Lendas da Jangal.
25/04/2020
A lenda de
Sasquatch, o lobo solitário da Montanha de Cristal.
Uma história para
lobinhos e escoteiros.
Era uma vez... Esta é uma história de
um lobo, um lobo solitário que nas madrugadas vagava pela Montanha de Cristal
com seu uivo sinistro como a pedir à ajuda que nunca teve. Dizem que ele
chorava que em seus olhos negros havia sempre uma lágrima a cair. Não é uma
história de um final feliz. Sei que os lobos nas montanhas andam em matilhas, o
mais forte protege o mais fraco, mas quando ele está Velho, sem condições de
sobrevivência é deixado pelos demais e morre uivando de fome sede e frio. Mas
deixe-me contar a vocês a história de Sasquatch. Foi Sandra quem o apelidou
assim. Sandra foi outra que viu seu mundo desmoronar. Não vamos avançar a
história. Melhor narrar parte por parte para que vocês conheçam melhor tudo que
aconteceu com Sandra e Sasquatch, o lobo solitário da Montanha de Cristal.
Sandra tinha trinta e seis anos quando
Otávio seu marido faleceu. Durante quatro anos agonizou em um hospital do SUS
até que Deus o levou e quem sabe para melhor. Sandra não chorou. Chorou sim
quando soube que ele tinha uma grave doença pulmonar e que não sobreviveria por
muito tempo. Viveu quatro anos dos mais felizes em sua vida com ele e o
tratando com o maior carinho. A doença consumiu tudo que tinham. Gastaram todas
suas economias. Vendeu sua casinha que compraram com muito sacrifício. Não
tiveram filhos. Otávio no primeiro ano de casado resolveu assim. Seis meses
depois da morte de Otávio, Sandra ainda morava só. Uma irmã no nordeste
escreveu para ela para ir morar com ela. Sandra não quis e resolveu ficar. Sua
tristeza quando chegava à noite em casa do seu trabalho era enorme. Lia um
livro, um programa de TV e ia dormir sonhando com Otávio ao seu lado.
A vida de Sandra era uma rotina. Foi
Amélia sua colega de trabalho quem mudou tudo. – Preciso de uma assistente. E
você vai me ajudar disse. – Sandra riu e aceitou. Quem sabe o Escotismo lhe
daria um novo caminho? O tempo passou. Amélia casou e saiu do Grupo. Sandra
ficou em seu lugar. A Alcateia passou a ser um pouco sua vida. Dedicava de
corpo e alma aos seus lobinhos. Adorava os meninos e as meninas. Fez curso,
aprendeu muito em outras alcateias que visitou e acantonou. Tonho e Marilda
eram suas assistentes. Baloo e Bagheera. Os lobinhos e as lobinhas tinham
verdadeira adoração por eles. Sandra já não mais se sentia só. O escotismo deu
a ela nova motivação e uma filosofia de vida que ela nunca esperava.
Tudo aconteceu em julho. Anualmente
sempre faziam um acantonamento no Rancho Fundo do Seu Leôncio. Seu Ruan
proprietário adorava os lobos e dizia enquanto fosse vivo aqui será um rancho
de lobos! Atrás da casa sede tinha uma montanha. Linda. Muitos bosques e uma
nascente. Sandra quando ia ali ficava horas e horas a olhar para ela.
Chamavam-na de a Montanha de Cristal. Sandra não sabia por que, mas no dia da
viagem para o acantonamento bateu uma enorme saudade de Otávio. Três anos sem
ele e ela não entendia aquela melancolia, logo agora em um acantonamento. Quem
sabe por que ia só e os seus dois assistentes iriam à noite. Duas mães foram
juntas para ajudar na cozinha e limpeza diversas. Chegaram, arrancharam, e logo
começou as atividades. Iam ficar três dias.
À tarde do primeiro dia enquanto os
lobos arrumavam suas tralhas para a noite e o banho Sandra olhava para a
Montanha. Assustou quando avistou um Lobo parado em uma pequena trilha olhando
para ela. Não sabia o que fazer. Entrou correndo na casa sede. Olhou pela
janela. O lobo se afastava. Mancando. Notou que sua perna direita estava
quebrada. Sentiu pena dele. Sem perceber o chamou de Sasquatch. Nada há ver com
a história do homem de neve que contam por aí. Ela saiu de novo da casa. O lobo
parou e voltou. Ela notou seus olhos tristes. Parecia que lagrimas caiam. Não
era possível. Ela devia estar enganada. Lobo não chora. Viu que ele se
aproximou dela. Lambeu seus pés. Ela foi até a cozinha. Cortou um pedaço da
carne do almoço do outro dia e deu para ele. Ele olhou para ela com os olhos
húmidos e balançou a cabeça como a agradecer. Não comeu a carne. Pegou entre os
dentes e subiu a trilha que levava ao alto da Montanha de Cristal.
Sandra acordou várias vezes. Jurava
ouvir uivos enormes. Acordou pela manhã e alguém uivava lá fora. Era ele.
Sasquatch. Sempre mancando. Sandra aproximou dele e ele deixou que ela o
acariciasse. Viu que a perna estava curta e tinha sinal de perfuração de bala.
Um caçador malvado só podia ser. Ela o olhou nos olhos, viu o brilho firme a
encará-la. Foi de novo buscar alimentação para ele. Ele ajoelhou e balançou a
cabeça. Deu um enorme uivo pegou a carne com os dentes e de novo seguiu a
trilha da montanha. Vários lobinhos viram o lobo, tentaram se aproximar, mas
ele mancando corria. Só com Sandra ele se deixava acariciar. Assim foram os
três dias. No último ele fez um sinal para ela. Parecia saber que ela ia
embora. Andava em direção à trilha, parava e olhava para trás. Sandra o seguiu.
Não andou muito e ele entrou em uma pequena caverna.
Sandra ficou com medo de entrar lá.
Por diversas vezes Sasquatch chegou à entrada e fez o sinal para ela entrar.
Resolveu segui-lo. O que viu foi de estarrecer. Dois lobinhos recém-nascidos
mortos e dois vivos entre a vida e a morte. Tinha carne junto deles, mas não
conseguiam comer de tão fracos. Olhou de novo para Sasquatch. Viu que ele era
um lobo macho. A femea devia ter morrido, mas ele não abandonou os lobinhos.
Filhos dele? Sandra não sabia o que fazer. Ele olhava para ela com carinho como
a pedir que o ajudasse. Ajudar como? Ela tinha de ir embora. Sentia enorme pena
dos lobinhos e sabiam que eles iam morrer. Fazer o que? Saiu da caverna. Olhou
para o céu e perguntou a Deus o que devia fazer. Viu em uma nuvem Otávio a
sorrir para ela. Era alucinação, ela não acreditava nisto. Resolveu voltar ao
Rancho. Olhou para trás, Sasquatch ajoelhado uivava. Um uivo dolorido, choroso,
e lágrimas caiam de seus olhos.
Sandra voltou. Colocou os dois
lobinhos no colo. Iria levá-los com ela. Não tinha outra saída. Desceu com
Sasquatch a acompanhando. O ônibus chegou e a lobada cantando tomou seus
lugares. Brincavam com os lobinhos que já estavam recuperando suas forças.
Sandra deu leite para eles que beberam sofregamente. Ao entrar no ônibus deu
uma última olhada em Sasquatch. Ele uivava e ela não sabia se de alegria ou
tristeza. Sabia que não podia levá-lo. Não tinha condições. O ônibus foi saindo
devagar pela estrada vermelha. Sasquatch tentou acompanhar, não conseguiu.
Coxeava muito. Sua perna quebrada não deixava. Uivou muito e Sandra ouvia
chorando baixinho. Quando o ônibus chegou à estrada asfaltada ele olhou pela
ultima vez a Montanha de Cristal. Parecia que uma luz brilhante pairava sobre
ela. Mas viu a figura novamente de Otávio sorrindo. Tranquilizou-se.
Dizem que durante muitos anos Sandra
cuidou dos dois lobos. Um ela chamou de Lobo Gris e o outro... Sasquatch. Por
onde andava os dois lindos e enormes lobos a acompanhavam. Um de cada lado.
Disseram-me que ela voltou muitas vezes a Montanha de Cristal. Foi até a
caverna onde os lobos nasceram. Levou Gris e Sasquatch e eles uivaram por muito
tempo como a lembrar de seu pai que deu a eles um grande carinho e amor e porque
não a vida. Ao retornar ouviu bem no alto da montanha um uivo enorme. Sabia que
era ele. Olhou para lá, não viu nada. Mas sentiu um calafrio. Não era ele em
vida, mas ali estava seu espirito como a agradecer o belo gesto de Sandra. E
posso garantir as mil e uma historia que um dia irei contar, Sandra viveu feliz
para sempre na companhia dos dois lobos. Sei que ficaram amigos para sempre! E
contam até hoje que uma estrela brilhante paira todas as luas cheias por cima
da caverna da Montanha de Cristal.
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