenas. Agora estou aposentando. Sua vez vai chegar, vais ver como os escoteiros amam sua pátria, sua bandeira. Vais ver quando for hasteada e o vento lhe acariciar e todos vendo você farfalhando no ar, irás sentir orgulho. De saber como é amada por eles!

                      O meu narrador parou. Estava chorando. De orgulho é claro pelo que viu e ouviu. E encerrou dizendo – Sabe Chefe, era eu que iria fechar a sede naquela noite. Fui até as duas bandeiras. Abracei as duas. Apertei em meu coração. Coloquei ambas na mesa desta vez aberta. Fiquei em posição de sentido. Cantei o hino da Bandeira, disse Sempre Alerta as duas com orgulho. Dobrei as duas com as honras que ela mereciam e fui embora. Hoje a velha bandeira mora em um belo quadro de vidro na sede. Todo dia que vou lá, fico em posição de sentido olho para ela, e com amor eu digo. Amo você Bandeira do Brasil. Faço minha saudação Escoteira e bem alto digo – Sempre Alerta!

                     Vi que ele não diria mais nada. Sua voz estava embargada de emoção. Dei nele um abraço e disse – Meu jovem amigo parabéns. Você é como eu, como todos nós escoteiros. Temos amor a nossa pátria. A nossa bandeira. Sei como se sente. Sei como sente todos escoteiros de todo o mundo que amam sua bandeira. Aceite meu abraço com amor e orgulho em te conhecer. Ele saiu e fiquei pensando. Pensei muito. Difícil explicar a emoção que sentimos no hastear e arriar a bandeira do Brasil. Ainda bem que temos isto. Amar a bandeira é amar nossa nação. É nestas horas que digo e repito, me orgulho de ser Escoteiro. Serei Escoteiro para sempre!