No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras

No mundo dos sonhos com as fábulas escoteiras
A aventura está apenas começando

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Você já ouviu os sons da natureza?


Conversa ao pé do fogo.
Você já ouviu os sons da natureza?

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é. Mas porque a amo, e amo-a por isso, Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem por que ama, nem o que é amar... Alberto Caeiro

           Hoje não vou contar uma história. Não vou escrever um artigo. Vou apenas lembrar quando comecei a aprender a amar e sonhar com a natureza. Isto ainda existe? Ainda tem escoteiros sonhadores? Aqueles que olham o céu e pensam estar viajando pelas estrelas? Faz tempo. Muito tempo. A primeira vez estava com dezessete anos. Ia fazer dezoito. Problemas enormes na mente de um despertar para a vida. Ainda não sabia do valor do silêncio. Resolvi fazer meu primeiro acampamento sozinho. Sem ninguém. Precisava pensar. Porque não? Quem sabe iria descobrir em mim mesmo de onde vim e para onde vou? Mochila nas costas meu querido bornal de couro e lá fui eu. Era um pico famoso em frente à cidade que morava. Fui lá muitas vezes com a Patrulha, com a tropa. Subida difícil. Umas cinco horas para atingir o cume.

          Foi uma experiência fantástica. Nunca tive medo no campo. Não sou corajoso, mas amava o campo. Afinal tudo aquilo que você ama não pode fazer medo. Parti em um sábado à tarde para voltar no domingo. Era fantástica a vista noturna. As luzes piscando por toda a cidade. Pequenos faróis furando ruas e ruas e o rio brilhante sob a luz do luar ziguezagueando como uma enorme serpente querendo devorar a cidade. Acomodei-me sem barracas. Não precisava. Tantas estrelas no céu iriam ser a lona que não tinha. No alto uma grande cruz, serviu como escora para minha mochila e meu travesseiro. Foi a primeira vez que senti na pele a caricia do vento e ouvir os seus cálidos gemidos. Ele soprava firme seguindo seu destino. Adorável vento. Eu não o via, mas sentia. O som era como se eu o tivesse descoberto pela primeira vez. Dormi. Época que ainda dormia a noite inteira. Acordei no lusco fusco da manhã com o rosto molhado pelo orvalho. Ouvi os pássaros cantarem com sons diferentes.  Ainda não podia os identificar, pois não estavam por perto.

         Demorou mais cinco anos para o próximo. Meu local preferido. Serra da Piedade. Uma viagem de trem noturno, saltar com o trem em movimento em uma subida antes do túnel da Viúva. Fui lá antes várias vezes com amigos escoteiros. Mas precisava ficar só. Sem vozes, sem cantoria, sem gritos sem farfalhar de pisadas sobre os galhos soltos por aí. Quatro quilômetros de subida. Outra vista maravilhosa. Quatro cidades no horizonte. Aprendi ali a identificar os grilos, as cigarras, os pássaros noturnos e pela primeira vez vi de perto um lobo guará. Quieto. Olhando-me. Tirei uma linguiça da mochila. Joguei para ele. Comeu com gosto. Nas outras vezes que voltei foi meu companheiro em quase todas as horas que ali estive. Foi lá que passei a admirar o som da chuva. Não importa se torrencial ou não. Quem sabe ouvindo se perde o medo. Até os raios tinham sons e ruídos maravilhosos da noite assim como os trovões. Em cada época do ano o vento soprava diferente.

         Fui a outros lugares. Fiz destas atividades a “Escoteira” (aquele que anda só) um programa anual. Nem sempre pude cumprir. Cada lugar que estava um problema diferente. Mas não passava mais de três ou quatro anos para retornar aos sons da natureza. Acampei sozinho em florestas virgens. Podia sentar em uma árvore centenária e ouvir o seu som quando ela rangia com seus galhos enormes e conversava com o vento. Ela e ele se entendem. Ouvia os pássaros invisíveis nos seus galhos, eu via o brilho do sol tentando escalar sua sombra em aberturas pequenas nas suas folhas. Nas grandes florestas a chuva tem um som diferente. Os animais em festa, os insetos apressados, você sente no corpo um frescor diferente. Parece que a natureza quer falar com você. Já tinha feito vários destes acampamentos a Escoteira.

              Uma vez se me lembro bem foi aqui em São Paulo, me parece que no Parque anhanguera. Não na área do público. Outra que só nós escoteiros podíamos entrar. Uma imensa mata de eucalipto sendo engolida pela mata Atlântica. Como sempre só. Choveu. Barraca armada. Acordei ainda sem ver o sol despontando. O cheiro me bateu em cheio. O cheiro da terra molhada. Um acampador, um mateiro que pela primeira vez sentia o verdadeiro cheiro da terra molhada. Maravilhoso! Incrivelmente maravilhoso! Voltei lá muitas vezes. Nunca acampei sozinho em uma praia deserta. Que sons maravilhosos deve se ouvir pelas madrugadas. Quem sabe um Albatroz. O bater de asas de uma gaivota, um trinta-réis ou um atobás. Quem sabe os tesourões gritando no espaço a procura dos seus cardumes desaparecidos. E as ondas batendo forte ou sôfrega nas areias da praia? E o som imperdível dela chegando e voltando com a mare alta? Já ouvi e vi tudo isto, mas não sozinho. No passado escalei montanhas. Senti lá no alto a paz que procurava.

                  Amei as tempestades e as folhas assustadas que caiam como se fosse no outono. São coisas que deixei para trás. Hoje não posso mais. Mas como em meus sonhos eu volto sempre a Giwell eu também viajo pelo meu passado com as lembranças dos sons da natureza que aprendi a amar e admirar. Não há como esquecer o som de um regato, das grandes cachoeiras com seus peixes coloridos tentando o impossível para a desova. Os peixinhos que pulam a procura de um inseto, no coaxar de um sapinho, do lindo som de uma cascata gigante em uma clareira da floresta ou do bater de asas de papagaios coloridos.  Os sons das abelhas e dos beija flores a procura do néctar nas flores, de olhar uma campina verdejante e ver o vento tocar as folhas e o capim, das flores silvestres e elas como se fosse uma onda no mar vão e vem no horizonte. São tantos os sons da natureza que é impossível dizer que Deus não está ali.


                    Sons, melodias, trinar de pássaros e sorrir de leve para a Coruja Buraqueira com seus enormes olhos olhando para você. Não há como se esquecer da noite do dia, do vermelhão ao nascer e do por do sol. Sons da chuva, da terra molhada, do riacho manso que corre para o mar. Sons das ondas, das gaivotas, dos falcões, dos macacos guinchando nos galhos como se estivessem a rir de nós. Sons das estrelas, da lua, do sol. Sons imperdíveis da nevoa da madrugada. Quantas saudades daqueles dias que o som da natureza me invadia e tomava conta do meu ser. Um som como se estivesse ouvindo melodias nunca antes tocadas por nenhuma orquestra deste mundo. Sons da natureza! Acredito que seja por isto que eu sou feliz, muito!

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