No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras

No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras
A aventura está apenas começando

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Aplausos, foguetes, palmas, gritos de guerra, alegria geral. A UEB apresentou o novo uniforme!



Conversa ao pé do fogo.
Aplausos, foguetes, palmas, gritos de guerra, alegria geral.
A UEB apresentou o novo uniforme!

                  Tento a minha maneira ser sério. Procuro me controlar para não sair por aí “com um violão debaixo do braço”. Mas adianta? Como diz o velho ditado, “Besta é quem acendeu a vela, prá defunto que não é seu”. Risos. Mas amigos, essa UEB é demais. Depois de anos eis que ela apresenta o novo uniforme no Congresso Nacional. Faz uma enorme festa explicando sem explicar nada. Diz que tudo foi muito bem planejado. Bem arquitetado isto sim. Pressionada disse o que não disse em pequenos relatos para uns e outros. Argumenta que “outros” conhecedores fizeram pesquisas com escoteiros, e planejaram tudo para que seja um tremendo sucesso o novo uniforme. Sempre foi assim. Ela joga para o publico Escoteiro como se todos fossem subservientes, incapazes de opinar, e ainda se coloca como um Messias para que todos batam palmas, gritem, soltem foguetes pela sua magnifica ideia. Atenção, não discuto se ele e bonito ou feio, não é isto, discuto a maneira com que foram tratados os setenta e sete mil que a UEB alega ter.

                 Para que nada falhe, é preparada uma apoteose da apresentação, monta-se uma “fanpage” na rede social Facebook só para que os pobres mortais escoteiros conheçam seu novo uniforme, ou melhor, o novo traje escoteiro. Pela manhã deixam todos com água na boca - Aguardem! O espetáculo será à tarde!  E não foi só, a apresentação foi digna de um SPFW (São Paulo Faschion Week). Faltou o rufar dos tambores. - Respeitável público, com vocês! O novo traje. A porta se abre, os modelos e as modelos vão entrando, no recinto do teatro todos de pé. Grande expectativa. Enfim, ali está ele! Ou melhor, eles! Dezenove ao todo. Aplausos. Todos boquiabertos! Agora sim, seremos reconhecidos por toda a sociedade brasileira. Dezenove modelos para escolher. Pode? Onde vocês já viram isto antes? Eu nunca vi. Como são inteligentes não? 

                 Porque a UEB não fez isto antes? Porque não discutiu o tema? Porque não fez consultas a quem realmente interessa este uniforme? Os jovens foram consultados? A UEB diz que sim milhares de jovens dizem que não. Meia dúzia decide por milhares? Pena que muitos que acreditam na onipotência dos dirigentes iram aplaudir como se este novo traje fosse à redenção do escotismo brasileiro. Ela ainda em sua “fanpage” tenta explicar suas razões e incrivelmente colocam como fonte o também Doutor Jean Cassaigneau que fez um magnifico trabalho para a UEB em 2007. (A pedido da CAN/UEB em 1907 o Doutor Jean Cassaigneau fez um estudo para a UEB mostrando diversas situações e sugerindo modificações no escotismo brasileiro – se alguém se interessar em receber seu trabalho tenho o mesmo em PDF). Para quem não leu, o Doutor Jean Cassaigneau fez inúmeras sugestões todas elas de excelente conteúdo, mas ignorada pelos dirigentes da UEB. Alguns dizem que não, mas nunca em tempo algum colocaram os temas que ele apresentou em discussão. Agora aproveitam para colocar o novo traje como redenção, como se fosse à fonte salvadora do escotismo.

                   O Doutor Jean Cassaigneau tocou em enormes feridas da UEB. Algumas: - O escotismo é visto como um clube falta divulgação e quando é feita é desvirtuada. Os jovens escoteiros não compram muito a ideia do que estão vendo. Não existe um bom trabalho para mostrar o escotismo na sociedade e principalmente junto aos responsáveis pela educação no pais. Continua ele – O publico acredita que somos um movimento fechado, sempre dentro das sedes escoteiras. A UEB tem de mudar a imagem do Escoteiro Biscoito para um escotismo com formação do caráter, um movimento sério com preparação vocacional e compromisso social. Rebater sempre a vergonha de se mostrarem em público, nossa linguagem (o programa) muitas vezes são incompreendidas. Temos que mudar a imagem do Escoteiro “Babaca”, do Escoteiro “Cata-lixo” e diversificar para uma presença ativa na comunidade.

                   Não é só isto, o Doutor Jean Cassaigneau colocou centenas de sugestões. Mostra como “vender nosso peixe” e acabar com a centralização. Menos burocracia, menos política, menos instabilidade. A UEB é um trem com vagões pesados! – Continua ele, a UEB não faz rodar a roda que inventou o Baden Powell. A UEB é como uma ostra – apenas abre-se e fecha-se imediatamente. A UEB cuida da política e não da administração. A Estrutura da UEB é feudal e fechada! – Cada membro da UEB está fazendo do seu jeito. É preciso ser um colegiado e não levar em conta a promoção pessoal. A UEB É UMA FOGUEIRA DE VAIDADES ONDE SE BRIGA POR BESTEIRA! – Palavras dele não minha. Tudo que escreveu é um fato. Vejam estas – O escotismo antes era desafio e conquista, agora é brincadeira. Qualquer grande organização que se preze antes de “vender” um produto novo, realiza uma pesquisa de opinião para saber se o produto irá “vender” bem, ou a melhor forma de fazê-lo. Perguntar não ofende, não faz mal, pelo contrário, valoriza a pessoa e torna a política mais sábia. O programa novo é calmo demais (?).

                   A UEB simplesmente aproveitou uma sugestão dele do uniforme e o citou como pessoa capaz e importante no escotismo mundial. E as demais sugestões? Nada? Afinal ele tinha uma enorme experiência como antigo Secretario Geral Adjunto da Organização Mundial do Movimento Escoteiro (OMME). O relatório é excelente, peca em alguns itens, mas no todo atinge perfeitamente o objetivo e olhem, foi a UEB quem pediu o estudo e depois o encostou na prateleira do tempo. Fico sempre no que disse Baden Powell, o que importa são os resultados e infelizmente eles não são bons. Agora os dirigentes estão felizes. Muitos irão bater palmas. Deveriam bater palmas para os setenta e sete mil clientes cativos para o novo uniforme. Quem não gostaria de ter uma turma assim? Prestem atenção, dentro de dois anos ou por aí irão acabar com todos que existem hoje. Escotismo para ricos. Como diz um amigo meu, gostaria de ser a confecção que vai receber os pedidos.

                   Bem encerro por aqui. Se necessário volto ao tema. Ainda bem que escrevo historias contos, lendas e eu fujo em minha mente para estes que fazem um escotismo de verdade. Assim como eles que habitam a minha mente, eu sei que muitos jovens que lutam em suas patrulhas pensam como eu. Os mais novos serão facilmente enganados. Eles gostam de coisas novas. Ainda não mediram os gastos. Vamos aguardar quem viver vera!    

“Tem gente que é um gansinho no modo que vai atrás, Dos outros que vão à frente - nem sabe para onde vai... Nas pisadas do pai ganso, vai pisando o filho atrás! Ele nunca fará nada que não tenha feito o pai”.

domingo, 28 de abril de 2013

Conversa ao pé do fogo. A fantástica “Banda” do Maestro Munir.



Conversa ao pé do fogo.
A fantástica “Banda” do Maestro Munir.

               Eu tinha um sonho. Ou melhor, dois, acampar no Pico da Bandeira e participar da Banda do Munir. Com treze anos um caminhão da prefeitura nos levou até Caratinga. Lá pegamos a Maria Fumaça para Caparaó (Águas que rolam nas pedras). Minha alegria não tinha limites. Afinal estive no Pico da Bandeira. Uma linda história para contar em uma outra vez. Agora precisava entrar na Banda. Osso duro. Munir era magro e alto. Usava o chapéu Escoteiro virado, mas muitas vezes preferia uma boina preta tipo Montgomery. Eu nem sabia quem era esse tal Montgomery. Usava o uniforme caqui e uma bota cano longo. Sujeito estranho o Munir. Chamá-lo de Munir era briga na certa. Senhor Maestro Munir! Ele encarava você nos olhos, uns dois minutos, você não sabia onde esconder.

             A Banda treinava todas as quintas feiras entre sete e dez da noite atrás do cemitério do Azarão. Um campinho de futebol, próximo à cidade, mas cujo barulho não incomodava os vizinhos. Só os coitados dos “defuntos”. A Banda não era grande, não era. Tinha se não me engano, ou se me lembro bem, quatro tambores, dois tambores-mor (daqueles enormes quase um metro de altura) cinco tarois, oito caixas claras, quatro bombos, seis cornetas e dois clarins. Clarins! O meu sonho. Um dia iria tocar um. Mas precisava ter curriculum na banda para pelo menos encostar um dedo nele. Munir era severo. Ria pouco. Um olhar dele gelava todo mundo. A Banda dos Escoteiros era famosa. Nas festividades todos ficavam a espera da Banda. Ela além de passar em frente ao palanque das autoridades onde tinha uma cerimônia própria ia de rua em rua como a saudar os habitantes que saiam de suas casas e vinham para saudar a Banda dos Escoteiros.

            Precisavam ver a pose do Munir, com sua varinha, seu chapéu virado, sua bota cano alto a marchar à frente da Banda fazendo gestos, como se estivesse regendo uma grande orquestra. Alí ele era o Rei. Era exigente o Munir. Marchar bem, com honra, respeito, garbo e boa ordem. Bastava um para destoar e ficar fora da banda por meses. Sua palavra era a lei. Ninguém desfazia. Eu ia sempre aos treinos da Banda. Ficava ali abobalhado olhando cada um com seu instrumento. Antes tinha trinta minutos de ordem unida. Munir não gritava. Seus gestos eram graciosos. Sabia com perfeição fazer os sinais manuais de formaturas. Apito? Detestava. Na frente da banda um sinal seu e ela parava de tocar. Outro alguém gritava: Em frente marche! Todos juntos. Se alguém errasse valha-me Deus! Eu olhava tudo, caixas, tarol, tambores, bombos, cornetas, mas meu xodó era o clarim. Jasiel e Marquinhos eram os donos dos dois. Sentiam-se importantes demais para olhar para mim. Eram seniores.  

          Só faltava ao treino da Banda quando ia acampar. Este era sagrado. Uma excursão, bivaque, acampamento sempre estiveram em primeiro lugar. Um dia achei em um pé de Manga, um galho que se cortado iria ficar igual a um clarim. Preparei meu instrumento medieval com carinho. Ficava em casa horas com ele na mão. Levava a boca, fingia que tocava, balizava e sorria. Sonhava em tocar a Alvorada, o Silêncio, o reunir, debandar e tantos outros toques. Decorei todos. A Patrulha me absorvia. Eu amava minha patrulha. Entre ela e a Banda só tinha uma escolha. A patrulha. Um dia tomei coragem. Cheguei em frente do Munir. Conferi meu uniforme. Tinha que estar pronto como se fosse uma inspeção. Munir era exigente. Posição de Sentido, meia saudação – Sempre 
Alerta Senhor Maestro Munir, gostaria de participar da Banda! – Tinha treinado em casa em frente ao espelho como falar com ele. Se errasse ele nem na minha cara ia olhar mais.


          Tomei um susto. Ele olhou para mim. Nem piscou. Cara fechada. Ficou também em posição de sentido. Bateu um calcanhar sobre o outro. Plok! - Quinta! As sete em ponto! Se chegar atrasado não venha nunca mais! – Sai gritando de alegria. Contava para todo mundo. A Patrulha me parabenizou. E agora como você vai fazer? – Fácil disse. Os treinos são as quintas e dificilmente saímos em atividade neste dia. Nos desfiles vão todos. Portanto dá para conciliar. – Não dá não disse o Romildo Monitor. Quinta agora não vamos acampar em Bom Jesus? É feriado lá e aqui. Minha nossa! Eu pensei e agora. – Bom Jesus ficava a vinte e cinco quilômetros de distancia. Sabia que íamos de bicicleta. Não podia perder meu primeiro dia na Banda e nem no acampamento. Tinha uma menina em Bom Jesus que me olhava e ria nunca falamos, mas naquela época namoro era assim. Acho que eu estava apaixonado por ela.

           Dito e feito. Na quinta às quatro da tarde voltei sozinho a minha cidade. Correndo como um louco estrada a fora. Cheguei no campinho as sete em ponto. Suando, cansado, mas com um sorriso no rosto. Posição de sentido e lá estava eu me apresentando ao senhor Maestro Munir. No primeiro dia só treino de ordem unida. Ele me deu um tambor pequeno oito treinos depois. Terminando voltei correndo para Bom Jesus. Só três anos após comecei na corneta e o clarim quando fiz dezessete anos. Meu sonho na Banda aconteceu. Toquei clarim por muito tempo. No exército era com muito orgulho o corneteiro do dia. Nunca faltei a um treino, desfile e nem tampouco nas minhas atividades ao ar livre. Encontrei Munir muitos anos depois em Colatina. Ele bem velho. Eu com meus trinta e cinco anos. Olhou-me com aquela cara feia, ficou em pé, em posição de sentido. Sempre Alerta! Ele disse. Eu fiz o mesmo. Maestro Munir! Que prazer! Já com aquela idade ainda tinha medo do Senhor Maestro Munir. Ele riu. Nunca o tinha visto dar um sorriso. Abraçou-me. – Sabe Osvaldo, eu sempre gostei de você. Nunca o esqueci. 

             Os tempos são outros. As bandas não são como antigamente. Não existem mais os Maestros como o Munir. Sei de muitos grupos escoteiros que venderam ou doaram sua banda. Imposição dos dirigentes? Que pena. Dá para conciliar. Da para treinar sem incomodar. Até hoje olho com saudades os desfiles. Quando vejo uma banda fico “arretado” e “arrepiado”, adoro isto. Na minha juventude a Banda símbolo era a dos Fuzileiros Navais. Tive o prazer de vê-la tocar muitas vezes. Mas os tempos foi passando, as bandas foram ficando para trás. As histórias de uma banda no Grupo escoteiro se foi e quase não é contada mais. Se eu pudesse, se meu corpo ajudasse eu teria um grupo. Um Grupo Escoteiro fantástico. Meninos vibrantes. Acampamentos mil. E mais o que? Claro, uma banda. Ia com certeza achar um Maestro Munir por aí. Que vida louca seria. Mas sonhos são sonhos. Com a minha idade não dá mais para que meus sonhos sejam realidade.

Sempre Alerta corneteiro! Toque por favor, um toque da alvorada! Adoro-o e quantos já ouvi quando o sol vermelho, escondido pelo orvalho da noite, resolvia aparecer em um céu de brigadeiro. Vou cantar para você a mais linda canção da alvorada de todos os tempos! Sei que irá adorar!   

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Katixilda, a Cascavel encantada do Vale dos Sinos.



Lendas escoteiras.
Katixilda, a Cascavel encantada do Vale dos Sinos.

                         Eu sei de muitos escoteiros que tem medo de cobras. E que medo. É uma preocupação dos pais. Eles dizem: - Mas lá não tem cobras? Cobras, cobras, quantas já vi. Aprendi a conhecer uma bela Cascavel (é linda!), adorava quando via uma bela Surucucu negra, ou uma Urutu. E as Jararacas? Tantas diferentes. Cada uma mais espetacular que a outra. Custei a aprender a identificar uma coral venenosa de outra que não era. Só fui ver pessoalmente uma Sucuri com onze anos. Linda! Enorme. Meu pai contava que uma noite na revolução de trinta a tropa parou para descansar. Sentaram em um enorme tronco. O tronco começou a mexer e andar. Assustados levantaram. Uma enorme Sucuri. Ele ria quando contava, afinal éramos no regimento mais de quarenta soldados e todos sentados no “tronco”. Este meu pai era um pandego.

                        Sempre foi uma preocupação. Eu nunca me preocupei. Quantas vezes acampei na minha vida? Centenas e centenas de vezes. Quantas cobras mordeu alguém neste período? Nenhuma. Nunca ouvi falar de um Escoteiro mordido por cobra. Aprendi que basta conversar normalmente, andar no mato sem medo, fazendo barulho, um bom fogo à noite e as cobras desaparecem. Elas é que tem medo da gente. Só atacam se sentirem hostilizadas ou ameaçadas. Mas poucos acreditam nisto. E por falar a verdade se matei duas ou três cobras foi muito. Ouve uma época em uma fazenda que as casas de cupins proliferavam. Um trator de esteira limpava, mas ficava os buracos. Lá sempre uma Cascavel. O gado não tem medo e assim uma vez ou outra morria um deles picado por elas. Resolvi então ser um “Caçador de cobras”. Fazia um pequeno fogo no buraco, elas saiam sorrateiras e eu as laçava com uma vara grande com um cabo amarrado. Toda semana mandava umas duas para o Instituto Butantã. Ele nos mandava as caixas de madeira própria para isto. Sem despesas.

                     Mas chega de “galengas” e vamos ao ponto. Vamos à história. Aconteceu as margens do Rio Parecis. Acampamos lá por três noites. O Senhor Nicodemos proprietário das terras deu permissão e nos alertou das cobras. Eram muitas, deveríamos tomar cuidado. Acampamos bem próximo ao Vale dos Sinos. Espetacular! Bambus de todos os tipos. Quedas d’água formando piscinas naturais. Uma floresta enorme, quase intocada. Um lago enorme, não deu para ver o seu tamanho. Era para mim o melhor local de acampamento que tinha visto. Eu estava com meus dezesseis anos. No primeiro dia ficamos por conta da preparação do campo. Um programa que discutimos na sede dizia que devíamos construir um pórtico, diferente, para ser feito no próximo Acampamento Distrital de Patrulhas. Soubemos que haveria uma competição e o melhor pórtico receberia um prêmio.

                    No segundo dia fui até um local descampado para ver se achava “Barro Branco”. Um barro especial muito bom para cobrir construções, fazer paredes, colocar nas panelas para ficar fácil à limpeza, construir fogões, fornos tantas coisas que nem lembro mais tantas que fiz. Logo ouvi o barulho conhecido. O chocalho de uma cascavel. Melhor voltar. Sabia que era um aviso e quem avisa amigo é. Dei meia volta quando ouvi uma voz rouca e baixa. – Pode falar comigo? – E agora? Quem seria? Procurei e não vi nada. Logo ela apareceu. Era uma linda Cascavel. Seu chocalho era maravilhoso. Mas “diabos” Cascavel fala? Não fala. É um animal peçonhento que ninguém gosta. Eu não tinha nada contra. Parei e olhei para ela. Ela levantou a cabeça e depois metade do corpo. – Fale, eu disse. Mas longe de mim! – Calma ela disse. Não vou morder você. Não posso mais. Não tenho mais veneno. Não sei o que está havendo. Todas as cobras do Vale do Sino perderam suas condições de produzir o veneno que precisam para sobreviver.

                      Caramba! E agora? Uma cobra que fala? Estou maluco? – Ela continuou – Iremos fazer uma reunião hoje na Pedra do Sapo Morto. Todas as cobras estarão lá. Eu queria convidar você. Quem sabe pode ajudar? – Eu ajudar Dona Cobra? - Claro que sim ela disse. Mas me chame de Katixilda. É meu nome de batismo. – Boa esta pensei. Cobras batizadas. Devia estar sonhando. Mas recusar? Nuca. Convite feito convite aceito. Ela me pediu para ir só. Às quatro da tarde daquele dia. – Dito e feito disse ao Monitor que ia a uma reunião de cobras. Ele riu a valer. Sabia onde era a Pedra do Sapo Morto. Lá fui eu no horário marcado. Na porta encontrei com a Katixilda. Centenas de cobras espalhadas. Jiboias, urutus, cascavéis, corais de todo tipo, jararacas, e interessante, lá estava uma Cobra Marrom que não existe por aqui, sem esquecer duas dezenas de Píton. 

                     Ninguém olhou para mim. Olhavam divertidos para uma cobra Surucucu, mais de três metros, muito velha e gorda, que contava piadas. Piadas? Isto mesmo ela ria e dizia – O cara era gordão. Resolveu fazer suas necessidades perto do meu barraco. Quando abaixou dei duas dentadas no seu gordo trazeiro. Precisavam o ver gritando – Meu Deus! Minha Nossa Senhora! Vou morrer! Ajudai-me todos os demônios. Mal sabia ele que não tinha veneno. – E lá na igreja do povoado? Foi em um domingo. O padre celebrava a missa e entrei na igreja. Afinal não posso rezar também? Devagar fui me aproximando do altar, quando ele me viu berrou alto – Cobra! O capeta na igreja! Corram meus amigos, salvem-se quem puder. Eu também corri. Sabia que um valente iria aparecer para me matar. E ela a Surucucu rolava de rir. Uma enorme Píton Amarela assumiu a presidência. Deu a palavra franca. Discutiram muito. Como achar o veneno? Onde ele foi parar?

                     Entrei na conversa – Onde bebem água? No lago disseram. Pois é lá que estão perdendo o veneno. Deve ser a quantidade de sapos que moram lá. Deixam sua gosma na beirada da lagoa e vocês bebendo engolem a gosma deles. Passem a beber só no riacho. – Uma salva de palmas. Palmas? Elas batiam o rabo nas pedras para fazer barulho. Precisavam ver o barulho de dezenas de Cascavéis batendo o chocalho. Dona Píton veio até onde eu estava e agradeceu. Agora podemos voltar ao que éramos. Muito obrigado escoteiro. – De nada respondi. Faço sempre uma boa ação e ajudar as cobras era uma obrigação. Ri do que disse. Mas ali me tornei amigo delas. Prometeram-me nunca morder um escoteiro. Confiei na palavra delas. Voltei para o acampamento. Catixilda sorria e me acompanhou. Pediu para me dar um beijo. Abaixei e ela passou a língua no meu rosto. Sumiu depois na ravina do pescador.

                    Quando conto esta história ninguém acredita. Fazer o que? Se não acreditam num escoteiro sênior irão acreditar em quem? Tudo bem, pelo menos fiquei amigo das cobras. Sempre quando ia acampar tirava um tempinho para jogar conversa fora com elas. Dizem que somos amigos dos animais e das plantas. Cobra não se enquadra? Que seja. Eu nunca mais matei nenhuma. Se precisassem de mim, podia contar. Só neguei quando uma Cascavel enorme queria saber onde era o Instituto Butantã. Queria ir lá com mais uma centena de cobras para soltar todas que estavam presas lá. “Necas” eu disse. Ela não ficou com raiva e sempre querendo me dar um beijo. Quantos beijos de cobras eu ganhei? Não sei e não quero saber. A gente não escolhe os amigos. Eles aparecem e as cobras? Claro são minhas amigas e eu adoro elas! Risos.                   

sábado, 20 de abril de 2013

As mil e uma noites de um acampamento de verão.



Conversa ao pé do fogo.
As mil e uma noites de um acampamento de verão.

                              Chefe! Oh Chefe! Galo não tem dente! Eu falava e morria de rir. – Aquele tinha e olhe uma dentadura de fazer inveja. Dentes enormes. Eu ria todos nós riamos. Alí na beira do Riacho Grande nos encantávamos com as historias do Chefe Joe. Na cidade o chamavam de Comandante. Todos o respeitavam muito. Meu pai disse que ele foi piloto da F.E.B (Força Expedicionária Brasileira) e pilotava um P.51 – Mustang. Meu pai dizia que ele tinha muitas histórias para contar das esquadrilhas e ele ria quando diziam para ele – “Senta a Pua”. Ele sabia que isso significava que o piloto tinha coragem e que na hora da disputa aceleravam o avião o mais rápido possível. Tudo mudou depois que ele chegou. A tropa pequena, muitos escoteiros saindo, o nosso Chefe de grupo não sabia o que fazer. Chefe Nelson não quis mais ficar e não tínhamos ninguém. Nem sei como convidaram o Chefe Joe. Ele já estava entrando nos seus cinquenta anos. Loiro, alto e magro, cara lisa sem bigodes, cabelos embranquecendo, andava meio curvado apesar de ainda ser bastante esperto.

                                Naquela noite de verão a nossa Patrulha de Monitores estava acampada ha dois dias as margens do Riacho Grande. Cada dia mais nos divertíamos. O Chefe Joe tinha tudo para nos atrair. Ele era demais. Isto não existia antes. No grupo o Doutor Mamede o Chefe do Grupo estava preocupado. O Chefe Joe deu férias para todos os escoteiros, ou melhor seis deles pois ficou com oito. Dizia que sem bons Monitores e subs não podia haver uma tropa escoteira. Eu estava lá, não era Monitor nem sub mas fui escolhido. Adorava o Chefe Joe. Chegava a sonhar com ele. Mudou tudo na tropa. Pouco ficávamos na sede. Era excursão, jornadas, bivaques e acampamentos. Cada um mais gostoso que o outro. Aprendemos com ele cada técnica mateira que nunca sonhávamos. A arte do uso do cipó foi por nós absorvida a ponto de abandonarmos inteiramente o sisal.

                               Passava das dez da noite. Uma brisa gostosa e o fogo se mantinha aos trancos e barrancos. Um céu estrelado mas nossos olhos estavam fixos no Chefe Joe. – Continuando, Ventania tinha dentes, tinha mesmo. Podem acreditar. Ele me olhou e eu olhei para ele. Precisava dos ovos e ele era o dono do galinheiro. Ficamos encarando um ao outro. Caminhei até o primeiro ninho e ele me deu uma mordida na perna e uma esporada no braço com sua perna direita. Sua espora era enorme – Olhei para ele e disse - Quer briga? Vais ver com quem está se metendo! Sou um Comandante! Estive na guerra! Um galinho de nada me desafiando? Levantei os dois braços, preparei para lhe um soco e ele de novo me deu outra esporada. A galinhada no galinheiro fazia uma anarquia danada. Galo maldito! Josenilton devia saber aonde ia me meter. Ele érea o dono do galinheiro. Comprei duas dúzias de ovos e ele disse estar com pressa – Vá lá ao galinheiro. Tem muitos ovos. É só pegar.

                              A Patrulha rolava de rir. Precisavam ver como o Chefe Joe contava a história. Sempre fora assim. Durante o dia em um jogo ele fantasiava de tal maneira que a gente se achava mocinho, polícia, soldado, índio, ou seja lá o que for. Nossos acampamentos eram demais. Ele para nos adestrar a cada atividade trocava o sub. Monitor, dizia que ele era o Monitor dos Monitores. O sub precisava aprender a liderar. Quando foi minha vez tremi. Um medo enorme. Mas achei que me dei bem. Nas Conversas ao Pé do Fogo ele balançava a cabeça ficava em pé como se estivesse bêbado e dizia: - Tenho que liderar, tenho que liderar. Meu corpo depende de mim! Em pé! Firme! Então ele ficava ereto e andava em linha reta indo e voltando. – A gente não entendia mas aos poucos seus exemplos e explanações nos  fizeram aprender a liderar com amor, com respeito e um belo dia ele disse:

- O Dia chegou. Vocês estão preparados. Mandei chamar os meninos que dei licença. Não voltarão todos mas alguns virão. Agora se vocês fizerem com eles o que fiz com vocês teremos em breve quatro patrulhas das melhores que existem. Dito e feito. Agora era outra reunião, outra motivação. Claro que não era só nós os responsáveis. Afinal o Chefe Joe era único. Ele sabia como dirigir a tropa. Só que ele dizia que não dirigia, nós os Monitores sim. Ele acompanhava e orientava. – Mas Chefe! E o Senhor, conseguiu ou não os ovos no Galinheiro do Josenilton? – Ele ria, seu sorriso era contagiante. – Achei melhor deixar os ovos lá. Se o Ventania defendia com tanto vigor seu lar não seria eu quem iria obrigá-lo a fazer o que não queria. Quando sai do galinheiro, ele se reuniu com outros galos, chamou as galinhas e deram uma tremenda vaia em mim! Kkkkkkk!

                - Isto é mesmo verdade Chefe? – Claro ele dizia, quando voltei lá no galinheiro outro dia com o Josenildo ele se posicionou para briga. Eu não entrei. Não ia de novo brigar por uns ovos. Josenildo me trouxe três dúzias e um pintinho. – Como recordação Comandante. Se tiver um lugar pode criar sem susto. É filho do Ventania. E não é que era verdade? Com dois meses os dentes começaram a nascer.  Vendaval mora comigo até hoje. É meu amigo, meu companheiro e toma conta de minha casa como ninguém! – Pensei em pedir a ele para conhecer o galinho Vendaval mas achei melhor que não. Ele ia se sentir insultado pela dúvida. Durante cinco meses a tropa cresceu, já estávamos com quatro patrulhas completa. Ninguém faltava.

                  Uma tarde de verão Chefe Joe chegou à sede. Abriu o porta mala do seu carro, fez uma saudação Escoteira. Ninguém entendia, saltou de lá um galinho. Cheio de dentes. Era o Vendaval. Tal pai tal filho. Ninguém podia se aproximar. Mas nós riamos a valer. O livro de Atas da Corte e de todas as patrulhas ficou cheio com os relatos dos escribas. – Olhava para o céu. Um cometa passou brilhando deixando um rastro de pedras preciosas. Estávamos todos em silêncio. Até o Chefe Joe agora estava calado. Ele também vidrado no céu brilhante. Pensei comigo que ele voltava ao passado, pilotando seu Mustang nas lutas infernais que participou. O Laranja dos foguetes zumbindo no ar, a cor purpura explodindo em um céu que iluminava o piloto tentando escapar com seu paraquedas. Seu avião uma bola e fogo a cair em meio da metralha da noite.

                       Lembro que em uma noite, estamos todos na porta de sua barraca, onde ele prazerosamente fez para nós, bancos baixos e nunca ficávamos sem um café na brasa um biscoito uma bala de hortelã. Nesta noite ele olhava para o céu estrelado e nos disse pensativo, voz baixa, olhos fixos no céu: – Sabem, quando precisarem compreender melhor uma situação, um problema, é preciso ver as coisas com certo distanciamento. Se tiverem aborrecimento, injustiças, desgostos, sonhem que estão em um Mustang, subam com seu avião às alturas e olhem lá embaixo as pessoas. Tão minúsculas. Pequeninas e nós somos tão grandes! Porque nos preocuparmos com pequenas coisas? Eu fazia isto e olhe, meu equilíbrio emocional voltava e a raiva desaparecia. Eu nunca tinha visto um Mustang. Eu forjava um na minha mente. Mas era um Teco-Teco o único que conhecia. Mas me sentia um verdadeiro piloto. Ria de mim mesmo ao me chamar de Comandante!

                   Deus sabe e o que faz. Trouxe-nos o melhor Chefe do mundo. Olhe não existe nenhum Escoteiro da Tropa Senta Pua que não se orgulha do nosso Chefe. Quando chega às noites de verão, Ele chama a Patrulha, e lá estamos nas montanhas verdejantes, nas campinas mais distantes em ravinas ou vales floridos a acampar com o Chefe Joe. A Patrulha de Monitores sempre está em ação. Gosto disto. Adoro ser Escoteiro e ter um Chefe como o meu Comandante me faz vibrar e me orgulhar do nosso querido movimento. E quer saber mesmo? Amo de montão o meu Comandante. O meu querido Chefe Joe.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

O lobisomem de Onda Verde e o valente Escoteiro Pedrito.



Lendas Escoteiras.
O lobisomem de Onda Verde e o valente Escoteiro Pedrito.

            Debora Bottcher uma poetiza sintetizou de uma maneira estupenda como seria as lendas que correm pelo mundo. Ela tem um poema lindo, que parte dele diz: - “Sou lenda, porque a lendas correm livres junto ao vento, buscando as vozes da memória para que alcancem as histórias perdidas no tempo”. Não que Pedrito o cozinheiro da Patrulha Coruja fosse o “faloreiro”, ou melhor, um garganta na cidade de Onda Verde. Afinal Onda Verde no interior de Goiás era considerada uma cidade com o melhor ar do mundo. Onde se podia sentir o aroma das flores, onde se podia ver a relva verde como se fosse uma onda espalhada sem mar. Calma, pacífica, menos de vinte mil habitantes era um paraíso para os que nasceram lá. Mas o Escoteiro Pedrito nascido e criado lá não era fácil. Contava “patacas”, valentias e até criava histórias impossíveis, e que ele sempre era o herói. Seu Chefe de tropa sempre disse a ele do primeiro artigo da lei. Uma só palavra. – Pedrito deixa de ser garganta! Dizia sempre. Ainda bem que todos sabiam que sua imaginação era fértil, e compreendiam.
   
            Mas eis que um fato aconteceu e tudo mudou de repente. Um boato surgiu do nada e serviu de motivo para que todos habitantes não saíssem à noite. Contava-se a boca pequena que alguns moradores juraram ter visto um lobisomem rondando a cidade na ultima semana. Até os escoteiros que tinham o costume de ir à sede a noite na Rua Garça ficaram com medo e só saiam em patrulhas e nunca sozinhos. Sempre tinha os mais entendidos que diziam que o perigo era só nas noites de lua cheia e em uma encruzilhada. “Aí então era um Deus nos acuda” O monstro passava a atacar animais e se não tivesse atacava os homens ou as mulheres. Diziam que ele adorava sangue humano. Só volta ao normal quando vem o raiar do sol.

            Naquela quinta a lua era quarto crescente. Na sede da Rua Garça todas as patrulhas estavam reunidas com o Chefe Naldinho e o Assistente Renato. Lá estavam os águias, os corujas, os touros e os elefantes. Ninguém faltou. Sabiam do grande jogo e ninguém queria perder. Seria uma “Busca ao Tesouro Perdido” na cidade. Achavam que seria um jogo estupendo. Seis pistas espalhadas pelos quatro cantos de Onda Verde. A primeira seria uma espécie de carta prego. Cada Patrulha deveria abrir em determinada hora em um ponto da cidade. O que não estava agradando a todos era o horário do jogo. O Chefe tinha determinado que fosse de seis da tarde às dez da noite. Assim ele disse o jogo seria mais difícil e para encontrá-lo seria preciso olhos de coruja. Claro os Corujas também não ficaram muito animados. A conversa de esquina do lobisomem amedrontava a todos. Menos Pedrito.

           Para mostrar coragem ele dizia que ia achar o tesouro e “caçar” o lobisomem. Mostrava os braços estendidos fazendo pose de como ia derrubar o Lobisomem com um soco somente. No meio da testa. A Patrulha se reuniu para discutir sobre o jogo. Mas Lavério um Escoteiro antigo entrou com o assunto do lobisomem. Disse que fizera uma pesquisa sobre Lobisomens e que ele se originou de uma lenda antiga. Segunda a lenda, o lobisomem seria o sétimo filho após uma sequência de filhas mulheres. Ele seria um homem normal, que se transforma em meio lobo meio homem durante as noites de lua cheia. A lenda dizia que as Quartas feiras de cinzas e a Sexta feira santa seriam os dias mais propícios para o aparecimento do lobisomem. Quando ele aparece para se saciar de sangue humano, dizia Lavério.

          Todos deveriam tomar cuidado, continuou Lavério, quando os cães ficassem agitados, não parassem de latir, pois eles poderiam ter avistado o Cachorro grande que nada mais nada menos seria o lobisomem. A Patrulha ficou muda. Ninguém dizia nada. Pedrito logo se levantou. Se ele aparecer me chame, dou um jeito nele! Todos riram. Naquela noite foram para casa juntos. O ultimo a chegar seria Pedrito. Quando Nando ficou na casa dele ele sozinho, começou a ficar com medo. Agora sem ninguém na esquina da Peçanha ele pensava se topasse com o Lobisomem. Nem pensar! Que Deus me ajude! Saiu correndo virou a próxima esquina e entrou em sua casa espavorido.

           Os dias foram passando. A Patrulha se encontrando e se preparando para o grande jogo. Na sexta feira seria entregue aos Monitores uma carta prego dando a primeira pista. Sabiam que no envelope só estaria escrito o local e o horário aonde eles os Corujas deveriam abrir. As instruções só quando abrissem. Conheciam as cartas prego. Não era segredo, mas ninguém sabia como era a primeira pista. Naquele dia era noite de lua cheia. Não ficaram na sede até tarde como era costume. Só comentaram sobre a carta que tinham recebido e “diabos” o local para abrir seria na Rua Balalaica, em frente ao portão do cemitério! Caramba! Pedrito não gostava dali. Claro seria às seis da tarde, mas mesmo assim ele não gostava do cemitério. Jurava ter visto um dia uma alma do outro mundo voando baixo em cima das catacumbas.

               Pedrito naquela noite não pensava em assombração, capetas, ou mesmo o tal lobisomem que por sinal estava sendo esquecido por toda a cidade. Assoviava baixinho uma linda canção Escoteira que aprendera no último acampamento e pensava como seriam lindos as montanhas e lagos existentes na canção. Disseram que assim cantavam os caçadores de peles daquele país, no passado, quando não conseguiam caçar nada e voltavam em seus caiaques cantando tristonhos e saudosos de suas famílias que há tempos não viam. Ao virar a esquina da Rua do Papagaio, viu um vulto correndo em direção ao Matadouro do seu Luizão. Para dizer a verdade em outras épocas Pedrito teria corrido sim em direção a sua casa, mas, como estava sem histórias para contar, resolveu correr atrás do vulto. Nem olhou para trás e quando olhou era tarde de mais.

                 Viu o vulto passar pelo matadouro e entrar no cemitério. Nove da noite ele começou a tremer e deu meia volta. Deu de cara com o Lobisomem. Enorme, parte de cima peluda, dentes enormes, olhos vermelhos chamejantes, unhas dos pés e das mãos enormes. O bicho o pegou pelo lenço Escoteiro e o levantou no ar. – Quem é você magrelo papudo? Perguntou. – Pedrito tremendo e já molhando sua calça curta respondeu chorando – Sou o Pedrito Senhor Lobisomem! – Pare de borrar de medo e seja homem! Falou o Lobisomem. – Mas sou um menino Senhor Lobisomem, bom Escoteiro da Patrulha Coruja, bom filho, bom aluno. Solte-me pelo amor de Deus! – O lobisomem chegou sua boca fedida no seu rosto e disse – Vou lhe dar uma mordida na orelha, se gostar vou tirar todo seu sangue, se não gostar quebro seu pescoço e o deixo ir embora! – Pedrito estava quase desmaiando de medo. Sem perceber quando o Lobisomem ia morder a sua orelha ele foi mais rápido. Deu uma dentada na orelha dele. O bicho berrou! Maldito disse. E o soltou levando a mão na orelha.

                Ninguém soube explicar, mas a Patrulha toda apareceu para ajudar Pedrito, estavam com seus bastões e o Lobisomem tentou correr e caiu na calçada bem em frente ao portão do cemitério. Ao cair a mascara de lobisomem se soltou e todos viram que era “Seu” Chulápio, o coveiro do cemitério. – Então é o Senhor o Lobisomem não “Seu” Chulápio, fingindo e assustando todo mundo. “Seu” Chulápio choramingando pediu pelo amor de Deus que não contassem para ninguém. Ele não tinha diversão nenhuma no cemitério. Nem mesmo uma alma do outro mundo ou um fantasma aparecia mais. Deixaram-no sozinho, pois tinha mais de seis meses que não morria ninguém na cidade.

                  A patrulha ficou com pena do “Seu” Chulápio. Prometeram não contar nada. Mas o Pedrito, ora, ora. O Pedrito contava para todo mundo da mordida que deu na orelha do Lobisomem. Todos riam e olhe, Pedrito fazia questão de passar em frente ao cemitério todas as noites de lua cheia. A cidade passou a admirar sua coragem. O Lobisomem apareceu outras vezes e não deixou de fazer alguns habitantes correrem feito loucos. Alguns juraram de pé junto que viram muitas vezes em noite de lua cheia, o Lobisomem abraçando Pedrito. Quem não gostou foi à mãe de Pedrito. Teve que dar muitas lavadas na calça de Pedrito. O jovem Escoteiro valente tinha “borrado” ela de tal maneira que quase teria sido melhor comprar uma nova.

                  Bem, deixa o Lobisomem para lá. O jogo da Caça ao Tesouro Perdido foi um sucesso. Melhor para Pedrito que junto a sua Patrulha acharam a sexta pista fácil. Claro, com a ajuda do “Seu” Chulápio que viu o Chefe colocando o tesouro no Mausoléu da família Crispim. Ninguém soube da ajuda e nem Pedrito contou para ninguém. O Tesouro? Oito canivetes suíços. Lindos. Valeu. Certo ou errado, Pedrito era um bom escoteiro. E como caçador de Lobisomens e Vampiros sua fama correu mundo. Mundo? Claro, mundo de Onda Verde, a cidade que ele viveu e morreu amando para sempre. 

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Rosas brancas e perfumadas para Dona Noêmia.



Lendas escoteiras.
Rosas brancas e perfumadas para Dona Noêmia.

                      Ela morava bem no final da minha rua. Sua casa tinha fundos para o Rio Mimoso. Lembro que no final da cerca havia um belo pesqueiro. Mas ninguém tinha coragem para pescar ali. No quintal havia pés de manga, goiaba e cheio de cana Caiana. Na frente de sua casa centenas de rosas brancas. Só rosas brancas. Porque não outras cores ninguém sabia. Enfrentar o olhar de Dona Noêmia? Nunca. Um medo danado. Não era só eu e sim a cidade inteira. Morava sozinha, acho que tinha uns cinquenta ou sessenta anos, não sei. Diziam que era viúva, mas ninguém conheceu seu marido. No Grupo Escolar Mascarenhas de Moraes ela era a diretora. Alí ninguém dava um pio. Respeito é bom e eu gosto ela dizia. Todos entravam em silêncio e saiam calados. Onde ela passava se fazia silencio. Alguns adultos diziam – Boa tarde Dona Noêmia. Ela olhava e seus olhos pareciam sair chamas de fogo.

                    A escoteirada passava longe. Os lobos endiabrados ouviam sempre da Akelá Maísa – Querem que chame Dona Noêmia? Quem fala muito paga pecado, assim dizia minha mãe. Chefe Onofre naquele sábado disse que infelizmente ia mudar de cidade. Estava tentando achar alguém para ficar no seu lugar. A tropa ficou chorosa. Todos gostavam dele. A semana inteira o comentário correu em todas as patrulhas. Fazia-se reunião na Touro, nos Morcegos, na Águia e durante o dia na loja do Martinho. Seu filho da Raposa trabalhava com ele. – Quem seria o novo Chefe? Será o Nonato pipoqueiro? O Sacristão Isaias? Ou o Professor Clementino? Ninguém sequer imaginava. O jeito era esperar o sábado.

                   Interessante, uma hora antes todos estavam na sede. Nem nos cantos de Patrulha foram. Estavam a espreita na porta da sede, no portão e vi dois apinhados em um abacateiro enorme olhando a rua da sede. Chefe Onofre chegou sozinho dez minutos antes do horário. Chamou para a bandeira.  Ninguém com ele. Um frenesi corria de um para o outro. Depois do cerimonial fizemos um jogo estupendo. E assim a rotina da reunião continuou. Até esquecemo-nos do Chefe novo. Quem sabe ele desistiu e vai ficar conosco? A surpresa veio no arreamento. – Chefe Onofre assumiu uma pose de “pobre coitado” e apresentou o novo chefe. Ou melhor, a nova Chefe. Dona Noêmia! Incrível! Ninguém estava acreditando. Ela chegou séria com seu cabelo branco amarrado em um coque, um chalé em cima de uma blusa de manga comprida marrom, uma saia azul simples abaixo do joelho e um sapato aberto em cima de uma meia fina que parecia tirada do fundo do baú. Nunca em minha vida olhei para Dona Noêmia. Aquele foi o primeiro. Um medo danado. Era magra. Magra mesmo. Um palito em pé. Alta pelo seu porte. Nariz afilado pontiagudo, uma boca pequena e entre o nariz e a boca um bigode ralo.

                   A cidade em peso não acreditou. Ninguém acreditava. Ela só disse oi e que nos veríamos na próxima reunião. Bragg! Que medo. Achei que ninguém ia aparecer na reunião. Até “sapo de fora” estava lá para ver. Ela chegou. Deus do céu! De uniforme caqui calça curta abaixo das canelas secas, sem o lenço e um chapéu que parecia ser maior que sua cabeça. Dirigiu o cerimonial com perfeição. Depois foi até o meio da ferradura, fez a saudação, disse a Promessa colocou o lenço e virou para tropa dizendo – Confiem em mim como eu irei confiar em vocês. Foi o início. Chamou os Monitores. Falou com eles por cinco minutos. Vou dizer uma verdade foi a melhor reunião de tropa Escoteira que já participei. Onde ela aprendeu? Era Escoteira? Onde? As mulheres não só eram autorizadas na Alcatéia? Um mistério.

                   Dois anos com a Chefe Dona Noêmia. Ninguém tirava o dona. Um medo danado. Mas aos poucos fomos aprendendo a admirá-la, a gostar dela. Uma noite em um Fogo de Conselho ela nos contou uma bela história. De uma menina perdida cuja mãe morrera e ela não tinha ninguém. Sua luta, sua vontade em acertar, criou em redor de sí uma aureola de rigidez, para que ninguém pudesse aproveitar. Uma história linda e triste. Só mais tarde é que a história se explicou para mim, era a história dela. A tropa passou a amar a Chefe Dona Noêmia. Todos tinham a maior admiração. Antes poucos sorrisos agora em profusão. A cidade não entendeu nada. Ainda no Grupo Escolar e entre seus alunos hoje crescidos o medo existia. Na tropa adorada pelos escoteiros.

                Dois anos e quatros meses de felicidade na tropa Escoteira. Cheguei a tirar minha Primeira Classe. Pensava triste quando fosse passar para os seniores. Não queria. Mas sabia que não podia continuar com quinze anos. Um sábado a Chefe Dona Noêmia não apareceu. Preocupação geral. Nunca faltou. Toda a tropa resolveu ir saber o que ouve. Fomos juntos a sua casa. Medo de bater na porta. Mas eu fui. A porta estava encostada. Tremendo abri. Chefe Dona Noêmia caída no chão. Ainda respirava. Pedimos ajuda. Levada ao hospital foi constatado um ataque cardíaco. Ficou entre a vida e a morte dois meses. Na tropa não sabíamos o que fazer. A Corte de Honra se declarou em sessão todos os sábados. Numa quinta Chefe Dona Noêmia se foi.

               O escotismo para mim nunca mais foi o mesmo. Mesmo nos seniores uma saudade “danada” de Chefe Dona Noêmia. Ainda lembro até hoje o mutirão que fizemos a procura de rosas brancas para suas exéquias. Nunca vi tantas em seu tumulo. Todos os escoteiros acharam que eram suas preferidas. Ate hoje uma vez por mês ainda vou lá. Em frente ao seu tumulo coloco um buquê de rosas brancas. Dou um sorriso. Na minha mente faço uma oração. A única que aprendi e que me disseram ser Escoteira.
"Senhor, ensina-me a ser generoso, a servir-te como mereces, a combater sem temor das feridas, a dar sem contar, a trabalhar sem descanso. A sacrificar-me sem esperar. Outra recompensa, que há de saber que faço a tua santa vontade”.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

O Cisne Negro da asa partida.



Lendas escoteiras.
O Cisne Negro da asa partida.

                   Beth Blue era muito amiga da Celia desde os tempos que ambas foram coordenadoras bandeirantes. Beth Blue me visitava uma ou duas vezes por ano. Eu a conheci em cursos, pois sempre recorria a ela pela sua vasta experiência com lobinhos. Era Akelá em um grupo do outro lado da cidade. Infelizmente pela idade poucos a convidavam. Não dá para entender. Lembro que ha alguns anos atrás ela me contou esta história. Era uma tarde linda. Junto com a Célia ela nos fazia companhia na varanda e o sol ia aos poucos se pondo no horizonte. Beth Blue sabia contar histórias. Narrava com perfeição. Prendia a todos nós com seus gestos, seu timbre de voz que mudava de acordo com o desenrolar da história. Ela me garantiu que era uma história verdadeira. Como duvidar de Beth Blue?

                   Olhe Chefe, no verão passado fomos fazer um acantonamento No sítio Caminho Azul de um pai de um Escoteiro. Local magnífico. Um lago não muito grande, um bosque gramado, um campinho de futebol e um riacho pequeno de águas límpidas. Os lobinhos adoraram. Nossa Alcatéia era composta de dezoito lobos. Dez meninos e oito meninas. Muitos com um ou dois anos de atividade. Pretendíamos ficar lá três dias aproveitando um feriado prolongado. A casa sede tinha dois quartos e mesmo assim levamos quatro barracas. Se o tempo permitisse dormiríamos em casas de lona. Chegamos cedo. Por volta de nove da manhã. Duas mães estavam conosco para ajudar nas atividades e refeições. Eu estava com mais três assistentes. Um Balú, uma Kaá e a Bagheera. A Chill não pode ir.

                   Mas vamos ao que interessa. Após o almoço cuja matilha branca alega que foi ela quem fez (risos) claro sem esquecer as duas mães cozinheiras. Fomos fazer um jogo calmo. Não tão calmo e sabíamos que ele levaria pelo menos uma hora para ser todo desenvolvido. Eram três bases. Uma um Assistente escondia em cima de uma árvore um relógio que devia ser visto de um só na ângulo. Outra um Assistente com duas sacolas e a cada cinco segundos tirava um objeto, o jogava para cima e guardava na segunda sacola. Seriam vinte objetos. A terceira um sisal amarrado entre duas árvores a uma altura de três metros aproximadamente e quatro petecas.

                    O jogo consistia no seguinte: - Uma matilha em cada base. Quinze minutos para cada uma desenvolver sua tarefa individualmente. Na primeira eles deveriam ver no perímetro marcado onde estava o relógio. Avistando não deveriam apontar e nem dizer nada. Iam até o Assistente responsável e em uma prancheta escreviam onde estava e assinava e dizia uma lei do lobinho. Após os quinze minutos um grito longo de Lobo, trocavam-se as bases. Na segunda eles deviam observar por um minuto os objetos que eram jogados ao ar e memorizar. Depois cada um recebia uma caneta e uma folha de papel para escrever o que estava na memória. Em seguida deviam em conjunto cantar alguma canção Escoteira. A terceira base cada um devia usar a peteca, dar uma palmada que devia atravessar por cima do sisal, ante de cair o lobo ia para o lado contrário e dar outra palmada devolvendo. Ai a peteca podia cair ao chão. Se isto acontecesse ele teria feito a prova. Para não demorar a base tinha quatro petecas.

                   Tudo corria tranquilamente, os lobos se divertindo e o tempo foi passado. Pensamos que dez ou vinte minutos por base seria suficiente. Pretendíamos naquela tarde que o banho no riacho fosse feito mais cedo. Foi então que Letícia, uma lobinha de oito anos veio correndo avisar que viu um lindo Cisne Negro. Interessante. Não sabia que ali existiam esses pássaros. Fui até lá com ela. O cisne Negro era um espetáculo. Se abrisse as asas acho que teria bem um metro de envergadura. O cisne tinha os olhos fixos para uma árvore. Não se importava conosco. Nem nos olhava. Logo todos os lobos ficaram em volta. O cisne nem estava aí. Só olhando para a árvore. O Balu tentou descobrir o que tinha na árvore. Conseguimos avistar lá em cima um grande ninho. Só podia ser do Cisne Negro. Observando melhor o Cisne notei que uma das asas estava meio caída. Deduzimos que ele ou ela não podia voar.

                   Deveriam existir filhotes e o Balu subiu na árvore e confirmou. Eram dois e piavam sem parar. Lembrei que eu tinha feito uma pesquisa há tempos sobre Cisnes. Chamei a Alcatéia e aproveitar para falar sobre eles. Enquanto isto o Balu foi até o lago a procura de plantas e pequenos bichinhos para alimentar os filhotes. Os lobos em volta do cisne que não olhava para ninguém. Só para a árvore. – Sabem lobinhos, comecei – O cisne gostas de lagos, brejos e outras áreas de água doce ou salgada. Vivem em bandos. Alimentam-se de plantas aquáticas e parei de falar. Vi que Norminha uma lobinha se aproximou do cisne. Passou a mão em sua cabeça. Ouvimos um cantar diferente. Não identifiquei. Parecia que o Cisne chorava. Toda a Alcatéia começou a chorar.

                   Levei os lobos para a Casa Grande, tentamos mudar o rumo do programa, mas o Cisne não parava de cantar. A noite ele calou. No dia seguinte ainda estava lá em pé olhando para a árvore. O Balu alimentava os filhotes duas vezes ao dia. No dia do retorno, os lobos levantaram cedo. Correram até devia estar o cisne. Não estava mais lá. Como? E a asa partida? E os filhotes? O Balu subiu na árvore e encontrou o ninho vazio. O cisne e os filhotes haviam partido. A lobada começou a chorar. Tentamos mostrar que foi bom, que a mãe e os filhotes agora podiam voar e foram para onde deveriam ir. Eu sabia que quando se aproximava o inverno eles em bandos descolocavam para regiões de clima mais ameno. Mas não adiantou. Os lobos com olhos vermelhos chorando por não verem mais o Cisne Negro da Asa partida.

                 Às quatro da tarde, já com a tralha pronta, fomos para o cerimonia de bandeira. Os lobinhos formados em círculo e em posição para o Grande Uivo. Quando eu ia fazer o sinal ouvimos um barulho de asas. Olhamos para cima, centenas de cisnes voando em direção ao infinito. Três deles desceram até nós, um grande e dois pequenos. Eram eles! Voaram sobre nossas cabeças por alguns segundos e partiram. Todos calados. Um grito explodiu na alcatéia. Uma alegria imensa. Todos gritaram alto – Bravô! Os lobos sabiam que era o Cisne Negro e seus filhotes que vieram se despedir. Ninguém nunca mais esqueceu. Contavam a todos na sede, seus amigos da escola e a história durou muitos e muitos anos.

                  Beth Blue se calou. Olhei para ela, Célia também. E? - Fim Chefe. Nada mais. A noite chegou. Um cafezinho e Beth Blue partiu. Fiquei ainda por longo tempo na varanda. Uma ótima história. Seria verdade? Sei não. E como se diz por aí das histórias escoteiras contadas:
- Feijão não é vaca, boi não é arroz. E quem quiser que conte dois!

sábado, 13 de abril de 2013

Verdade seja dita Antônio. O sonho não acabou!



Lendas escoteiras.
Verdade seja dita Antônio. O sonho não acabou!

                           Quando lonyalto me procurou eu fui franco com ele. – Desculpe meu amigo, mas escotismo não é minha praia. – Vi que ele ficou chateado, claro tinha feito a sua promessa na semana anterior e estava todo empolgado. Ele achou que eu ia me interessar e entrar na tropa dele – Mas Antonio! Você está pré-julgando! – Não estou não meu amigo. O Alex foi franco comigo. Prometem a você uma coisa, te engabelam e depois você descobre que foi tudo um engodo. Ele contou tudo. E eu acreditei nele. Disse-me que o escotismo era um movimento de jovens, onde eles decidiam seus programas, claro sob a supervisão de um adulto, que eles aprendiam a fazer fazendo, que eram espetaculares suas atividades ao ar livre, que lá acampados a Patrulha fazia tudo para montarem uma réplica rústica de suas casas. Contou ainda que lá aprenderiam a subir e descer em árvores com nós que se desmancha que iriam fazer travessias em córregos e lagos por uma ponte pênsil. Quantas promessas.

                          - Não foi nada disto Antonio, Disse-me ele. Cheguei lá e vi um chefe mandão, em lugar de um irmão mais velho encontrei um sargento que achava que éramos militares. Demoramos para ir ao campo e que decepção, ele só sabia mandar correr, a dizer que o Escoteiro não corre, voa e um monte de coisas que em vez de ensinarem a gente ele é que fazia. Desisti em dois meses. Não volto lá nunca mais. Lonyalto não me respondeu de pronto. – Bem Antonio, sei de sua amizade com o Alex, mas você sabe que eu também sou seu amigo. E amigo nunca mente para outro. O Alex teve uma experiência em um Grupo Escoteiro que se esqueceu do método do nosso fundador. Nosso grupo não. Porque não vai neste sábado fazer uma visita? Passo aqui para irmos juntos. – Não podia negar o pedido de Lonyalto. Afinal éramos da mesma sala de aula e morávamos na mesma rua, acho que a idade dele era a mesma da minha. Doze anos.

                            No sábado ele passou em minha casa à uma da tarde. Disse a minha mãe aonde ia – Você vai? Ela disse. Não comentou que o escotismo não era sua praia? – Mamãe, é um pedido de um amigo. Não posso negar. A reunião começava às duas e meia da tarde. Chegamos às duas. A maioria das patrulhas já estavam lá. Cada um em um canto do pátio da sede. Fui para a Patrulha de Lonyalto, ele me presentou ao Monitor. Disse que eu estava ali para ver como era os escoteiros. Vou ser sincero, gostei do que vi. A Patrulha era de todos. As opiniões também. Vi que havia ali uma grande amizade.   O Chefe Capistrano era gente boa. Sempre com um sorriso nos lábios, sempre com a palavra nós. Nunca eu. Consultava os Monitores, deixava por conta deles alguns jogos e treinamento das patrulhas. Ele sempre junto sem interferir. Sempre com aquele sorriso. Depois da reunião me procurou – Gostou? Disse. É Chefe. Gostei.

                            Fomos para a sede. Ele me explicou tudo que deveria fazer para se matricular. Perguntou-me o que eu esperava em encontrar ali. – Amizade, fraternidade e aventura! – Ótima escolha. Se você entrar é isso que vai encontrar. Depende de você. Quando começa sua responsabilidade também começa a nossa para lhe atender. A tropa é de todos nós. Na sua Patrulha a união faz a força e todas as quatro juntas é uma força descomunal. – Só tem um porem, disse. Seu pai e sua mãe tem de vir juntos aqui fazer sua inscrição. – Não serve só um deles? Não ele disse. E olhe, é melhor preveni-los, quem vai entrar no grupo são eles, você vai ser aceito se eles estiverem juntos e cumprindo os deveres de sócio.

                           Uma pedreira. Meu pai? Ir lá? Nem que a vaca tussa! Mas não desisti. A principio disse que não iria. Insisti. Nada. Insisti novamente. Insisti a semana inteira. – Você venceu! Disse. Para ficar livre de você vou lá no sábado com sua mãe. – Comentei com Lonyalto. Ele me disse – Confie no Chefe Capistrano. Depois me conte às mudanças que vai haver em sua família. Dito e feito. Meus pais e o Chefe conversaram por horas. Até se inscreveram em um informativo para pais que durava cinco horas. – Meu pai chegou em casa e rindo disse – Agora sou mais que um pai, sou um Chefe. E deu boas gargalhadas. Enfim fui aceito no grupo. Toda aquela burocracia demorou três semanas.

                           Naquele sábado eu meu pai e minha mãe fomos apresentados a todos do Grupo Escoteiro depois do cerimonial de bandeira. Não havia como escolher a Patrulha. Só na Quati tinha uma vaga. O Monitor veio alegre me cumprimentar. Disse aos meus pais que eu estava bem “guardado” na Patrulha, eles não precisavam se preocupar. Convidaram meu pai e minha mãe a participar do grito da Patrulha em minha homenagem, pois agora começava minha nova etapa como noviço. Eu já sabia que iria demorar dois ou três meses até estar devidamente preparado para a promessa. Sabia também que só após ela iria vestir o uniforme. Sonhava com isto.

                             Após a reunião o Chefe Capistrano me chamou em particular e me disse – Antonio, você começou nova vida conosco, vai aprender a ser homem de uma maneira diferente, vai aprender a ter honra, ética vai aprender a Lei do Escoteiro. Você será outro na escola, e seu procedimento vai mudar você agora é um Escoteiro. Representa milhões de outros irmãos espalhados pelo mundo. Eles confiam em você. Espero que você seja também mais um irmão nosso. Sua Patrulha é sua segunda família. Mantenha o respeito para com eles e assim todos o respeitarão.  Estarei em qualquer hora e qualquer dia a sua disposição. Precisando, não importa se é dia ou noite, eu seu irmão mais "Velho" não vou abandonar você nunca!

                                 Nunca mais esqueci aquele dia. Meu começo no escotismo. Até hoje me sinto como um pesar de minha vida profissional não me dar muito tempo. Conto para todos os meus amigos o orgulho de ter sido um. – Um o que perguntam? – Ora, um Escoteiro meu caro, meu sonho de menino nunca acabou. Ele mantém viva a minha chama Escoteira, que como dizia meu Monitor: de BP trago o espírito, sempre na mente, junto de mim e no meu coração estará!

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Uma lobinha no Vale das Flores Cinzentas.



Lendas Escoteiras.
Uma lobinha no Vale das Flores Cinzentas.

                     Sempre o dia de reunião era dia de sorriso. Quando entrou sonhava com os sábados. Dona Florência sempre a inquiria: Tininha! Volte para seu mundo! Estamos na sala de aula! – Tininha se transportava. Não importa onde estivesse. Via-se na Bandeira, no Grande Uivo. E sempre sonhando em ser chamada para hastear ou harrear a Bandeira. Ela tremia de alegria. Seu coraçãozinho batia mais forte. Mas precisava voltar para a escola. Seu espírito vinha correndo, pois quando Dona Florência dizia era melhor tomar cuidado. Tininha sentia no ar o perfume das flores. Sempre se imaginava em uma colina cheia de flores coloridas a correr junto com o vento. Seu rosto sempre desabrochando um sorriso. Na Alcatéia não era diferente. A Akelá Norminha, o Balu Gilberto e a Baguira Francisca para ela era um sonho que virou realidade. Nas reuniões ela vibrava. Cantava, sorria, pulava. E os amigos? Não eram amigos, eram irmãos lobos, pois não foi assim quem disse Kaá? – Somos do mesmo sangue tu e eu?

                      Mas um dia notaram um rosto sério, não havia mais sorriso, a alegria de Tininha desapareceu. Era como se seu lindo jardim cheio de flores coloridas tivessem todas elas se tornadas cinzentas. Esta era uma vantagem dos chefes da Alcatéia. Eles conheciam seus lobos um por um. Nunca quiseram ter uma grande Alcatéia. Mesmo assim eram dezoito. Oito meninas e dez meninos. A alegria de participar era tão grande que dificilmente alguém saia e faltar então? Os pais vinham até a sede para pedir aos chefes ajudarem, pois precisavam fazer uma viagem ou então umas férias e eles não queriam de forma alguma abandonar as reuniões, as excursões e os acantonamentos.  O que tinha acontecido com Tininha? Esperaram duas reuniões para investigar. A Baguira conversou com Tininha. Ela abaixava os olhos e não dizia nada. Só dizia que iria sair dos lobinhos.

                      Tentaram tudo para saber dela o que aconteceu. O que a fez mudar. A Baguira Francisca que morava mais perto da casa dela ficou encarregada de ir lá. Estava passando da hora. Uma função de chefes escoteiros e eles não podiam fugir. Tinham de saber o que estava havendo. Dona Helena, mãe de Tininha não foi muito educada no telefone. Alegou falta de tempo. Mesmo assim a Baguira Francisca insistiu. – Tininha não tem nada – respondeu. Ela anda meio triste e taciturna, mas vai ser por pouco tempo. – Toda criança é assim. Não havendo abertura na mãe a Baguira Francisca ligou para o Senhor Wantuil seu pai. Ele foi mais simpático. – Olhe deve ser por que eu e a Helena vamos nos divorciar. Infelizmente não temos mais condição de ficar juntos. – Pronto. Alí estava o motivo do procedimento de Tininha.

                      A Baguira Francisca sabia. Tinha sofrido na própria pele tal tipo de situação. Ainda estava sofrendo. Seu marido a deixou por outra. Não brigou, não gritou. Dizia para sí própria que tinha de levar sua vida sem ficar se lamentando. Era difícil, mas a vida era dela e de seu filho agora escoteiro. Ela sabia que as crianças são as mais vulneráveis nestas situações. Nunca entendem as situações mais complexas e ficam confusas perante o que acontece na família. Emocionalmente a consciência desabrocha e tendem a culpar-se pela ruptura familiar. Ela sabia que Tininha pensava que se tivesse se portado bem, o seu pai não teria saído de casa. A Baguira Francisca sabia que nem todas as crianças reagiam assim. Mas este devia ser o caso de Tininha.

                      Conversou longas horas com a Akelá Norminha e o Balu Gilberto. Interferir, dizer para Tininha que o mundo era assim, que ela precisa aceitar a separação, que seu pai e sua mãe a amavam e outras explicações do gênero ficaram em duvida. O melhor era deixar o tempo passar. Não podiam de maneira alguma entrar no problema da família. Não deviam nunca. O pai e a mãe dela eram adultos, sabiam o que iriam fazer. Muitos parentes e amigos já devem ter interferido e nada se resolveu. Sabiam que o escotismo é uma maneira de colaborar com os pais e não os substituir. O melhor era tentar levar Tininha de novo para o Jardim das flores coloridas. Esta era a visão dela e esta visão tinha de voltar.

                        Aos poucos o sorriso voltou nos lábios de Tininha. Aos poucos ela começou a sorrir e a ser aquela Tininha de sempre. O Balu Gilberto disse que tinha visto ela com o pai em um parque de diversões e ela gritava de alegria nos brinquedos. A separação houve. Cada um sofreu muito, mas o tempo cura feridas. No dia que Tininha recebeu o Cruzeiro do Sul só sua mãe compareceu. Mas quando ela passou para as escoteiras seu pai estava lá. A vida continuou. Tininha cresceu. Soube mudar quando preciso. Os chefes souberam agir. Sabiam que não poderiam nunca ser pai e mãe de lobos. Não era a função deles. Isto é que fez da Alcatéia uma família feliz. Todos os lobos se respeitavam, pois seus chefes eram mais que chefes, eram seus irmãos e amigos por todas as horas.

                       Nem sempre todas as situações são assim. Tem aquelas que não se muda a trilha que foi determinada pelo destino. Mas não podemos pensar em termo de desânimo em tudo. Como dizia Day Anne, planto flores no caminho, para que não me falte borboletas. Foram elas que me ensinaram que o casulo não é o fim. É o começo!