No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras

No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras
A aventura está apenas começando

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

A rebelião dos bichos.


Lendas escoteiras.
A rebelião dos bichos.

               Tudo aconteceu na primavera daquele ano. Foi uma surpresa, para mim e confesso que fiquei surpreso. Muito. Vi que a sede Escoteira sem ninguém saber ou ser informado, se tornou uma selva de tantos bichos, aves e peixes. Como eles respiravam não me pergunte. Vieram de todas as partes do Brasil. Claro um representante de cada espécie. Desculpe. Nada de Arca de Noé não. O motivo era outro. Em cada grupo da fauna brasileira foi escolhido o mais douto, o mais sábio e o mais educado. Afinal entre eles a ética e o respeito existe. Eles pretendiam mostrar sua civilidade aos escoteiros de todo pais. Era uma revolta surda, mas educada, ficaram calados por muito tempo, mas tinham de tomar uma providencia. Não me deixaram entrar. – Aqui humanos não entram. Tudo bem eu pensei. Fiquei na janela assistindo. Que organização eles tinham. Chegavam papagaios, corujas, cisnes de todas as cores, gavião-carijó, águias, sem contar as duas onças, uma pintada e a outra parda. Eram centenas deles. O salão nobre ficou lotado.

                A Coruja-buraqueira foi escolhida para presidir os trabalhos. Pedindo a palavra ela começou: – Meus amigos, vocês sabem que aqui foram convidados somente às espécies da fauna brasileira. Ainda ontem o Quatipuru veio reclamar para mim que nunca o escolheram como nome de Patrulha. O mesmo aconteceu com o Tucunaré, O Sagui de tufo branco e outras centenas deles. Resolvi fazer uma pesquisa. Para mim é fácil. Sei que é difícil para os dirigentes escoteiros, mas deu para ver que os jovens hoje só querem nomes pomposos, se possíveis retirados da fauna americana ou europeia. Não vou citar aqui os nomes esquisitos em inglês que eles colocam. Até astronautas eu já vi. Um absurdo. E olhem meus amigos, tenho conhecidos nestes países e me disseram que lá ninguém liga para nossa fauna. Eles são autênticos. Uma palma estrondosa repicou no salão nobre.

               - Continuou a Coruja Buraqueira. Temos que tomar uma providencia. Afinal se os escoteiros e seniores não nos escolhem, é melhor que façamos uma revolução e quando eles forem acampar, iremos gritar infernizar a vida deles. As tais patrulhas de nomes esquisitos não terão mais nosso apoio. – Uma cobra venenosa, a Surucucu estava presente – Riu baixinho – Deixa comigo dona Coruja. Eu e a Cascavel do chocalho negro, damos umas mordidas e resolvemos logo este problema. Todos riram. – Não! Não é assim que vamos resolver. Precisamos estudar uma fórmula de mostrar o que somos, mas educadamente. Olhem, só para ter uma ideia, vou convidar para um desfile aqui no palco alguns animais, aves e peixes que nunca foram lembrados pelos escoteiros. Que façam uma fila e vão passando em minha frente dizendo seu nome:

                Começou o desfile. Ali estavam o Veado Catingueiro, o Quatipuru, a Cotia, O Touro Nelore. O desfile era longo. Logo veio a raposa verde, a Jaguatirica, a Doninha amazônica, O Zorrilho, a Baleia Azul, O Golfinho, o Boto cor de Rosa, o Ouriço Preto, o Puma do Pantanal e o Macaco Prego. Cantando veio o Macuco, a Codorna Amarela, o Aracuã do Pantanal, o Mergulhão Caçador, o Maçarico, o peixe Tucunaré, a Traíra, O Piau, a Jacupemba, o Sagui de Tufo Branco e o Príncipe Negro. Não faltaram o Bugio, A Ema, a Iguana, a Garça Branca, o Boto Vermelho, o Tracajá, o Canário da Terra, o Tatu Peba, o Gaivotão, o Mutum de Penacho, o Cervo do Pantanal, o Jacaré Açu, o Mocó, o Tuiuiú, o Tucano, o Quati, O Beija Flor, o Tamanduá Bandeira, o Martim Pescador, O Lobo Guará, a Ariranha, a Arara Azul... Um desfile enorme. Todos tristes. Atrás deles tinham mais de cem animais e aves para desfilar. Uma tristeza enorme no salão.

                 Foi o Beija Flor dourado quem tomou da palavra – Amigos e Amigas pretendo nunca mais beber do caldo açucarado que eles põem para mim nos campos de patrulhas. A Coruja Buraqueira concordou e disse: Eles não me verão mais nos galhos próximos aos Fogos de Conselho. O Canário Belga falou lá no fundo do salão: - Eles nunca mais me verão cantar nas madrugadas. Era uma choradeira só. – Vamos tomar uma posição rosnou alto a Onça Pintada. Vamos dar uma surra neles quando forem acampar! – Nada disto, replicou a Coruja Buraqueira. Vamos fazer um abaixo assinado. Quando o próximo sábado chegar, entregaremos uma copia a cada Patrulha que for a reunião. Cada um de nós que tem asas fica responsável. E assim foi feito. Levaram para as patrulhas, o abaixo assinado por mais de 5.000 membros da fauna Brasileira. Lá escreveram suas insatisfações com a escolha de nomes estrangeiros para as patrulhas e porque não se lembraram deles.


                   Fui embora e eles nem notaram. Estava triste. Era uma verdade. Não só nos nomes de patrulhas, mas também nas tropas e nos grupos. Chegaram ao ponto de copiar uniformes e chapéus esquisitos. Deu-me uma sensação de vazio por dentro. Que sabe daqui para frente, muitas Patrulhas novas irão pesquisar mais a Flora e a Fauna Brasileira? Seria verdade? Não sei. Seria bom se elas pudessem dar valor ao que é nosso, pois se não fizermos isto desde criança, ninguém lá fora vai fazer por nós. E olhe, não participaram desta reunião nossos heróis, nossos poetas, nossos homens que um dia fizeram desta nação um país hoje respeitado. Quem sabe um dia eles irão também se reunir e dizer o que pensam?    

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Mortimer, um lobinho amigo do além.


Lendas escoteiras.
Mortimer, um lobinho amigo do além.

Coveiro.
Numerar sepulturas e carneiros,
Reduzir carnes podres a algarismos,
Tal é, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros!

Um, dois, três, quatro, cinco... Esoterismos
Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,
Na progressão dos números inteiros
A gênese de todos os abismos!
Augusto dos anjos.

                     Mortimer era um infeliz. Era filho de Lomanto da Paz o coveiro do cemitério Flores Singelas. Na escola ninguém se aproximava dele. Tinham medo. Diziam que ele falava com os mortos. Não era verdade, mas que acreditaria nele? Sua casa ficava dentro do cemitério e mesmo linda, pintada de azul e branco com muitos manjericões e rosas brancas que seu pai plantava e cuidava com carinho, ninguém nunca pediu para conhecer onde morava. Sua mãe morrera quando nasceu. Seu pai o adorava e o tratava com carinho e um amor enorme. – Mortimer meu filho, um dia vão reconhecer que seja onde for a nossa casa é sagrada. Mas não adiantava o pai falar - Pai! Nós não recebemos visitas! Por quê? – Lomanto olhava seu filho e mesmo querendo explicar que todo mundo um dia iria morar ali, ninguém gostava de tocar no assunto. A morte sempre assustou os vivos.

                   Uma menina de cabelos loiros foi transferida para sua sala. Ele a olhava e quando ela olhava para ele ficava sem jeito e virava o rosto. No recreio ela o procurou. – Quer brincar? Mortimer assustou. Ele no recreio era um eterno esquecido. Ninguém nunca o chamou para brincar. Ficava sempre em um canto olhando todos correndo e sorrindo. Ela o pegou pela mão e começou a correr – Vamos! Tente me pegar! Foi o recreio mais lindo de sua vida. – Pai! Pai! Ele chegou correndo para contar – Pai eu agora tenho uma amiga! Lomanto riu e abraçou seu filho. Os outros jovens da escola olhavam o par com indiferença. Não diziam nada. O boato que corria é que se mexesse com ele os defuntos viriam à noite em seu quarto para puxar o pé. Um dia Noêmia o convidou para ir visitar sua alcateia. – O que é isto? Perguntou. – Uma escola diferente. Nada de carteira. Nada e quadro negro. A professora lá se chama Akelá. Ela tem ajudantes. Cada um tem um nome de bichos da floresta. É como se nós vivêssemos em uma grande floresta.

                  Noêmia contou muita coisa. Mortimer ficou perplexo com o que ela contava. Havia um herói menino chamado Mowgly. Ele se perdeu na floresta e foi adotado por uma Alcateia de lobos. Todos eram amigos dele. Outros animais o protegiam. O Balu um urso grande e peludo, a Baguera uma pantera negra enorme, Hati o elefante e uma grande cobra píton chamada de Kaa. Mortimer queria saber tudo. Noêmia o convidou para ir com ela sábado ao grupo escoteiro. Seu pai foi junto. Vestiram a melhor roupa que usavam na missa dos domingos. Mortimer ficou com medo quando chegou lá. Centenas de meninos vestidos de azuis e cáqui com chapelão. Ele se assustou. Sabia que todos conheciam o Menino do cemitério. O menino que fala com os mortos. Engano. Ninguem disse nada. Foi recebido com palmas. Mortimer chorou de alegria.

                   Em casa falou para seu pai – Pai! Eu nunca pensei que fizesse tantos amigos em um só dia! – Filho, o mundo é bom, tem aqueles que não te conhecem e te julgam pelo que ouvem ou veem sem olhar o coração das pessoas. Mortimer dormiu feliz. Sonhava com o próximo sábado. Sonhava em ser mais na Roca do Conselho. Disse para si mesmo que em breve estaria de azul e a gritar junto a todos no Grande Uivo. Mortimer passou a sorrir também na sala de aula. Chegava perto de muitos da classe e dizia, eu sou lobinho, lá eles são meus amigos. São felizes como eu. Eles cantam, dançam e sabem que a verdadeira amizade nasce de dentro do coração. Mesmo vocês não sendo meus amigos o Balu meu protetor me disse que não importa o que pensam de você, importa o que você pensa deles. E eu sou amigo de todos! – Toda a classe passou a ver Mortimer como mais um deles. Não era mais o filho do coveiro.

                  Dizem, eu não sei e nem posso afirmar que todos os domingos o Cemitério Flores Singelas enche de meninos que vão lá brincar nos arvoredos, no pequeno regato que nasce atrás das montanhas e eu soube que agora toda a cidade vê com outros olhos o lobinho Mortimer e seu pai Lomanto da Paz. Dizem também e eu não sei se é verdade que aprenderam uma lição com os Escoteiros. Eles e os lobinhos fazem questão da amizade. Dizem na cidade que lá todos que entram passam a ser irmãos. Até contam em rodas por aí que eles tem um pacto e quem entra passam a ser irmão de sangue para sempre. Agora que Mortimer cresceu e se casou com Noêmia disto eu tenho certeza. Que tiveram quatro filhos e Mortimer ainda mora no cemitério e é feliz eu também sei. Escotismo é assim, quem não tem amigos lá encontra um montão.


                  Esqueci-me de dizer que Mortimer hoje é o prefeito da cidade. A prefeitura vive cheia de Escoteiros e na porta tem uma grande placa escrita – Lord Baden Powell, cidadão do mundo, O Escoteiro Chefe Mundial e amigo e irmão de todos. Falar mais o que? Escotismo é coisa que marca que entra em nós para sempre. Dizer que somos aventureiros que somos Escoteiros e vivemos para ajudar o próximo é falar o obvio. Mortimer hoje corre o mundo dando palestras. Tornou-se um professor de história e escreveu muitos livros. Ninguem mais o chama de o amigo dos mortos, mas sim de o amigo do mundo. Graças a Mortimer eu também sou Escoteiro e esteja ele onde estiver receba meu abraço apertado, meu aperto de mão esquerda e meu Sempre Alerta!

terça-feira, 21 de outubro de 2014

As aventuras do Escoteiro Chico Landi. Aquele que superou os seus limites.


Lendas escoteiras.
As aventuras do Escoteiro Chico Landi.
Aquele que superou os seus limites.

                            Faz tempo que eu conhecia Chico Landi. Confesso que não tivemos um contato muito próximo, pois eu com meus dezesseis anos e ele com doze havia uma distância muito grande para sermos íntimos. Mas depois que tudo aconteceu seus feitos e histórias foram de conhecimentos de todos. Ele mesmo quando entrou para o restrito Primeiro Grupo de Giwell um dia em um acampamento chamado de Gilwell Park, pois nosso Distrito fazia realizar uma vez por ano com os chefes Insígnias, tive a oportunidade de ouvir dele toda a história que era contada no grupo e que virou mito e lenda o que não era verdade. Ela a história em parte existiu. Disse-me que seu pai era um fã incondicional de Chico Landi, um famoso automobilista brasileiro além de vencer varias provas internacionais e o primeiro brasileiro a participar da Formula um. Este era o motivo de seu nome. Seu apelido de Centelha na Tropa nunca pegou.

                              Chico Landi era daqueles que sempre dizia – Escoteiro não corre, voa! Escoteiro que é Escoteiro não chora da risada! A chuva para o Escoteiro é como pétalas de rosas a cair em seu rosto! Não existe para o Escoteiro a palavra impossível. Sei que ele tinha um caderno onde colecionava estas frases e ele mesmo inventava na hora outras tantas. A Baguira Vera e o Balu Nonato não sabiam como a Akelá Rosinha tinha tanta paciência com Chico Landi. Bem, era um ótimo lobo, mas não parava de reclamar – Kelá! Tem dois meses que fomos ao acantonamento, vamos fazer outro! Kelá chega de reunião na sede. Vamos passear no campo! Chico Landi adorava a natureza. Quando passou para os Escoteiros tudo mudou. Era uma Tropa quase autônoma de chefia. Marcio o Chefe tinha pouco tempo para dedicar e sempre reunia os monitores e subs em sua casa. Trocavam ideias, muitas vezes acamparam juntos e a Tropa seguia sozinha sem adultos. Monty o Guia dizia sempre – Onde tem um Escoteiro tem uma Tropa e onde tem uma Tropa tem aventuras.

                                A vida de Chico Landi se transformou a ponto de Dona Laurinda mandar chamar seus pais para uma conversa. – Chico Landi deixou de estudar, Chico Landi só vive nas nuvens, Chico Landi não pode continuar assim, só fala em escotismo, escotismo e mais nada! Doutor Juvenal pai de Chico Landi era um pai compreensivo. Conversou longo tempo com o filho. Chico Landi adorava o pai. Seguia seus conselhos a risca. Mas Chico amava o campo. Adorava correr pelas campinas, espantar as borboletas coloridas misturando com as flores silvestres os raios de sol de um amanhecer maravilhoso. Ele cantava e como cantava. Sabia fazer qualquer tipo de nós. Reconhecia na natureza qualquer gorjeio, qualquer canto – Olhe! Ouçam! É o pássaro Preto do serrado perdido aqui nas campinas! Pegadas? Chico era um bam, bam. Nos acampamentos sua Patrulha Lobo era a primeira em dar o grito para o almoço, jantar, prontos para inspeção, formaturas e apesar de não ser o Monitor era um motivador sem igual.

                            - Monty, por quê? Monty ria, ora, ora Chico Land, não podemos viver em um acampamento. A sede precisa de nós. Humm! Ele dizia se é assim então vamos fazer um Salcedo? Para quem não sabe Salcedo era um apelido que deram ao Comando Crow. Eles faziam diferente, um de cada lado, ao se encontrarem tinham de passar um pelo outro. Sempre um despencava no chão. A vida era bela para Chico Landi. Uma família que o amava, um grupo Escoteiro respeitado pela comunidade, uma Tropa de aventuras e uma Patrulha sem igual. Bem vamos dar os méritos a Dona Laurinda a professora e o Padre Gabriel. Eles também sem perceber faziam parte da família feliz de Chico Landi. A vida tem destas coisas, quanto menos se espera o destino bate na porta. Não tem jeito. Bateu levou. Desta vez foi uma pancada forte do destino na vida de Chico Landi.

                         Seis bandidos resolveram assaltar o Banco do Brasil. Único na cidade. Prenderam os quatro praças e o sargento Nonô na cadeia. Acharam que a cidade estava dominada. No banco Zé Pinta Cega um vaqueiro da fazenda Luvião não achou graça naquilo. Mandaram todo mundo deitar no chão e um dos bandidos dava chute nas costas e na cara dos clientes. Zé Pinga Cega não levava desaforos para casa. Seu 38 querido estava lá onde sempre esteve. Dentro do bolso comprido de seu paletó feito exclusivamente para carregar seu amigo de tanto tempo. Nenhum dos bandidos reparou nele. Pudera um anão não mais que um metro e cinquenta magro e um bigodinho a lá Charles Chaplin. Com três tiros Zé Pinga Cega matou três, mais um tiro e um caiu estrebuchando no chão, dois correram e Zé Pinga Cega correu atrás. Eles abriram fogo e o Zé Pinga Cega recebeu um balaço nos quadris, mesmo caído ainda atirou. Não acertou ninguém e desmaiou. Os bandidos fugiram sem levar nada.

                                   Levaram Zé Pinga Fogo para o Hospital de Eldorado a vinte quilômetros dali. O povo alegre dançava na praça festejando o acontecido. Ninguem notou que atrás de um pé de Jabuticaba centenária Chico Landi gemia e cantava. Um canto triste. Ele cantava o Rataplã. Ninguem ouviu a principio. Dona Modesta foi quem viu. Deu um grito de susto. Chico Landi sangrava e muito. Seu rosto branco como cera. Mais um para o hospital de Eldorado. Ele tentou imitar o seu herói. Aquele que disse que um Escoteiro caminha com suas próprias pernas. Não deu nem um passo. Ainda estava vivo. Alguém o viu correr para a pracinha quando o tiroteio começou. Uma bala perdida. Chico Landi ficou entre a vida e a morte vinte dias. A escoteirada, a lobada e os chefes todos os dias pegavam o caminhão do seu Rangel e iam para Eldorado visitar Chico Landi. Dona Neném sua mãe dia e noite ao seu lado. Seu Pai o Doutor Juvenal fez tudo que podia. Chico não iria morrer, mas estava tetraplégico. Nunca mais iria andar. A noticia caiu como uma bomba na cidade. A lobada e a escoteirada chorava em todos os cantos. O Padre Gabriel convidou toda a cidade para uma grande missa e pedir a Deus por Chico Landi. Era o menino mais alegre da cidade. Vivaz, grande Escoteiro, amante da natureza, era uma infelicidade ele ficar assim.

                            A praça tomada, quase toda a cidade estava lá. Muitos Escoteiros eram coroinhas e estavam no altar a espera do início da missa. A maioria dos presentes tinham os olhos cheios de lagrimas, A Akelá Rosinha, a Baguira Vera e o Balu Nonato choravam como bebês. Monty o Guia da Tropa estava firme com seu bastão em pé ao lado do altar. Não chorava, mas seu coração estava sangrando. Ninguem podia acreditar no que estava acontecendo. O carro do Doutor Juvenal e dona Neném estava chegando à praça. Traziam Chico Landi em uma cadeira de rodas meio caído do lado. Todos olharam para ele com uma pena enorme. Os soluços aumentaram. Alguém gritou – Uma palma para Chico landi! A praça ribombou de cima em baixo. Chico olhava aquilo sem acreditar. Ele não podia estar tetraplégico. Não podia. Deus não ia dar a ele este caminho.

                        Um grito enorme na multidão. Um silêncio sepulcral. Chico Landi se esforça e fica em pé. Impossível diziam os médicos que o assistiram. Chico sorria. Cambaleando foi até o altar. O padre Gabriel ajoelhou e gritou – Um milagre! Um milagre! Louvado seja Deus! Um coro de palmas durou bem uns vinte minutos. Sorrisos em profusão. Os seis patrulheiros da Lobo o carregaram dando uma volta pela praça. Chico Landi ria e chamava em alto e bom som – “Monty, Monty”! Eu quero acampar! Eu quero voltar ao campo nesta primavera, eu quero ver as flores no monte Sariel, eu quero beber a água da fonte do roncador. Monty, Oh! Monty. Papai e mamãe estão sorrindo eles não vão dizer não!

                             Eu e Jota Maro um Chefe novato, mas já Insígnia escutávamos aquela história absurda, mas tão bem contada que a gente chorava. Um choro simples de alegria, de saber que o final foi feliz. Chico landi levantou do banquinho de madeira que ele mesmo tinha feito. Eu juro por Deus que é verdade. Eu juro por tudo neste mundo. Chico landi ficou em pé, atrás dele um enorme raio de sol, seria o sol da meia noite. O fogo que estava quase acabando se alastrou. As fagulhas da noite iluminaram aquela clareira onde estávamos. Uma brisa gostosa vindo do norte nos pegou de pronto. Olhei para Jota Maro, ele sorria. Olhamos de novo para Chico Landi, ele olhava para o céu. Uma grande estrela brilhante estava lá. A maior estrela que eu já vira até então. Parecia que ela e ele eram um só.


                                  Paro por aqui. Para muitos seria uma história impossível. Para mim a verdadeira história de um Escoteiro que acreditou. Ele era o protetor da natureza. Viveu sua vida em função dela. Como dizia meu amigo Chico Xavier - Em minhas preces de todo dia, sempre peço coragem e paciência. Coragem para continuar superando as dificuldades do caminho naqueles que não me compreendem. E paciência, para não me entregar ao desânimo diante das minhas fraquezas!... “E guardemos a certeza pelas próprias dificuldades já superadas que não há mal que dure para sempre.”.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

O destino de Lomanto Zarilson Mendes.


Lendas Escoteiras.
O destino de Lomanto Zarilson Mendes.

              Desci da barcaça em Pedra Azul no porto da esperança e o vi na beira do Rio Amarelo. A principio tive dúvidas, mas depois a certeza era única. Era sim, tinha agora certeza absoluta. Ali estava o meu amigo Lomanto Zarilson Mendes. O homem mais procurado do mundo! Mudou muito nestes últimos vinte anos. Mais curtido e com aquele chapéu de palha e sua barba branca ninguém diria que era ele. Enchia a caçamba de uma carroça com as famosas areias brancas do Rio Amarelo. – Ei Lomanto! Gritei. Ele me olhou, pensou e depois viu que era eu – Chefe Osvaldo! Que prazer! Fui até lá. Abraçamo-nos. Quanto tempo eim amigo? – É Chefe, faz tempo. – Mas olhe meu amigo Lomanto, não estou entendendo você aqui neste serviço braçal? – Quer tomar um café comigo? Ele disse. Com a carroça cheia e um descanso, então posso explicar. Lá fomos nós até a Praça de Pedra Azul em um barzinho onde ele tinha amigos e fomos muito bem atendidos.

               Sentamos em uma mesinha embaixo de um Jacarandá enorme, com uma sombra linda e agradável. Uma sombra para ninguém botar defeito naquele dia ensolarado com calor acima dos trinta graus. Olhamos um para o outro. Ele sorria. Um sorriso de alguém que encontrou a felicidade. Mas ele também não era feliz antes? – Minha mente voltou em segundos ao passado em Figueira do Rio Mimoso. Cidade onde nasci e cresci. Lomanto, quem não conheceu Lomanto? A cidade inteira sabia dos seus passos. Aos quatro anos diziam que tinha lido todos os livros da biblioteca. Uma mente privilegiada. No maternal as professoras não sabiam o que fazer com uma inteligência de um adulto doutor. Aos seis o colocaram no Grupo Escolar na oitava série. Não deu certo. Ele estava acima disto. O doutor Pilatos emprestou a ele seus livros de medicina. Era comum vê-los discutindo temas médicos na praça da cidade. O mesmo aconteceu com o Doutor Leimon um grande advogado e o Engenheiro Lamartine.

                 Seus pais nos procuraram no Grupo Escoteiro. Ninguém sabia o que fazer, mas recusar nunca. Os chefes de alcateia quebravam a cuca para moderar seus conhecimentos assim como quando passou para a tropa com oito anos. Errado? Não conheciam Lomanto para dizer isto. Se aos nove o vissem em um acampamento ficariam embasbacados. Lomanto era um mestre em tudo. Suas pioneiras tinham o acabamento dos melhores marceneiros do mundo. Fogões fechados e a vácuo, fornos de barro, escadas giratórias, amarras impossíveis de fazer assim como costuras de arremate que ele inventou com cipós. Aos onze insistiu em ir para os seniores. Com menos de seis meses tudo perdeu a graça para ele. Fez uma grande pesquisa sobre o escotismo. Estudou tudo que era publicado pela direção nacional. Aos quinze foi ao seu primeiro Congresso Nacional. Deixou todos embasbacados. Todos o procuravam para tirar dúvidas. Sabia de cor todas as publicações escoteiras no Brasil e no mundo. Sugeriram fazer dele aos quinze anos o novo Diretor Nacional de Formação de Adultos.

                     Foi uma discussão e tanto quando deram a ele aos dezesseis anos o certificado de DCIM. Foi convidado para palestras no mundo inteiro. No Grupo Escoteiro Manto Sagrado onde eu era o Chefe passei o cargo para ele. Foi bom, eu viajava muito. Convidado para cargos políticos recusou todos. Na cidade romarias de cientistas de todo o mundo era comum. Lomanto nunca cobrou nada de ninguém. Conseguiu um emprego nos Correios e lá recebia seus minguados salários. Jornais, revistas, TVs estavam sempre lá em busca de noticias. Lomanto ficou famoso. A WOSM ou OMME insistiram para ele ser o seu Diretor Geral. Não aceitou. Fazia palestras em vários países a convite e com passagens pagas. Foi agraciado com medalhas de diversas organizações escoteiras mundiais. Mas não ficava só nisto. Laboratórios farmacêuticos, grandes empresas de engenharia, outras de advocacia os procuravam sempre para pedir sugestões ou tirar dúvidas.

                      Todos nós que ficamos amigos dele estávamos preocupados. Isto não podia continuar. Seus cabelos aos dezoito anos estava quase todo branco. Seus olhos vermelhos pareciam não dormir nas últimas semanas. Um dia um helicóptero desceu sem nenhum aviso em Figueira do Rio Mimoso. Era a da Policia Federal. O levaram para Brasília. Ministros queriam falar com ele. Os presidentes do Congresso Nacional o intimaram para uma homenagem. O presidente do Banco Central exigiu sua presença. Queria opinião se subiam ou baixavam os juros. O Presidente da República o homenageou no Palácio da Alvorada. O novo Papa mandou um recado para ele ir a Roma. O pentágono ficou cismado. Nações do mundo inteiro mandavam espiões. Figueira do Rio Mimoso começou a ficar insuportável. Surgiram centenas de hotéis pousadas e campings. Restaurantes internacionais, livrarias e até uma TV se instalou ali. Um dia Lomanto sumiu. Ninguém conseguiu achá-lo. A Policia Federal e a Interpol fizeram tudo para encontrá-lo. Seus pais riam quando perguntavam. - Ele agora resolveu ir morar em um templo budista no Tibet. Quer ser um monge e descansar.

                       Aos poucos foram esquecendo-se de Lomanto. A cidade tomou enorme prejuízo com a estrutura hoteleira e outros que se formaram por causa dele. Quinze anos depois acharam que ele tinha morrido. – Pois é Chefe Osvaldo, dizia ele – Achei melhor assim e olhe hoje sou feliz. Conheci Noêmia, minha companheira com quem tivemos três filhos. Ela coitada nem ler sabe. Mas eu a amo demais. Não a trocaria por nada neste mundo. Fingi para ela ser um iletrado. Precisa ver como ela tenta me explicar às noticias que ouvimos no radio. Mudei de nome. Aqui sou conhecido como Arlindo Landiscap. Ela nunca poderia saber o que eu era. Não esqueci nada e minha mente é a mesma. Aprendi a não pensar mais nisto. Aqui comprei esta carroça e faço carretos o que me dá o sustento que preciso. Levantei e me despedi de Lomanto. O trem da Central do Brasil que me levaria a Santos Dumont partiria dali à uma hora. Se não fosse só no outro dia.

                       Lomanto me pediu que não contasse a ninguém. Segredo de escoteiros. Dei minha palavra escoteira. Ele me conhecia e sabia que podia acreditar. Fui embora pensando o que é a vida. As escolhas que fizemos. Cada um sabe onde o sapato aperta. Lomanto poderia ter tido uma vida de rei. Seria mesmo um vida de rei? Entender suas escolhas só se estivéssemos em seu lugar. Escolheu ser um carroceiro, profissão digna, mas humilde. A maior inteligência de todos os tempos estava ali, apagada em um lar de quatro pessoas. Uma mulher e três filhos. Um lar de privilegiados. Mas quem disse que eu escolho a minha felicidade? Nunca. Você, só você sabe o que fazer para ser feliz. Que Lomanto com seu destino alcance o que quer. Que ele seja feliz para sempre!


Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

O inesquecível Chefe Gafanhoto.


Lendas escoteiras.
O inesquecível Chefe Gafanhoto.
(história baseada em fatos reais)

               Gente boa. Educado. Sabia ouvir, sabia cantar, era um grande mateiro, sempre sorrindo e com uma tropa Escoteira maravilhosa. Tinha um sonho. Um sonho maluco – Chefe Osvaldo, se Deus quiser um dia eu vou me alistar na Legião Estrangeira. – Você sabe o que é isto? Perguntei. - Claro, sei que quando se alista são cinco anos sem poder sair. Bem cada um com seus sonhos.  Eu o conheci em um curso Escoteiro. Foram oitos dias na mesma Patrulha. Chefe gafanhoto praticamente liderou a patrulha. Surpresa foi quando me disse que morava em Barra das Vertentes. Menos de cento e cinquenta quilômetros de onde eu morava. Em Luz do Amanhã. Tinha sido promovido a Chefe da Tropa há poucos meses. O curso me deu um novo caminho a seguir.

               Chefe! Que tal acamparmos juntos? Minha tropa e a sua. – Grande ideia Chefe Gafanhoto. Quando? Vamos aproveitar janeiro do próximo ano. Falta menos de seis meses. Ficamos combinados. O local ainda iriamos decidir. Em fins de outubro recebi uma carta dele. – Chefe, o Senhor Molixto, pai de um Escoteiro tem uma fazenda próxima a Três Estrelas. Metade do caminho para mim e você. Acho que uns noventa quilômetros de sua cidade. Você passa Três Estrelas e marca mais cinco quilômetros. Verás uma bifurcação. Ali será o ponto de encontro. Até a fazenda são mais oito. Senhor Molixto me garantiu que lá tem um excelente local, próximo de uma cascata para banho e muitos bambus. Ele irá nos ceder dois carros de bois para transporte do material do entroncamento até o local. Garantiu também que será por conta dele a carne de porco, de boi, gordura, arroz, feijão, batata e verduras e frutas. Ele tem isto na fazenda!

                  Beleza! Mandei outra carta confirmando o horário de encontro. A tropa vibrou quando contei do acampamento. Consegui na prefeitura um caminhão lonado, Chefe João o Chefe do Grupo conseguiu o que precisávamos de alimentos no Armazém do seu Amadeus. Iriamos com quatro patrulhas. Fizemos dois Conselhos de Patrulha e duas Cortes de Honra. Metade do programa nosso e a outra do Chefe Gafanhoto. Seriam seis dias acampados. Partimos em uma manhã chuvosa. O caminhão estava lonado. Rio Bahia, estrada de terra ainda sem asfalto. Noventa quilômetros. Chegamos às nove e meia da manhã. Corre daqui, corre dali, tralha nas costas, chuvinha intermitente e pegamos a bifurcação. Vimos à tropa do chefe Gafanhoto do outro lado do pontilhão de madeira. O córrego cheio. Imenso. Passava por cima da ponte. Não dava para atravessar. Um barulhão tremendo das corredeiras. 

                  A Patrulha Raposa montou rápido um posto de transmissão de semáforas. Entendemo-nos. Armamos barraca debaixo de chuva e combinamos esperar a enchente diminuir. As patrulhas improvisaram um toldo e um fogão tropeiro. Saiu uma sopa com pão fresco. À noite as patrulhas resolveram conversar por Morse. A turma do Chefe Gafanhoto era boa na sinalização. Dormimos cedo. De manhã sem chuva, mas cinzento o céu. A enchente diminuiu. Rogério Monitor me procurou. Chefe, as barracas estão cheias de escorpiões. Ensinei o que deveria ser feito para empacotar o material de campo e individual. Graças a Deus ninguém foi mordido. Resolvemos atravessar sem a ponte, pois se não iriamos perder alguns dias o que não estava no plano. Cada Patrulha fez uma pequena jangada. Uma festa. A outra tropa gritando e ajudando. Às onze da manhã estávamos do outro lado.

                   Abraços, saudações, apertos de mão, uma festa. Partimos. Os carros de boi lotados. Rangendo. Cantando como sempre. Adorava isso. Chefe Gafanhoto brincando com todos, animando, todos rindo. Oito quilômetros tirados de letra. Uma hora da tarde chegamos. Seu Molixto gente boa. Comemos goiabas e bananas. Ele tinha uma carne de porco frita. Mas iriamos fazer o almoço. Fomos para o campo. Lindo local. A cascata era linda. Tem nome? Perguntei. Não. Eu te batizo como Cascata da Fraternidade. E assim foi dito, e assim foi feito e assim lavrado em ata. Seis dias maravilhosos. Parecia que os sessenta jovens ali presentes se conheciam a longo tempo. Mais que irmãos. Seu Molixto um gentleman. Dois meninos filhos de um meeiro (mora nas terras da fazenda, planta e dá uma parte para o dono) se encantaram. Chefe Gafanhoto os colocou cada um em uma Patrulha.

                      Tiana filho do Seu Molixto uma bela morena dos seus dezessete anos não tirava os olhos de mim. Infelizmente estava noivo e comprometido. Fiquei triste quando partimos e ela chorou. Lagrimas e lagrimas em seus olhos. No acampamento teve de tudo. Bois que invadiram o campo à noite acordando todo mundo. Ricardinho pegou uma traíra de quatro quilos. Só vendo para acreditar. A luta do bastão no remanso da Cascata da Fraternidade valeu por um acampamento. A jornada na Caverna do Vento outro. Começava em um lado da montanha e saia do outro lado. Mais de dois quilômetros na escuridão. E os pistoleiros? Sempre escorados no tronco da macaxeira a nos espiar. Seu Molixto dizia que eram de paz. Norbertinho em um jogo noturno caiu de uma arvore. Quebrou a perna. Foi levado a cidade e voltou para o acampamento enfaixado. Ele mesmo fez uma espécie de muleta para ele. Nunca chorou. Aproveitou tudo do acampamento.

                      A falsa baiana em cima do remanso a mais de quinze metros de altura deu o que falar. A ponte pênsil que a Patrulha do Morcego fez durou dois dias com um belo tombo do Japirim. O ninho de águia da Patrulha Coruja dizem está lá até hoje.  Risos. A “desandeira” que deu em todos por comerem muita goiaba deu para rir a beça. Sempre um correndo para o WC que logo encheu! Final de campo. Meninos da fazenda chorando. Seu Molixto emocionado fez o juramento e recebeu os dois lenços um de cada grupo. Os dois pistoleiros vieram nos cumprimentar. Vi eu seus olhos a chama da esperança que não tiveram. Tiana me procurou dizendo que me amava e nunca mais ia me esquecer. Nunca mais a vi.  Retorno triste, Chefe Gafanhoto tentando animar. Partida chorosa, nosso caminhão lotado. Dando adeus. Edinho com sua bandeirola de semáfora dizendo e repetindo um até logo até o caminhão virar a curva da estrada. Meninos se acenando dizendo adeus. Promessas de um novo reencontro. Amizades que se formaram e duraram por uma eternidade. Janeiro de mil novecentos e cinquenta e nove que entrou para a história.


                      Cinco anos depois recebi uma carta do Chefe Gafanhoto – Chefe Osvaldo, estou partindo para a França. Vou me alistar na Legião Estrangeira. Nunca mais o vi. Acho que seu sonho de ser um legionário foi realizado. Ainda deve estar lutando nas montanhas ao norte da Argélia. Sonhos são sonhos. Cada um faz o seu. Belo acampamento. Grande amigo o Chefe Gafanhoto. Nunca mais o vi e nunca mais o esqueci. Ficou marcado para sempre em meu coração.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Narkis, o Lobo Solitário do Vale da Serpente.


Lendas escoteiras.
Narkis, o Lobo Solitário do Vale da Serpente.

         Jonny Thorton tinha uma idade indecifrável. O que ele fazia para se manter sempre jovem ninguém nunca soube. Quando o vi pela primeira vez estava com doze anos. Levei o maior susto com ele. Fazíamos um jogo de tocaia e eu estava escondido na curva do Moinho e de tanto esperar que alguma patrulha passasse para anotar os nomes estava cochilando. Senti seus dedos tocando o meu ombro e quase cai do galho da árvore que estava aboletado. – Lá vem dois ele disse – Olhei na Estrada e vi Manfredo e Rosinaldo pé ante pé tentando esconder dos índios selvagens. Eu era um índio selvagem. Quando o procurei novamente ele sumiu. Sumiu como? Ali era um topo onde para qualquer lado se via quem tentasse correr. Oito anos depois, eu estava já com meus 21 anos e fazia uma atividade aventureira que deu um trabalho enorme. Calculamos eu e os monitores que iriamos percorrer aproximadamente 42 quilômetros a pé. Nós erramos feio. De 42 foi para 65 quilômetros.

         O plano era seguir a estrada do Boiadeiro até o Vale da Serpente. Calculei que atrás do vale em uma pequena cadeia de montanhas passaria a nascente do Rio Esmeralda. Se fosse verdade e com uma boa jangada iriamos alcançar em um dia o Rio Doce e de lá mais um dia até nossa cidade. Uma bela volta. Uma bela atividade aventureira só com monitores. Eu era assistente do Chefe Laerte. Um dia antes me disse que não podia ir. Assumi e disse a ele que não se preocupasse. Após dez quilômetros de caminhada uma chuva rala começou. Esta sempre é a perigosa, pois já dizia um antigo Velho lobo que se tens vento e depois água, deixa andar que não faz mágoa, mas se tens água e depois vento põe-te em guarda e toma tento! Dito e feito, a chuva aumentou e passamos boa parte do dia debaixo dela. Nossas capas eram pequenas e sentia que todos estavam ensopados. Avistei as duas pedras do Jacu onde se iniciava o Vale da Serpente. Entrar lá com aquela chuva não era boa ideia. Não conhecia, mas em todo vale sempre tem um riacho. Uma cheia e poderíamos sofrer consequências graves.

         - Olá Chefe! Ouvi alguém falando atrás de mim, virei e lá estava Jonny Thorton. – Venham comigo, sei onde podem se abrigar. Com a chuva torrencial não disse nada e o segui. Uma hora depois avistei uma cabana. Entramos. Não era grande, mas dava para nos descansarmos e até dormir um pouco até a chuva passar. Jonny Thorton era um sujeito estranho. Usava uma espécie de macacão azul de brim mescla, acho que feito por ele mesmo, sem gola e sem mangas na camisa e boa parte dela presa por cipó trançado. Andava com uma espécie de Mocassim e quase não fazia barulho. Vi quando acedeu um fogo no seu fogão de barro e deixou um caldeirão grande com agua a esquentar. Foi até uma escada, subiu e retirou sobre a telha dois pedaços grandes de mandioca e um pedaço menor de uma carne seca. Quer saber? Nunca tomei uma sopa como aquela. Não sei se foi à fome ou o ambiente, lá fora chuvoso, dentro um ambiente gostoso e em pouco tempo todos dormiam a sono solto.

          Acordamos cedo. Não vi Jonny Thorton. Lá fora não chovia, mas o céu ainda nublado. Fizemos um conselho de patrulha e todos foram unânimes em não desistir. Quando abri a porta da cabana um enorme lobo estava em pé, serrando os dentes e voltamos correndo para a cabana. Enfrentar o lobo não dava. Duas horas depois Jonny Thorton chegou. O lobo deu um enorme salto em cima dele e ambos caíram no chão. Tinha que ajudar a quem nos ajudou. Com o bastão sai pronto a usá-lo no lobo. – Não faça isto! Gritou Jonny Thorton. Ele é nosso amigo! Parei e esperei. A patrulha ficou dentro da cabana. – Narkis! Ele gritou, o Escoteiro é nosso amigo! O lobo me olhou de soslaio. Narkis! Veja! Ele tem alimento como o meu. – Tirei do bornal um pedaço de linguiça e dei para ele. Nunca em minha vida vi um lobo assim. A chuva voltou a cair. Corremos para a cabana e o lobo foi atrás.

        Mais uma noite na cabana de Jonny Thorton. Desta vez em companhia de Narkis, o lobo amigo. – À noite comemos um delicioso quitute de tomate misturado com peixe cozido e uma farinha de milho de dar água na boca. Jonny Thorton tinha no vale um belo restaurante e viveres que nunca iriam faltar. – A noite ele começou a contar sua história. Nascera em uma pequena cidade às margens do Rio Mississipi nos Estados Unidos. Era filho de Cabelos Longos, um índio da tribo Chicksaw. Com nove anos subi a bordo de um barco em Terra Blanca e fui aprisionado por um capitão mau. Trabalhei a bordo por meses até que escondido desci em Port Gibson e mendiguei por anos. Com 14 anos consegui emprego em um navio cargueiro de ajudante de cozinha e vim parar no Brasil, em Vitória no Porto Tubarão. A pé subi as planícies do Vale do Rio Doce que lembravam-me minha terra e descobri este lugar. Não sei quem é dono destas terras, mas daqui não saio nunca mais.

         Narkis eu o conheci quase morto próximo ao Lago Salgado. Deram um tiro nele e consegui tirar a bala. Ficamos amigos e ele sempre me salvou de poucas e boas. Olhei para os monitores e subs, estavam de olhos arregalados na história de Jonny Thorton. - Narkis, continuou – Já pôs para correrem muitos malfeitores que fogem para este vale. Aqui não tem ouro e nem pedras preciosas, mas nunca irei sair daqui. Se me lembro bem devo estar com quase setenta anos. Não sei. Perdi a noção do tempo. O Lobo deitou aos seus pés e nós também fomos dormir. No dia seguinte o sol apareceu. Agradeci a Jonny Thorton a acolhida. Ele sorriu e disse que Narkis iria nos mostrar o caminho até o Rio Esmeralda. Ele riu. Existe sim, posso apostar, pois eu o conheço! Partimos. O lobo sempre à frente. De vez em quando olhava para trás. Uma hora parou com suas orelhas levantadas significava perigo. Bem acima de nós eu vi uma enorme onça parda. O dobro do peso do Lobo Narkis. Durante alguns minutos um olhava para o outro. Pareciam conversar. Narkis fez um sinal para seguirmos. Passamos a poucos metros da enorme Onça Parda.

        Atravessamos todo o Vale da Serpente sem nenhum tropeço. Se não fosse Narkis não sei se teríamos conseguido. O Rio Esmeralda era majestoso. Fizemos uma bela Jangada e tudo correu conforme os planos. Ficamos dois dias a mais que o planejado, mas valeu. Norberto um dos monitores me disse que os demais contam a todos os amigos sua aventura no Vale da Serpente. Só que não dizem onde ficam. Combinamos de preservar a identidade do Jonny Thorton. Por vários anos mantivemos um contato com Jonny. Um dia ele me procurou na sede do grupo e disse que ia partir. Seu pai agora era proprietário de uma vasta terra onde a tribo morava próxima a New Orleans. Ele morreu e o único herdeiro era ele. – E Narkis o Lobo? Perguntei – Ele vive ainda, mas muito Velho. Nunca dependeu de mim para sobreviver. O tempo passou e uma lenda se formou no Vale da Serpente. Dizem que um Lobo Solitário e uma Onça Parda dividem as noites de lua cheia e nenhum homem pode se aproximar.


           Verdade ou não eu sabia que a lenda era real. Pensei até em visitar Narkis, agora chamado de Lobo Solitário. Desisti, pois ele tinha uma vida, uma companheira e humanos nem sempre são bem vindos para estes animais. Vida longa para Narkis o Lobo Solitário e sua amiga, uma Onça parda e que vivam para sempre no saudoso Vale da Serpente! 

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Mortimer, um lobinho amigo do além.


Lendas escoteiras.
Mortimer, um lobinho amigo do além.

Coveiro.
Numerar sepulturas e carneiros,
Reduzir carnes podres a algarismos,
Tal é, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros!

Um, dois, três, quatro, cinco... Esoterismos
Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,
Na progressão dos números inteiros
A gênese de todos os abismos!
Augusto dos anjos.

                     Mortimer era um infeliz. Era filho de Lomanto da Paz o coveiro do cemitério Flores Singelas. Na escola ninguém se aproximava dele. Tinham medo. Diziam que ele falava com os mortos. Não era verdade, mas que acreditaria nele? Sua casa ficava dentro do cemitério e mesmo linda, pintada de azul e branco com muitos manjericões e rosas brancas que seu pai plantava e cuidava com carinho, ninguém nunca pediu para conhecer onde morava. Sua mãe morrera quando nasceu. Seu pai o adorava e o tratava com carinho e um amor enorme. – Mortimer meu filho, um dia vão reconhecer que seja onde for a nossa casa é sagrada. Mas não adiantava o pai falar - Pai! Nós não recebemos visitas! Por quê? – Lomanto olhava seu filho e mesmo querendo explicar que todo mundo um dia iria morar ali, ninguém gostava de tocar no assunto. A morte sempre assustou os vivos.

                   Uma menina de cabelos loiros foi transferida para sua sala. Ele a olhava e quando ela olhava para ele ficava sem jeito e virava o rosto. No recreio ela o procurou. – Quer brincar? Mortimer assustou. Ele no recreio era um eterno esquecido. Ninguém nunca o chamou para brincar. Ficava sempre em um canto olhando todos correndo e sorrindo. Ela o pegou pela mão e começou a correr – Vamos! Tente me pegar! Foi o recreio mais lindo de sua vida. – Pai! Pai! Ele chegou correndo para contar – Pai eu agora tenho uma amiga! Lomanto riu e abraçou seu filho. Os outros jovens da escola olhavam o par com indiferença. Não diziam nada. O boato que corria é que se mexesse com ele os defuntos viriam à noite em seu quarto para puxar o pé. Um dia Noêmia o convidou para ir visitar sua alcateia. – O que é isto? Perguntou. – Uma escola diferente. Nada de carteira. Nada e quadro negro. A professora lá se chama Akelá. Ela tem ajudantes. Cada um tem um nome de bichos da floresta. É como se nós vivêssemos em uma grande floresta.

                  Noêmia contou muita coisa. Mortimer ficou perplexo com o que ela contava. Havia um herói menino chamado Mowgly. Ele se perdeu na floresta e foi adotado por uma Alcateia de lobos. Todos eram amigos dele. Outros animais o protegiam. O Balu um urso grande e peludo, a Baguera uma pantera negra enorme, Hati o elefante e uma grande cobra píton chamada de Kaa. Mortimer queria saber tudo. Noêmia o convidou para ir com ela sábado ao grupo escoteiro. Seu pai foi junto. Vestiram a melhor roupa que usavam na missa dos domingos. Mortimer ficou com medo quando chegou lá. Centenas de meninos vestidos de azuis e cáqui com chapelão. Ele se assustou. Sabia que todos conheciam o Menino do cemitério. O menino que fala com os mortos. Engano. Ninguem disse nada. Foi recebido com palmas. Mortimer chorou de alegria.

                   Em casa falou para seu pai – Pai! Eu nunca pensei que fizesse tantos amigos em um só dia! – Filho, o mundo é bom, tem aqueles que não te conhecem e te julgam pelo que ouvem ou veem sem olhar o coração das pessoas. Mortimer dormiu feliz. Sonhava com o próximo sábado. Sonhava em ser mais na Roca do Conselho. Disse para si mesmo que em breve estaria de azul e a gritar junto a todos no Grande Uivo. Mortimer passou a sorrir também na sala de aula. Chegava perto de muitos da classe e dizia, eu sou lobinho, lá eles são meus amigos. São felizes como eu. Eles cantam, dançam e sabem que a verdadeira amizade nasce de dentro do coração. Mesmo vocês não sendo meus amigos o Balu meu protetor me disse que não importa o que pensam de você, importa o que você pensa deles. E eu sou amigo de todos! – Toda a classe passou a ver Mortimer como mais um deles. Não era mais o filho do coveiro.

                  Dizem, eu não sei e nem posso afirmar que todos os domingos o Cemitério Flores Singelas enche de meninos que vão lá brincar nos arvoredos, no pequeno regato que nasce atrás das montanhas e eu soube que agora toda a cidade vê com outros olhos o lobinho Mortimer e seu pai Lomanto da Paz. Dizem também e eu não sei se é verdade que aprenderam uma lição com os Escoteiros. Eles e os lobinhos fazem questão da amizade. Dizem na cidade que lá todos que entram passam a ser irmãos. Até contam em rodas por aí que eles tem um pacto e quem entra passam a ser irmão de sangue para sempre. Agora que Mortimer cresceu e se casou com Noêmia disto eu tenho certeza. Que tiveram quatro filhos e Mortimer ainda mora no cemitério e é feliz eu também sei. Escotismo é assim, quem não tem amigos lá encontra um montão.


                  Esqueci-me de dizer que Mortimer hoje é o prefeito da cidade. A prefeitura vive cheia de Escoteiros e na porta tem uma grande placa escrita – Lord Baden Powell, cidadão do mundo, O Escoteiro Chefe Mundial e amigo e irmão de todos. Falar mais o que? Escotismo é coisa que marca que entra em nós para sempre. Dizer que somos aventureiros que somos Escoteiros e vivemos para ajudar o próximo é falar o obvio. Mortimer hoje corre o mundo dando palestras. Tornou-se um professor de história e escreveu muitos livros. Ninguem mais o chama de o amigo dos mortos, mas sim de o amigo do mundo. Graças a Mortimer eu também sou Escoteiro e esteja ele onde estiver receba meu abraço apertado, meu aperto de mão esquerda e meu Sempre Alerta!

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A Árvore dos esquecidos.


Lendas Escoteiras.
A Árvore dos esquecidos.

                          Ela sempre esteve ali, na curva do Gavião Vermelho bem próximo as corredeiras do riacho Alegre onde sempre íamos acampar. Era uma linda árvore, pena que não a identifiquei. Eu me esquecia dela sempre, pois muitas vezes só valorizamos os que estão ao nosso lado e esquecemo-nos dos outros que um dia fizeram tudo por nós. De vez em quando ela me vinha à mente. Não me pergunte seu nome. Não sei. Sabia que era frondosa, pois em sua volta sempre havia uma enorme sombra e nós escoteiros ali nos deliciávamos com o frescor que ele produzia para aqueles que se deliciavam como nós. Da cidade até a Porteira do Rancho Estrela Verde era mais de seis quilômetros. Interessante, nunca fiquei sabendo o nome do dono do rancho.

                         A porteira era sempre esperada na jornada ou nas caminhadas. Grande, enorme, parecia nova e o vai e vem sensacional. Passávamos para o outro lado com a carrocinha e lá a deixávamos. Todos voltavam e se encarapitavam na porteira. Um de nós a levava até o barranco e soltava. Ela saia a toda velocidade passava pelos dois troncos centrais, ia ao outro lado, voltava e ficava assim quatro ou cinco vezes em um delicioso movimento de vai e vem. Nunca apareceu ninguém para nos chamar a atenção. Quando o sol ia a pino era hora de partir. Na volta sairíamos mais cedo para nos divertir na Porteira do Racho Estrela Verde. A partida era sempre triste, todos olhavam para ela com saudades.

                       Era hora da subida. Deus do céu! Era o pior da jornada. Quando da primeira curva já avistávamos a Arvore dos Esquecidos. Porque este nome? Quem batizou? Ninguém sabia. Meia hora depois lá estávamos. Ainda bem. O suor escorrendo no pescoço e na testa. Agora era hora de tirar uma soneca e aproveitar a brisa gostosa que a Árvore dos Esquecidos fazia questão de nos presentear. Era a única naquela subida. Claro havia alguns arbustos, mas ela era sensacional. Meia hora de cochilo. Acordamos com o barulho dos trovões. Olhamos para o céu e vimos nuvens negras bem no rumo do nosso destino. Pé na taboa e Deus que nos ajude. Nem despedimos da Árvore dos Esquecidos. Deveríamos, mas que ia adivinhar?

                       Não foi difícil montar o acampamento debaixo do temporal. Estávamos acostumados. O local era ótimo. Centenas de coqueiros anões. As folhas serviam como toldo e até a noite duas barracas montadas, mesa, toldo, bancos e quase terminado o fogão suspenso. Alguns já rachavam lenha, pois sabíamos que no meio estavam secas. A sopa esquentou o estomago e o corpo. Melhor não fazer fogueira. Tínhamos pouca lenha rachada e seca. Fomos dormir naquele primeiro dia mais cedo. Foram três dias acampados, sempre com uma chuva miúda. Algum programa não deu para fazer. No domingo levantamos acampamento às duas da tarde. Sem dificuldade. Três e meia à bandeira descia do mastro. Uma oração e lá fomos nós estrada acima.

                      A subida da volta não era tão íngreme. Ao dar a volta no morro não vimos ao longe a Arvore dos Esquecidos. Árvore? Não existia nenhuma árvore. O que houve? Ficamos preocupados. Mais meia hora e chegamos. Uma cena dantesca. A Árvore jazia a seis metros de onde deveria estar. Caída, parecendo morta! Um raio a cortou no tronco bem próximo ao chão. Ela ainda estava verde, as folhas balançavam, mas estava agonizante. Não havia retorno. Não podíamos fazer nada. Ficamos em volta dela. Muitos choravam. E agora? Como tirar aquela soneca gostosa da subida até a curva do Gavião Vermelho? Ficamos ali por muito tempo. Em silêncio. Prestando a nossa homenagem a uma Arvore que agora sabíamos que era dos esquecidos. Todos nós um dia iríamos nos esquecer de sua beleza, de sua sombra do seu orvalho.

                      A tarde chegou, hora de partir. O ultimo adeus. O sol inclemente dos dias que virão iria fazer com que ela possa dar seu último suspiro. As folhas vão secar os troncos também. Agora nós sabíamos que algum mateiro a passar por ali, iria se servir de troncos e galhos para fogo. Triste destino de uma arvore que nos deu tudo. Partimos em silêncio sem olhar para trás. Era triste demais ver aquela que um dia foi amiga fiel do sol inclemente. Na Porteira do Rancho da Estrela Verde não nos divertimos como fazíamos sempre. Passamos direto. Não havia ânimo. Estávamos cabisbaixos, tristes, perdemos uma amiga que nem sequer nos lembrávamos sempre. Mas ela eu sei que ficou marcada para sempre no coração de todos.


                  Nunca mais voltamos lá. Nunca mais acampamos no Rancho da Estrela Verde. Nunca mais vimos à porteira da felicidade. Seria difícil muito difícil suportar a subida até a curva do Gavião Vermelho. Onde sempre avistamos com alegria e agora não mais existia, aquela que ficou na lembrança para sempre. A Árvore dos Esquecidos! 

sábado, 4 de outubro de 2014

Eu prometo, pela minha honra!


Orgulho de ser Escoteiro.
Eu prometo, pela minha honra!

           Que semana meu Deus! Minha cabeça a mil. Sonhava com o próximo sábado e ao mesmo tempo meu corpo tremia. De medo? Claro que não. O Chefe tinha dito que nós escoteiros não temos medo. Sempre repetia que só os valentes entre os valentes se saúdam com a mão esquerda. Portanto eu era um valente. Mas sinceramente? Eu tinha sim. Seria um dia que ficaria marcado na minha vida para sempre. Afinal era o dia da minha Promessa Escoteira. Flavio me disse que eu estava pronto. Flavio é meu monitor. Disse que a Corte de Honra aprovou. O Chefe Gildo me chamou na reunião e disse – Sábado que vem você fará sua promessa. Acha que está pronto? Fiquei em duvida na hora. Sim Chefe. Eu estou pronto. Você conhece a Lei dos Escoteiros? Conheço Chefe, ainda não sei de cor, mas prometo que no sábado o Senhor pode perguntar. Direi todos os artigos.

           Passei a semana lendo, decorando, pensando e amando o que eu estava fazendo. Amava mesmo o escotismo. Na sexta fui para a pracinha do meu bairro. Ela era meu recanto favorito. Lá eu pensava em mim, na minha mãe, no meu pai e na minha Irmã Constance. Era o meu refugio. Agora estava voltando ao passado. Quatro meses antes. Eu os vi passando na minha rua. Fui atrás. Vi onde se reuniam. Adorei. Amei. Tinha de ser mais um. Minha mãe demorou a dizer sim. Meu pai trabalhava longe. O Chefe entendeu. Fui apresentado. Flavio me apresentou a Patrulha Leão. Todos me deram a mão esquerda. Não sabia o que era, mas nunca mais esqueci este dia.    
           Não parava de dizer na minha mente, não podia esquecer agora e nunca mais. “Prometo, pela minha honra, fazer o melhor possível para...”, e a Lei? Difícil. Muito difícil para entender tudo, mas eu consegui. Saber que tinha de ser leal, ter uma só palavra, ser amigo de todos, irmão dos demais, ser puro nos meus pensamentos. Que lei! Mas ia prometer que faria tudo para obedecê-la. Meu uniforme estava pronto. Não sei quantas vezes o vesti ali no quarto e me olhava no espelho. Gostava do que via. Estava perfeito! Seria um orgulho de mim mesmo!

           O sábado chegou. Tomei um banho pensando. Era meu dia. O mais lindo dia da minha vida. No meu quarto coloquei peça por peça. Bem passado. Meu chapéu perfeito! Ensinaram-me as dobras do meião. Era a primeira vez. Na tropa só podíamos vestir o uniforme a partir da promessa. Lá fui eu rumo à sede. Assoviava baixinho. “De BP trago o espírito, sempre na mente!” Adorava esta canção. A turma estava lá, patrulhas em seus cantos. Sempre Alerta meus irmãos! Abraços. Era assim nossa Patrulha. O apito do Chefe. Bandeira! Ferradura! As bandeiras tremularam ao vento! Subiram aos céus dos escoteiros! Uma oração. Eu a fiz. Meus olhos cheios de lágrimas.

            Chefe! Tenho um patrulheiro para a promessa! Traga-o Marcio. Lá fui eu a frente com o Marcio. – Marley! Você está preparado? Sim Chefe! Meu corpo tremia. – Sabe a lei Escoteira e entende o seu significado? Sim Chefe, e sem ele esperar falei uma por uma. Todos assustaram. Nunca ninguém disse assim. A tropa Escoteira está de acordo com a promessa do Marley? Todos gritaram sim. Levante a mão direita, faça a meia saudação e repita comigo. Interrompi o Chefe. Poderia eu dizê-la sozinho por completo Chefe? Claro. – Estava ali, orgulhoso e agora não mais tremia – “Prometo, pela minha honra, fazer o melhor possível para: - Cumprir o meu Dever para com Deus e minha pátria, ajudar o próximo em toda e qualquer ocasião e obedecer à lei do Escoteiro”!

              Que dia meu Deus! Incrível! Meu lenço foi colocado, meu querido distinto de promessa que seria meu para sempre! Marcio meu Monitor me colocou o distintivo de patrulha. O Presidente do Grupo me entregou o certificado que mandei encadernar. Agora era um Escoteiro. Orgulhoso! Para sempre teria aquele dia na memória. O grito de Patrulha foi dado, abracei a todos com carinho, a tropa deu o Anrê. Que tarde linda, que beleza de vida! Como eu era feliz! Ser Escoteiro para sempre eu dizia para mim. Minha mãe apareceu, não sabia. A Mana também. Choravam de emoção.

Dizer mais o que? Foi o meu dia, um dia que jamais em toda minha vida esquecerei! Orgulho de ser Escoteiro! Claro, eu sabia que a promessa é para sempre!

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