Crônicas de
um Chefe Escoteiro.
Escotismo Civismo
e cidadania. Um “causo” do acontecido.
Conheci Marco Aurélio na década
de sessenta. Nem sei como fomos nos encontrar ali, em um pequeno arraial, próximo
a cidade de Itanhomi. Na época eu tentava a sorte vendendo livros Os empregos
praticamente não existiam e eu não podia viver à custa dos meus pais. Com meus
vinte e três anos sentia que minha responsabilidade me fazia procurar algum
útil e claro, me manter profissionalmente. Era um bar simples, mais para
boteco, mas a fome que eu estava nem ligava onde poderia comer. Uma mesa na
entrada com dois bancos compridos, coberta de sapé dava uma sombra gostosa e
tranquila. Um refrigerante quase sem gelo e dois pães com mortadela era meu
almoço e comia como se fosse a melhor refeição do mundo. Disseram-me que ali eu
poderia pegar um ônibus para Residência e de lá para minha cidade seria fácil.
Ele chegou e sorriu para mim. – Desculpe senhor, posso me assentar aí também? –
Claro meu amigo eu disse. Ele riu quando viu o que tinha nas mãos e era igual
ao suculento almoço dele. Pães com mortadela e refrigerante.
E não é que ele era Escoteiro? Ali
naquele fim de mundo, comendo um belo lanche de mortadela e logo um Escoteiro
chega para jogar conversa fora. Aos poucos ele contou como entrou para o
escotismo. – Olhe Vado, sempre morei em Salto Grande, uma cidade de 40 mil
habitantes. Eu tenho lá uma pequena fábrica de sapatos herdadas de meu pai que
herdou do meu avô. Eu fui educado por eles de uma forma diferente. Na cidade
todos me olhavam como se eu não fosse como eles. Claro que não era eu era tudo
que meu pai me deu quando jovem, Fazia questão do cavalheirismo, da ética e da
cidadania. No entanto levar para todos o que eu pensava era impossível. Como
andava de cabeça em pé, e nunca me meti em falcatruas ou mesmo arruaças.
Naquela cidade eu era tido como um exemplo para todos. Um tarde de agosto, há três
anos passados no final de um domingo, dormitava em minha varanda quando percebi
na minha porta uma senhora e quatro Escoteiros. Gostei da maneira com que se
apresentaram e como me dirigiram a palavra respeitosamente.
Se existe uma coisa que sempre fiz
questão foi à educação dos jovens com os adultos. E eles se dirigiram a mim
dizendo senhor, olhando-me nos olhos, e isto me cativou. Dona Matilde contou-me
uma história que me emocionou. A Tropa 222, do Grupo Escoteiro Santo Ângelo
estava em vias de desaparecer. O Grupo Escoteiro fundando há oito anos no
inicio estava indo muito bem. Com uma Alcateia e a tropa estavam partindo para
organizar a tropa sênior em breve. Pedi a ela para me explicar o que era tropa,
Alcateia e Grupo Escoteiro. Foi uma aula gratuita de escotismo que ela me deu. Sentados
ali na varanda Dona Norma uma espécie de tia que me ajudava nos afazeres da
casa nos serviu um café com biscoitos e precisava ver a educação dos quatro
jovens a se servirem. Ela foi direto ao ponto quando explicou que o antigo
Chefe Fasano, tinha falecido há quatro meses em virtude de um câncer no
cérebro. Isto destruiu metade do grupo em um mês. Ninguém aceitava aquele
destino, pois amavam o Chefe como se fosse um pai.
- Senhor Marco Aurélio, viemos aqui
contando que vai aceitar nosso convite para ser o Chefe da tropa. Falei com os
meninos sobre o senhor e a maioria já o conhece. Para eles teria que ser alguém
com moral e ética e o senhor preenche bem seus desejos. Olhei os quatros
jovens. Dois meninos e duas meninas. Olhavam-me como se eu fosse o seu líder,
aquele que podiam contar. Quer saber? Não pedi um tempo. Aceite de pronto e os
sorrisos valeram minha resposta. Sempre me bati com a questão de cidadania, da
ética e da honra e nada melhor que um movimento de jovens que acreditam nisto
para que eu pudesse colaborar com eles. No primeiro dia conversei com todos,
ainda não sabia que o Sistema de Patrulhas me dava à liberdade de ter meninos
que dirigem outros meninos. O tempo me ensinou muitas coisas e vi que o
escotismo era um manancial para que os jovens tivessem uma formação adequada
para um país que precisavam de homens e mulheres em quem se pudesse confiar.
Quando li os livros Escoteiros do
fundador e outros sabia que tinha dado um passo certo. Senti claro que os mais
antigos me consideram um seguidor deles, e pouco se abriam para que eu pudesse
sugerir e mostrar como funciona uma democracia. Não eram todos, mas aos poucos
fui batalhando e com o passar dos anos aceito da forma como era. A cidadania
expressa um conjunto de direitos que dá a pessoa a possibilidade de participar
ativamente da vida de do governo de seu povo. No escotismo a cidadania não era
vista assim. Acreditava e acredito que precisamos ensinar também aos adultos o
que ensinamos aos jovens através das patrulhas e dos monitores esta tão falada
democracia. Ainda tem alguns que pensam que a democracia seria aquela que o faz
dono da verdade e das ações. Eu sei que a participação numa sociedade ideal não
é fácil de ser implantada. Como a liberdade consciente e imperfeita numa
democracia como a nossa, poderiam todos pensar que seria uma utopia mudar esta
visão.
Aos poucos fui fazendo cursos e vi
até que alguns dirigentes que ali se prestavam a colaborar não estavam
devidamente preparados para sua função de educador. Para dizer a verdade fiquei
em duvida se eu tinha amigos Escoteiros ou lideres que só mandavam e nada mais.
Não desisti e fiz outros afinal não é em um dia ou dois que teremos adquiridos
todo o conhecimento que precisávamos. No livro do fundador dizia ele que
aprender com os jovens é como se cursar uma faculdade escoteira. Eu sabia que quem
não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de
decisões e isto poderia colocar a todos numa posição de inferioridade dentro do
grupo social. Por isto aceitei o desafio. Fiquei quatro anos ininterruptos. Mas
o pior aconteceu. Eleita uma nova diretoria sem eu perceber começou a luta de
egos, cada um querendo mostrar sua liderança seu poder e eu novato não entendia
bem onde eles queriam chegar.
Não deu outra. A disputa de
egos foi tanta que um deles pediu a intervenção regional do grupo. Desisti. Isto
mesmo fui embora para minha casa. Os meninos choraram e tentaram me demover,
mas enquanto estivessem no grupo pessoas atrás do poder em sabia que não tinha
condições de ajudar em nada. O grupo não durou três anos. Fechou as portas. –
Perguntei a ele e você? O que fez? – Chefe, o caminho estava livre. Voltei,
reabri o grupo, convidei pais sem sonhos de poder e hoje estamos fazendo um
belo escotismo. – É eu pensava com meus botões. A verdade sempre aparece. Uma
buzina e vi a velha jardineira chegando. Um abraço, um aperto de mão e um
desejo de nos vermos novamente. Quem sabe? E lá fui eu rumo a Residência onde
se tivesse sorte pegaria um ônibus no mesmo dia para casa.