No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras

No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras
A aventura está apenas começando

sábado, 24 de agosto de 2013

A árvore das folhas rosa.



Crônicas de um Chefe Escoteiro.
A árvore das folhas rosa.

                   Era uma visão incrível. Apareceu assim do nada. Se fez presente para sempre em nossas vidas. Dizem por aí que só os escoteiros têm o privilegio de ver e ouvir coisas, pois eles têm o dom de enxergar de outra maneira a natureza hoje perseguida de maneira implacável pelos homens. Acredito piamente que isto é real. Estava eu em uma pequena trilha, mais quatro amigos escoteiros, todos em fila indiana, tentando cortar caminho para chegar ao Tanque dos Afogados. Desculpem, não morreu ninguém lá e nem é um tanque. Uma represa pequena, dócil, rasa, de águas cristalinas que por duas vezes ali estivemos acampando. Sempre passamos pelo caminho do Marquês mais de doze quilômetros. Não lembro quem deu a ideia de cortar caminho em um vale entre duas montanhas. Nem sempre as boas ideias prevalecem. Passava da uma da tarde. Um sol a pico e queimando. Quase quatro horas de caminhada. O suor escorrendo pelo rosto, os olhos vermelhos e o chapelão de três bicos faziam às vezes de um protetor carinhoso, mas que pouco ajudava.

                  Um local descampado, sem árvores, quem sabe para pasto do gado que ao longe pastava calmamente. Pensei em parar, mas sempre um animando dizia: - Vamos chegar! Vamos chegar! É só encontrar o vale das Vertentes. E esse não chegava nunca. Uma fome brava. Nem um biscoitinho a solta. Já respirava com dificuldade quando avistei o paraíso. Uma árvore. Não uma árvore qualquer. Era enorme. Incrivelmente linda! Nunca tinha visto uma cerejeira igual. Florida, folhas e flores rosa destoando da natureza ao seu redor. Só ela, ali, imponente e ao seu lado um pequeno riacho de águas claras. Visão maravilhosa. Um oásis dos deuses do paraíso naquele campo seco. Incrivelmente maravilhosa. Molhei o rosto calmamente. A sombra da cerejeira nos dava uma sensação de calma silenciosa e gostosa. Uma brisa fresca soprava de este para oeste. Sentamos embaixo próximo ao tronco. Pés levantados. Dizem ser bom para a circulação. Dez minutos, quinze, vinte. Uma hora. Ninguém animava em partir. Estavam todos no mundo dos sonhos coloridos que só os escoteiros possuem.

                 A tarde chegou mansamente. O sol estava se despedindo e prometendo voltar amanhã. Vermelho atrás das montanhas verdejantes. Ainda de olhos fechados lembrei que tinha lido não sei onde – “A flor de cerejeira cai da árvore na primeira brisa mais forte, mas não dizemos que ela nunca viveu. Uma flor que só dura um dia, não é menos bonita por isso”. Não queria abrir os olhos. Não queria partir. Eu tinha encontrado o paraíso. Não disseram que o tempo é relativo? Que a flor da cerejeira, por exemplo, dura apenas uma semana e mesmo se durasse mil anos ainda seria efêmera? Flor tão bela como ela não merecia durar eternamente? E o que é eterno se não o que dura com tamanha intensidade? Dormi. Não queira acordar. Agora a cerejeira não dava mais sombra. Não precisava, a noite chegou escura, mas logo o clarão das estrelas no céu dava o seu espetáculo a parte.

                Reunião de Patrulha. Partir? Cinco a zero para ficar. Um foguinho. Uma sopa, um café na brasa. Cantando baixinho a Árvore da Montanha. O céu estrelado ainda dando seu espetáculo maravilhoso. Um cometa passou correndo deixando um rastro brilhante. Fiz um pedido. Que a cerejeira em flor durasse para sempre! Aos poucos alguns dormiam. A cerejeira das folhas rosa era nossa barraca. O tempo passou. Ao lado algum anjo velava o sono dos escoteiros. Abri os olhos mansamente, uma réstia de luz aportava lá por trás das montanhas distantes. Era a madrugada chegando. O novo dia chegava sem fazer alarde. O orvalho caia de mansinho. A brisa eterna amiga não nos deixou. Um acalanto para nos dar um novo vigor no dia que chegava sem fazer ruído. O riacho ao lado parecia cantar canções de ninar. Pequenos peixinhos nadavam como a nos dizer bom dia!  Mochila as costas. Olhares e sorrisos entre nós. Escoteiros avante! Pé na estrada, pois o sol agora já estava firme no horizonte. Nosso destino? O Tanque dos Afogados. E lá fomos nós, em marcha de estrada sorrindo, mas saibam que nunca mais, em tempo algum, nós nos esquecemos da árvore das folhas rosa. Cerejeira em flor. Um amor, uma lembrança que ficou marcada para sempre!

Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
 (Deste já tão longo andar!) 

E talvez de meu repouso...


segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Lendas escoteiras. As aventuras do Escoteiro Chico Landi. Aquele que superou os seus limites. Faz tempo que eu conhecia Chico Landi. Confesso que não tivemos um contato muito próximo, pois eu com meus dezesseis anos e ele com doze havia uma distância muito grande para sermos íntimos. Mas depois que tudo aconteceu seus feitos e histórias foram de conhecimentos de todos. Ele mesmo quando entrou para o restrito Primeiro Grupo de Giwell um dia em um acampamento chamado de Gilwell Park, pois nosso Distrito fazia realizar uma vez por ano com os chefes Insígnias, tive a oportunidade de ouvir dele toda a história que era contada no grupo e que virou mito e lenda o que não era verdade. Ela a história em parte existiu. Disse-me que seu pai era um fã incondicional de Chico Landi, um famoso automobilista brasileiro além de vencer varias provas internacionais e o primeiro brasileiro a participar da Formula um. Este era o motivo de seu nome. Seu apelido de Centelha na Tropa nunca pegou. Chico Landi era daqueles que sempre dizia – Escoteiro não corre, voa! Escoteiro que é Escoteiro não chora da risada! A chuva para o Escoteiro é como pétalas de rosas a cair em seu rosto! Não existe para o Escoteiro a palavra impossível. Sei que ele tinha um caderno onde colecionava estas frases e ele mesmo inventava na hora outras tantas. A Baguira Vera e o Balu Nonato não sabiam como a Akelá Rosinha tinha tanta paciência com Chico Landi. Bem, era um ótimo lobo, mas não parava de reclamar – Kelá! Tem dois meses que fomos ao acantonamento, vamos fazer outro! Kelá chega de reunião na sede. Vamos passear no campo! Chico Landi adorava a natureza. Quando passou para os Escoteiros tudo mudou. Era uma Tropa quase autônoma de chefia. Marcio o Chefe tinha pouco tempo para dedicar e sempre reunia os monitores e subs em sua casa. Trocavam ideias, muitas vezes acamparam juntos e a Tropa seguia sozinha sem adultos. Monty o Guia dizia sempre – Onde tem um Escoteiro tem uma Tropa e onde tem uma Tropa tem aventuras. A vida de Chico Landi se transformou a ponto de Dona Laurinda mandar chamar seus pais para uma conversa. – Chico Landi deixou de estudar, Chico Landi só vive nas nuvens, Chico Landi não pode continuar assim, só fala em escotismo, escotismo e mais nada! Doutor Juvenal pai de Chico Landi era um pai compreensivo. Conversou longo tempo com o filho. Chico Landi adorava o pai. Seguia seus conselhos a risca. Mas Chico amava o campo. Adorava correr pelas campinas, espantar as borboletas coloridas misturando com as flores silvestres os raios de sol de um amanhecer maravilhoso. Ele cantava e como cantava. Sabia fazer qualquer tipo de nós. Reconhecia na natureza qualquer gorjeio, qualquer canto – Olhe! Ouçam! É o pássaro Preto do serrado perdido aqui nas campinas! Pegadas? Chico era um bam, bam. Nos acampamentos sua Patrulha Lobo era a primeira em dar o grito para o almoço, jantar, prontos para inspeção, formaturas e apesar de não ser o Monitor era um motivador sem igual. - Monty, por quê? Monty ria, ora, ora Chico Land, não podemos viver em um acampamento. A sede precisa de nós. Humm! Ele dizia se é assim então vamos fazer um Salcedo? Para quem não sabe Salcedo era um apelido que deram ao Comando Crow. Eles faziam diferente, um de cada lado, ao se encontrarem tinham de passar um pelo outro. Sempre um despencava no chão. A vida era bela para Chico Landi. Uma família que o amava, um grupo Escoteiro respeitado pela comunidade, uma Tropa de aventuras e uma Patrulha sem igual. Bem vamos dar os méritos a Dona Laurinda a professora e o Padre Gabriel. Eles também sem perceber faziam parte da família feliz de Chico Landi. A vida tem destas coisas, quanto menos se espera o destino bate na porta. Não tem jeito. Bateu levou. Desta vez foi uma pancada forte do destino na vida de Chico Landi. Seis bandidos resolveram assaltar o Banco do Brasil. Único na cidade. Prenderam os quatro praças e o sargento Nonô na cadeia. Acharam que a cidade estava dominada. No banco Zé Pinta Cega um vaqueiro da fazenda Luvião não achou graça naquilo. Mandaram todo mundo deitar no chão e um dos bandidos dava chute nas costas e na cara dos clientes. Zé Pinga Cega não levava desaforos para casa. Seu 38 querido estava lá onde sempre esteve. Dentro do bolso comprido de seu paletó feito exclusivamente para carregar seu amigo de tanto tempo. Nenhum dos bandidos reparou nele. Pudera um anão não mais que um metro e cinquenta magro e um bigodinho a lá Charles Chaplin. Com três tiros Zé Pinga Cega matou três, mais um tiro e um caiu estrebuchando no chão, dois correram e Zé Pinga Cega correu atrás. Eles abriram fogo e o Zé Pinga Cega recebeu um balaço nos quadris, mesmo caído ainda atirou. Não acertou ninguém e desmaiou. Os bandidos fugiram sem levar nada. Levaram Zé Pinga Fogo para o Hospital de Eldorado a vinte quilômetros dali. O povo alegre dançava na praça festejando o acontecido. Ninguem notou que atrás de um pé de Jabuticaba centenária Chico Landi gemia e cantava. Um canto triste. Ele cantava o Rataplã. Ninguem ouviu a principio. Dona Modesta foi quem viu. Deu um grito de susto. Chico Landi sangrava e muito. Seu rosto branco como cera. Mais um para o hospital de Eldorado. Ele tentou imitar o seu herói. Aquele que disse que um Escoteiro caminha com suas próprias pernas. Não deu nem um passo. Ainda estava vivo. Alguém o viu correr para a pracinha quando o tiroteio começou. Uma bala perdida. Chico Landi ficou entre a vida e a morte vinte dias. A escoteirada, a lobada e os chefes todos os dias pegavam o caminhão do seu Rangel e iam para Eldorado visitar Chico Landi. Dona Neném sua mãe dia e noite ao seu lado. Seu Pai o Doutor Juvenal fez tudo que podia. Chico não iria morrer, mas estava tetraplégico. Nunca mais iria andar. A noticia caiu como uma bomba na cidade. A lobada e a escoteirada chorava em todos os cantos. O Padre Gabriel convidou toda a cidade para uma grande missa e pedir a Deus por Chico Landi. Era o menino mais alegre da cidade. Vivaz, grande Escoteiro, amante da natureza, era uma infelicidade ele ficar assim. A praça tomada, quase toda a cidade estava lá. Muitos Escoteiros eram coroinhas e estavam no altar a espera do início da missa. A maioria dos presentes tinham os olhos cheios de lagrimas, A Akelá Rosinha, a Baguira Vera e o Balu Nonato choravam como bebês. Monty o Guia da Tropa estava firme com seu bastão em pé ao lado do altar. Não chorava, mas seu coração estava sangrando. Ninguem podia acreditar no que estava acontecendo. O carro do Doutor Juvenal e dona Neném estava chegando à praça. Traziam Chico Landi em uma cadeira de rodas meio caído do lado. Todos olharam para ele com uma pena enorme. Os soluços aumentaram. Alguém gritou – Uma palma para Chico landi! A praça ribombou de cima em baixo. Chico olhava aquilo sem acreditar. Ele não podia estar tetraplégico. Não podia. Deus não ia dar a ele este caminho. Um grito enorme na multidão. Um silêncio sepulcral. Chico Landi se esforça e fica em pé. Impossível diziam os médicos que o assistiram. Chico sorria. Cambaleando foi até o altar. O padre Gabriel ajoelhou e gritou – Um milagre! Um milagre! Louvado seja Deus! Um coro de palmas durou bem uns vinte minutos. Sorrisos em profusão. Os seis patrulheiros da Lobo o carregaram dando uma volta pela praça. Chico Landi ria e chamava em alto e bom som – “Monty, Monty”! Eu quero acampar! Eu quero voltar ao campo nesta primavera, eu quero ver as flores no monte Sariel, eu quero beber a água da fonte do roncador. Monty, Oh! Monty. Papai e mamãe estão sorrindo eles não vão dizer não! Eu e Jota Maro um Chefe novato, mas já Insígnia escutávamos aquela história absurda, mas tão bem contada que a gente chorava. Um choro simples de alegria, de saber que o final foi feliz. Chico landi levantou do banquinho de madeira que ele mesmo tinha feito. Eu juro por Deus que é verdade. Eu juro por tudo neste mundo. Chico landi ficou em pé, atrás dele um enorme raio de sol, seria o sol da meia noite. O fogo que estava quase acabando se alastrou. As fagulhas da noite iluminaram aquela clareira onde estávamos. Uma brisa gostosa vindo do norte nos pegou de pronto. Olhei para Jota Maro, ele sorria. Olhamos de novo para Chico Landi, ele olhava para o céu. Uma grande estrela brilhante estava lá. A maior estrela que eu já vira até então. Parecia que ela e ele eram um só. Paro por aqui. Para muitos seria uma história impossível. Para mim a verdadeira história de um Escoteiro que acreditou. Ele era o protetor da natureza. Viveu sua vida em função dela. Como dizia meu amigo Chico Xavier - Em minhas preces de todo dia, sempre peço coragem e paciência. Coragem para continuar superando as dificuldades do caminho naqueles que não me compreendem. E paciência, para não me entregar ao desânimo diante das minhas fraquezas!... “E guardemos a certeza pelas próprias dificuldades já superadas que não há mal que dure para sempre.”.



Lendas escoteiras.
As aventuras do Escoteiro Chico Landi.
Aquele que superou os seus limites.

       Faz tempo que eu conhecia Chico Landi. Confesso que não tivemos um contato muito próximo, pois eu com meus dezesseis anos e ele com doze havia uma distância muito grande para sermos íntimos. Mas depois que tudo aconteceu seus feitos e histórias foram de conhecimentos de todos. Ele mesmo quando entrou para o restrito Primeiro Grupo de Giwell um dia em um acampamento chamado de Gilwell Park, pois nosso Distrito fazia realizar uma vez por ano com os chefes Insígnias, tive a oportunidade de ouvir dele toda a história que era contada no grupo e que virou mito e lenda o que não era verdade. Ela a história em parte existiu. Disse-me que seu pai era um fã incondicional de Chico Landi, um famoso automobilista brasileiro além de vencer varias provas internacionais e o primeiro brasileiro a participar da Formula um. Este era o motivo de seu nome. Seu apelido de Centelha na Tropa nunca pegou.

          Chico Landi era daqueles que sempre dizia – Escoteiro não corre, voa! Escoteiro que é Escoteiro não chora da risada! A chuva para o Escoteiro é como pétalas de rosas a cair em seu rosto! Não existe para o Escoteiro a palavra impossível. Sei que ele tinha um caderno onde colecionava estas frases e ele mesmo inventava na hora outras tantas. A Baguira Vera e o Balu Nonato não sabiam como a Akelá Rosinha tinha tanta paciência com Chico Landi. Bem, era um ótimo lobo, mas não parava de reclamar – Kelá! Tem dois meses que fomos ao acantonamento, vamos fazer outro! Kelá chega de reunião na sede. Vamos passear no campo! Chico Landi adorava a natureza. Quando passou para os Escoteiros tudo mudou. Era uma Tropa quase autônoma de chefia. Marcio o Chefe tinha pouco tempo para dedicar e sempre reunia os monitores e subs em sua casa. Trocavam ideias, muitas vezes acamparam juntos e a Tropa seguia sozinha sem adultos. Monty o Guia dizia sempre – Onde tem um Escoteiro tem uma Tropa e onde tem uma Tropa tem aventuras.

           A vida de Chico Landi se transformou a ponto de Dona Laurinda mandar chamar seus pais para uma conversa. – Chico Landi deixou de estudar, Chico Landi só vive nas nuvens, Chico Landi não pode continuar assim, só fala em escotismo, escotismo e mais nada! Doutor Juvenal pai de Chico Landi era um pai compreensivo. Conversou longo tempo com o filho. Chico Landi adorava o pai. Seguia seus conselhos a risca. Mas Chico amava o campo. Adorava correr pelas campinas, espantar as borboletas coloridas misturando com as flores silvestres os raios de sol de um amanhecer maravilhoso. Ele cantava e como cantava. Sabia fazer qualquer tipo de nós. Reconhecia na natureza qualquer gorjeio, qualquer canto – Olhe! Ouçam! É o pássaro Preto do serrado perdido aqui nas campinas! Pegadas? Chico era um bam, bam. Nos acampamentos sua Patrulha Lobo era a primeira em dar o grito para o almoço, jantar, prontos para inspeção, formaturas e apesar de não ser o Monitor era um motivador sem igual.

           - Monty, por quê? Monty ria, ora, ora Chico Land, não podemos viver em um acampamento. A sede precisa de nós. Humm! Ele dizia se é assim então vamos fazer um Salcedo? Para quem não sabe Salcedo era um apelido que deram ao Comando Crow. Eles faziam diferente, um de cada lado, ao se encontrarem tinham de passar um pelo outro. Sempre um despencava no chão. A vida era bela para Chico Landi. Uma família que o amava, um grupo Escoteiro respeitado pela comunidade, uma Tropa de aventuras e uma Patrulha sem igual. Bem vamos dar os méritos a Dona Laurinda a professora e o Padre Gabriel. Eles também sem perceber faziam parte da família feliz de Chico Landi. A vida tem destas coisas, quanto menos se espera o destino bate na porta. Não tem jeito. Bateu levou. Desta vez foi uma pancada forte do destino na vida de Chico Landi.

           Seis bandidos resolveram assaltar o Banco do Brasil. Único na cidade. Prenderam os quatro praças e o sargento Nonô na cadeia. Acharam que a cidade estava dominada. No banco Zé Pinta Cega um vaqueiro da fazenda Luvião não achou graça naquilo. Mandaram todo mundo deitar no chão e um dos bandidos dava chute nas costas e na cara dos clientes. Zé Pinga Cega não levava desaforos para casa. Seu 38 querido estava lá onde sempre esteve. Dentro do bolso comprido de seu paletó feito exclusivamente para carregar seu amigo de tanto tempo. Nenhum dos bandidos reparou nele. Pudera um anão não mais que um metro e cinquenta magro e um bigodinho a lá Charles Chaplin. Com três tiros Zé Pinga Cega matou três, mais um tiro e um caiu estrebuchando no chão, dois correram e Zé Pinga Cega correu atrás. Eles abriram fogo e o Zé Pinga Cega recebeu um balaço nos quadris, mesmo caído ainda atirou. Não acertou ninguém e desmaiou. Os bandidos fugiram sem levar nada.

           Levaram Zé Pinga Fogo para o Hospital de Eldorado a vinte quilômetros dali. O povo alegre dançava na praça festejando o acontecido. Ninguem notou que atrás de um pé de Jabuticaba centenária Chico Landi gemia e cantava. Um canto triste. Ele cantava o Rataplã. Ninguem ouviu a principio. Dona Modesta foi quem viu. Deu um grito de susto. Chico Landi sangrava e muito. Seu rosto branco como cera. Mais um para o hospital de Eldorado. Ele tentou imitar o seu herói. Aquele que disse que um Escoteiro caminha com suas próprias pernas. Não deu nem um passo. Ainda estava vivo. Alguém o viu correr para a pracinha quando o tiroteio começou. Uma bala perdida. Chico Landi ficou entre a vida e a morte vinte dias. A escoteirada, a lobada e os chefes todos os dias pegavam o caminhão do seu Rangel e iam para Eldorado visitar Chico Landi. Dona Neném sua mãe dia e noite ao seu lado. Seu Pai o Doutor Juvenal fez tudo que podia. Chico não iria morrer, mas estava tetraplégico. Nunca mais iria andar. A noticia caiu como uma bomba na cidade. A lobada e a escoteirada chorava em todos os cantos. O Padre Gabriel convidou toda a cidade para uma grande missa e pedir a Deus por Chico Landi. Era o menino mais alegre da cidade. Vivaz, grande Escoteiro, amante da natureza, era uma infelicidade ele ficar assim.

          A praça tomada, quase toda a cidade estava lá. Muitos Escoteiros eram coroinhas e estavam no altar a espera do início da missa. A maioria dos presentes tinham os olhos cheios de lagrimas, A Akelá Rosinha, a Baguira Vera e o Balu Nonato choravam como bebês. Monty o Guia da Tropa estava firme com seu bastão em pé ao lado do altar. Não chorava, mas seu coração estava sangrando. Ninguem podia acreditar no que estava acontecendo. O carro do Doutor Juvenal e dona Neném estava chegando à praça. Traziam Chico Landi em uma cadeira de rodas meio caído do lado. Todos olharam para ele com uma pena enorme. Os soluços aumentaram. Alguém gritou – Uma palma para Chico landi! A praça ribombou de cima em baixo. Chico olhava aquilo sem acreditar. Ele não podia estar tetraplégico. Não podia. Deus não ia dar a ele este caminho.

         Um grito enorme na multidão. Um silêncio sepulcral. Chico Landi se esforça e fica em pé. Impossível diziam os médicos que o assistiram. Chico sorria. Cambaleando foi até o altar. O padre Gabriel ajoelhou e gritou – Um milagre! Um milagre! Louvado seja Deus! Um coro de palmas durou bem uns vinte minutos. Sorrisos em profusão. Os seis patrulheiros da Lobo o carregaram dando uma volta pela praça. Chico Landi ria e chamava em alto e bom som – “Monty, Monty”! Eu quero acampar! Eu quero voltar ao campo nesta primavera, eu quero ver as flores no monte Sariel, eu quero beber a água da fonte do roncador. Monty, Oh! Monty. Papai e mamãe estão sorrindo eles não vão dizer não!

         Eu e Jota Maro um Chefe novato, mas já Insígnia escutávamos aquela história absurda, mas tão bem contada que a gente chorava. Um choro simples de alegria, de saber que o final foi feliz. Chico landi levantou do banquinho de madeira que ele mesmo tinha feito. Eu juro por Deus que é verdade. Eu juro por tudo neste mundo. Chico landi ficou em pé, atrás dele um enorme raio de sol, seria o sol da meia noite. O fogo que estava quase acabando se alastrou. As fagulhas da noite iluminaram aquela clareira onde estávamos. Uma brisa gostosa vindo do norte nos pegou de pronto. Olhei para Jota Maro, ele sorria. Olhamos de novo para Chico Landi, ele olhava para o céu. Uma grande estrela brilhante estava lá. A maior estrela que eu já vira até então. Parecia que ela e ele eram um só.


          Paro por aqui. Para muitos seria uma história impossível. Para mim a verdadeira história de um Escoteiro que acreditou. Ele era o protetor da natureza. Viveu sua vida em função dela. Como dizia meu amigo Chico Xavier - Em minhas preces de todo dia, sempre peço coragem e paciência. Coragem para continuar superando as dificuldades do caminho naqueles que não me compreendem. E paciência, para não me entregar ao desânimo diante das minhas fraquezas!... “E guardemos a certeza pelas próprias dificuldades já superadas que não há mal que dure para sempre.”.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

O Diário secreto da Escoteira Carmem Lucia.

Lendas Escoteiras.
O Diário secreto da Escoteira Carmem Lucia.


12 de março, sábado.

Meu querido diário, a semana não teve nada extraordinário. No colégio algumas provas e acho que me sai bem. Natali como sempre irredutível. Não quer ser escoteira. Por mais que fale ela diz não. É minha melhor amiga você sabe disto. Sábado passado tivemos uma ótima reunião. Fizemos uma carta prego. Foi divertido e infelizmente extrapolamos o horário. Chefe Nadir com toda sua simpatia não nos desclassificou. Levamos um susto na quinta. Papai teve uma parada cardíaca que chegamos a pensar no pior. Felizmente foi alarme falso. Esqueci-me de contar. Sabe o Marinho? Aquele Escoteiro metido a sabe tudo? Caiu do telhado da sede. Ele viu uma pipa solta no ar e ela caiu no telhado da sede. Atabalhoado correu para pegar e despencou lá de cima. Braço quebrado. Eu fiquei com pena, mas dei boas risadas. Ele é muito metido.  Não é a primeira vez. Pagou sorvete para toda Patrulha pensando que seria eleito Monitor. Quebrou a cara! Estou preocupada. Na quarta terei uma prova de matemática e estou com medo. Preciso estudar mais e tenho muito medo. Bom dia meu caro diário. Eu te amo demais porque em cada pedaço de mim, sempre haverá um pedaço de você!

19 de março, sábado.

Meu querido diário, tirei sete na prova de matemática. Imagine meu pai achou pouco, pode? Adoro meu pai. Ele sempre tem um sorriso para mim. Hoje a reunião será no Parque da Princesa. A Chefe Nadir combinou com vários pais para nos levar. Minha Patrulha Lobo treinou dois dias na semana a transmissão de Semáforas. Haverá uma competição entre as três patrulhas e acredito que podemos ganhar. Eu cheguei a transmitir trinta letras por minuto. Vamos ver, pois como sempre O Marinho com sua pose de bom geral já disse que o troféu é da Patrulha dele. Ontem minha mãe me perguntou sobre o novo uniforme. Disse a ela que a Tropa votou em continuar com o caqui. Eu o adoro. O novo é sem graça. Tivemos a visita de um Velho Chefe Escoteiro. Disseram-me que ele foi lobinho em nosso grupo. Um velhinho muito simpático. O Professor Nelsinho me deu dez em história. Disse que eu sou uma menina muito bonita. Não gostei. Meu pai também não vai gostar, pois vou contar para ele. Na terça fui ao shopping com mamãe. Compramos umas roupas. Eu precisava, pois estou crescendo demais. Agora com treze anos tenho que andar mais bem arrumada. Não porque vou arrumar namorado. Não quero. Um dia ele vai chegar e eu vou esperar. Não tenho pressa. Bom dia meu caro diário. Eu te amo demais porque em cada pedaço de mim, sempre haverá um pedaço de você!

26 de março, sábado.

Meu querido diário. Eu e minha patrulha discutimos muito o ADIP Regional. Mudaram tudo. Nos anteriores íamos com a patrulha completa e nossas tralhas. Varias vezes levamos inclusive nossa intendência. A taxa era pequena. Só para simbolizar que nada era de graça. Agora não. Dizem que só precisamos levar as barracas e roupa de cama. Lá tem tudo. Refeições, chuveiros, banheiros e serviço médico. A patrulha achou um absurdo à taxa cobrada mesmo dividida em seis vezes. Resolvemos não comparecer. Iremos aproveitar e ir acampar cinco dias no Vale da Lontra. Sempre quis ir lá. Sabe meu querido diário. Soube que em alguns países estão tirando o nome de Deus da promessa pode? Acho um absurdo. Se aqueles que dizem ser ateus estão forçando tudo isto que façam um grupo só para eles. Não venham colocar ideias para nós. Nossa patrulha nunca vai aceitar isto. Mas olhe, lembra-se do Marinho? Ele disse que se aparecer um ateu no grupo ele vai jogá-lo na Cascata da anta só para ouvi-lo gritar – Deus me ajude! Risos. Bom dia meu caro diário. Eu te amo demais porque em cada pedaço de mim, sempre haverá um pedaço de você!

12 de novembro, terça.

Quantos anos passados eu e você juntos meu querido diário. Ainda lembro quando comecei. Tinha nove anos você lembra. Hoje tirei o dia para ler todos os cadernos. São mais de vinte. Você sabe você me acompanhou por todos os sábados por muitos anos. Lembra-se do Marinho? Aquele chato metido a bom? Risos. Não sei por que pergunto isto. Você sabe que eu casei com ele. Ninguém e nem eu nunca pensamos nisto. Você tem acompanhado. Ele é um excelente Chefe de Tropa Escoteira. Eu me dedico aos lobinhos. Me amarro neles. Chamam-nos de pragas azuis. Doces pragas. Ainda não fiquei grávida, mas logo que tiver um vou fazer tudo para ele ser escoteiro ou escoteira. Quero que ele seja feliz como eu fui e sou. Quantas coisas passamos juntos querido diário? Quantas histórias quantos causos, a morte do meu pai que nunca esqueci. Ainda bem que tive você como amigo e confidente. Tento meu querido diário trazer a mamãe para vir morar comigo. Ela não quer de jeito nenhum. Prefere ficar sozinha naquele casarão. Lembra-se das risadas que dei quando Natali resolveu entrar. Acho que entrou por causa do Norberto. Valeu para os dois. Casaram e ela já tem um filho. Ganhou de mim a danada que nem gravida fiquei. Boa noite meu caro diário. Eu te amo demais porque em cada pedaço de mim, sempre haverá um pedaço de você!

15 de novembro sábado.


Meu Deus! Desculpe meu querido diário. As dores de parto se iniciaram. Tenho de ir para o hospital. Não vou esquecer-me de você, pois vai junto comigo. Você vai ser um dos primeiros a conhecer meu filho com o Marinho. Sabe meu querido diário eu estou muito feliz. Vou ser mãe, mãe escoteira sabe? Por quê? Por que amo o escotismo e nunca vou deixar de amá-lo. Desculpe, tenho de encerrar. Meu marido já está com minhas malas. Eu te amo demais porque em cada pedaço de mim, sempre haverá um pedaço de você!

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

A lenda de Sasquatch, o lobo solitário da Montanha de Cristal.


Lendas escoteiras.
A lenda de Sasquatch, o lobo solitário da Montanha de Cristal.

             Esta é uma história de um lobo, um lobo solitário que nas madrugadas vagava pela Montanha de Cristal com seu uivo sinistro como a pedir à ajuda que nunca teve. Dizem que ele chorava, que de seus olhos negros sempre se via uma lágrima a cair. Não é uma história de um final feliz. Disseram por aí e eu não posso afirmar que os lobos nas montanhas andam em matilhas, o mais forte protege o mais fraco, mas quando ele está Velho, sem condições de sobrevivência é deixado pelos demais e morre uivando de fome sede e frio. Mas deixe-me contar a vocês a história de Sasquatch. Foi Sandra quem o apelidou assim. Sandra foi outra que viu seu mundo desmoronar. Mas não vamos avançar a história. Melhor narrar parte por parte para que vocês conheçam melhor tudo que aconteceu com Sandra e Sasquatch, o lobo solitário da Montanha de Cristal.

            Sandra tinha trinta e seis anos quando Otávio seu marido faleceu. Ficou mais de quatro anos agonizando de hospital em hospital até que Deus o levou e quem sabe para melhor. Sandra não chorou. Chorou sim quando soube que ele tinha uma grave doença pulmonar e que não sobreviveria mais que um ano. Viveu quatro anos dos mais felizes em sua vida com ele e o tratando com o maior carinho. A doença consumiu tudo que tinham. Gastaram todas suas economias. Vendeu sua casinha que compraram há muitos anos com muito sacrifício. Não tiveram filhos. Otávio já doente no primeiro ano de casado resolveu assim. Seis meses depois da morte de Otávio, Sandra ainda morava só. Uma irmã no nordeste escreveu para ela para ir morar com ela. Sandra não quis e resolveu ficar. Sua tristeza quando chegava à noite em casa do seu trabalho era enorme. Lia um livro, um programa de TV e ia dormir sonhando com Otávio ao seu lado.

            A vida de Sandra era uma rotina. Foi Amélia sua colega de trabalho quem mudou tudo. – Preciso de uma assistente. E você vai me ajudar disse. – Sandra riu e aceitou. Quem sabe o Escotismo lhe daria um novo caminho? O tempo passou. Amélia casou e saiu do Grupo. Sandra ficou em seu lugar. A Alcateia passou a ser um pouco sua vida. Dedicava de corpo e alma aos seus lobinhos. Adorava os meninos e as meninas. Fez curso, aprendeu muito em outras alcateias que visitou e acantonou. Tonho e Marilda eram suas assistentes. Baloo e Bagheera. Os lobinhos e as lobinhas tinham verdadeira adoração por eles. Sandra já não mais se sentia só. O escotismo deu a ela nova motivação e uma filosofia de vida que ela nunca esperava.

            Tudo aconteceu em julho. Anualmente sempre faziam um acantonamento no Rancho dos Grandes Amores. Seu Ruan proprietário adorava os lobos e dizia sempre – Enquanto estiver vivo aqui será um rancho de lobos! Atrás da casa sede tinha uma montanha. Linda. Muitos bosques e uma nascente. Sandra quando ia ali ficava horas e horas a olhar para ela. Chamavam-na de a Montanha de Cristal. Sandra não sabia por que, mas no dia da viagem para o acantonamento bateu uma enorme saudade de Otávio. Três anos sem ele e ela não entendia aquela melancolia, logo agora em um acantonamento. Quem sabe por que ia só e os seus dois assistentes iriam à noite. Duas mães foram juntas para ajudar na cozinha e limpeza diversas. Chegaram, arrancharam, e logo começou as atividades. Iam ficar três dias.

         À tarde do primeiro dia enquanto os lobos arrumavam suas tralhas para a noite e o banho Sandra como sempre olhava para a Montanha. Assustou quando avistou um Lobo parado em uma pequena trilha olhando para ela. Não sabia o que fazer. Entrou correndo na casa sede. Olhou pela janela. O lobo se afastava. Mancando. Notou que sua perna direita estava quebrada. Sentiu pena dele. Sem perceber o chamou de Sasquatch. Nada há ver com a história do homem de neve que contam por aí. Ela saiu de novo da casa. O lobo parou e voltou. Ela notou seus olhos tristes. Parecia que lagrimas caiam. Não era possível. Ela devia estar enganada. Lobo não chora. Viu que ele se aproximou dela. Lambeu seus pés. Ela foi até a cozinha. Cortou um pedaço da carne do almoço do outro dia e deu para ele. Ele olhou para ela com os olhos húmidos e balançou a cabeça como a agradecer. Não comeu a carne. Pegou entre os dentes e subiu a trilha que levava ao alto da Montanha de Cristal.

       Sandra acordou várias vezes. Jurava ouvir uivos enormes. Acordou pela manhã e alguém uivava lá fora. Era ele. Sasquatch. Sempre mancando. Sandra aproximou dele e ele deixou que ela o acariciasse. Viu que a perna estava curta e tinha sinal de perfuração de bala. Um caçador malvado só podia ser. Ela o olhou nos olhos, viu o brilho firme a encará-la. Foi de novo buscar alimentação para ele. Ele ajoelhou e balançou a cabeça. Deu um enorme uivo pegou a carne com os dentes e de novo seguiu a trilha da montanha. Vários lobinhos viram o lobo, tentaram se aproximar, mas ele mancando corria. Só com Sandra ele se deixava acariciar. Assim foram os três dias. No último ele fez um sinal para ela. Parecia saber que ela ia embora. Andava em direção à trilha, parava e olhava para trás. Sandra o seguiu. Não andou muito e ele entrou em uma pequena caverna.

        Sandra ficou com medo de entrar lá. Por diversas vezes Sasquatch chegou à entrada e fez o sinal para ela entrar. Resolveu segui-lo. O que viu foi de estarrecer. Dois lobinhos recém-nascidos mortos e dois vivos entre a vida e a morte. Tinha carne junto deles, mas não conseguiam comer de tão fracos. Olhou de novo para Sasquatch. Viu que ele era um lobo macho. A femea devia ter morrido, mas ele não abandonou os lobinhos. Filhos dele? Sandra não sabia o que fazer. Ele olhava para ela com carinho como a pedir que o ajudasse. Ajudar como? Ela tinha de ir embora. Sentia enorme pena dos lobinhos e sabiam que eles iam morrer. Fazer o que? Saiu da caverna. Olhou para o céu e perguntou a Deus o que devia fazer. Viu em uma nuvem Otávio a sorrir para ela. Era alucinação, ela não acreditava nisto. Resolveu voltar ao Rancho. Olhou para trás, Sasquatch ajoelhado uivava. Um uivo dolorido, choroso, e lágrimas caiam de seus olhos.

        Sandra voltou. Colocou os dois lobinhos no colo. Iria levá-los com ela. Não tinha outra saída. Desceu com Sasquatch a acompanhando. O ônibus chegou e a lobada cantando tomou seus lugares. Brincavam com os lobinhos que já estavam recuperando suas forças. Sandra deu leite para eles que beberam sofregamente. Ao entrar no ônibus deu uma última olhada em Sasquatch. Ele uivava e ela não sabia se de alegria ou tristeza. Sabia que não podia levá-lo. Não tinha condições. O ônibus foi saindo devagar pela estrada vermelha. Sasquatch tentou acompanhar, não conseguiu. Coxeava muito. Sua perna quebrada não deixava. Uivou muito e Sandra ouvia chorando baixinho. Quando o ônibus chegou à estrada asfaltada ele olhou pela ultima vez a Montanha de Cristal. Parecia que uma luz brilhante pairava sobre ela. Mas viu a figura novamente de Otávio sorrindo. Tranquilizou-se.


       Dizem que durante muitos anos Sandra cuidou dos dois lobos. Um ela chamou de Lobo Gris e o outro... Sasquatch. Por onde andava os dois lindos e enormes lobos a acompanhavam. Um de cada lado. Disseram-me que ela voltou muitas vezes a Montanha de Cristal. Foi até a caverna onde os lobos nasceram. Levou Gris e Sasquatch e eles uivaram por muito tempo como a lembrar de seu pai que deu a eles um grande carinho e amor e porque não a vida. Ao retornar ouviu bem no alto da montanha um uivo enorme. Sabia que era ele. Olhou para lá, não viu nada. Mas sentiu um calafrio. Não era ele em vida, mas ali estava seu espirito como a agradecer o belo gesto de Sandra. E posso garantir as mil e umas historias que um dia poderei contar, Sandra viveu feliz para sempre na companhia dos dois lobos. Sei que ficaram amigos para sempre! E contam até hoje que uma estrela brilhante paira todas as luas cheias por cima da caverna da Montanha de Cristal. 

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O adeus sem volta do Escoteiro.


Crônicas escoteiras.
O adeus sem volta do Escoteiro.

     Pingo D’água e Varetinha estavam desanimados. Já estavam cansados de dizer a mesma coisa e sabiam que não estavam sozinhos. Tudo mudou da água para o vinho. O escotismo agora era outro e eles não sabiam o que fazer. Pedir conselhos? Comentar com alguém? Eles acreditavam que nenhum adulto iria dar razão a eles. Claro fizeram tentativas no Conselho de Patrulha, mas o próprio Monitor não via nada de errado, portanto suas opiniões nunca foram levadas em consideração na Corte de Honra. Pensaram em comentar com o Diretor Técnico, mas ele e o Chefe Tavinho eram unha e carne. Eles não queriam sair do Grupo Escoteiro, mas tudo estava sendo levado para isto e o pior ninguém via nada. Ninguém enxergava que a tropa encolhia a cada mês e poucos procuravam agora se inscrever. Não dizem que o pior cego é o que não quer ver? Não iam a tanto, mas pensavam que tem gente que é cego e não por cegueira. Deve ser por falta de inteligência.

    Pingo D’água e Varetinha eram amigos desde que se conheceram na tropa. Ambos eram de patrulhas diferentes. Ele da Lobo e Varetinha da Texugo, no entanto eram unidos como se fossem da mesma patrulha. Foram mais de dois anos de felicidade, fazendo acampamentos, excursões, grandes jogos, aventuras mil que agora escassearam e praticamente não existem mais. Lembravam-se do antigo Chefe Josmar com saudades. Ele sim era um Chefe que nunca deveria ter saído da tropa. Quando entrou a Lobo tinha seis patrulheiros. Ele foi o sétimo. Chefe Josmar era daqueles que dizia – Aprender é fazer. Quer aprender? Faça o nó na árvore ou no galho mais alto com uma só mão. Fazer no braço ou bastão na vai ajudar na hora do vamos ver! Ele lembrava que em vários acampamentos as patrulhas estavam completas e as atividades foram lindas. Eles não paravam. Era Morse à noite ou semáforas ou fumaça no dia, sinais de pista, seguir pista a moda índia, grandes pioneiras, dezenas de nós e amarras, barracas suspensas, artimanhas e engenhocas, nossa que saudades!

    Tudo mudou com a mudança do Chefe Josmar para a Capital. Ele nunca teve uma assistente uma pena, pois poderia ter dado continuidade à tropa. Chefe Lobão convidou o Chefe Tavinho para assumir a tropa. Chegou com ares de chefão. Sempre gritando falando com todo mundo e as patrulhas começaram a desanimar com as atividades. Jogos? Nem consultava ninguém. Muitas vezes dava uma bola e dizia - Se virem! Jogar futebol não era meu forte. Bastavam minhas atividades de educação física no colégio. Eu queria escotismo de campo, de luta, de aventuras e de desafios. Ele era cego mesmo, pois não percebia que as faltas aumentaram. Alguns desistiam e nem iam mais ao grupo para dizer que saíram e não iam mais voltar. De 32 escoteiros a tropa agora tinha 18 e muitas reuniões não passavam de 12.

     Perna Fina o Monitor nem se incomodava. Ele sempre foi um bom gritador. Por ser maior e mais forte levava a patrulha no muque. Em tempo algum aprendeu que o bom líder e aquele que sabe liderar e ser liderado. Não ensinaram isto para ele. Esqueceu completamente que precisávamos ser ouvidos. Mesmo falando para ele entrava em um ouvido e saia por outro. E olhe que foi num tal Ponta de Flecha e voltou todo posudo se achando o tal. Mostrou o certificado como se fosse o melhor Monitor do mundo, e só faltou dizer que agora o respeito a ele tinha de ser maior. Eu e Varetinha conversávamos muito sobre isto. As maiorias dos patrulheiros que ainda frequentavam nada diziam. Eu conversei com meu pai. Ele nunca foi Escoteiro e seu conselho foi – Faça o que achar melhor e completou – Aprenda a tomar decisões. Achar melhor? Tomar decisões? Chamei Varetinha e disse a ele que ia sair. Amava o escotismo. Sempre pensei que seria Escoteiro para sempre. A minha maneira aguentei por quase um ano as mudanças na tropa. Não dava mais. Nossa patrulha não tinha mais que três ou quatro frequentando. Ouve dias que éramos três.

     No último acampamento, um dos poucos que fizemos não tivemos liberdade. Ele levou pais para cozinhar para nós. Deus do céu! Pensei que isto só com lobinhos. No nosso canto de patrulha ele não saia de lá. Sempre fazendo o que deveríamos fazer. O fogo do conselho foi o pior que participei. Só ele determinava só ele falava só ele dizia o que fazer. Esperei a reunião seguinte e procurei o Chefe Josmar. Queria ser sincero e dizer por que estava saindo. Nunca devia ter feito isto. Ele me olhou e disse que ser Escoteiro não era para qualquer um. Para ficar e participar tinha de ser forte, aceitar sem reclamar. No escotismo não tem lugar para perdedores. Meu Deus! Nunca esperei isto dele. Eu era para ele um perdedor? Será isto mesmo? Será que ele estava certo e eu errado? Varetinha me disse que não ia falar com ele e lá não pisava mais. No sábado seguinte não fui. Por dois meses não apareci no Grupo Escoteiro. Ninguém nunca me procurou para saber o que houve. Nem o Monitor.  Diversos outros meninos que saíram me procuraram para reclamar. Outros que nunca foram riam e diziam que lá nunca iriam aparecer. Ser Escoteiro? Nunca meu amigo. Nunca!

     De vez em quando encontro com um e outro que ainda estão lá. Dizem que quase todos saíram e entraram outros. Nada tinha mudado. A tropa tinha 15 agora, mas com as meninas. Elas foram incorporadas por falta de chefia. O Chefe Josmar continua. Não mudou nada. Labareda um Monitor da Tigre me contou em segredo – Olhe Pingo D’água, eu estive para sair. Fiquei por causa da patrulha, ou melhor, para dois deles, pois os demais saíram e entraram novos. Tudo continua como antes. É só apito, jogos repetidos, ele gritando para todos e sorrindo para as meninas. Elas agora são o xodó dele. Acampamentos? Poucos. Muito poucos. Dizem que ele vai substituir o Chefe Lobão que anda muito doente. Rezo que sim, pois quem sabe aparece um Chefe de verdade?


- Uma história fictícia. Dizem que não existe que é irreal. Nenhum Chefe vai se reconhecer nesta história. A tropa dele é diferente. Dizem que todos nós inclusive os jovens temos direitos e deveres, mas os jovens tem o que? Direitos? Você acredita mesmo que os jovens irão procurar o Chefe para explicar porque estão saindo? E onde eles podem reclamar? Com o superior no grupo? Com o Distrital? Com a região e cá prá nós, você acredita mesmo nisto? Tem gente que sim. Afinal Papai Noel nos foi enfiado goela abaixo e muitos ainda acreditam nele.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Se existem sonhos, a vida continua.


Crônicas de um Velho Escoteiro.
Se existem sonhos, a vida continua.

       Foi em uma manhã como as outras. O sol brilhando. Hora de partir. Seria uma simples caminhada como fazia todos os dias. Sentia-me bem e enquanto caminhava dava tempo de pensar no passado e no futuro. O presente eu o estava vivendo e o achava radiante. Eu sorria feliz. Caminhava com prazer e alegria e em passos trôpegos, pois a idade e os prêmios que ela a idade me trouxe não me deixavam ir mais rápido. Era uma trilha. Uma linda trilha. Eu a descobri por acaso há alguns meses. Havia marcas a cada cem metros. A trilha não tinha mais de um quilômetro. Para mim o suficiente. Sabia que meu corpo de Velho trôpego não ia aguentar mais.

      Tinha percorrido não mais que quatrocentos metros. Ainda faltava seiscentos para o final. Eu ia aguentar sem sombra de dúvida. Não dizem que devagar se vai ao longe? Os dois jovens se emparelharam ao meu lado. Dois frutos da mocidade. Ele com seus dezessete ou dezoitos anos, alto, forte, camiseta para mostrar seu tórax e seus músculos fortes. Ela seus quinze ou dezesseis anos. Magrinha e pequena, mas sadia. Sorridente ao lado do seu amado. – Ouvi seu vozeirão dirigido a mim - Velho levante o corpo, aprume os ombros, ande feito homem! – Olhei para ele. Sorri. Não ia dizer nada. Não tinha o que dizer. – Ele continuou – Conheço muitos velhos como você que andam feito homem! – Pensei comigo se eu era homem mesmo. Mesmo assim não disse nada e sorri.

     A caminhada ainda estava longe do final. Seiscentos metros percorridos. Eles ao meu lado. Lembrei que quando cheguei passaram por mim correndo. Deram uma volta enquanto em andava em passos de tartaruga. – Velho ele continuou – Esqueça suas dores, suas doenças, vamos Velho levante os ombros, dê uma passada mais larga. Ande feito gente grande! Quantos iguais a você percorrem caminhos mais longos? Quantos iguais a você ainda fazem questão de correr a São Silvestre? – Eu olhei de novo para ele. Minha respiração começou a acelerar. Era hora de diminuir o galope trôpego que estava dando. Sabia que meu ar tinha de ser dosado. Ele faltava de vez em quando. De novo olhei para ele e sorri. Não disse nada. Estava cansado. Muito. Para que responder a ele?

      A jovenzinha o pegou pelo braço. Vamos meu querido. Ainda temos mais de vinte voltas a percorrer. Deixe o Velho em paz! Olhei para ela e senti uma alma boa. A gente nesta idade sabe onde mora a beleza no coração. – Ele rispidamente respondeu a ela que sabia a hora de correr. Que ela ficasse na sua! Ela abaixou a cabeça e não disse mais nada. Era submissa. Será que seria uma boa esposa? Não sei. Prefiro não comentar o futuro dos dois. Ele olhou para mim sorrindo – Velho, vais morrer logo. Parece como o meu pai. Sempre se entregando ao corpo. Eu nunca serei assim, sempre serei forte e a velhice nunca vai existir como existe em você. E o jovem partiu correndo. Sua cara metade correu atrás.

     Eles viraram a direita na trilha que se escondia ao longe do pequeno bosque. Eu continuava calado, sorria, sabia o que eu era e o que sou e quem sabe o que serei. Desejei a ambos que a felicidade morasse para sempre em seus corações. Eu sei que sou Velho. Um dia fui moço, corri mundo com meu chapéu de abas largas, com minha mochila escoteira, arvorei bandeiras aqui e ali por este país imenso. Eu me julgava imune à velhice. Mas ninguém escapa ao seu destino. Que ele e ela tivessem uma velhice tranquila. Senti uma brisa leve e intermitente no rosto. Eu gostava. As brisas das manhãs sempre me faziam lembrar-me do meu passado, das grandes caminhadas. Das grandes aventuras que se foram. Acho que era por isto que eu estava ali todos os dias.


      Custei muito, mas consegui chegar ao final. Tartaruga ambulante eu me apelidei. Sorri para mim mesmo ao pensar assim. Amanhã estarei de volta nesta gostosa trilha dos amores, dos sonhos e sentir que a vida continua. Não sei se os verei novamente. Não importa. Se isto acontecer irei sorrir para eles. Enquanto puder darei minhas voltas de um quilômetro. Não mais. Não adianta tentar andar mais que isto. Minha respiração não é boa. Queria um dia dizer a eles que tentava empinar os ombros, andar ereto. Fazia isto sempre no inicio das caminhadas. Mas estava enganando a mim próprio. Meu corpo se esvai aos poucos. Se não fosse estas pequenas caminhadas eu sei que estaria entregue a um corpo inútil em uma cama qualquer de um pronto socorro da vida. Farei quantas caminhadas conseguir. Sorrirei para quantos jovens encontrar. Lembrei-me do lindo versinho de Maria Cláudia – “Antes de correr, aprenda a andar. Tudo na vida tem sua hora, seu lugar. Tartarugas também chegam La!”. E meus amigos, se existem sonhos nos sabemos que a “vida continua”!

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Abba Fayard um menino mulçumano que sonhava ser Escoteiro.



Lendas escoteiras.
Abba Fayard um menino mulçumano que sonhava ser Escoteiro.

             Abba Fayard nasceu em Zareh Sharan uma pequena cidade do Afeganistão. Desde pequeno todos os dias recitava a Shahada, pois ensinaram a ele que não há outro Deus que não Alá e Maomé, fazia as preces de manhã antes de ir para a escola e lá as preces do meio dia e ao retornar ao anoitecer e pela noite. Todas as sextas feiras ia com sua família a mesquita. As preces ele aprendeu a fazer em língua árabe, sobre um tapete e voltado para a Meca.  Fazia questão de dar uma esmola legal desde que seu pai ou tio dessem a ele uma moeda. Sua família fazia frequentemente doações para favorecer o Islã, construir mesquitas, escolas corânicas e beneficentes. O Ramadã, o jejum anual era cumprido à risca. Seu pai era exigente e não perdoava. Sempre sonhou em fazer uma peregrinação a Meca e por ser pequeno seu pai dizia que ele precisava crescer para acompanhá-los.

            Seu pai e sua mãe ensinaram a ele que ser muçulmano é acreditar num só Deus, incomparável, invisível, indivisível, poderoso, criador de tudo e de todos, não tem filho nem pai, não tem parceiro no seu reino. E ele acreditava piamente em tudo. Um sábado a família foi a Mesquita e ele pediu ao pai para sair e ir ao banheiro que ficava do lado de fora. Não aguentava mais. Quando saiu a Mesquita explodiu e morreram todos que estavam lá dentro. Abba Fayard chorou por muitos dias. Seu pai e sua mãe era sua família e ele não conhecia outros. Um amigo do seu pai disse que ele tinha um tio morando no Brasil. Passaram um telegrama e seu tio veio buscá-lo. Morava em Morro Vermelho, uma pequena cidade no interior de São Paulo. Tudo era estranho para ele. A língua portuguesa era difícil e só dois anos depois ele conseguia se entender, mas com dificuldade.

            Não fez amigos, pois se achava um forasteiro entre eles. Não reclamava de sua nova família. Seu tio era um homem bom e sua tia não dizia nem sim e nem não. Um ano depois começou a frequentar a escola. Mesmo prestando a máxima atenção não entendia nada. Já estava com doze anos. Não fez amigos e na Mesquita não tinha meninos só adultos. Seu tio não era tão exigente, mas as obrigações de um bom mulçumano eles faziam questão de cumprir. Um dia seu tio o levou a um desfile na cidade. Disse que era a data magna e se chamava Sete de Setembro. Data da libertação do país. O que ele adorou foram os meninos e meninas uniformizados de caqui e com um chapelão lindo. Não tirou os olhos deles. Pediu ao tio para ir com eles marchando. Seu tio riu e balançou a cabeça dizendo sim. – Não demore, eles são escoteiros.

             Descobriu sua sede e ficou lá olhando o que eles faziam. Voltou outros sábados e um dia um senhor de idade avançada o chamou – Quer ser Escoteiro? Abba Fayard ficou vermelho porque nunca ninguém dirigiu a palavra assim a ele. Claro que queria, mas sendo muçulmano ele não sabia se o iriam aceitar ou se seu tio deixaria. Esperou vários dias para falar com seu tio. Foi educado a não incomodar os mais velhos a não ser por extrema necessidade. Quando falou seu tio o ouviu e disse: - Porque não? Vamos sábado conversar com o Chefe. Dito e feito. Explicaram ao Chefe que eram muçulmanos, tinham normas, horários e dias certos para cumprirem suas obrigações com Alá. O Chefe disse que discutiria tudo na Corte de Honra e ela daria a palavra final. Explicou ao seu tio o que era a Corte de Honra.

             Quinze dias depois seu tio foi informado que ele foi aceito. Abba Fayard riu de orelha a orelha. Foi com seu tio no sábado a reunião. Ele sabia que sempre às dezoito horas ele deveria fazer suas preces em língua árabe, ajoelhado e voltado para a Meca. A reunião só foi terminar às seis e meia da tarde. Mas ele pediu permissão ao Monitor, viu a direção onde estaria a Meca com sua bússola, ajoelhou e começou a rezar. A tropa parou e assustou com aquilo. O Chefe chamou a todos e explicou que Abba Fayard era muçulmano e sua religião tinha rituais que nenhum deles poderia deixar sem fazer. No sábado seguinte a patrulha procurou Abba Fayard para pedir se podiam rezar com ele. Ele falou para seus irmãos escoteiros que um bom muçulmano acredita em todos os Profetas de Deus, desde Adão até Muhammad incluindo Jesus, ele acreditava também nas escrituras de Deus, nos seus anjos e que haveria um juízo final e nele todos fariam a apresentação de suas contas individuais pelas ações praticadas. Se eles pensassem assim claro que poderiam orar com ele.

               Na primeira vez foram oito escoteiros e na segunda mais de doze. As preces não eram longas, mais ou menos dez minutos. A princípio o Chefe achou que seria ótimo os meninos conhecerem outra religião. A participação foi tomando vulto e agora até os lobinhos participavam. Mas em um sábado o pároco do bairro foi até lá. Horrorizou-se com o que viu. Chamou o Chefe e disse que ele não deveria permitir. O padre não parou por aí. Nas missas dos finais de semana ele contava tudo que viu para os participantes da igreja. O tio de Abba Fayard o aconselhou a sair. A cidade inteira não entendia o que era aquilo e como a maioria era católica mais cedo ou mais tarde eles iriam condenar os poucos muçulmanos que moravam na cidade. Abba Fayard chorou toda a semana. Ele amava o escotismo, nunca pensou em abandonar seus amigos, mas ele amava também sua religião. No sábado avisou o Chefe e sua patrulha que não voltaria mais.

               A patrulha ficou revoltada. Um absurdo eles disseram. O tema foi levado a Corte de Honra e foi parar no Conselho de Chefes. A maioria era a favor de Abba Fayard, mas se sentiram sem ação naquele caso. Não se sabe como alguém pegou varias assinaturas e foi convocado uma Assembleia do Grupo em regime extraordinário. Dos oitenta e seis votantes setenta foram a favor dele continuar. Uma comissão foi conversar com o padre e ele irredutível. Foram conversar com o Bispo e ele disse que era problema do padre. Um belo domingo o Grupo Escoteiro quase completo e tendo também muitos pais juntos saíram em passeata pela rua. Cartazes explicavam o porquê. – Abba Fayard tem direitos dizia um – Abba Fayard é muçulmano e nosso irmão dizia outro cartaz. Uma multidão foi atrás. Na missa da tarde a maioria dos católicos condenaram o padre pela sua ação intempestiva.

                Um mês depois o bispo veio visitar a cidade. Para mostrar que eles podiam errar foi até a mesquita dos muçulmanos e lá orou com eles. Tudo mudou na igreja do pároco. Abba Fayard voltou ao grupo. Recebido com abraços de um por um de todos os participantes do grupo. Até o prefeito resolveu doar todo fim de ano uma boa quantia para o grupo. Ninguém amigo de Abba Fayard mudou de religião. Quem era católico continuou católico. Quem era evangélico continuou evangélico. Um menino, uma patrulha, uma tropa e um Grupo Escoteiro mostrou que existe lugar para todos no escotismo. O final da história? Realmente não sei. Não me contaram mais nada, mas será que existiria mais alguma coisa para contar? Afinal o Escoteiro não é amigo de todos e irmão dos demais escoteiros?    


Ser muçulmano é acreditar em todos os Profetas de Deus, desde Adão até Muhammad incluindo Jesus, é também acreditar nas escrituras de Deus, nos seus anjos, no dia de juízo final e na apresentação de contas individuais pelas ações praticadas e acreditar que o bem provém d’Ele (Deus) e o mal nos atinge com a sua permissão. (e o mal é consequência dos nossos atos).

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O tempo e o vento para os Mestres de Campo.



Um passado que não morreu.
O tempo e o vento para os Mestres de Campo.

Sempre temos lembranças marcantes das coisas lindas que o escotismo nos ofereceu em um passado distante. Ou quem sabe no presente de hoje. Eu sei que a maioria vai dizer que o fogo de conselho em um acampamento é o ponto marcante ou quem sabe o ápice. Sem sombra de dúvidas este marca mesmo a gente. Mas tem outras, muitas outras que às vezes ficam esquecidas e só o tempo nos traz de volta as lembranças daquelas noites gostosas, vividas em um acampamento qualquer, as patrulhas em seus campos, ouvindo as conversas aqui e ali, o lusco fusco da noite e os lampiões sendo aceso, um sorriso alto uma canção despercebida, a fumaça do fogo a lenha no fogão tropeiro ou suspenso e os cozinheiros preparando seu jantar com toda a patrulha em volta aguardando que o manjar ficasse pronto. A gente na chefia, sentindo o vento no rosto também com nosso fogo aceso, girando a manivela devagar, um belo naco de lombo, bonito de se ver e sentindo a carne ir tostando, outros chefes ali ao seu lado, de olhos pregados na carne, sentindo o sabor na mente, e com a noite suave a mostrar os primeiros vagalumes, a gente escuta uma patrulha dar o primeiro grito. Aqueles felizardos seriam os primeiros a jantar. A chefia sorri. E o Monitor correndo? – Sempre Alerta Chefe, Patrulha Gavião com jantar pronto. Aceitar jantar conosco?

O som do grito da segunda da terceira e da quarta patrulha e a gente sabia que nem assim o silêncio iria acontecer. A gente não estava com eles, mas imaginava. Sentados em bancos, ou no chão, com os pratos na mão, algumas patrulhas com mesas e bancos e eles não deixavam de matraquear. A noite está firme. O lampião aceso clareando o campo de patrulha e a gente de longe olhando e saboreando aquela noite gostosa. A alegria reinante não tem preço para pagar o que sentimos. E o olhar deles? No prato ou no rosto de um patrulheiro um sorriso e nunca a reclamar. Sem dizer que estava sem sal, sem óleo ou gordura. E a gente em volta do fogo no campo da chefia olhando os chefes que de olhos abertos perguntavam sem dizer – E esta carne, ainda não está boa? – Tome experimente – a gente corta uma tira com a faca mateira para um e outro. O estalar da boca, o sorriso e já era hora do nosso jantar. Bem próximo o barulho das patrulhas aumenta, eles dão risadas, alguns cantam e a gente sabia que o acampamento tinha atingido o ponto esperado.

O tempo. Ah! O tempo que um dia aconteceu e a realidade daquele momento ainda permanecem vivos em nossa mente. Uma alvorada, um alvorecer, uma noite bem dormida, um jogo bem jogado uma refeição bem nutrida, quem sabe um peixe bem pescado, um tomate colhido no lago, um mamão achado ao sopé da montanha para uma sopa bem gostosa e a noite alta, o silêncio a dormir com eles esperando o amanhã. São coisas nossas e próprias de nós chefes que vivemos tudo isto. O tempo e o vento! O vento sul, do norte não importa. A soprar nas tardes quentes, um banho no riacho de águas geladas, a escoteirada vibrando, brincando de pic, nic, brincando de palmar na água, ah! O vento!  A alvorada, um passar de mão nos olhos tentando acordar, hora da ginastica, o sol surgindo, uma névoa que se vai. São somente lembranças, do tempo e do vento. Vento que tantas vezes sentíamos no rosto trazendo a fragrância das colinas tão perto, o perfume das flores nos montes, o frescor a substituir o calor de um dia bem vivido. Não dá para esquecer. São coisas nossas, são coisas de escoteiros.


Se você meu caro amigo ainda não sentiu o cheiro da terra molhada, não sentiu nas madrugadas o orvalho caindo e molhando sua face, a chegada da brisa fresca antes do nascer do sol, se ainda não viu o sol se por, a cigarra cantando, o canto dos Jaburus, o uivo de um lobo guará, uma bela coruja a piar no galho de um jacarandá, o barulho das águas nas pedras fazendo chuá-chuá! Se você meu caro ainda não viu tudo isto está na hora de botar o pé na estrada. E se por acaso me encontrar na volta eu irei ver o seu sorriso e poderei dizer – Você é um Escoteiro de fato!