A MARIA
FUMAÇA, UM TREM INESQUECÍVEL!
Viajar
de trem sempre foi uma das minhas escolhas pessoais, era como se o mundo
mudasse de rumo e eu seguisse em uma direção escolhida por ele. Hoje não posso
mais fazer isso, mas um dia se puder, quero de novo embarcar para uma viagem
que pode até ser sem volta. Não vai importar. Minha alegria irá superar tudo,
pois estarei fazendo a viagem que no passado foi marcante em minha vida.
É um
privilégio uma viagem de trem. São tantas coisas que dificilmente poderíamos descrever
todas. Quem viaja se diverte, sonha, vê um mundo diferente. A Maria Fumaça sempre foi um dos meus
amores quando jovem. Margeando um rio, com seus apitos estridentes, uma parada
em uma pequena estação, alguns saltam outros sobem. O cheiro do trem ninguém
esquece. As fagulhas lançadas no ar, as paradas nas caixas d’água para matar a
sede da locomotiva. E os guarda-pós? Usei muitos. Não sei por que, todos
brancos.
Muitas vezes alguns funcionários da ferrovia passam despercebidos. A gente na
poltrona olhando pela janela enorme, sonhando não sabe quantos estão
trabalhando para que o trem siga seu destino. Ver a estratégia do manobreiro, a
simplicidade do guarda-chaves alterando o percurso do trem, da destreza do
maquinista, do esforço do foguista alimentando a fornalha sempre faminta. Do
trabalho do pessoal da soca, a fazer os reparos necessários e o do fiscal de
linha garantindo a segurança da viagem. É um espetáculo A parte.
A locomotiva devagar ou correndo, sempre apitando em uma
curva ou ao aproximar de um vilarejo. Um som maravilhoso que devia encantar o
maquinista que gostava de puxar o cordão do apito. As paradas nas estações, a
aglomeração dos que chegavam e os que partiam. Os meninos com suas “coisas”
vendendo e gritando – Olha o sanduiche de galinha, olha a manga madura! Doce de
leite e doce de abobora quem quer? O apito do chefe do trem, ele o trem, devagar
saindo da estação, a meninada correndo.
À noite, as luzes dos carros de passageiros acesas, a segunda
classe, a primeira classe. Um espetáculo ver o condutor
do trem, com seus bigodes imensos, seu uniforme impecável, e seu boné bem
colocado na cabeça, começando seu périplo em todos os vagões. Uma rotina de
anos, seu inconfundível apito para anunciar a partida do trem, e agora ali
depois de percorrer os vagões da frente pedia educadamente – Bilhetes!
Bilhetes! E todos sorridentes, com ele a mão para ver como ele picotava e
perfurava numa manobra de deixar todos os passageiros embasbacados.
Eu
tinha conhecido todos os tipos de trem. Para mim a que mais gostava era da
“Jibóia” enorme, gigante, com varias rodas. As “baldwins” me chamavam a
atenção, por ser uma Maria fumaça pequenina. Tão pequena que sua chaminé
abarcava todo seu todo.
Com era gostoso ficar ali na janela, vendo o trem cortando montanhas,
apitando, soltando fumaça, mostrando que ali em seu caminho é ele quem manda. Uma
ou outra casinha a margem da ferrovia, sitiantes gritando, dando adeus, jovens
crianças, um mundo maravilhoso! Quem teve o privilégio de viajar em uma Maria
fumaça, de primeira ou segunda classe, não esquece nunca. Vai sempre margeando
um rio, caudaloso ou não, ali vai ela, seguindo o seu curso natural. Seu
destino uma próxima cidade, uma arraial, um sitio, um parada no meio do
caminho.
O
barulho e o cheiro do trem é uma experiência muito linda. Sinto saudades da
Maria-fumaça. Da volta da ferradura. Do guarda-pó para nos proteger das
fagulhas lançadas pela locomotiva enfurecida. Das paradas na caixa d’água para
matar a sede insaciável da Maria-fumaça. Do som inconfundível do apito do
condutor que anunciava a partida do trem e depois percorria os vagões de
passageiros para perfurar e vender os bilhetes. Do malabarismo dos
guarda-freios puxando a corda e pulando de um vagão para o outro com o trem em
movimento.
Uma vez
um amigo de um foguista, me convidou para uma viagem de uma estação a outra.
Trecho pequeno, mas foi para mim uma tremenda felicidade. Ver o maquinista
olhando a frente, seu apito inconfundível (ele olhava para mim e sorria). O
esforço do meu amigo foguista alimentando a fornalha sempre faminta. Difícil
imaginar quantos funcionários estavam envolvidos para que aquele trem
percorresse seu caminho, sem perigos, e chamando a atenção de todos que moravam
próximo à linha.
Depois,
passaram-se os anos e as Marias Fumaças foram trocadas por locomotivas a
Diesel. Mesmo assim, minhas viagens nunca deixaram de acontecer. Lembro que com
minha família, sempre íamos para passar uns dias em Vitoria, e o trem
percorrendo aqueles trechos maravilhosos, as paradas nas estações, a meninada
de novo gritando e vendendo frutas, salgados, uma festa. O condutor sorrindo a
dizer bem alto “Senhores passageiros! Próxima estação Aimorés!”. Foi uma época
maravilhosa. O Rio Doce caudaloso, águas límpidas (hoje não é mais) Era também
um espetáculo a parte a passagem de trem por outro em alta velocidade.
Hoje
não tenho mais esta oportunidade de viagem. Anunciam aos quatro ventos um tal
de Trem Bala. Acho que não vou viajar nele. Não vai me deixar ver o rio, as
paisagens, a meninada com seus balaios de doces, salgados e frutas a correrem
de vagão em vagão. Não será o trem dos meus sonhos. O que foi ficou no passado.
Difícil enfrentar a modernidade. Não sei se gosto dela.
Meus
filhos e meus netos não terão oportunidade de viver o que vivi. Não tem mais
Maria fumaça. Não tem mais meninos vendendo frutas e salgados. Acho que nem o
condutor do trem com seu bigode enorme, seu uniforme impecável e perfurar os
bilhetes com maestria não mais existem. É melhor ficar só com as lembranças.
Estas sim mostraram outra época e a de agora não é para mim. Quem sabe serão
para os meus filhos e netos no trem voador?
"Lá vai o trem com o menino
Lá vai à vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade noite a girar
Lá vai o trem sem destino
P’ro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra, vai pela serra, vai pelo ar
Cantando pela serra do luar
Correndo entre as estrelas a voar
No ar, no ar, no ar.”
(O trenzinho caipira: Heitor Villa Lobos).
Lá vai à vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade noite a girar
Lá vai o trem sem destino
P’ro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra, vai pela serra, vai pelo ar
Cantando pela serra do luar
Correndo entre as estrelas a voar
No ar, no ar, no ar.”
(O trenzinho caipira: Heitor Villa Lobos).
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