Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
As doces lembranças de uma Maria Fumaça.
Acabou! Nada
resta a não ser uma aqui e ali apitando por curvas e serras deste grande Brasil.
Agora tudo é moderno. Estradas, ônibus, avião e poucos ainda se recordam de uma
deliciosa viagem de trem. Demais, difícil lembrar e descrever como é. Quem
viaja se diverte, sonha, vê um mundo diferente. A Maria Fumaça sempre
foi um dos meus amores que nunca esqueci. Margeando um rio, com seus apitos
estridentes, uma parada em uma pequena estação, alguns saltam outros sobem. O
cheiro do trem ninguém esquece. As fagulhas lançadas no ar, as paradas nas
caixas d’água para matar a sede da locomotiva. E os guarda-pós? Usei muitos.
Não sei por que, todos brancos.
Muitas vezes alguns funcionários da ferrovia
passam despercebidos. A gente na poltrona sonhando não sabe quantos estão
trabalhando para que o trem siga seu destino. Ver a estratégia do manobreiro, simplicidade
do guarda-chaves alterando o percurso do trem, da destreza do maquinista, do
esforço do foguista alimentando a fornalha sempre faminta, do trabalho do
pessoal da soca, a fazer os reparos necessários e o do fiscal de linha
garantindo a segurança da viagem. É um espetáculo A parte.
A locomotiva devagar ou
correndo, durante o dia apitando, um som maravilhoso que devia encantar o
maquinista que gostava de puxar o cordão do apito. As paradas nas estações, a
aglomeração dos que chegavam e os que partiam. Os meninos e meninas com suas
“coisas gostosas” vendendo e gritando – Olha o sanduiche de galinha, olha a
manga madura! Doce de leite e doce de abobora quem quer? O apito do chefe do
trem, ele devagar saindo da estação, a meninada correndo.
À
noite, as luzes dos carros de passageiros acesas, a segunda classe, a primeira
classe. O espetáculo se completa com o condutor do trem, com seus bigodes imensos, seu
uniforme impecável, e seu boné bem colocado na cabeça, começando seu périplo em
todos os vagões. Uma rotina de anos, seu inconfundível apito para anunciar a
partida do trem, e agora ali depois de percorrer os vagões da frente pedia
educadamente – Bilhetes! Bilhetes! E todos sorridentes, com ele a mão para ver
como ele picotava e perfurava numa manobra de deixar todos os passageiros
embasbacados.
Eu conheci quase todos
os tipos de trem. Para mim as que mais gostava era da “Jibóia” enorme, gigante,
com varias rodas. As “baldwins” me chamavam a atenção, por ser uma Maria fumaça
pequenina. Tão pequena que sua chaminé abarcava todo seu todo. Com era gostoso ficar ali na janela, vendo o trem cortando montanhas, apitando, soltando fumaça, mostrando que ali em seu
caminho é ele quem manda. Quem teve o privilégio de viajar em uma Maria fumaça,
de primeira ou segunda classe, não esquece nunca. Vai sempre margeando um rio,
caudaloso ou não, ali vai ela, seguindo o seu curso natural. Seu destino uma próxima
cidade, uma arraial, um sitio, um parada no meio do caminho.
O barulho e o cheiro do
trem é uma experiência muito viva. Sinto saudades da Maria-fumaça. Da volta da
ferradura. Do guarda-pó para nos proteger das fagulhas lançadas pela locomotiva
enfurecida. Das paradas na caixa d’água para matar a sede insaciável da
Maria-fumaça. Do som inconfundível do apito do condutor que anunciava a partida
do trem e depois percorria os vagões de passageiros para perfurar e vender os
bilhetes. Do malabarismo dos guarda-freios puxando a corda e pulando de um
vagão para o outro com o trem em movimento.
Uma vez amigo de um
foguista, ele me convidou para uma viagem de uma estação a outra. Trecho
pequeno, mas foi para mim uma tremenda felicidade. Ver o maquinista olhando a
frente, seu apito inconfundível (ele olhava para mim e sorria). O esforço do
meu amigo foguista alimentando a fornalha sempre faminta. Difícil imaginar
quantos estavam envolvidos para que aquele trem percorresse seu caminho, sem
perigos, e chamando a atenção de todos que moravam próximo à linha.
Mas o tempo é cruel, anos
depois as Maria Fumaças foram trocadas por locomotivas a Diesel. Mesmo assim,
minhas viagens nunca deixaram de acontecer. Lembro que com minha família,
sempre íamos para passar uns dias em Vitoria, e o trem percorrendo aqueles
trechos maravilhosos, as paradas nas estações, a meninada de novo gritando e vendendo
frutas, salgados, uma festa. O condutor sorrindo a dizer bem alto “Próxima
estação, Aimorés!”. É uma saudade imensa. Foi uma época maravilhosa. O Rio Doce
caudaloso, águas límpidas (hoje não é mais) Era também um espetáculo a parte a
passagem de trem por outro em alta velocidade.
Hoje não tenho mais esta oportunidade de viagem.
Anunciam aos quatro ventos um tal de trem bala. Acho que não vou viajar nele.
Não vai me deixar ver o rio, as paisagens, a meninada com aquela algazarra na
estação. Não será o trem dos meus sonhos. O que foi ficou no passado. Difícil
enfrentar a modernidade. Não sei se gosto dela. Meus filhos e meus netos não terão
oportunidade de viver o que vivi. Não tem mais Maria fumaça. Não tem mais
meninos vendendo frutas e salgados. Acho que nem o condutor do trem com seu
uniforme impecável e perfurar os bilhetes com maestria não mais existem. É
melhor ficar só com as lembranças. Estas sim mostraram uma outra época e a de
agora não é para mim. Quem sabe serão para os meus filhos e netos.
"Lá vai o trem com o menino
Lá vai à vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade noite a girar
Lá vai o trem sem destino
P’ro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra, vai pela serra, vai pelo ar
Cantando pela serra do luar
Correndo entre as estrelas a voar
No ar, no ar, no ar.”
(O trenzinho caipira: Heitor Villa Lobos)
Lá vai à vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade noite a girar
Lá vai o trem sem destino
P’ro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra, vai pela serra, vai pelo ar
Cantando pela serra do luar
Correndo entre as estrelas a voar
No ar, no ar, no ar.”
(O trenzinho caipira: Heitor Villa Lobos)
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