Conversa ao pé do fogo.
No outono as tardes são para os velhos escoteiros.
Eu gosto de ver as
tardes de outono chegando. São belas. Algumas têm um lindo por do sol, outras
uma garoa gostosa, mas tem outros que gostam mais das tardes de inverno. Aquele
frio cortante e mesmo com a chuva caindo fingindo que não vai molhar. Não
importa se é verão inverno outono ou primavera. As tardes sempre irão me
encontrar sentado na minha varanda quem sabe cantarolando, lembrando-se do
passado, sonhando com os belos tempos que não voltam Mais. Minha varanda é um
local simples, algumas plantas, cadeiras enfim uma varanda comum, mas que até
penso quando partir irei sentir muitas saudades dos tempos que nela passei. As
tarde eu fico ali até o dia terminar. Gosto de ver a noite chegar, os vizinhos
os passantes contando causos e lá estou eu de olhos abertos ou semicerrados.
Acredito que ela faz parte do meu lar.
Eu chamo da Morada da
Felicidade. Na maioria das vezes a Celia está do meu lado. Ela tricotando e eu
pensando. Ficamos horas em silencio. Um
olhar maroto acontece, um sorriso gostoso também. Nossos pensamentos viajam por
plagas distantes, quem sabe sonhando com outras vidas, ou lembrando-se dos
filhos uma saudade dos netos. Minha morada é de uma simplicidade sem igual.
Nada de palacete, nada de casarão. Uma casa pequena, em uma rua comum, em um
bairro de periferia, mas que não o troco por nada deste mundo. É uma morada
humilde. Eu a tenho em alta conta. Não preciso de mais. Muitos fizeram de suas
casas o sonho que tiveram em suas vidas. Eu nunca tive este sonho. Sei que
quando me for só levarei o que fiz de bom e ruim. Serão somente as boas obras
que prevalecem do outro lado da vida.
Mas se precisar apresentar
as obras que acredito ter feito não hesitarei. As que não fiz irei contar.
Esconder não vai dar, dizem que lá em cima, no alto do mundo tem um livro onde
tudo está escrito e nada a esconder. Dizem que quando partimos alguém nos chama
para assistir o filme da nossa vida. Uma tela grande aparece como Cinemascope,
em tecnicolor e ali nada se esconde. A vida é uma realidade e se preciso temos
que prestar as contas do que não fizemos de certo. Muitos acreditam estar
preparados para enfrentar a passagem do tempo, a passagem da vida e alguns até
torcem para abreviar sua estadia aqui na terra. Eu não. Será quando Ele assim o
decidir. Não irei reclamar, não irei chorar a não ser as saudades dos que aqui
ficam que irão chorar por mim. Mas ainda tenho tempo. Nas nuances da vida o
tempo é meu melhor amigo.
Hoje o tempo está chuvoso. Gosto da chuva da garoa fina que se espalhou por
toda a manhã. Lembrei-me das garoas, das chuvas que um dia aconteceu nos
acampamentos da minha vida. Nunca esqueci o dia de chuva fria e gelada no Pico
da Bandeira, das densas neblinas no Itatiaia, das chuvas torrenciais quando
acampava no Rio do Peixe. Lembrei-me quando resolvemos explorar onde se deu o
desastre que vitimou os escoteiros na Serra da Mantiqueira. Foi lá que um
menino herói se formou. Caio Vianna Martins. Sinto-me bem quando a chuva é
continua. Gostava e ainda gosto dos trovões, pois quando caem o raio já
aconteceu e estamos firmes de pés no chão. Nunca esqueci aquela tempestade, um
raio na árvore próxima e caiu em cima de nossa barraca suspensa. Que susto! Mas
era bom demais, nas jornadas a chuva caindo a escoteirada a cantar sorrindo e
cantando o Rataplã.
Não dá para esquecer as
centenas de vezes na Serra Da Piedade, onde um pingo de chuva se espalhou de
tal maneira que tivemos de calar. Era um espetáculo inesquecível. Que seja na
Serra do Cipó. Na travessia do Rio Doce em uma jangada de piteiras, com o rio
cheio, e a chuva caindo sem parar. Para cada uma delas um sorriso de um tempo
que não volta mais. A mente desperta, a volta ao passado surge no presente.
Quantos sonhos realizados. Quantas saudades de um tempo que já se foi. Amo
demais ser Escoteiro. Ele foi quem me ensinou a viver como eu sou hoje.
A chuva cai de mansinho.
O ar recebe golfadas do vento sul. Olhei para a Celia. Ela parece dormitar.
Seus apetrechos de agulhas, linhas e afins no colo. À noite chegando calma e
gostosa. Uma brisa fresca no ar. O céu carregado de nuvens cinza cor de dobre.
Será temporal que se descobre? Lá ao longe a cidade de pedra pisca milhões de luzes
como se fossem um batalhão de vagalumes a maravilhar nossos olhos na floresta
encantada. Daqui a pouco será hora de dormir. De descansar. De orar e pedir a
Deus por aqueles que precisam. De agradecer a ele a vida que nos deu. Sem
ostentação sem riqueza, mas cheia de felicidade.
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