Margarida, um jagunço gente boa.
“Sordado marvado, sai da carçada que
lá vai porva!”
Conheci Margarida em uma jornada que eu e mais quatro seniores fazíamos quando
resolvemos ir até Malacacheta, a convite do Chefe Mauricio que disse ter um
grupo novo lá. Eu, Israel, Laerte, Romildo e Chiquinho éramos inseparáveis. A
distância de nossa cidade e a dele não era grande. Acredito que uns cento e
cinquenta quilômetros. Como saímos em uma sexta quase as três da tarde,
resolvemos pernoitar próximo ao Rio do Peixe. Uma lua linda não montamos
barraca. Íamos dormir sob as estrelas. Nossa sopinha Estava quase no ponto.
Escurecia quando ele chegou. A pé. Magro, barbudo, uma fileira de dente todos
cariados. Usava perneiras, pois era uma região espinhosa. Chapéu de couro. No
ombro seu fuzil inseparável que ele chamava de Loló. Amarrado na barriga um
enorme colt 45. Depois fiquei sabendo que em cada perna tinha um punhal
escondido.
Posso me adentrá? Falou baixinho. Olhamos espantados. Ele sério. – Me chamo
Margarida, dá para comer com vocês? – Claro eu disse. Ficamos de olho e atento
no que ele ia fazer. Coragem? Nada disto, mas dizem que ficar alerta faz bem em
toda e qualquer ocasião. Sentou tirou um prato sujo do seu bornal e Israel
encheu. Comeu feito um danado. Não pediu mais. Só água. Tínhamos café no bule
esquentando no canto do fogão tropeiro. Bebeu com gosto. – Falou pouco. Meu
nome é Margarida, meu pai me deu. Nunca mudei. Por causa dele matei muita
gente. Se me chamam sem rir, tudo bem se derem um risinho esquento o bucho
dele. – Olhei para Israel e ele piscou. Queria rir. Meu Deus! Não deixe rir!
- Não precisam ficar com medo. Me trataram bem. Vou embora lá pelas três da
manhã. Podem dormir tranquilos. Enrosquei em minha capa preta em volta do fogo.
– Você nasceu onde? Perguntei. – Em Barra Dourada. Próximo a nascente do
Paraopeba. Lembrei-me do rio. Cascalho imundo. Pobre do rio. Estragaram ele
tentando achar um ouro que não tinha. Até hoje as máquinas estão lá sujando o
rio. Chiquinho queria saber mais. – Matou quantos Senhor Margarida? – Não me
chame de Senhor. Senhor é o Senhor seu pai! – Putz grila! Mas se quer saber
matei mais de dez. Muitos porque riram do meu nome. Maldita hora que meu pai me
batizou assim. Queria uma menina e nasci macho. Agora não tenho onde ficar. A
policia de captura sempre está atrás de mim.
Fiquei calado. Israel me olhava e piscava os olhos. Margarida desconfiou. -
Porque esta piscação? Nada Seu Margarida. Israel tem um defeito na pálpebra. –
E que merda é esta de pálpebra? Danou-se! Custei para explicar. Já estava
tremendo. Margarida passou boa parte da noite sentado. Eu não consegui dormir.
Fingia que dormia. Às três da manhã juntou suas coisas, um bornal que devia
levar suas balas, seu fuzil e já ia partir quando dei ele um farnel de biscoito
de polvilho. Agradeceu, ficou em posição de sentido, gritou Sempre Alerta e
partiu sem sorrir. Consegui cochilar até as seis. Ouvi um tropel de cavalos.
Cinco soldados e um Capitão. Deviam ser da tal policia de captura.
Ninguém apeou. O Capitão perguntou – Viram um jagunço magro, barbudo, armado
até os dentes por estas bandas? E agora José? O Escoteiro tem uma só palavra
falar o que? – Não Senhor. Chegamos aqui à meia noite. Só deu para fazer uma
sopinha um café e já íamos partir. – Vão para onde? Malacacheta Senhor Capitão.
Fazer o que lá? Um Chefe Escoteiro nos convidou. Nos olhou como quem não acredita.
Deu até logo e partiu. Pegamos as bicicletas, arrumamos tudo e quando íamos
partir um barulho no mato e surgiu Margarida. – Ainda bem que não disseram
nada, falou. Estava com a Loló (fuzil) armada e se dissesse que me viram iam
levar uns tiros no rabo!
Foi embora cantando. “Sordado marvado, sai da carçada que lá vai porva!”.
Resolvemos voltar para nossa cidade. O Chefe Mauricio que nos desculpasse. Para
dizer a verdade eu estava com as calças toda molhada e outros com elas borradas.
Não dava mais para prosseguir. Nunca mais ouvimos falar de Margarida. Do
capitão não. Era famoso. Quando a cadeia estava cheia, pegava uns ladrõezinhos
de fancaria colocava em fila e saiam pela cidade e fazendo-os gritarem – Roubei
galinha! Roubei o porquinho da dona Noêmia. Depois soltava. Pois é. Meu
escotismo tem muitas histórias. Diferente de hoje, mas sei que tem muitos que
ainda fazem belas aventuras. E viva o Margarida se já não morreu!
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