No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras

No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras
A aventura está apenas começando

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O último duelo ao por do sol.



Lendas escoteiras.
O último duelo ao por do sol.

                     Pedalando sobre o sol forte da manhã, eu me mantinha na fila que fora organizada pelo Chefe Rildo na Estrada do Quinzinho. Quatro patrulhas indo acampar na Garganta do Rio Mimoso. Iriamos ficar na área mais larga onde nunca tinha acontecido uma enchente. Ficava entre as Montanhas do Roncador e a Montanha da Lua. Eu conhecia muito bem. Acampei diversas vezes com a Patrulha. Agora melhor, todas as patrulhas presentes. Chegamos por volta das onze da manhã. Corre- corre para montar campo e fazer o almoço. Eu tinha uma predileção pelo local. Tinha muitos amigos lá. Habitantes da floresta e da garganta do Rio Mimoso. Já contei a vocês que eu tinha um dom. Entendia e conversava com os animais e pássaros da floresta. Eram todos meus amigos. Esperava encontrar lá A Coruja de Olhos Verdes, O Tatú Bola que jurava ter mais de cem anos. A Família Zuarte deveria ter crescido. Antes eram quinze macaquinhos prego e muitos deles esperavam filhotes.

                     Sabia que na calada da noite a Onça Parda e o Lobo Guará iriam me esperar na curva da tartaruga. Um local onde sempre a bicharada se reunia. Meus amigos da Patrulha sabiam do meu dom. Mas nem todos acreditavam. Nem mesmo quando o Gavião Maltes veio avisar que o rio formava uma enchente enorme na cabeceira. Foi à conta de desarmar as barracas, pegar as tralhas que o rio começou a subir. Questão de minutos. Dei falta da Coruja de Olhos Verdes. Só apareceu por volta do lusco fusco do entardecer. – Oi Escoteiro, como vai? Olhei e lá estava ela na grande árvore onde fazia sua morada. Disse ao Monitor que ia tentar achar umas bananas e ele riu matreiramente. Sabia que ia procurar a Coruja de Olhos Verdes. Ela já chegou? Sim. Ela não quer vir aqui. Muitos das outras patrulhas não iam entender.

                       - Sabe Escoteiro, amanhã vai ser um grande dia, dizia a Coruja de Olhos Verdes. Toda a bicharada da garganta, da mata do Jambreiro e acho que até das Montanhas da Lua e roncador já confirmaram presença.  Vão vir para a luta mortal! - Luta? Que luta Coruja dos Olhos Verdes? Perguntei. – A luta das cobras venenosas. – Mas porque vão lutar? Sempre foram de paz e  respeitavam até os humanos que passavam por aqui! – Sempre foi assim, respondeu. Mas ontem começaram a discutir na Prainha do Melão quem era mais forte, quem era mais valente, quem tinha o veneno mais poderoso e quase saíram às raias de fato ali mesmo. A cascavel Mor e a Surucucu Papaia gritaram tão alto que a bicharada que foi lá beber água se assustaram e correram. Quando cheguei os olhos das duas estavam vermelhos. Chispas azuis, vermelhas e douradas salpicavam em todas as direções. Vi que iam se engalfinhar, mas o Quati da Floresta Negra separou e deu ideia para o duelo.

                          Fiquei pensativo. Não iam duelar e sim entrar numa luta de mortal. Eu conhecia a Chefe da Tribo das Cascavéis. Uma ou duas vezes conversei com a Surucucu do Rabo cortado. Nunca me fizeram mal. Eu sabia que ali e nas matas distantes existia uma lei. Não escrita, mas que todos obedeciam. A Lei da Selva. A própria Coruja de Olhos Verdes que era considerada a mais sabia já dizia que “uma coisa não é justa porque é lei, mas deve ser lei porque é justa”. Ali o respeito existia. Sabiam todos que um dia iriam servir de antepasto para um mais forte, mas só quando sentiam fome. Achei que devia interferir. A Coruja dos Olhos Verdes achou que não. Não disse nada, mas iria estar presente. – Onde iriam duelar? Perguntei. – Na Pedra Cinzenta do Papo Amarelo. Sabia onde era. Fui lá varias vezes. Escolheram bem. Todos ali seriam vistos.

                          Combinei com o Monitor para me liberar entre quatro e sete da noite do dia seguinte. Ele um grande companheiro não se fez de rogado. Cheguei por volta das cinco da tarde. Quase toda a bicharada estava presente. Lá estava o Tamanduá Bandeira, O peixe-boi, a Arara azul-de-Lear. Várias onças pintadas, Jaguatiricas, quatis, gaviões, águias coloridas e falcões de todo o tipo. Era bicho que não acabava mais. Iam chegando e procurando o melhor lugar para ver a luta mortal. A Cascavel chegou acompanhada de duas aranhas negras. Logo chegou a Surucucu com mais de vinte escorpiões amarelos ao seu redor. Não houve conversa, não houve apito e nem gongo. Elas logo se engalfinharam. Eu sabia que não seria uma luta de morte. Não tinham veias e nem sangue, portanto os venenos das mordidas não fariam efeito. Lutaram-se, engalfinharam-se, tentaram enroscar uma na outra até que cansadas cada uma se estirou em um canto.

                          Houve um silencio momentâneo e depois uma vaia infernal. Os Macacos Prego guinchavam e urravam nas arvores. Outros rugiram, aves cantavam gritantes no ar. – Uma lutinha! Uma lutinha de nada! Diziam. Resolveram fazer uma Indaba ali na hora. Fizeram oito comissões. Tema – Castigo para as cobras venenosas que não eram de nada. Cada comissão fez um relatório e apresentou para a Coruja de Olhos Verdes. Esta no alto da árvore gritou alto – Que se lavre em ata, que hoje, 12 de fevereiro, ano santo, Foi dado uma punição a Dona Cascavel e a Dona Surucucu por seis meses. Elas ficarão proibidas de morder quem quer que seja. Nem poderão caçar o sapinho do lago dourado. Iram se alimentar de folhas e tomates verdes!

                          Um urra! Mais um e outro. A bicharada cantou alto a Arvore da Montanha e foram cada um para suas casas. Cheguei ao campo era mais de oito da noite. O Monitor disse que o Chefe perguntou por mim na hora do jogo. Deu uma desculpa de dor de barriga. No ultimo dia após o cerimonial a Surucucu e a Cascavel vieram me pedir desculpas. Pediram para eu interceder por elas na Corte de Honra das Corujas Buraqueiras. Mandei uma carta por escrito e parti com a escoteirada para minha cidade. Devo voltar lá no próximo domingo. Só eu e o Monitor. Vou tentar ver se ele vai ser aceito na comunidade dos bichos e animais da floresta. E também saber se perdoaram as cobras venenosas.

E acreditem se quiser... Mas é bom saber que eu falo com eles. Eu Juro pela Alma do Jumento Cinzento que morreu de tanto comer capim. Que assim seja!

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A Corte de Honra está em seção!



Conversa ao pé do fogo.
A Corte de Honra está em seção!

                     No escotismo sempre encontramos situações que nos fazem analisar e pensar se o caminho percorrido seria este mesmo. Algumas vezes tomamos decisões que poderemos nos arrepender depois. Outras vezes deixamos para o amanhã e quando ele chega à conclusão é que teria sido melhor se tivéssemos resolvido ontem. Sou um Chefe Escoteiro da II Tropa do Grupo Ventos do Norte. Não sei se sou um bom Chefe, dizem que sou meio mole, sempre tomo decisões baseadas em relações humanas que estão dentro do coração. Nunca prejudiquei ninguém Fui convidado pelo Comissário Distrital para uma troca de ideias. Pediu para passar na casa dele. Assim feito e conversa em dia retornei, pois queria participar da Corte de Honra marcada neste dia na tropa. Sabia que os dois Assistentes estavam preparados, mas eu gostava de ver a atuação dos Monitores e subs Monitores. Ao passar em frente ao Grupo Escoteiro Sol Nascente resolvi dar uma parada para cumprimentar um Chefe amigo.

                    Não o vi, e depois soube que tinha se afastado por motivos profissionais e um Assistente assumiu a tropa. Os escoteiros estavam à vontade no pátio jogando uma “gostosa pelada”. Estranho. Nunca foi assim. Perguntei a um dos jovens onde estava o Chefe. – Estão em Seção! Seção? Perguntei. – Isto mesmo Chefe. A Corte de Honra está em seção. Estão resolvendo se expulsam o Juan Melchior. Fiquei pensativo. Uma Corte de Honra decidindo a vida de um menino? Resolvi ficar ali e esperar o desfecho da Corte de Honra. Meia hora depois um Monitor saiu correndo da sede e gritando: - Conseguimos! O Juan Melchior foi expulso! Alguns da tropa que jogavam sua bola nada disseram outros apenas levantaram a cabeça. Seria isto mesmo? Eu pensei. Aguardei o Chefe da tropa. Queria conhecer a história e os erros do jovem.

                   Logo ele apareceu e com três apitos formou a tropa em ferradura. Já o tinha visto em uma reunião distrital. Com a tropa formada ele leu a ata da Corte de Honra. Deu um sorriso quando disse que dos sete presentes, quatro foram a favor da expulsão. Nesta hora ele me viu e abanou a mão de longe. Esperei. As patrulhas foram preparar uma atividade e me aproximei. - Chefe! Eu disse. Que crime cometeu o garoto para ser expulso assim? Ele ficou sério e respondeu – Faltar às reuniões, não respeita o Monitor, agora deu para falar palavrão. – Mas porque ele não estava presente para se defender? - Porque não quis disse. Mandei para ele uma convocação com A.R. e ele não deu satisfações. Ele falta muito? – Claro, só para ter uma ideia tem mais de dois meses que não aparece!

                  Não tinha mais nada a dizer. Deu um até logo, um sempre alerta e fui embora. Pelo que vi na tropa deveria ter outros também para ser “expulsos”. Só uma Patrulha com seis, as demais com três ou quatro patrulheiros. Os Monitores presentes gritavam alto davam ordens e dificilmente conversavam calmamente. Fui para o Grupo Escoteiro pensando. Eu não tinha nenhuma autoridade para agir ou conversar com ele. Pensei até em dialogar, mas com seu estilo arrogante não iria me ouvir. Eu sabia que nestes casos a culpa não é do menino e sim do Chefe. Chegou-se a este ponto foi porque ele não tomou as providencias necessárias com antecedência. Se o menino há três meses não aparecia era porque já havia se desligado. Neste caso seu julgamento e expulsão não passou de um teatro e uma maneira vulgar de se vingarem.

                   Não se concebe uma Corte de Honra julgando um jovem e decidindo como se estivessem preparados para aquilo. A Corte de Honra é parte importante do Sistema de Patrulhas. É uma comissão permanente que resolve os negócios da tropa. Existem casos que o Chefe assiste, opina, mas não vota, no entanto é dele a decisão final. Eu sei que ela toma decisões sobre programas, acampamentos, recompensas e muitos relativos à administração da tropa. Alí o segredo é absoluto. Neste caso mesmo sem ter a autoridade para tal, a Corte de Honra poderia ter sugerido ao Chefe que tomasse as providencias cabíveis pelas faltas. Esqueceram-se dos pais do menino que um dia o levaram ao grupo e nem comunicado foram. Agora expulsar? Porque o Chefe não o procurou pessoalmente em sua casa, conversou com seus pais, tentou ver o que pudesse ajudar e até quem sabe em ultimo caso dar a ele uma licença para decidir se voltava ou não, mas com a disciplina Escoteira em primeiro lugar?

                     Afinal era um menino de doze anos. Seus amigos iam comentar sobre sua expulsão. Isto seria benéfico para o Grupo Escoteiro? E o Monitor a gritar que ele foi expulso, estaria certo? Claro que não. Muitos chefes esquecem que o escotismo tem seu método baseado na colaboração para a formação. Se pretendêssemos ter somente jovens de caráter ilibado, boa educação, formação exemplar não sei se aí caberia o método Escoteiro. Temos que trabalhar com aqueles que precisam de uma correção de rumo. É nossa obrigação e nosso dever. Gritar com jovens, ameaçar, suspender e expulsar são medidas que nunca deveriam ser colocadas em prática com jovens. Claro que todos são aceitos sem exceção. E cá prá nós, nada é mais difícil e por isso mais precioso do que ser capaz de decidir honestamente. Dizia Drummond que fácil é julgar pessoas que estão sendo expostas pelas circunstâncias. Difícil é encontrar e refletir sobre seus erros, ou tentar fazer diferente algo que já fez muito errado. É assim que perdemos pessoas especiais.

                    Somos um movimento de educação e formação do caráter. Trabalhamos para isto. Acredito que muitos chefes perdem jovens frequentemente por tomarem decisões sem conhecimento de causa. BP nos deu um manancial. Estão ai diversas literaturas escoteiras que falam do assunto. Se soubermos trabalhar bem nossos Monitores, se procurarmos ver o individuo e não o todo aí sim o sucesso será garantido.  Quem mais precisa do escotismo são os jovens rebeldes e cuja sociedade não dão a eles nenhum valor ou oportunidade. Não vamos confundir com uma instituição de menores, nada disto. Vivemos em nossa vida julgando pessoas. Julgamos os atos e até as motivações como se soubéssemos quais eram. Julgamos tudo, seu modo de falar, andar e vestir.

                  O escotismo não é assim. Muitos caminham pelo lado errado, e estes é que deveriam ser julgados. As palavras do Cristo me vinha à mente enquanto dirigia, pensando que a Corte de Honra deveria ser valorizada pela sua possibilidade em melhorar os padrões da tropa e não para decidir a vida de um menino. E que foi que o Cristo disse? "Não julgueis, para que não sejais julgados. Porque com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós. E por que reparas tu no argueiro que está no olho do teu irmão, e não vês a trave que está no teu olho?”

Voltaremos ao tema proximamente.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Você já ouviu os sons da natureza?



Conversa ao pé do fogo.
Você já ouviu os sons da natureza?

A natureza é o único livro que oferece um conteúdo valioso em todas as suas folhas.

           Hoje não vou contar uma história. Não vou escrever um artigo. Vou apenas lembrar quando comecei a aprender e sonhar com os sons da natureza. Isto ainda existe? Ainda tem escoteiros sonhadores? Aqueles que olham o céu e pensam estar viajando pelas estrelas? Faz tempo. Muito tempo. A primeira vez estava com dezessete anos. Ia fazer dezoito. Tinha muitos problemas. Ainda não sabia do valor do silencio. Resolvi fazer meu primeiro acampamento sozinho. Sem ninguém. Precisava pensar. Porque não? Quem sabe iria descobrir em mim mesmo de onde vim e para onde vou! Mochila nas costas lá fui eu. Era um pico famoso em frente à cidade que morava. Fui lá muitas vezes com a Patrulha, com a tropa. Subida difícil. Umas cinco horas para atingir o cume.

          Foi uma experiência fantástica. Nunca tive medo no campo. Não sou corajoso, mas amava o campo. Afinal se você o ama não pode ter medo. Fui em um sábado à tarde para voltar no domingo. Era fantástica a vista noturna. As luzes piscando por toda a cidade. Pequenos faróis furando ruas e ruas e o rio serpenteando como uma enorme serpente querendo devorar a cidade. Acomodei-me sem barracas. Tinha uma grande cruz no alto, serviu como escora para minha mochila. Foi a primeira vez que senti e ouvi o vento. O vento soprava. Eu não o via, mas sentia. O som era como se eu o tivesse descoberto pela primeira vez. Dormi. Época que ainda dormia a noite inteira. Acordei no lusco fusco da manhã com o rosto molhado pelo orvalho. Ouvi os pássaros. Cantavam diferentes.  Ainda não os identificava, pois não estavam por perto.

         Demorou mais cinco anos para o próximo. Meu local preferido. Serra da Piedade. Uma viagem de trem, saltar com o trem em movimento em uma subida antes do túnel da Viúva. Fui lá antes várias vezes com amigos escoteiros. Mas precisava ficar só. Sem vozes, sem cantoria, sem gritos sem farfalhar sobre os galhos soltos por aí.  Quatro quilômetros de subida. Outra vista maravilhosa. Quatro cidades no horizonte. Aprendi ali a identificar os grilos, as cigarras, os pássaros noturnos e pela primeira vez vi de perto um lobo guará. Quieto. Olhando-me. Tirei uma linguiça da mochila. Joguei para ele. Comeu com gosto. Nas outras vezes que voltei foi meu companheiro em quase todas as horas que ali estive. Foi lá que passei a admirar o som da chuva. Não importa se torrencial ou não. Quem sabe ouvindo se perde o medo. Até os raios tinham os ruídos da noite assim como os trovões. Em cada época do ano, o vento soprava diferente.

         Fui em outros lugares. Fiz destas atividades a “Escoteira” (aquele que anda só) um programa anual. Nem sempre pude cumprir. Cada lugar que estava um problema diferente. Mas não passava mais de três ou quatro anos para retornar aos sons da natureza. Acampei sozinho em florestas virgens. Podia sentar em uma árvore centenária e ouvir o seu som quando ela rangia com seus galhos enormes e conversava com o vento. Ouvia os pássaros invisíveis nos seus galhos, via o brilho do sol tentando escalar sua sombra em aberturas pequenas nas suas folhas. Nas grandes florestas a chuva tem um som diferente. Os animais em festa, os insetos apressados, você sente no corpo um frescor diferente. Parece que a natureza quer falar com você. Já tinha feito vários destes acampamentos a Escoteira. Não tenho certeza, mas foi aqui em São Paulo, me parece que no Parque anhanguera. Não na área do público. Outra que só nós escoteiros podíamos entrar. Uma imensa mata de eucalipto já sendo engolida pela mata Atlântica. Como sempre só. Choveu. Barraca armada. Acordei ainda sem ter o sol despontando. O cheiro me bateu em cheio. O cheiro da terra. Um acampador, um mateiro e pela primeira vez sentia o verdadeiro cheiro da terra. Maravilhoso! Voltei lá muitas vezes.

          Nunca acampei sozinho em uma praia deserta. Que sons maravilhosos deve se ouvir pelas madrugadas. Quem sabe um Albatroz. O bater de asas de uma gaivota, um trinta-réis ou um atobás. Quem sabe os tesourões gritando no espaço a procura dos seus cardumes desaparecidos. E a onda batendo uma nas outras? E o som imperdível dela chegando e voltando com a mare alta? Já ouvi e vi tudo isto, mas não sozinho. No passado escalei montanhas. Senti lá no alto a paz que procurava. Amei as tempestades e as folhas assustadas que caiam como se fosse no outono. São coisas que deixei para trás. Hoje não posso mais. Mas como eu meus sonhos eu volto sempre a Giwell eu também viajo pelo meu passado com as lembranças dos sons da natureza que aprendi a amar e admirar.

          Não há como esquecer o som do regato, dos peixinhos que pulam a procura de um inseto, no coaxar de um sapinho, do lindo som de uma cachoeira gigante, do bater de asas de papagaios coloridos.  Os sons das abelhas e dos beija flores a procura do néctar nas flores, de olhar uma campina verdejante e ver o vento tocar as folhas do capim, das flores silvestres e elas como se fosse uma onda vão e vem no horizonte. São tantos os sons da natureza que é impossível dizer que Deus não está ali. Sons e sons. Da noite do dia. Do nascer e do por do sol. Sons da chuva, da terra molhada, do riacho manso que corre para o mar. Sons das ondas, das gaivotas, dos falcões, dos macacos guinchando nos galhos como se estivessem a rir de nós. Sons das estrelas, da lua, do sol. Sons imperdíveis da nevoa da madrugada. Quantas saudades daqueles dias que o som da natureza me invadia e tomava conta do meu ser. Um som como se estivesse ouvindo melodias nunca antes tocadas por nenhuma orquestra deste mundo. Sons da natureza!

Por entre junco e hera verdejante
Correm nascentes de água límpida,
Junta-se à sede da minha alma ímpia
Esta cascata pura e refrescante

Já são audíveis os sons da cachoeira
Num simulacro à magia da natureza
Insetos e pássaros voam na certeza
Que Deus existe e a fé é verdadeira··.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Primeira Classe, o sonho de Lord Jim.



Lendas escoteiras.
Primeira Classe, o sonho de Lord Jim.

              Lord Jim era um sonhador. Desde que entrou para os escoteiros ele sonhava. Sonhava com acampamentos, com excursões, com a Patrulha, com as viagens enfim, Lord Jim gostava mesmo de sonhar. Havia uma diferença em Lord Jim, ele sonhava com os pés no chão. Emocionou-se no dia de sua promessa. A tropa em posição de Alerta!  Mino o Monitor ao seu lado, o Chefe Maílson o olhando nos olhos e ele dizendo a Promessa Escoteira sem errar.  Lembrou ali na ferradura quando entrou na tropa. O abraço do Chefe, do Monitor e de todos os patrulheiros da Gavião. Era novo para ele estas provas de amizade. Nunca tinha visto. Diziam que os escoteiros são fraternos. No primeiro acampamento ele sentiu a verdadeira felicidade de viver como um herói das selvas. Aprendeu rápido. Até como cozinheiro ele uma vez ajudou.

                 Quando começou na Patrulha Gavião o batizaram como Lord Jim. Seu nome era Stefano. Gostou do apelido. Quando leu que Baden Powell também foi Lord seu orgulho mudou para melhor. Agora seu sonho era outro. A Segunda Classe. Não foi difícil. Em um ano e meio conseguiu. Melhor ainda a recebeu em uma noite de lua cheia, no Acampamento das Vertentes, ascendendo o fogo do conselho com um palito e pulando as chamas três vezes para receber seu nome de guerra. Apesar de que a tradição rezava ser um nome indígena ele pediu para continuar sendo Lord Jim. Seu Monitor o abraçou. Todos deram um enorme grito de guerra da tropa. – Viva Lord Jim! O Chefe Maílson entregou a Segunda Classe e ele se derreteu todo. Não perdia um acampamento, nenhuma excursão. Era um dos primeiros a chegar à sede para as reuniões. Não tinha sonhos de ser Monitor, seu sonho agora era ser um Primeira Classe. Os cordões claro estavam vivos nestes sonhos.

                 As provas foram feitas paulatinamente. Recebeu do seu Monitor como deveria ser e as datas. Ele mesmo procurou o Capitão Lamartine dos bombeiros para que aprendesse a prova das especialidades de Bombeiro e Socorrista. Acampador tirou facilmente. Em dois anos na tropa já tinha mais de trinta noites de acampamento. Comprou um caderno de duzentas folhas e ali anotava tudo. Datas, onde, quando, tempo e as partes importantes que lá aconteceram. Agora estava se preparando para a jornada. Era a apoteose. Todos que fizeram eram respeitados e até endeusados na tropa. Todos queriam ouvir os contos aventureiros da jornada. Aprendeu a ler mapas, tirava de letra os pontos cardeais, colaterais e sub. colaterais, sabia o que era azimute, graus, aprendeu com facilidade a fazer um esboço de Giwell e seu passo Escoteiro e passo duplo eram perfeitos. Nunca em tempo algum ele errou no seu passo duplo. A quilometragem não tinha erros.  

               O dia da jornada chegou. Ele e Levegildo que ele mesmo convidou partiram rumo ao Vale do Roncador. Não conhecia, nunca tinha ido lá. O Chefe e o Assistente distrital Escoteiro tinham conversado antes. Um ônibus o levou até a estradinha do Sitio do Marcondes. Sua mochila estava perfeita. Nada de mais nada de menos. O farnel o de sempre. Um macarrão, uma batata, um arroz, sal, alho e um vidrinho de gordura. Sabão e mais nada. Não estava pesada. Queria levar a velha Silva de guerra, mas os seniores estavam com ela. Sobrou uma Prismática. Tudo bem. Ele a dominava com perfeição. Na porteira abriram o mapa. Na mosca. Era ali mesmo. Ele contava os passos e Levegildo anotava o que via por ali. Dois pintassilgos, um Anu do Brejo, beija flores voando longe, dois macaquinhos pregos no pé de Jaca.

                Às seis e meia da tarde chegaram ao sitio do Marcondes. Não havia duvida. Duvida ouve na senhora que os recebeu. Parecia que não sabia o que eles queriam, mas disse que eles poderiam usar o riacho e acampar a vontade. Uma sopa deliciosa, lavar vasilhame, limpar bem a barraca para evitar animais peçonhentos, e após uma vista no relatório e uma oração foram dormir. Levantaram cedo. Um café, biscoitos nova arrumação e pé na taboa. Agradeceram à senhora e partiram. Sabiam que deviam atravessar a Mata do Canarinho, mas disseram que não eram mais de quatro quilômetros dentro dela.  Engano. Meio dia, uma hora e não saiam de dentro da mata. Voltaram. Foram até o sitio. Perguntaram. O mapa não ajudava. A senhora disse que eles erraram, se voltassem pela serra eles veriam o caminho.

              Duas da tarde. Combinaram de chegar à sede às cinco da tarde. Isto se o ônibus não atrasasse. Agora sim o caminho estava correto. O mapa voltou a funcionar. Só às sete da noite chegaram ao ponto de ônibus. Demorou. Chegaram à sede as onze da noite. O Chefe Maílson preocupado. O Assistente distrital não quis esperar. Foi embora. Disse que não daria a prova. Se não tem responsabilidade com horários não merecem a Primeira Classe, disse. Dito e feito. Foram reprovados. Lord Jim não chorou e nem desistiu. Ele tinha têmpera de escoteiro. Seis meses depois repetiu a jornada. Desta vez conseguiu fazer tudo no horário. Lord Jim fez do seu sonho realidade. Pediu ao Chefe Maílson para que o distintivo fosse entregue também no Fogo de Conselho. Claro que sim o Chefe disse.

             Noite escura, trovões, o fogo aceso. O Chefe queria voltar para o campo. Começou a cair uma chuva torrencial. Lord Jim chorou. Preciso receber agora Chefe! Não posso esperar outro acampamento. Terei feito quinze anos e serei Sênior! A chuva caia aos borbotões. A tropa ficou de pé. Em posição de sentido. Trovões ribombavam pelo ar. Lord Jim ali em pé em frente ao Chefe. Era mesmo um vendaval dos bons. O vento soprava forte. Mino o Monitor colocou a mão no seu ombro. - Você está pronto Lord Jim? Sim ele disse. O Chefe entregou o distintivo de Primeira Classe. Refez a promessa. Deu um enorme sorriso. Um raio assustador atravessou os céus. A luz que ele produziu mostraram um rosto de um Escoteiro orgulhoso e valente. Agora era um Primeira Classe! Agora tinha muitas histórias para contar! Com ribombos e assombros da chuva que caia intermitente, a tropa ainda em posição de sentido cantou o Rataplã. Todo o hino. A selva recebia com orgulho aquela chuva intermitente e o cantarolar dos escoteiros! Ah! Sonhos! Como é bom sonhar e os ver realizados. Viva Lord Jim. O Escoteiro Primeira Classe!  

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Aqui se faz aqui se paga.



Lendas Escoteiras.
Aqui se faz aqui se paga.

                Narville ouvia calado. Ele sempre foi assim. Preferia ouvir a discutir, pois achava que seu silêncio lhe daria sempre paz de espírito. Seu pai um simplório carroceiro um dia lhe disse – Narville, a maior parte dos problemas do homem decorre de sua incapacidade de ficar calado. Ele olhava nos olhos do Chefe Wantuil do Grupo Escoteiro Águia de Haia. Um nome que todos sabiam o significado. Mas o Chefe Wantuil com toda sua arrogância não sabia. A princípio Narville achou que ele lhe daria um sorriso e dizer – Bem vindo, precisamos de voluntários, mas não. Tentou encobrir sua presunção de dono da verdade e só saiu um monte de asneiras. Finalmente completou – Narville, você é um simples vigia das Casas Noêmia, trabalha a noite, acho que nem estudo tem. Como posso aceitá-lo no Grupo Escoteiro? O que você pode trazer de benéfico aos jovens classe média que temos aqui? Se observar bem todos os chefes tem curso superior ou então estão terminando. Melhor procurar outro Grupo Escoteiro. Aqui não tenho lugar para você!

                Falar mais o que? Discutir com o Chefe Wantuil? Falar umas poucas e boas para ele? Ele já tinha lido que a maior parte dos problemas do homem decorre de sua incapacidade de ficar calado. Não foi Abraham Lincoln quem disse que melhor permanecer calado e que suspeitem tua insensatez, que falar e eliminar toda a dúvida disso? Narville era realmente na sua aparência um pobre coitado. Vestia mal. Ganhava pouco. Aprendera tanto com seu pai, um simples carroceiro, mas que para ele era um sábio. – Não diga a coisas com pressa Narville, mais vale um silencio certo que uma palavra errada. É mais fácil a gente se arrepender de uma palavra que de um silêncio. Ele sabia disso. Tinha visto agora nas palavras do Chefe Wantuil. Palavra errada, na hora errada pode se transformar em ferida naquele que disse e naquele que ouviu.

                  Desde pequeno que Narville sonhava em ser Escoteiro. Nunca pode entrar. Primeiro porque precisava trabalhar. Seu pai o deixara órfão aos dezesseis anos e antes tinha que ajudar sua mãe nas trouxas de roupa que lavava para algumas famílias da cidade. Depois para completar o dinheiro que precisavam para sobreviver ele trabalhava. Sempre fora bom aluno e estudava a noite. Dona Noêmia das Lojas do mesmo nome lhe dera um emprego. Salário pequeno. Passava sempre em frente ao Grupo Escoteiro e sonhava que um dia seria um. Mas onde estava o seu tempo? Não tinha. Sabia que eles iam acampar excursionar, entravam em matas fechadas, atravessavam rios e ele sonhava. Quantas vezes olhava no espelho e se via com aquele uniforme caqui, aquele lenço verde e amarelo e aquele chapelão.  Foi crescendo com seu sonho. Um dia Conseguiu o emprego de vigia noturno. Agora tinha as tardes de sábado, mas seu sonho foi destruído pelo Chefe Wantuil.

                  Não ficou com raiva. Ele era uma alma boa. Não tinha e nunca teve raiva de ninguém. Achava que cada um tinha suas razões. Narville tinha um segredo. Só dele, de sua mãe e dona Noêmia. Ela o vira uma vez estudando após o horário e sentiu que ele precisava de sua ajuda. – Narville, eu vou pagar a faculdade para você. Se um dia se formar vais trabalhar para mim aqui? – Falar o que para dona Noêmia? Um ano, dois cinco anos. Formou-se em direito. Uma luta para passar no exame da ordem, mas conseguiu. Ninguém sabia do seu intento. Sua mãe e dona Noêmia estavam presente na sua colação de grau. Logo foi transferido para o departamento Jurídico. Colocou seu único terno cinza e entrou na sala humildemente. Foi bem recebido. Em trinta dias conquistou amigos. Já era outro homem.

                O nome do Chefe Wantuil surgiu em destaque nos jornais. Foi acusado de roubo na firma que trabalhava. O juiz decretou prisão preventiva por trinta dias. Seu arroubo de arrogância afugentou os dois únicos advogados da cidade. Não tinha ninguém para defendê-lo. Narville achou que era hora de retribuir. Foi à prisão. Viu os olhos de Chefe Wantuil em lagrimas. Quem poderia imaginar aquela cena? Narville era bom advogado. Com a ajuda de um amigo detetive logo descobriu quem era o culpado. Chefe Wantuil no julgamento foi declarado inocente. Seu nome ficou marcado no grupo. Não o queriam mais. Nem deixaram entrar na sede para se explicar. Sempre tem aqueles que aproveitam dos que um dia estiveram no poder e humilharam todos. Não é assim que dizem que quem aqui faz aqui se paga?

              Chefe Wantuil ficou marcado para sempre. Narville não pode fazer nada. Seu sonho de ser Escoteiro foi adiado, mas dois anos depois organizou um novo grupo. Pequeno, sem grandiosidade. Trabalhar com poucos. Convidou o Chefe Wantuil. Este com lágrimas nos olhos aceitou. Tornaram-se amigos, foi seu padrinho de casamento. Mudou muito. Aquela arrogância ficou no passado. Ele aprendeu que nunca mais iria cair na tentação do discurso banal, da explicação simplória. Agora era outro, sua fala era como se estivesse dizendo – Calma! Agora eu tenho calma para dizer, calma para ouvir!        

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O último voo do Falcão Peregrino.



Lendas Escoteiras.
O último voo do Falcão Peregrino.

                O horizonte desaparecia no infinito. Quem o visse ali com as asas entreabertas naqueles penhascos longínquos do Pico das Mil Vidas nunca imaginaria que um Falcão estava vivendo seu ultimos dias de grandes jornadas. Sua vida estava se esvaindo. No seu pensamento lembrou-se de um poema que seus ancestrais lhe ensinaram – “Combati o bom combate, completei a carreira e guardei a fé. Não espero o prêmio da vitória, pois mesmo tendo levado uma vida correta nunca me senti um vencedor”. Ele sabia que seu fim se aproximava. Estava ali há vários dias. As forças já não existiam mais. Diziam que ele era a ave mais rápida do mundo. Suas asas pontiagudas e finas o ajudavam na caça em espaços abertos. Quanto tempo se passou quando lá pelos lados do Vale dos Sonhos coloridos, ele e Abbat voavam pelos céus, quem sabe para se mostrarem belos, majestosos e admirados pelas outras aves que nunca poderiam fazer o que eles faziam.

                Abbat, onde andará ela? Ainda no ninho do Sol Nascente? Mas suas duas proles não estavam crescidos e tinham ido procurar viver suas vidas em outras plagas? Abbat, sua eterna companheira. Lembrava que todas as manhãs ele via a gazela acordar, ele sabia que ela precisava correr lépida para sobreviver às sanhas dos leões. Não importa se você é leão, gazela ou um falcão. Quando o sol nascer era hora dos voos em busca do vento, olhar o firmamento e pensar que precisava se alimentar para sobreviver. Viu do outro lado do Vale da Felicidade um Jaguar. Enorme. Parecia um gato manchado de preto e amarelo. Estava firme com seu olhar tentando saber como chegar até ele. Tudo mudou. De caçador agora era a caça.

                Sabia que mais cedo ou mais tarde o Jaguar das Terras Altas chegaria onde ele estava. Sabia também que não podia voar, não podia reagir, a morte seria o fim da vida? Sua mente voava pelos campos floridos. Nunca esqueceu Abaat. Quantas vezes voou para levar a sua companheira e sua prole a refeição do dia? Lembrou-se dos mundos coloridos que conheceu. Voou para todos os lugares e conhecia o caminho do sol, das estrelas, era um falcão valente e que agora estava no fim da vida. Olhou para baixo e viu no Vale da Esperança vários meninos e meninas rindo e brincando. Já os tinha visto antes. Todos iguais com uma espécie de coroa preta na cabeça que chamavam de chapéu e um lindo lenço amarrado no pescoço.

                Olhou novamente. O Jaguar havia desaparecido. Ele sabia seu destino. Ele sabia que o Jaguar o encontraria. Pensou em seu Deus. Ele também acreditava num ser supremo. Deus! Ó Deus! Onde estás que não responde? Em que mundo em que estrela tu te escondes? Ele pensava e ria. Ele morreria com honra. A morte estava enganada. Eu vou viver depois dela! Olhou para o vale novamente. Montaram barracas, corriam satisfeitos, saltitantes, cantantes como o regato que com suas águas mansas corria lentamente pelo Vale da Esperança. Olhou sua plumagem. Considerava-se belo. Suas patas amarelas se tornaram lendas para quem as enfrentou. Seus olhos negros com anel amarelo eram enormes. Podiam ver o infinito. Amava suas asas, enormes. Com elas correu mundo.

                Sentiu um toque em suas asas. Assustou-se. Tão rápido o Jaguar o encontrou? Fechou os olhos. Não podia reagir. Não tinha forças. O Valente Falcão Peregrino agora era uma sombra do passado. Morrerei com honra pensou. Sentiu o toque novamente. Olhou. Não era o Jaguar. Era uma menina. Linda de olhos azuis. Com seu lencinho no pescoço ela sorria. Ele queria falar, sabia que não seria entendido. Mesmo assim ele crocitava, piava e a menina entendeu! Tirou do seu bornal um farnel que seria seu lanche do dia e deu para ele. Ele precisava. Estava fraco. Cinco dias sem comer e beber água. Comeu tudo! Sentiu suas forças voltarem. Agora estaria pronto para enfrentar o Jaguar. Um apito ecoou ao longe. A menina de olhos azuis se levantou e disse – Adeus meu amigo Falcão! Ele não entendeu.

              Deu três passos para frente e alçou voo.  Iria fazer o ultimo voo do Falcão no espaço para ela. Para a menina. Queria que ela soubesse do seu agradecimento. Ela lhe devolveu a vida. Alçou voo rumo ao infinito e voltou célere. Fez uma virada lateral como fazia no passado. Viu que ela batia palmas. Partiu rumo ao Vale do Sol Nascente. Um voo que nunca na vida ele tinha feito com aquela velocidade. A menina sorria lhe acenou com os bracinhos como a dizer adeus. Ele partiu. Sabia aonde ia. Seguiria o sol no seu caminho para o oeste. Precisava encontrar Abbat. Viu o Jaguar próximo da escarpa onde estava olhando para ele. Sorriu. Não foi desta vez meu amigo. Quem olhasse para o céu, veria um Grande Falcão Peregrino com suas asas enormes, voando junto ao sol e que aos poucos desaparecia no horizonte.

              Não sei se ele encontrou Abbat. Deve ter encontrado. Ele sabia que sua linhagem não iria desaparecer no tempo. Suas duas proles velejavam pelos céus a mostrar sua raça, a mostrar sua força e coragem. Em sua mente eu sei que ele dizia para si próprio: - “Às vezes eu falo com a vida, às vezes é ela quem diz – Qual a paz que eu não quero conservar para tentar ser feliz”? 

domingo, 13 de janeiro de 2013

A Lobinha Laninha e o mistério dos sinos da Igreja Matriz.



Lendas Escoteiras.
A Lobinha Laninha e o mistério dos sinos da Igreja Matriz.

                       Não sei se vão acreditar. Dizem que eu invento muito. Mas juro de pé junto que estive lá. Acreditem se quiserem. Há muitos anos eu conheci uma cidade no interior do sertão de Pernambuco. Nem sei como fui ali parar. Não foi pela minha empresa, acho que foi um golpe do destino, pois deveria ter ido a Sertânia e fui parar em Terra Santa. Pequena, menos de vinte mil almas. Nem hotel tinha. Fiquei na Pensão das Esmeraldas de Dona Eufrásia. Para dizer a verdade a melhor cozinha que tinha conhecido. Almoço ou jantar era um manjar dos deuses. Acho que foi por causa dela e de Laninha que fiquei por cinco dias em uma cidade onde não tinha cinema, TV e as luzes da cidade eram desligadas a onze da noite. Na primeira noite alguns hóspedes conversavam sobre a lenda dos Sinos. Inteirei-me de tudo. Todas as noites de lua cheia os sinos da Matriz tocavam um melodia desconhecida. Muitos estavam ali como turistas. A fama dos sinos ganhou mundo. No dia seguinte seria lua cheia e eles e outros milhares iriam chegar para ouvir e ver os sinos tocarem.

                  Não sou cético e nem tampouco um fanático por lendas. Dona Eufrásia me contou que desde a morte da Lobinha Laninha no ano passado o sino tocava a meia noite nas noites de lua cheia. – Lobinha? Perguntei. – Sim ela respondeu. Aqui tínhamos um Grupo Escoteiro. Melchior um rapaz dos seus vinte e oito anos um dia chegou à cidade e comprou a Farmácia do Beraldo. Junto estava a filha de três anos. Sozinho sem a esposa. Dizia ser viúvo. Durante mais de quatro anos se tornou uma figura conhecida e bem quista por todos. Sempre contava “causos” de quando foi Escoteiro. Melanino o Prefeito o incentivou a organizar um. A Prefeitura daria uma verba. Melchior animou-se. Pediu o padre que convidasse pais interessados a colaborarem. No dia marcado mais de oitenta pais. A maioria mães. O primeiro passo foi dado. Quatro meses depois os primeiros escoteiros e os primeiros lobinhos.

                  Era um sucesso o Grupo Escoteiro da Cidade. Por votação ele se chamava Grupo Escoteiro Coronel Torres Belarmino em homenagem ao fundador da cidade. Melchior era o Chefe do Grupo. A diretoria ativa. Mariazinha uma professora assumiu como akelá e com mais duas assistentes tinha uma alcatéia linda e os lobinhos amavam sua Chefe. Claro que Laninha foi uma das primeiras inscritas. Durante dois anos o Grupo Escoteiro fez história. Chegou a ter em suas fileiras quinhentos participantes. Um dia alguém veio correndo dizer que Laninha caíra da torre da igreja. Contava antes de morrer que queria ver o sino tocar. Ele estava estragado e há mais de dois anos não tocava. Segurou na corda perdeu o equilíbrio e caiu de uma altura de trinta e seis metros. No seu funeral a cidade em peso presente. Um Sênior tocou no seu clarim o toque de silêncio. Todos choravam. Mais ainda a Akelá Mariazinha. Ela estava inconformada.  Laninha era uma menina muito amada por todos.

                  O Grupo Escoteiro Coronel Torres Belarmino sofreu um choque com o acontecido. Muitos saindo. Chefes desistindo. Em uma noite de lua cheia para espanto da população o sino começou a bater e a tocar. Era uma musica suave, mas ninguém sabia o que era. Resolvi ficar ver e ouvir o tal sino. Pedi autorização ao Padre para subir até a torre e ver como um sino tocaria sozinho. Onze horas da noite eu fui subindo devagar as escadas até o topo. Cheguei e sentei em um banquinho. Acendi meu legítimo cachimbo Irlandês e deglutindo aquele “blend” infernal esperei. Onze e cinquenta e cinco vi um vulto. Primeiro uma nuvem branca e nela um vulto. Uma menina vestida com seu uniforme de lobinha. Linda. Sorria. Nem olhou para mim. Não me deu uma palavra. Levantou os dois bracinhos e como se fosse uma grande Maestra o sino começou a tocar. Prestei atenção na música. Reconheci logo. Era a sonata de Schubert, (Franz Peter Schubert) “Sinfonia Incompleta”. Maravilhoso! Estava embasbacado.

                A menina sorria. Que sorriso maravilhoso! Tentei falar com ela. Nada. Ela estava como se vivesse o momento para aquela musica e eu francamente não entedia o seu amor por ela. Alí, no sertão de Pernambuco quem poderia gostar de Schubert? Cinco minutos depois a musica terminou. Agora era outra. A musica eu também conhecia. Agora tocava bem baixinho nada mais nada menos que a “Canção da Promessa”. Fechei os olhos e vi a força daquela orquestra sinfônica. Ela regia como se tivesse feito aquilo a vida inteira. Meu Deus! Qual o mistério? Nunca soube. Tentei conversar com o Padre. Ele nada. Tentei falar com o Chefe Melchior. Ele não acreditou em mim. Na cidade ninguém acreditou no que eu dizia.

             Dona Eufrásia sorriu. – Olhe, vou lhe contar. Ninguém sabe e alguns não querem saber. Não querem acabar com este encantamento. A cidade todos os meses depende dos turistas que chegam. Chefe Melchior era violinista da Orquestra Sinfônica de Pernambuco. Quando sua esposa morreu vitima de Poliomielite ele desesperado veio parar aqui. De farmácia não entende patavina. Nunca mais pegou em um violino. Sua filha o admirava quando ele tocava. Quem sabe ela agora procura nos céus uma maneira de ouvir o pai? Coisas misteriosas e uma charada impossível de ser desvendadas. Enigmas que ninguém quer saber. Preferem o impossível.  Não sou bom nisto. Alí em Terra Santa eu tinha certeza que ninguém entenderia. Dona Eufrásia me olhou com um olhar “treteiro”. Meu amigo há mais mistérios entre o céu e a terra, do que toda a nossa vã filosofia. Puxa! Dona Eufrásia uma velhinha dos seus setenta anos, cabelos brancos também versada em William Shakespeare?   

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Memórias de Risadinha. Ele é um bom companheiro, ele é um bom Escoteiro!



Lendas Escoteiras.
Memórias de Risadinha. Ele é um bom companheiro, ele é um bom Escoteiro!
              
                      Risadinha. Nunca na minha vida conheci um Escoteiro como ele. Quando o conheci ele tinha entrado direto para a tropa com onze anos. Olhar o rosto, a maneira como andava já bastava para dar boas risadas. E o melhor, ele nunca se incomodou com isto. A principio o Chefe Laercio da tropa não entendeu bem aquele menino desengonçado, risonho e que parecia não levar nada a sério. Basta dizer que na primeira reunião que ele foi apresentado a tropa ele olhou a todos, e perguntou: - Tropa, porque a roda do trem é de ferro e não de borracha? – A Tropa não entendeu nada. Seria uma nova maneira de apresentar? Mas não, risadinha logo emendou – Porque se fosse de borracha apagaria a linha! E Deitou no chão morrendo de rir. Era assim o Risadinha. Muitos riam mais do estilo dele que das piadas.

                      Claro que não era e nunca foi um mau Escoteiro. Em pouco tempo já tinha seu cordão verde e amarelo e só não conseguiu o Lis de Ouro porque o Assistente Escoteiro do Distrito vetou. Um dia em uma reunião distrital de escoteiros ele adentrou o círculo e com seu estilo característico gritou alto! – Turma! O que a caixa de leite falou para o saquinho? – Todos calados. Vem prá Caixa você também. E deitava, e rolava de rir. O Assistente, jovem ainda e que não tinha senso de humor não gostou daquilo. Não aprovou seu processo enquanto ele não mudasse. Mudar como? Era sua maneira, seu estilo. A tropa adorava, os seniores eram os que mais davam gargalhadas.

                      De vez em quando Risadinha extrapolava. No desfile do Sete de Setembro estava programado um alto em frente ao palanque para uma saudação as autoridades. Assim foi feito. O Chefe Laércio gritou! Alto! Esquerda volver! Nesta hora Risadinha deu dois passos a frente e gritou: Doutor Prefeito! Doutor Prefeito! O Prefeito que não era Doutor falou – O que foi meu jovem? Porque a mulher não pode ser eletricista? – Por quê? Perguntou o prefeito. - Porque ela demora nova meses para dar a luz! E deitou no chão de rir. O palanque inteiro ria a valer. Foi um sucesso, mas o Comissário do Distrito Malquiedes achou um absurdo. Mandou um ofício para o Grupo Escoteiro pedindo sua saída. Claro que não foi atendido e isto não foi bom para o Grupo Escoteiro. Risadinha não parava. – Mamãe, Mamãe! Na escola me chamaram de mentiroso! Cale-se moleque, você ainda nem foi à escola! E Risadinha não parava. Era na sua Patrulha, era na tropa, era em casa era na escola.

                    Ficou conhecido. A cidade em peso adorava Risadinha. Quando ele passava sempre tinha alguém que gritava: - Risadinha! Uma piada. Ele nunca negou. Seu estoque era infinito – O condenado a morte esperava a hora da execução, quando chegou o padre: - Meu filho vim trazer a palavra de Deus para você. – Perda de tempo seu padre. Daqui a pouco vou falar com Ele pessoalmente. Algum recado? E lá estava ele deitado no chão rindo. Tudo piorou no Grupo Escoteiro quando O Chefe Laercio foi transferido pela sua empresa para outra cidade. Não tinha assistentes e o Diretor Técnico com muito custo convenceu um antigo Escoteiro a voltar. Minomatas era um sujeito triste. Revoltado com a vida. Aceitou mas logo viu que ali não era para ele. Ao ser apresentado Risadinha deu um passo à frente. A tropa já sabia. Piada na certa. – Chefão! O garoto que mora em meu bairro apanhou da vizinha. A mãe furiosa foi tomar satisfação. Porque bateu no meu filho? – Ele foi mal educado. Me chamou de gorda. - E a senhora acha que vai emagrecer batendo nele? Foi à conta. Chefe Minomatas pediu sua saída.

                     Risadinha viu que a tropa ia ser prejudicada. Resolveu sair. Um inferno isto sim ele provocou para o Grupo Escoteiro. Os meninos iam à reunião sentavam em um canto e não obedeciam a chamada. Um verdadeiro Motim. Depois os sêniores aderiram e finalmente os lobinhos. O que fazer? Reunião e reuniões aconteceram. Nada. Veio o Distrital e sua corte. Nada. O assunto foi levado a regional. Nada. A nacional riu de tudo e também não fez nada. Risadinha foi convidado a voltar. Chefe Minomatas saiu do grupo. Um Pioneiro de nome Polenta assumiu. Garotão. Alegre, divertido. A tropa adorou. – Chefe, o louco estava com um balde de água e uma vara de pescar, o psiquiatra perguntou a ele – O que você está pescando? Idiotas, respondeu. Quantos você já pegou? Três, é claro com o Senhor!

                    O tempo passou. Soube que Risadinha conseguiu seu Escoteiro da Pátria. Sei também que cresceu e ficou famoso. O chamavam o maior piadista de todos os tempos. Começou no SBT, depois foi para a Record e hoje tem um programa só dele na Rede Globo. – Mamãe, Mamãe, me leva no circo? – Se querem ver você que venham aqui em casa! Risadinha. O mais divertido Escoteiro que conheci. A vida dizia ele é para ser vivida com alegria. Para que chorar? Adianta? Acho que ele tinha razão. Não foi Baden Powell quem disse que o Escoteiro é alegre e sorri nas dificuldades?

- O Menino vem correndo e diz à mãe: - Mãe, você é uma mentirosa! - Mais por que você diz isso meu filho? - Você disse que meu irmãozinho era um anjo! Eu joguei ele pela janela e ele não voou…

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

O Tigre dente-de-sabre da Gruta das Esmeraldas.



Lendas Escoteiras.
O Tigre dente-de-sabre da Gruta das Esmeraldas.

               Tem certas histórias que não deviam ser contadas. São aquelas que fazemos papel de bobo, e nos chamam de idiotas escoteiros. Lembro que os seniores viviam se gabando de suas aventuras que faziam em seus cavalos de aço. Eu também tinha um. Belo, cor vermelha, pneu balão faixa branca, Phillips importada e na Patrulha todos tinham a sua. Eu andava lá pelos meus doze anos. A Patrulha já acampava sozinha. Tonhão o Monitor era Primeira Classe e Vadico o sub. monitor Segunda Classe. Os demais Joventino e Clarinho também tinham sua Segunda Classe. Eu sabia que ia receber no mês seguinte. Não devia nada a ninguém nos meu conhecimentos escoteiros. Afinal já ia longe o dia que completei minhas vinte e cinco noites de acampamento.

                Acho que foi em uma reunião de Patrulha, em uma quarta na casa do Moreno o socorrista que surgiu a ideia. Conversa vai, conversa vem lancei um desafio – Afinal porque os seniores saem por aí, fazem grandes jornadas, voltam contando “patacas” e nós escoteiros não fazemos nada? Todos me olharam espantados. – Vadinho você sabe que sem autorização da Corte de Honra não podemos fazer nada. Disse Tonhão. Portanto vamos ficar na nossa. Não concordei. Continuei martelando. – Olhe eu tenho uma ideia fantástica. Já preparei tudo. Como nossos cavalos de aço sairemos em um sábado rumo a Lagoa dos Peixes. Lá vamos fazer um exploração na Gruta das Esmeraldas. Até hoje ela é pouco explorada. Levamos quatro carreteis de linha dois. Cada um tem mais de 300 metros. Amarramos na entrada e vamos até onde possamos chegar dentro da gruta. Voltar é fácil. Só seguir a linha e já pensaram quando souberem que fomos lá?

                Vi nos olhos de cada um o desejo da aventura.  – continuei – Não falamos aonde vamos. Quem sabe diremos que fomos fazer uma exploração no Riacho Vermelho? Não comentamos de ir lá um dia para conhecer? – Tonhão coçou a cabeça. – Façamos o seguinte no sábado vamos nos reunir aqui em casa depois da reunião. Cada um tente pesquisar na Biblioteca Central sobre a gruta. Vamos conversar, mas nada de tomar posição. Dito e feito. Eu já tinha tudo preparado. – A gruta como sabem fica próximo a Lagoa dos Peixes. Já foram explorados mais de 511 metros de extensão, mas dizem que são mais de 5.000 metros com tantas cavernas que é fácil se perder. Feita de Rocha Calcária foi formada no passado por restos marinhos do fundo do mar raso, da bacia do Rio das Velhas. O primeiro homem a explorar a gruta foi o dinamarquês Peter Wilhelm Lund em 1835. Sei que depois muitos foram lá. Descobriram restos de fósseis pré-históricos dentre eles o Tigre dente-de-sabre e a Preguiça gigante.

              Não teve jeito. Duas semanas depois em um sábado partimos bem cedo. Nossos Cavalos de Aço (bicicletas) levavam o que precisávamos. Sem barracas, pois dentro da gruta não precisava. Lanche e ração C. Quatros horas depois chegamos a sua entrada. Fácil. Sem vigia e toda a entrada coberta por uma vegetação rasteira. Começamos a entrar na gruta. Levamos duas lanternas, usamos mais nossos três lampiões a querosene. Joventino e Clarinho tomavam conta dos carreteis de linha. Andamos mais de 600 metros. Uma escuridão total. De vez em quando saiamos em belos salões que mesmo com pouca iluminação eram de tirar o folego. Lindo demais. Paramos por volta das duas da tarde em um salão gigantesco. Na parte baixa um belo de um lago que além de raso tinha lindos peixes vermelhos e azuis a nadar em sua superfície.

              As cinco Tonhão sugeriu que não fossemos adiante. Dormir no salão e voltar no dia seguinte. Claro tudo era marcado pelo meu relógio e do Tonhão. Os demais não tinham. Na escuridão não sabíamos se era dia ou noite. Não foi fácil encontrar gravetos para o fogo. Mal deu para fazer uma sopa e um cafezinho. Todos cansados nem bate papo ouve. Nem uma conversa ao pé do fogo. Estava dormindo quando fui acordado por um grito de Vadico. Levei o maior susto. Do outro lado do lago um enorme Tigre dente-de-sabre que nos olhava com enormes olhos negros. Tinha mais de dois metros de altura. Ficou andando de um lado a outro pensando como atravessar o lago e fazer o seu banquete. Não deu outra. Ninguém ficou para trás. Aprontamos uma correria e nos perdemos de nossa linha que iria nos trazer de volta a entrada da gruta.

                 Ficamos parados no fim de um corredor que não nos levava ao lugar algum. Não ouvíamos nenhum barulho. O ar parecia que estava acabando. Resolvemos voltar. Para onde? Não tínhamos nenhum senso de direção. Bussola? Elas ali não funcionavam. Por sorte já era umas oito da noite de domingo achamos a linha. Para a direita ou esquerda? Votos e votos. Para a direita. Duas horas depois chegamos à entrada. Cacilda!  Que alegria. Lá escondida em uma moita de capim colonião estava nossos cavalos de aço. Chegamos a nossa cidade as duas da manhã. Normal ninguém deu por nossa falta. Sábado, tropa reunida, depois do cerimonial de bandeira Tonhão pediu a palavra. Contou tudo. A Corte de Honra nos proibiu de sair só por seis meses! E o Tigre dente-de-sabre? Melhor calar. Contar para que? Para os seniores fazerem gozação?

                  Hoje eu sei que a Gruta das Esmeraldas é visitada por turistas que podem ver sua beleza de seus 511 metros que são abertos ao público. 16 salões fantásticos. O salão da Noiva e o Salão da Catedral pode-se ver imagens formando santos, púlpitos e nichos. Quem sabe foi um destes que achamos ser um tigre dente-de-sabre e pensamos que estava vivo?   Melhor parar por aqui. Sei que não acreditam que foi verdade. Que seja. Mas eu nunca mais esqueci a Gruta das Esmeraldas. Em minha vida Escoteira estive em várias outras. Mas além desta em nenhuma das demais teve o sabor de aventura da primeira. Pelo menos aprendi a não ser tão afoito. Não fui bom Escoteiro tentando fazer tudo escondido. Mas aprendi a lição. Isto nunca mais aconteceu!

(os nomes aqui citados foram alterados para evitar familiares tristes, pois sei que todos já foram para o outro lado da vida. Breve estarei junto a eles e quem sabe teremos lindas grutas a explorar nas lindas estrelas perdidas da via láctea?).

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Chico Patávio, não provoque os fantasmas, um dia terá seu troco!



Lendas escoteiras.
Chico Patávio, não provoque os fantasmas, um dia terá seu troco!

              Chico Patávio tinha um ano de Sênior. Foi Escoteiro e fez a Rota Sênior desanimado. Achou que não ia dar certo. Ficou na Patrulha Rio Longo. Tudo ali mudou para ele. Uma amizade que nunca tinha visto igual. Respeito, sinceridade, alegria e fraternidade. Ele amava sua Patrulha e a tropa Sênior. Meio caladão. Falava pouco, mas todos gostavam de ouvir suas opiniões. Era uma tropa inteiramente masculina até que a tropa Escoteira feminina cresceu. Difícil criar uma tropa só de guias. No Conselho de Tropa aprovaram a vinda delas. Passaram cinco de uma vez. Uma rota Sênior difícil. Resolveram formar uma Patrulha feminina. Surgiu a Antares. Dizem que existe até hoje.

             Tudo era novo para os seniores. As moças eram tratadas a pão de ló. Uma época que o cavalheirismo imperava. Mas elas não gostavam deste tratamento. Passaram a desafiar as patrulhas masculinas e o pior, estavam ganhando em tudo. Sem querer surgiu uma animosidade logo quebrada com as vinda da Chefe Vanessa. Esta era calma e ponderada. Chico Patávio assistia a tudo calado. Mas ele não entendia sua queda por Tininha. Passou a sonhar com ela, que a levava ao cinema, passeava com ela no zoológico, mas era tudo sonho. Ela nem olhava para ele. Um dia mudou de tática. Disse a ela que tinha amigos fantasmas. Ela riu. Ele então inventou uma história do General Boca Torta e madame Cordélia do Papagaio. O que? Perguntou ela para Chico Patávio.  Um dia lhe conto. Ela ria e ele insistia que era verdade.

                Uma noite Chico Patávio acordou assustado. Ofegante tentou lembrar-se do sonho e não conseguiu. Isto aconteceu outras vezes. Foi em uma noite de agosto, relâmpagos prá todo lado, trovões que faziam assustar os mais valentes dos escoteiros, que Chico Patávio viu pela primeira vez o seu fantasma. Em carne e osso a sua frente o General Boca Torta a rir para ele. Horrendo! Um corte que ia da sua boca até a orelha direita. Pior, sangrava. Fedia. E ele ria e quanto mais ria mais sangue saia. – Vem cá Chico. Vem me dar um abraço! – Chico corria a mais não poder. Ele dando gargalhada atrás dele. Seu uniforme de General estava rasgado, sujo de barro o quepe virado para trás dava a ele uma figura não convidativa para abraçar. Chico Patávio tropeçou e ele o General o pegou com uma só mão, o levantou no ar, chegou seu rosto ao dele e deu uma gargalhada que soou por toda cidade de Cruz Verde.

                Chico Patávio acordou gritando. Putz grila! O que fui inventar? Levantou e foi trocar seu pijama. Estava todo molhado. No sábado na sede nem tocou mais no tal fantasma do General Boca Torta. Tininha quando terminou a reunião foi até ele e perguntou – Vai ou não vai contar? – Nem pensar! Nem pensar. Tininha ria gostosamente de Chico Patávio. O acampamento anual seria no próximo mês. Todos se preparando. Seriam oito dias, férias escolares, sempre fora o máximo na vida da tropa Sênior. Agora uma nova experiência. Meninas junto a eles. Elas não gostavam de ser chamadas de meninas. – Vamos dar uma lição a eles disse Marcia, a monitora. Dito e feito.

                  Na noite do quarto dia as patrulhas masculinas se reuniram. – O que houve? Quem perguntava era o Mário Monitor da patrulha Gruta do Orvalho. Olhe eu não sei disse Tito Livio, Sênior da Rocha Vermelha. As meninas ganham tudo. E não ganhamos nada. Chico Patávio nada dizia. Desde que chegara nunca mais andava sozinho na mata, no bambuzal e a noite sempre dava desculpas para não participar dos jogos noturnos. O medo do General Boca Torta era enorme. Ele sabia que fora um sonho, mas agora tinha horror a fantasmas. No sétimo dia, o Fogo de Conselho foi o máximo. Uma amizade enorme surgiu entre as patrulhas. A Patrulha Antares foi finalmente aceita na tropa Sênior.

                   Terminado o fogo ficaram ali deitados em volta do calor da fogueira, olhando as estrelas, conversando e alguns cantando numa amizade invejável. Chico Patávio viu Tininha se esgueirar entre as árvores e foi atrás. Pé ante pé, a seguiu por alguns metros. Estava intrigado por ela não falar a ninguém aonde ia. Incrível – Lá estava ela conversando nada mais nada menos que com o General Boca torta! E pela primeira vez Chico Patávio viu a namorada do General madame Cordélia. Os três pareciam ser bons amigos. Foi então que o General deu uma enorme gargalhada – Chegue aqui Chico, venha participar da roda conosco! Gritou alto. Quem disse que o Chico Patávio ficou ali? Saiu correndo feito um louco e só parou quando escondeu dentro de sua barraca, debaixo do saco de dormir e coberto com uma lona da cabeça aos pés.

                   Tininha o procurou no dia seguinte. Ele não queria ouvir. – Calma Chico! É só um espírito que se foi! – Para mim um fantasma isto sim. – Ele não faz mal a ninguém e precisa de nossa ajuda, falou Tininha. – De mim nunca. Dele só quero distância. Chico Patávio pensou em deixar os seniores. Quase fez isto se não fosse a Tininha ter ido a sua casa. Explicou para ele que não existem fantasmas. Tem gente que vê tem gente que não vê. São pessoas que morreram e precisam de ajuda. Chico Patávio ouviu calado. Mas ele nunca iria ajudar um morto. Nunca. O medo dele com defuntos era enorme.

                   Bem a história termina aqui. Muito depois soube que o General Boca Torta se chamava Alfredo. Morreu cortado no rosto por uma baioneta na guerra do Paraguay. Madame Cordélia era sua esposa e nunca o deixou só. Mesmo podendo ir para um lugar melhor ficou ao lado dele enquanto precisava dela. Tininha dizia, tinha mediunidade. Ajudava dentro de suas possibilidades. Mas esta é outra história. Aqui são dos escoteiros. Dos valentes seniores que não tem medo de fantasmas. Medo? Pergunte a eles! São valentes, durões e desafiam sempre os fantasmas das florestas e das montanhas distantes. Afinal, ser Sênior é que é bacana. Valentes, valorosos, enfrentam o perigo de frente, claro, até que não apareça nenhum fantasma na frente deles. Kkkkkkkkkk.