Conversa ao pé do fogo.
Você já ouviu os sons da
natureza?
Eu não tenho
filosofia: tenho sentidos... Se falo na Natureza não é porque saiba o que
ela é. Mas porque a amo, e amo-a por isso, Porque quem ama nunca sabe
o que ama
Nem por que ama, nem o que é amar... Alberto Caeiro
Nem por que ama, nem o que é amar... Alberto Caeiro
Hoje não vou contar uma história.
Não vou escrever um artigo. Vou apenas lembrar quando comecei a aprender a amar
e sonhar com a natureza. Isto ainda existe? Ainda tem escoteiros sonhadores?
Aqueles que olham o céu e pensam estar viajando pelas estrelas? Faz tempo.
Muito tempo. A primeira vez estava com dezessete anos. Ia fazer dezoito.
Problemas enormes na mente de um despertar para a vida. Ainda não sabia do
valor do silêncio. Resolvi fazer meu primeiro acampamento sozinho. Sem ninguém.
Precisava pensar. Porque não? Quem sabe iria descobrir em mim mesmo de onde vim
e para onde vou? Mochila nas costas meu querido bornal de couro e lá fui eu.
Era um pico famoso em frente à cidade que morava. Fui lá muitas vezes com a
Patrulha, com a tropa. Subida difícil. Umas cinco horas para atingir o cume.
Foi uma experiência fantástica. Nunca
tive medo no campo. Não sou corajoso, mas amava o campo. Afinal tudo aquilo que
você ama não pode fazer medo. Parti em um sábado à tarde para voltar no
domingo. Era fantástica a vista noturna. As luzes piscando por toda a cidade.
Pequenos faróis furando ruas e ruas e o rio brilhante sob a luz do luar
ziguezagueando como uma enorme serpente querendo devorar a cidade. Acomodei-me
sem barracas. Não precisava. Tantas estrelas no céu iriam ser a lona que não
tinha. No alto uma grande cruz, serviu como escora para minha mochila e meu
travesseiro. Foi a primeira vez que senti na pele a caricia do vento e ouvir os
seus cálidos gemidos. Ele soprava firme seguindo seu destino. Adorável vento.
Eu não o via, mas sentia. O som era como se eu o tivesse descoberto pela
primeira vez. Dormi. Época que ainda dormia a noite inteira. Acordei no lusco
fusco da manhã com o rosto molhado pelo orvalho. Ouvi os pássaros cantarem com
sons diferentes. Ainda não podia os
identificar, pois não estavam por perto.
Demorou mais cinco anos para o
próximo. Meu local preferido. Serra da Piedade. Uma viagem de trem noturno,
saltar com o trem em movimento em uma subida antes do túnel da Viúva. Fui lá
antes várias vezes com amigos escoteiros. Mas precisava ficar só. Sem vozes,
sem cantoria, sem gritos sem farfalhar de pisadas sobre os galhos soltos por
aí. Quatro quilômetros de subida. Outra vista maravilhosa. Quatro cidades no
horizonte. Aprendi ali a identificar os grilos, as cigarras, os pássaros
noturnos e pela primeira vez vi de perto um lobo guará. Quieto. Olhando-me.
Tirei uma linguiça da mochila. Joguei para ele. Comeu com gosto. Nas outras
vezes que voltei foi meu companheiro em quase todas as horas que ali estive.
Foi lá que passei a admirar o som da chuva. Não importa se torrencial ou não.
Quem sabe ouvindo se perde o medo. Até os raios tinham sons e ruídos
maravilhosos da noite assim como os trovões. Em cada época do ano o vento
soprava diferente.
Fui a outros lugares. Fiz destas
atividades a “Escoteira” (aquele que anda só) um programa anual. Nem sempre
pude cumprir. Cada lugar que estava um problema diferente. Mas não passava mais
de três ou quatro anos para retornar aos sons da natureza. Acampei sozinho em
florestas virgens. Podia sentar em uma árvore centenária e ouvir o seu som
quando ela rangia com seus galhos enormes e conversava com o vento. Ela e ele
se entendem. Ouvia os pássaros invisíveis nos seus galhos, eu via o brilho do
sol tentando escalar sua sombra em aberturas pequenas nas suas folhas. Nas
grandes florestas a chuva tem um som diferente. Os animais em festa, os insetos
apressados, você sente no corpo um frescor diferente. Parece que a natureza
quer falar com você. Já tinha feito vários destes acampamentos a Escoteira.
Uma vez se me lembro bem foi aqui
em São Paulo, me parece que no Parque anhanguera. Não na área do público. Outra
que só nós escoteiros podíamos entrar. Uma imensa mata de eucalipto sendo
engolida pela mata Atlântica. Como sempre só. Choveu. Barraca armada. Acordei
ainda sem ver o sol despontando. O cheiro me bateu em cheio. O cheiro da terra
molhada. Um acampador, um mateiro que pela primeira vez sentia o verdadeiro
cheiro da terra molhada. Maravilhoso! Incrivelmente maravilhoso! Voltei lá
muitas vezes. Nunca acampei sozinho em uma praia deserta. Que sons maravilhosos
deve se ouvir pelas madrugadas. Quem sabe um Albatroz. O bater de asas de uma
gaivota, um trinta-réis ou um atobás. Quem sabe os tesourões gritando no espaço
a procura dos seus cardumes desaparecidos. E as ondas batendo forte ou sôfrega
nas areias da praia? E o som imperdível dela chegando e voltando com a mare
alta? Já ouvi e vi tudo isto, mas não sozinho. No passado escalei montanhas.
Senti lá no alto a paz que procurava.
Amei as tempestades e as
folhas assustadas que caiam como se fosse no outono. São coisas que deixei para
trás. Hoje não posso mais. Mas como em meus sonhos eu volto sempre a Giwell eu
também viajo pelo meu passado com as lembranças dos sons da natureza que
aprendi a amar e admirar. Não há como esquecer o som de um regato, das grandes
cachoeiras com seus peixes coloridos tentando o impossível para a desova. Os
peixinhos que pulam a procura de um inseto, no coaxar de um sapinho, do lindo
som de uma cascata gigante em uma clareira da floresta ou do bater de asas de
papagaios coloridos. Os sons das abelhas
e dos beija flores a procura do néctar nas flores, de olhar uma campina
verdejante e ver o vento tocar as folhas e o capim, das flores silvestres e
elas como se fosse uma onda no mar vão e vem no horizonte. São tantos os sons
da natureza que é impossível dizer que Deus não está ali.
Sons, melodias, trinar de
pássaros e sorrir de leve para a Coruja Buraqueira com seus enormes olhos
olhando para você. Não há como se esquecer da noite do dia, do vermelhão ao
nascer e do por do sol. Sons da chuva, da terra molhada, do riacho manso que
corre para o mar. Sons das ondas, das gaivotas, dos falcões, dos macacos
guinchando nos galhos como se estivessem a rir de nós. Sons das estrelas, da
lua, do sol. Sons imperdíveis da nevoa da madrugada. Quantas saudades daqueles
dias que o som da natureza me invadia e tomava conta do meu ser. Um som como se
estivesse ouvindo melodias nunca antes tocadas por nenhuma orquestra deste
mundo. Sons da natureza! Acredito que seja por isto que eu sou feliz, muito!
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