No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras

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A aventura está apenas começando

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Micoçar o Charreteiro e o Comissário Escoteiro Viajante. (uma história baseada em fatos reais)

  
Lendas Escoteiras.
Micoçar o Charreteiro e o Comissário Escoteiro Viajante.
(uma história baseada em fatos reais)

                 Poderia dizer que é uma história quase real. Duvidar de Micoçar, do Comissário Viajante seria desagradável pelos fatos acontecidos na época. Se querem saber eu nunca esqueci o Micoçar. Ele tinha uma charrete. Transportava pessoas. Naquela época eram chamadas de “freguês”. O termo cliente surgiu tempos depois. Se não me engano eram uns vinte charreteiros na cidade. Viviam disto. Quase não existia taxi na minha cidade. Só dois e um era um Fordeco azul desbotado. Os Charreteiros eram educados. Na estação da estrada de ferro formavam uma fila e ninguém atravessava o outro. Eu nos meus dezesseis anos conhecia todos eles. Micoçar era o mais conhecido por oferecer rosas brancas às moças que alugavam sua charrete. Andei muito em sua charrete.

                 Um dia ele apareceu na sede Escoteira. Ao seu lado um “freguês”, ou melhor, Chefe Escoteiro. Ficamos boquiabertos com a figura. Não era comum. Desceu uniformizado, garboso e se apresentou: - Sou o novo Comissário Escoteiro Viajante nesta região. Chame seu Chefe. Caramba! Nosso Chefe do Grupo era o Chefe João. Só ia a sede uma vez por mês. Sargento da policia militar. Gente boa, e meu segundo pai. Nossas reuniões não são como hoje. Sem aqueles programas de corre aqui corre ali. Tinhamos Bandeira, oração, e mais nada. Éramos duas patrulhas sêniores a Gavião e a Elefante. De vez em quando saia um jogo bolado ali na hora ou um repetido de um gostoso já feito. O restante era treinamento de técnicas Escoteiras ou sentar na praça em frente para contar patacas. Isto acontecia pouco pois na maioria das vezes estávamos navegando em alguma floresta, montanha ou explorando rios em um vale qualquer. Não sei se o que fazíamos era o certo, mas dos treze seniores só um tinha entrado como escoteiro os demais vieram dos lobinhos. Romildo Monitor pediu ao Chiquinho para levá-lo a casa do Chefe João.

                  À tarde daquele sábado fomos chamados a casa dele. Ele estava sério. - O Comissário quer fazer uma reunião para mostrar como se faz. Disse que o que viu vocês fazendo estava errado. Exigiu que eu estivesse presente. Se não fosse um Escoteiro educado eu teria mandado prendê-lo. Arrogante o moço. Eu não vou, mas vocês todos devem ir. A reunião ficou marcada para domingo pela manhã. Em frente à sede e atrás do Cine Pio XII. Havia um campinho de futebol onde nos reuníamos. Ele queria a tropa Escoteira, mas ela estava acampando na Caverna do Macaco próximo ao Rio Doce. No domingo lá estávamos. Ressabiados. Não sabíamos o que ele ia aprontar. Chegou como sempre com o Micoçar. Ele alugava a charrete pelo dia inteiro. Apresentou-se a nós – Sou Chefe Escoteiro do grupo “tal” no Rio de Janeiro. Como hoje viajo muito como representante comercial (conhecíamos como caixeiro viajante) fui nomeado Comissário Viajante para ensinar aos grupos da minha área como fazer escotismo e exigir o registro de cada um de vocês!

                 Assim ele começou a reunião. Sério e sizudo. Tudo nos padrões que hoje conhecemos. Eu mesmo dei muitas sessões em cursos falando sobre isto. Não estava errado. Mas aprontou uma correria que nos deixou perplexos. Queria a todo custo fazer uma competição entre nós. Éramos amigos. Nunca gostamos disto. Nenhuma Patrulha era mais que a outra. Até ai tudo bem. A missa acabou e um mundão de gente ficou ali nos olhando. Nesta hora ele resolveu cantar uma canção. Hoje muito apreciada e até adoro cantar. Mas naquela época? A “Piaba”. Sai, sai, sai oh piaba saia da lagoa. E quem entrava na roda dava uma umbigada e tinha que rebolar. O povo todo em volta dando gargalhadas. Nós todos vermelhos de vergonha. Na minha vez entrei rebolei um pouco e sem querer olhei para o Micoçar que ria a valer e gritava baixinho; - Telirio! Telirio! Para quem não sabe esse coitado (desculpe o termo) era o único Gay conhecido da cidade. Quer comprar uma briga? Chame o outro de Telirio. Desisti. Romildo também. O povo morrendo de rir. O chefão gritando: - voltem todos. Não dispensei ninguém!

                 Coitado. E quem obedeceu? Ficamos ali de braços cruzados morrendo de vergonha por ficar rebolando. O pior que hoje quando lembro penso comigo como eram os tempos passados. Hoje adoro cantar a Piaba e rebolar. Risos. Ele saiu com Micoçar e foi direto a casa do Chefe João. Micoçar olhou para trás rindo e falou baixinho para mim – Telirio! Oh! Vontade de esmurrar o Micoçar. Só sei que ele falou cobras e lagartos com o Chefe João. Ameaçou fechar o grupo. Ameaçou tanto que o Chefe João o pegou pela camisa, o arrastou até a Charrete de Micoçar e disse – Suma! Leve este lixo para o hotel. Se aparecer na minha frente de novo vou deixar você uma semana no xilindró! Dia seguinte o Chefe João nos contou toda a conversa. Disse que não éramos seniores. Sim um bando de indisciplinados (até certo ponto com razão). Exigiu que se fizesse um Conselho de Tropa e destituísse ambos os Monitores. Disse que enquanto não fizermos tudo isto o grupo nunca seria registrado.

                  Interessante. Nunca fomos registrados. Nosso grupo tinha mais de trinta anos de atividade e nunca fizemos registro. E quem precisava? “Belle Époque”, outros tempos. Uma Segunda Classe suada. Primeira Classe? Não era para qualquer um. Um orgulho do caqui curto e chapelão. Orientar com os ventos, com a lua, com as estrelas e as constelações. Pescar para comer na hora, armadilhas de pássaros para um bom assado. Comer mandioca do mato, aipim. Uma sopa de capim gordura. Bananas verdes fritas na brasa. Bundinhas de Tanajura na panela estouravam como pipocas. Risos. Nunca desistíamos do escotismo. Tinha pena dos novatos. Quase não havia vaga. Trinta e seis lobinhos onde só podia ficar vinte e quatro. Cinco Patrulha de oito onde deveriam ser quatro. Sênior? Este sim. Não era para qualquer um. Duas Patrulhas só. Cidade pequena. Nesta idade a maioria dos rapazes estouravam a idade na tropa e tinham de trabalhar. Serem aprendizes. Ainda não existia a Semana Inglesa. (parar aos sábados ao meio dia).

                   Outro escotismo? Pode ser. Escotismo do campo. Sem chefes. Só os monitores indo e vindo. Viver na natureza. Olhando as flores desabrocharem. Colocando os pés na água fria e cantar baixinho – Ah! Que delicia! Olhar o sol caminhando para o oeste e dizer – É para lá que vamos! Hoje não dá mais. GPS, ele lhe mostra tudo. O Chefe ali com você. Alguns fazendo tudo. Você não precisa pensar. Nem calcular mais se precisa. O Google lhe dá as respostas de tudo. Tabuada? Ficou na história. Um celular ou um smartphones para quando der uma parada na jornada entrar no Facebook. Ver os e-mails. Isto sim é moderno. Olhar os pássaros? Os animais? Descobrir novos caminhos? Quem sabe olhar a abóboda celeste e descobrir uma estrela desconhecida? Ver um cometa riscando os céus e saber de qual constelação estava vindo ou indo? Nada disto. Tudo mudou e para melhor. Nesta época moderna não cabe mais um Romildo, um Jessé, um Taozinho um Israel ou mesmo um Micoçar ou eu mesmo. Belos taxis hoje. Uma charrete só como peça de museu.

            E se quiserem saber eu e Micoçar anos depois nos tornamos grandes amigos. O tal Comissário alugou sua charrete por dois dias e não pagou. Foi embora e deu o cano. As patrulhas fizeram uma “vaquinha” e pagaram em suaves prestações. Sua charrete me levou a belos lugares por vales e rios desconhecidos. Charretes! Também foram engolidas pela modernidade. Pelos novos tempos!

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